sexta-feira, 26 de novembro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Decisão do Supremo é para ser cumprida

O Estado de S. Paulo

O STF já decidiu que deve ser dada ampla publicidade às emendas de relator. Não há espaço para manobras ou evasivas para manter sigilo

Ao determinar que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral”, exceto quando a divulgação dessas informações implica risco à segurança da sociedade ou do Estado, a Constituição deixa evidente que a transparência é a regra na administração pública, e o sigilo, exceção.

Não foi por outra razão que o Supremo Tribunal Federal (STF), guardião da Constituição, decidiu que o governo federal sustasse imediatamente o pagamento das emendas de relator-geral do Orçamento, as chamadas emendas RP9, e o Congresso desse “ampla publicidade” aos repasses já realizados em 2020 e 2021 por meio dessa rubrica, ou seja, informasse quem foram seus “patronos”, além de divulgar valores e destinatários. Em outras palavras: o Supremo decidiu que o “orçamento secreto”, mecanismo de compra de apoio parlamentar ao governo federal revelado pelo Estado, deixasse de ser secreto. Só há um Orçamento da União, sobre o qual não pode pairar qualquer suspeição em relação à sua lisura.

A decisão liminar da ministra Rosa Weber, corroborada na íntegra pela ampla maioria de seus pares, foi de uma clareza solar. “O regramento pertinente às emendas de relator”, decidiu a ministra, “distancia-se dos ideais republicanos, tornando imperscrutável a identificação dos parlamentares requerentes e destinatários finais das despesas nelas previstas, em relação aos quais, por meio do identificador RP-9, recai o signo do mistério.” De fato, mistérios envolvendo assuntos de interesse coletivo são incompatíveis com uma República democrática.

Se a própria existência das emendas de relator já é um grave erro por si só, haja vista que, como decidiu o STF, a inovação orçamentária colide frontalmente com a Constituição, é de espantar que os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em vez de acabar com as RP-9 e informar, afinal, quem propôs as emendas de relator até agora e para onde foram bilhões de reais distribuídos a parlamentares leais aos interesses do Palácio do Planalto fora dos controles institucionais, simplesmente decidam descumprir a ordem do Supremo, como se isso fosse uma opção.

Em Ato Conjunto das Mesas de ambas as Casas Legislativas, o Congresso informou que descumprirá a ordem em virtude da “não exigência e a inexistência de procedimento preestabelecido por lei para registro formal” das emendas RP-9. Ora, dada a questionável “impossibilidade fática” de apurar quem pediu, quem indicou e quem recebeu recursos públicos sob as sombras, o Congresso, contrariando o Supremo, repita-se, pretende que tudo fique como está. Ou seja, transparência, se houver, só a partir de 2022.

Não foi isso o que decidiu a instância máxima do Poder Judiciário, cuja missão não é outra senão exercer o controle da constitucionalidade de leis, decretos e outras normas. Se a falta de lei referida por Pacheco “não exigia” a identificação dos autores das emendas de relator, o que vale, evidentemente, é a regra geral de transparência inscrita na Constituição e em boa hora reforçada pelo STF. Os nomes, portanto, devem ser declarados. Decidiu-se justamente acabar com a falta de transparência que, ao fim e ao cabo, Pacheco sustenta ser legal.

O objetivo da cúpula do Congresso parece ser o de manter em segredo os nomes de parlamentares beneficiados com emendas de relator em 2020 e 2021.

O Estadão/Broadcast apurou que o presidente do Senado pretende procurar ministros do STF para sustentar que a publicidade sobre os repasses das emendas de relator passe a valer apenas para o Orçamento de 2022. Qual seria o fundamento dessa conversa fora dos autos? Não é papel dos presidentes das Casas Legislativas modular por meio de “embargos auriculares” uma decisão já tomada pelo STF. Isso seria tão antirrepublicano quanto o próprio “orçamento secreto”.

O STF já decidiu que deve ser dada “ampla publicidade” aos repasses por meio de emendas RP-9 realizados em 2020 e 2021. Não cabe discussão. A decisão do Supremo, por óbvio, deve ser cumprida integralmente. Não há espaço para manobras ou evasivas.

Justiça que tarda é falha

O Estado de S. Paulo.

Por causa da ausência da procuradora da PGR, o STJ adiou a decisão de ações contra desembargadores que há 11 anos são acusados de corrupção

STJ adiou decisão de ações contra desembargadores acusados de corrupção.

Contrariando o antigo ditado de que a Justiça tarda, mas não falha, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) adiou o julgamento das ações criminais que tratam de um rumoroso caso de corrupção envolvendo advogados, juízes e desembargadores do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES). Eles são acusados de manter um esquema de venda de sentenças e de manipular a promoção ao cargo de desembargador de juízes de 1.º grau.

Com feições kafkianas, esse caso se arrasta há mais de 11 anos, e cinco dos acusados já faleceram. Um dos acusados foi presidente da Corte e chegou a ser preso em 2008, durante a Operação Naufrágio. Outro acusado teve um diálogo interceptado no qual prometia dar uma determinada decisão num caso de interesse de membros do TJES, com a condição de que fosse promovido a desembargador. Ele permanece no tribunal até hoje e, em novembro, foi eleito vice-corregedor do tribunal. Com isso, será encarregado de apurar irregularidades de magistrados. Ou seja, se o STJ continuar adiando o julgamento dessas ações, um desembargador acusado de corrupção será quem investigará colegas que forem denunciados de cometer o mesmo crime.

Apesar da importância dessas ações, que tinham sido pautadas pelo STJ para ser apreciadas no dia 17 de novembro, desta vez o motivo de mais um atraso foi causado pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Responsável pela acusação, nesse dia a subprocuradora Lindôra Araújo estava em Lisboa, em viagem custeada pela PGR, para participar de um fórum promovido por uma faculdade particular que tem como sócio um ministro do Supremo Tribunal Federal. O encontro foi anunciado como evento acadêmico, mas acabou sendo basicamente político, com a participação de vários parlamentares e dirigentes partidários, como o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSDMG), e o presidente do PSD, o ex-prefeito Gilberto Kassab.

Para substituir a subprocuradora, a PGR indicou o subprocurador-geral Carlos Frederico Santos, que recebeu os processos na noite anterior à sessão de julgamento. Assim que ela foi iniciada, Santos afirmou que não teve tempo de ler as 4,5 mil páginas dos autos e não poderia atuar no caso, uma vez que sua filha era advogada de defesa de um dos acusados. O relator do primeiro processo a ser julgado, ministro Francisco Falcão, chegou a pedir ao presidente do STJ, Humberto Martins, que pelo menos pudesse ler seu relatório, com mais de cem páginas. Apesar de, no meio da sessão, a PGR ter prometido indicar às pressas um novo subprocurador, Martins adiou o caso para dezembro. Contudo, como esse é um mês curto por causa do Natal, nada garante que até lá não surjam novos pretextos para adiar novamente a apreciação dessas ações para depois das férias forenses, em 2022.

A Justiça brasileira conta com cerca de 17 mil magistrados. Entre 2006 e 2020, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) puniu, no plano administrativo, 118 servidores, juízes e desembargadores. No plano judicial, o número de condenações penais de juízes é ainda menor. Para as entidades da magistratura, esses números comprovam que a categoria é honesta e comprometida com suas funções constitucionais. Sociólogos especializados em pesquisas judiciais, porém, lembram que essa afirmação tem de ser interpretada com cuidado. Em primeiro lugar, por causa das artimanhas dos advogados de defesa, que prolongam a tramitação das ações penais até que prescrevam, sem decisão de mérito. E, em segundo lugar, por causa do corporativismo que muitas vezes impera nos julgamentos de juízes supostamente envolvidos em irregularidades. O mirabolante caso do TJES não ajuda a mitigar a desconfiança de que os acusados estão sendo de alguma forma protegidos por seus pares.

Independentemente de quem tenha razão, o fato é que causa estranheza mais um adiamento da apreciação, pelo CNJ, de ações penais contra magistrados capixabas que se arrastam há inacreditáveis 11 anos.

Ideia fixa

Folha de S. Paulo

Provocação de radicais ao STF reflete desejo de Bolsonaro de controlar a corte

Jair Bolsonaro ficou mais quieto nos últimos meses, como resultado da trégua estabelecida com o Supremo Tribunal Federal em setembro, mas radicais no seu entorno não cansam de mostrar os dentes.

Foi o que aconteceu mais uma vez na terça (23), quando a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados deu sinal verde para uma proposta de emenda constitucional que altera a idade de aposentadoria dos ministros do STF, de 75 para 70 anos.

De autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF), a iniciativa casuísta abriria caminho para Bolsonaro preencher mais duas vagas no tribunal, ao levar à aposentadoria Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Ambos estão com 73 anos.

Embora a admissibilidade da emenda tenha sido aprovada na comissão com amplo apoio das bancadas controladas pelo centrão, líderes do bloco disseram no dia seguinte que são remotas as chances de a ideia avançar ao plenário.

Mas o recado dificilmente poderia ter sido mais explícito. Em toda parte, o movimento foi entendido como resposta à recente decisão de Rosa Weber que, acertadamente, suspendeu a execução de emendas orçamentárias controladas pelo centrão.

O apoio à mudança deve ser visto também como um lembrete de que o desejo dos bolsonaristas de manietar a mais alta corte do país, expresso pelo chefe do Executivo e seus aliados desde a campanha eleitoral, jamais arrefeceu.

Há poucas semanas, Bolsonaro lamuriou-se por não poder contar com mais votos no plenário do Supremo. Entre os atuais dez integrantes do tribunal, o único indicado por ele é Kassio Nunes Marques, que não perde oportunidade de demonstrar sua fidelidade.

O magistrado poderá ganhar companhia na próxima semana, quando o Senado deve enfim examinar a indicação de André Mendonça para a vaga aberta pela aposentadoria de Marco Aurélio Mello.

Bolsonaro apresentou o nome de seu ex-ministro da Justiça em julho, mas esbarrou na resistência do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), que se opõe à escolha e controla a agenda da comissão que sabatinará o candidato a juiz.

É bom que Alcolumbre tenha encerrado a procrastinação desarrazoada, que se arrastou por quase quatro meses. Espera-se agora que os senadores cumpram com zelo sua obrigação de examinar a biografia e as qualificações de Mendonça para a função.

Dado o servilismo que marcou sua atuação como auxiliar de Bolsonaro no auge de suas hostilidades contra as instituições, as desconfianças que o cercam são justificadas. Caberá ao Senado escrutiná-lo com rigor —e rejeitá-lo se não se mostrar à altura do cargo.

Culpas na Amazônia

Folha de S. Paulo

Mourão admite fiasco de ação militar, mas políticas antiambientais vão além

Numa administração que prima por fugir da responsabilidade de governar, como a de Jair Bolsonaro, não deixa de ser motivo de surpresa quando algum de seus integrantes admite publicamente sua culpa por maus resultados obtidos.

Foi o que fez o vice-presidente, Hamilton Mourão, ao comentar a devastação na Amazônia Legal, que neste ano cresceu 22% ante 2020 e atingiu nada menos que 13.235 km², o maior território desde 2006.

"Se você quer um culpado, sou eu. Não vou dizer que foi ministro A, ministro B ou ministro C. Eu não consegui fazer a coordenação e a integração [entre as forças militares e os órgãos ambientais] da forma que ela funcionasse", pontificou o vice-presidente após a mais recente reunião do Conselho Nacional da Amazônia Legal.

Se a causa da nova alta do desmate foi mesmo a falha de integração, como afirma Mourão, ou se os reais motivos são outros, o fato é que a aventura do Exército na Amazônia fracassou rotundamente.

Ao custo de R$ 550 milhões, as três intervenções militares de combate a crimes ambientais fizeram muito barulho, mas não chegaram perto de cumprir o objetivo de coibir o desmatamento na região. Pelo contrário, este só fez aumentar nos últimos três anos.

Nesse período, a média de destruição florestal foi de 11.405 km² por ano. Trata-se de número 51% maior do que o registrado em 2018 e 75% mais alto do que a média do intervalo 2009-2018.

O aumento do corte raso, não surpreende, se deu em meio a uma redução drástica das multas por infrações contra a flora, que chegaram ao menor patamar em 15 anos.

Entretanto, por mais culpa que Mourão possa atribuir a si, a ninguém escapa que as causas atuais dos problemas na Amazônia transcendem a Vice-Presidência.

Em parceria com o ex-ministro Ricardo Salles, Jair Bolsonaro desmantelou os órgãos de controle ambiental ao mesmo tempo em que incentivava o agronegócio predador, garimpeiros, madeireiros ilegais e grileiros que invadem unidades de conservação, terras indígenas e outras áreas da União.

Essa política antiambiental não apenas teve papel crucial nos resultados ominosos revelados pelos satélites como deixa pouca esperança para o futuro próximo. Em setembro e outubro os alertas de desmatamento já ultrapassaram os dos mesmos meses de 2020. Nessa toada, pode-se esperar mais mea-culpa do vice-presidente.

Senado torna ainda pior o texto da PEC dos Precatórios

O Globo

As notícias de Brasília dão a impressão de que parte do Congresso entrou numa máquina do tempo e voltou à época em que se acreditava em árvores mágicas de onde brota dinheiro. Só esse tipo de fantasia pode explicar o teor do texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios em exame no Senado.

A PEC dos Precatórios, aprovada na Câmara, é também chamada de PEC do Calote porque, se passar pelo Senado, adiará o pagamento até de dívidas do governo já decididas na última instância da Justiça. Também dará um golpe mortal na credibilidade do governo, ao romper o teto de gastos, mecanismo adotado em 2016 para disciplinar governos perdulários e garantir a saúde fiscal do país. O pretexto para tudo isso é financiar o Auxílio Brasil, programa social que substituiu o Bolsa Família e poderia, se Executivo e Legislativo quisessem, ser financiado com cortes noutras áreas, como o absurdo orçamento secreto, que tem sido usado para garantir o apoio de parlamentares a projetos do governo.

O texto que saiu da Câmara já traz um retrocesso sem paralelo. A justificativa para o calote nas dívidas poderia ter sido a falta de dinheiro para pagá-las dentro do teto de gastos. Mas não. A Câmara determinou que haverá calote mais ruptura do teto, abrindo o tão falado “espaço fiscal” — pela última conta do governo, R$ 106 bilhões — para permitir todo tipo de manobra eleitoreira. Além do Auxílio Brasil, programa de eficácia para lá de discutível, cria-se dinheiro para dar ajuda aos caminhoneiros, aumento ao funcionalismo, cobrir os reajustes nos benefícios indexados pela inflação e outras “bondades”.

Pois o relator da PEC no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), logrou a proeza de piorar o que já era inaceitável. No documento apresentado na quarta-feira, enumera sete mudanças. A mais grave torna permanente o valor estipulado para o Auxílio Brasil — os R$ 400 por mês que resultam dos cálculos impenetráveis do presidente Jair Bolsonaro. E sem dizer de onde o dinheiro sairá, como determina a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Qualquer novo gasto permanente deveria ser acompanhado de corte equivalente ou nova fonte de receita. Em suma: além de dar calote e furar o teto, a PEC solapa o principal pilar da LRF.

É até compreensível que, às vésperas de um ano eleitoral, políticos tenham interesse em passar a imagem de que se preocupam com os mais necessitados. Mas o Congresso aparentemente perdeu a noção da realidade ao liberar gastos como se não houvesse amanhã. É evidente que ajudar os pobres neste momento deve ser prioridade. Só que isso precisa ser feito sem desmontar o arcabouço legal criado para limitar o gasto público e o crescimento da dívida, que levou tanto tempo construir.

É ele que dá aos agentes econômicos a garantia da estabilidade necessária para planejar investimentos e gerar empregos. Mantê-lo também assegura patamares mais baixos de juros, por fortalecer a percepção de que o governo honrará seus compromissos. Sem a credibilidade, há fuga de capital para ativos como o dólar, alimentando a corrida perversa de preços e salários, a conhecida inflação. Por desarmar os mecanismos de controle de gastos, a PEC é inflacionária — e, se aprovada, punirá primeiro quem os parlamentares mais querem ajudar: os pobres. O Estado tem limites, e o Congresso deveria saber disso, em vez de vender a ilusão de que dinheiro nasce em árvore.

Balsas de garimpeiros no Madeira são prova da complacência de Bolsonaro

O Globo

O vice-presidente Hamilton Mourão, chefe do Conselho Nacional da Amazônia Legal, reconheceu na terça-feira que não houve integração entre as Forças Armadas e os órgãos de fiscalização ambiental (Ibama e ICMBio) no combate ao desmatamento da Amazônia. Indagado sobre as causas, explicou que o poder de decisão está com o presidente e os ministros. É, portanto, Jair Bolsonaro quem deve explicações sobre a inação, ao longo de quase duas semanas, das instituições federais responsáveis por manter a lei e a ordem diante das imagens de balsas e dragas de garimpeiros ilegais ancoradas no Rio Madeira.

Que ninguém se engane com a operação que Polícia Federal e Marinha agora prometem realizar. Mesmo que ela enfim aconteça, o governo Bolsonaro continua devendo respostas: por que as milícias de garimpeiros que devastam os rios em busca de ouro e mantêm ligações com o narcotráfico não foram alvo imediato de ação repressiva? A desculpa de que as embarcações estão dispersas pela vastidão da Amazônia não tem cabimento, como comprovam as fotos que chocaram os brasileiros e tornaram o país alvo de chacota. Por que Bolsonaro não promove investigações contra os líderes dessas organizações criminosas, muitos ex-policiais, muitos ligados à política local?

Há, nas palavras ditas à GloboNews pelo ex-ministro do Meio Ambiente e deputado estadual Carlos Minc (PSB-RJ), enorme “distância entre intenção e gesto” das autoridades. “O gesto é este: o governo estimula armas, acoberta milícias, compactua com o desmatamento”, disse Minc. “A Amazônia está entregue: rios contaminados, verde desmatado e ouro indo lá para fora.” Os rios são contaminados com mercúrio e produtos químicos. Servem de corredor ao tráfico de drogas, como o próprio Mourão admitiu. Garimpeiros invadem terras indígenas e desmatam áreas de proteção. A maior parte do ouro é contrabandeada. Grupos à margem da lei ganham cada vez mais força.

Ainda que o Brasil não estivesse comprometido com o combate às mudanças climáticas, a preservação da biodiversidade ou o direito dos indígenas, não faz sentido transformar, de forma deliberada, a região da floresta em terra sem limites para bandidos. A não ser que se acredite na ideia bisonha de que é preciso ocupar e destruir a Amazônia para garantir a soberania do território.

Passou da hora de Bolsonaro acordar. Ele precisa dar sinais inequívocos de que deixará de acobertar os crimes praticados à luz do dia, de forma escancarada e provocativa, por garimpeiros. Para medir se haverá avanço, a opinião pública precisa ficar atenta. É provável que policiais e navios da Marinha cheguem à região. As imagens serão fartamente exploradas. Mas o verdadeiro parâmetro serão as investigações, indiciamentos e prisões não só no Madeira, mas nas grandes cidades da região e em Manaus, onde vivem e atuam as lideranças. No começo de 2022, valerá a pena conferir quantas balsas apreendidas estarão fora de ação. Em caso de impunidade, não se poderá culpar o vice-presidente apenas. O responsável será, principalmente, o chefe dele.

Fed e BCE agem com cautela diante de alta da inflação

Valor Econômico

A recondução de Jerome Powell ao comando do Fed asseguram que o banco manterá o rumo de sua política

As principais autoridades monetárias do mundo, o Federal Reserve americano e o Banco Central Europeu, mantiveram o sangue frio e seu diagnóstico de que a atual onda inflacionária, a maior em mais de uma década, é transitória, embora persista por mais tempo que o previsto, e deve perder força em 2022. As dúvidas dos investidores sobre esta aposta cresceram, mas o sinal dado pelos bancos centrais é que até mesmo parte dos estímulos extras para combater os devastadores efeitos da pandemia continuarão no horizonte por mais algum tempo. Dos dois lados do Atlântico, os BCs consideram agora, de novo, qual será a extensão e os estragos que novas ondas de covid-19 poderão causar.

As incertezas cresceram tanto para a atividade da economia quanto para a inflação. Uma nova extensão do contágio, segundo o Federal Reserve, traz tanto um risco de baixa para o crescimento quanto, ao perturbar cadeias de suprimento que ainda não estão regularizadas, um risco de alta para a inflação. O CPI em outubro foi de 6,2% nos doze meses encerrados em outubro. A medida preferida pelo Fed, o índice de gastos pessoais de consumo (PCE), após se aquietar por um par de meses, voltou a subir. O número cheio aumentou de 4,4% em setembro para 5% agora. O núcleo, que exclui alimentos e energia, foi de 3,7% para 4,1%. As estatísticas da covid-19 são preocupantes em um país que vacinou pouco menos de 60% da população com as duas doses. Só em novembro o número de casos aumentou 30%, com as internações atingindo na terça-feira a média de 94,3 mil. A pandemia já matou mais de 770 mil americanos.

Há pressão clara da oferta de trabalhadores, que pode culminar em uma espiral de preços e salários, uma dinâmica que o Fed ainda não viu expressa nas estatísticas, apesar de relatos generalizados de escassez de mão de obra e oferta de remunerações maiores. Reajustes de salários chegaram a 3,7% no terceiro trimestre em relação ao mesmo período de 2020 - não muito maiores que os 3,4% pré-pandemia - e o índice de custo do emprego subiu no trimestre 1,3%, ante 0,7% no trimestre anterior.

Por outro lado, vários membros do Fed argumentaram que a taxa de participação na força de trabalho é ainda inferior à de antes da pandemia, algo que pode ou não se manter. Para uns, a mudança é estrutural, para outros houve um grande número de aposentadorias com a pandemia e há escassez de creches para que as famílias voltem ao trabalho.

Seja como for, o Fed não mudou sua avaliação sobre a inflação, apesar de vários participantes do comitê de mercado aberto verem preocupantes sinais de persistência, como a capacidade de as empresas repassarem preços e os indicadores de inflação de longo prazo sinalizarem que as expectativas estão menos ancoradas agora. Prevaleceu a posição de que a dinâmica inflacionária não mudou, que os fatores que estão provocando a alta de preços são os mesmos que já o fazem há meses e que atenuarão sua pressão no ano que vem.

A ata da reunião do BCE divulgada ontem indica que o banco se moverá igualmente com calma, mantendo todas as posições em aberto. Em outubro, a inflação na zona do euro foi de 4,1% (a maior em 13 anos), mas o comunicado do banco aponta que houve “amplo acordo sobre a forma de corcova da inflação a curto prazo”, apesar de mencionar as “elevadas incertezas sobre a inflação”. Em dezembro, o BCE reavaliará suas projeções e é esperado que o programa extraordinário de compras de títulos iniciado na pandemia, de € 1,85 trilhão termine em março. Este, porém, é o estímulo adicional, mas o programa de compra de ativos de longo prazo será mantido. A taxa de juros na zona do euro é de -0,5%.

Sob pressão menor do que o Fed, a direção do BCE deixou ampla margem de manobra, ao considerar importante que sua direção “evite uma reação exagerada assim como uma injustificada inação” e mantenha um “leque de opções de calibrar a política monetária para todos os cenários inflacionários que possam se desenrolar”. Como orientação, o comunicado diz muita coisa e, ao mesmo tempo, nada - a não ser que o BCE vai agir de acordo com as circunstâncias.

A recondução de Jerome Powell ao comando do Fed, secundada por Lael Brainard, conhecida por suas posições menos ortodoxas, asseguram que o banco manterá o rumo de sua política até ser confrontado claramente por ventos contrários e que, mesmo nessas circunstâncias reagirá com cautela. A ressurgência da covid no inverno é decisiva para os próximos passos do Fed, seja para antecipar o fim de seu programa de compras e iniciar ciclo de alta dos juros, seja para postergar a compra e a normalização.

 

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