segunda-feira, 29 de novembro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

O estado da democracia

O Estado de S. Paulo.

País sofre abalos nos pilares democráticos desde a eleição de Jair Bolsonaro, mas está longe de ser um país autoritário

Uma democracia vigorosa se sustenta sobre um tripé formado por eleições limpas, liberdade de expressão e associação assegurada por lei e plena vigência do Estado de Direito. É o que o cientista político Tom Ginsburg e o jurista Aziz Huq, professores da faculdade de Direito da Universidade de Chicago, chamam de “predicados básicos da democracia”. Falar em retrocesso democrático, portanto, implica constatar que ao menos um dos elementos desta tríade não vai bem, deixando capenga todo um sistema de direitos e deveres finamente equilibrado.

De acordo com o relatório Estado da Democracia Global 2021, publicado recentemente pelo Instituto Internacional pela Democracia e Assistência Eleitoral (Idea, na sigla em inglês), o Brasil foi um dos países que registraram retrocesso democrático em 2020, ano marcado pela pandemia de covid-19. É preciso entender muito bem os eventos que contribuíram para esse resultado a fim de evitar uma erosão ainda maior dos pilares democráticos no País no futuro próximo.

O Idea avalia o estado da democracia em cerca de 160 países, nos cinco continentes, há décadas. Desde 2016, o Brasil é um dos países-membros da organização intergovernamental, sediada em Estocolmo. Para medir a higidez da democracia nos países avaliados, o Idea leva em consideração critérios como a legitimidade dos governantes, a participação da sociedade nas definições de políticas públicas, a impessoalidade da administração pública, a garantia de direitos fundamentais e o funcionamento do sistema de freios e contrapesos.

Em relação ao Brasil, nenhum reparo há de ser feito à legitimidade do presidente Jair Bolsonaro, escolhido para dirigir o País pela maioria dos eleitores após uma eleição incontestavelmente limpa. Tampouco se pode dizer que a sociedade não participa dos debates para formulação de políticas públicas. O Brasil é uma democracia representativa e o Congresso está em pleno funcionamento, em que pesem as muitas críticas que podem ser feitas às suas deliberações. Igualmente, a imprensa é livre no Brasil para publicar o que julga ser de interesse público. Basta lembrar que foi graças ao jornalismo independente praticado por este jornal há quase 147 anos que a sociedade tomou conhecimento do escândalo do “orçamento secreto”, o que levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a proibir a obscena apropriação de recursos públicos para compra de apoio parlamentar ao governo federal.

Logo, não seria correto – como não fez o Idea – classificar o Brasil como um país marcadamente autoritário. Isso não significa, contudo, que os pilares democráticos não estejam sendo constantemente atacados por Bolsonaro desde sua eleição para a Presidência da República. O Idea cita nominalmente o presidente brasileiro como o responsável pelo retrocesso democrático apurado no Brasil.

Bolsonaro convocou e participou de manifestações de cunho explicitamente golpista. O governo brasileiro também patrocina uma campanha de hostilidade contra o jornalismo independente. Em sua visão obtusa do que seja governar, Bolsonaro não concebe a divisão e a harmonia entre os Poderes, tomando como agressões pessoais quaisquer decisões tomadas pelos Poderes Legislativo e Judiciário que contrariem seus interesses.

Como se não bastasse tudo isso, o mais grave, aponta o relatório, é a ameaça de Bolsonaro de não reconhecer o resultado da eleição presidencial de 2022 caso não seja ele o eleito. A ausência de transmissão pacífica do poder após uma eleição limpa foi a razão que levou o Idea a incluir os EUA, pela primeira vez, no rol dos países que registraram retrocesso democrático em 2020. Entre arroubos e recuos de conveniência, Bolsonaro tem dado sinais de que não apenas não passará a faixa presidencial para seu sucessor, caso seja derrotado no pleito, como mobilizará uma súcia de apoiadores para provocar no Brasil a mesma confusão que Donald Trump provocou nos EUA ao ser derrotado por Joe Biden.

Todo cuidado é pouco. Bolsonaro não tem a sociedade a seu lado para aventuras liberticidas. Se confusão houver, será por conta de fanáticos, sobre os quais deve recair todo o peso da lei. Isso sim é democrático.

Vulnerabilidades da agricultura

O Estado de S. Paulo

Organismo da ONU mostra como a pandemia afetou a produção mundial de alimentos e aponta fragilidades em vários países, como o Brasil

As previsões para a próxima safra brasileira de grãos, que deve alcançar 289,8 milhões de toneladas, 14,7% mais do que na safra 2020/21, mostram como a agricultura brasileira resistiu aos impactos mais fortes da pandemia e readquiriu vigor quando os piores efeitos começaram a ser superados. Ainda assim, o número de brasileiros que passam fome aumentou. Obviamente isso não é consequência da falta de alimentos, mas da falta de renda. Entre outros muitos problemas que a covid-19 acentuou ou gerou está o do empobrecimento de parcelas da população mundial que já tinham dificuldades de acesso a bens e serviços essenciais.

O efeito da pandemia sobre a produção, distribuição e consumo de alimentos tem levado autoridades nacionais e organismos internacionais a discutir meios que mitiguem as consequências de crises futuras. Em relatório no qual avalia a capacidade de resistência da agricultura mundial à pandemia, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) aponta pontos de sustentação e de fragilidade nos diferentes países. Mostra também que, apesar de sua pujança – visível não apenas nos números expressivos da produção e da produtividade, mas no espaço que conquistou no mercado mundial –, o agronegócio brasileiro não está livre de riscos.

O aumento da pobreza é uma das consequências sociais mais graves da pandemia observado em boa parte dos países, e não apenas nos mais pobres. No Brasil, segundo a FAO, das pessoas que perderam renda na pandemia, mais de 60% passaram a receber metade ou menos do que recebiam antes da crise sanitária; praticamente um terço perdeu de 25% a 50%. Em consequência, diminuíram os gastos com alimentação nos grupos mais afetados. Daí o aumento das pessoas que passam fome.

Mas a crise gerada pela covid-19 também acentuou alguns e permitiu identificar outros pontos de vulnerabilidade de um setor produtivo normalmente sujeito a crises causadas por enchentes, secas, guerras ou oscilações muito fortes dos preços. São vários os riscos a que está sujeita uma atividade essencial que produz 11 bilhões de toneladas de alimentos por ano e emprega, direta e indiretamente, 4 bilhões de pessoas, segundo a FAO. Também aqui o Brasil mereceu citação no relatório.

A produção de alimentos envolve um sistema complexo, com inúmeras fases e agentes. Crise numa etapa pode afetar todo o conjunto. A disponibilidade de infraestrutura adequada para permitir o escoamento da produção da fazenda até os centros de distribuição, comercialização ou exportação, por exemplo, está entre os principais fatores da eficiência do setor.

No Brasil, onde predomina o transporte rodoviário, a rede de estradas é insuficiente, sua conservação é precária em vários pontos e faltam rotas alternativas em caso de anormalidades. Assim, chuvas fortes podem interromper importantes redes de escoamento da produção em direção aos centros de consumo ou aos portos, o que encarece o produto e cria o risco de perda de parte da carga ou de interrupção do abastecimento. Greves de caminhoneiros mostraram como o transporte nacional de mercadorias pode ser prejudicado com a paralisação do fluxo em pontos nevrálgicos da malha rodoviária. No limite, fragilidades como essa podem resultar em crise de suprimento ou alta de preços internacionais.

A concentração das exportações em determinados mercados ou em determinados produtos é outro risco à produção agrícola apontado pelo relatório da FAO. O Brasil é frágil também nesse ponto. No Brasil e na Argentina, diz a FAO, mais de 70% das exportações de proteína vegetal estão concentradas em dois produtos, soja e milho. Essa concentração torna o País mais vulnerável a choques de preços dessas commodities. Também a concentração das exportações agrícolas em um mercado, no caso o da China, aumenta a vulnerabilidade da agricultura brasileira.

A FAO adverte que, por ser o Brasil um grande exportador agrícola, o que acontece aqui pode afetar o mercado mundial de alimentos – além, obviamente, do mercado doméstico.

Emendas opacas

Folha de S. Paulo

São disparatados argumentos do Congresso para não revelar beneficiários de verba

É descabido que o comando do Congresso se mostre disposto a descumprir a determinação do Supremo Tribunal Federal de dar publicidade total às emendas de relator, utilizadas como moeda de troca na negociação entre o governo Jair Bolsonaro e os partidos aliados.

Em petição encaminhada ao STF, assinada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com o apoio do congênere da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pretende-se manter em segredo os parlamentares beneficiados pelas emendas de relator (RP9, no código orçamentário) em 2020 e 2021.

A justificativa esdrúxula é a de que a norma não pode retroagir, pois não havia previsão legal de publicidade antes da decisão da corte. Seria uma impossibilidade "fática e jurídica" identificar os solicitantes dos recursos.

Eis, de início, a confissão de que não houve cuidado mínimo no trato dos recursos abrigados nessas emendas, cujo volume se expandiu até os R$ 16,8 bilhões de 2021.

Seria também uma inovação na lógica parlamentar —nunca se viu no mundo um político que envia recursos para seus redutos e prefere permanecer incógnito.

Há algo de muito estranho, pois, nesse desejo de anonimato. O temor de rebelião na base pela revelação de privilégios na alocação dos valores pode ser o menor dos problemas para as lideranças.

Do ponto de vista jurídico, é insustentável o argumento de que a lei não exigia transparência. Os princípios de publicidade e impessoalidade no uso de recursos públicos estão na Constituição e norteiam todo o Orçamento.

Se o detalhamento dos pedidos e uso das verbas não estava codificado como no caso das emendas individuais e de bancada, é porque as RP9 antes eram utilizadas como mero mecanismo de ajuste técnico, em montantes modestíssimos.

O agigantamento do seu uso decorre do modus operandi dos atuais comandantes do varejo político, que obtiveram poderes inéditos.
Não se trata, por fim, de uma tentativa de criminalizar as emendas de relator, como disse Arthur Lira, numa generalização que só se preza ao ilusionismo retórico.

O que se quer é criminalizar aquelas que apresentarem motivos para tal —e para que isso seja possível é preciso saber os nomes dos solicitantes, para onde foram direcionados os recursos do erário e a quem beneficiaram.

Ao menos o freio imposto pelo Supremo já suscita mudanças. Serão revelados as entidades e os municípios beneficiados nos últimos dois anos e doravante também os parlamentares envolvidos nos pedidos. De todo modo, a corte não pode aceitar o meio-termo e deve manter a exigência de transparência total do que já foi feito.

A lei não basta

Folha de S. Paulo

Mais que proibir abusos como os do caso Ferrer, cumpre mudar cultura judicial

Recém-sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, a chamada Lei Mariana Ferrer proíbe ofender vítimas ou testemunhas durante julgamento, em especial, mas não somente, em crimes contra a dignidade sexual, como o de estupro.

O apelido do novo diploma legal faz alusão à influenciadora que acusa o empresário André de Camargo Aranha de estupro —e foi constrangida de forma tacanha e machista durante a audiência judicial em que o acusado foi absolvido em setembro de 2020.

Depois, Aranha teve sua absolvição confirmada por decisão unânime do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em outubro deste ano. Foi a audiência na primeira instância que motivou a nova legislação.

Imagens divulgadas pelo site The Intercept mostraram o sexismo na prática judicial. Vê-se o advogado do réu, Cláudio Gastão da Rosa Filho, exibindo fotos de Ferrer quando atuava como modelo para sustentar que o sexo fora consensual e atacá-la em termos inadmissíveis.

Falou em poses "ginecológicas" e disse que "jamais teria uma filha do nível" de Ferrer. À Folha, Rosa Filho argumentou que as cenas foram tiradas de seu contexto.

A nova lei pretende punir a revitimização durante o processo judicial, qualquer que seja o resultado. Segundo o texto, as partes "deverão respeitar a dignidade da vítima sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa".

Respeitá-la inclui absterem-se de manifestações sobre circunstâncias alheias aos fatos e de utilizar "linguagem, de informações ou de material que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas".

Relatos de abusos contra mulheres que recorrem ao poder público são frequentes, como mostrou reportagem deste jornal. A título de exemplo, um delegado perguntou a uma adolescente de 16 anos que acusou ter sido vítima de estupro coletivo se ela "tinha o costume de fazer isso, se gostava".

Entretanto a mudança na lei, ainda que mire um problema real, por si só não basta. Sua aplicação, afinal, dependerá do mesmo Judiciário em que viceja a cultura de impunidade por atos de colegas magistrados, advogados e promotores.

Quebrar tais costumes demanda tempo, informação, vigilância da sociedade e mecanismos de denúncia mais eficientes. Cumpre ainda evoluir rumo a uma melhor distribuição de gênero no Judiciário. Na Justiça estadual, mulheres ocupam 37,5% dos assentos; na segunda instância, a cifra despenca para 20%.

É um descalabro o projeto que permite anúncios de armas

O Globo

Prepara-se na Câmara mais um torpedo contra o Estatuto do Desarmamento. Um projeto de lei do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) propõe liberar publicidade para o comércio de armas, hoje proibida pela legislação. O PL 5.417/2020 permite que atacadistas, varejistas, exportadores e importadores anunciem em veículos de comunicação ou na internet. A medida valeria também para clubes, escolas e estandes esportivos de atiradores, colecionadores e caçadores.

Chama a atenção o argumento esdrúxulo do filho Zero Três. “Sem armas, o povo vira presa fácil para ditadores”, afirma. “A história ensina que o desarmamento é política prioritária de facínoras autoritários.” Ele repete o discurso torto do pai, o presidente Jair Bolsonaro. Na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, Bolsonaro foi explícito em seu projeto armamentista. “Por que eu tô armando o povo? Porque eu não quero uma ditadura! E não dá pra segurar mais! Não é?”, disse, dirigindo-se aos então ministros Fernando Azevedo e Silva (Defesa) e Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública).

Diante de tal ideia descabida, faz bem o relator do projeto, deputado Eli Corrêa Filho (DEM-SP), em convocar uma audiência pública para que a sociedade possa discutir a proposta. O encontro, marcado para amanhã, deverá reunir fabricantes, delegados de polícia e ONGs como o Instituto Sou da Paz. O projeto está na Comissão de Segurança e ainda terá de passar pelas comissões de Finanças e Tributação e Constituição e Justiça.

Corrêa não esconde sua insatisfação com a proposta. “Esse projeto vai estimular o desejo em quem hoje não tem interesse em comprar armas. Temos de pensar nos jovens. A sociedade não está preparada para esse tipo de publicidade, temos outras agendas de maior relevância”, afirma.

Destruir o Estatuto do Desarmamento tem sido uma das obsessões do governo Bolsonaro. Desde que assumiu, ele editou uma série de decretos para facilitar a compra de armas e munições e afrouxar o controle sobre os arsenais. Os resultados dessa política nefasta são conhecidos. Levantamento dos institutos Igarapé e Sou da Paz, com base na Lei de Acesso à Informação, mostrou que, nos últimos seis meses, o número de armas registradas por civis aumentou 330%. Somente para tiro esportivo foram concedidas 100 mil novas licenças entre abril e outubro, ou 555 por dia.

Fica cada vez mais claro que o arsenal que o governo Bolsonaro vem pondo nas mãos de civis nada tem a ver com estratégia de segurança, até porque uma política séria num país que registra mais de 50 mil mortes violentas por ano recomendaria restrição ao uso de armas. Trata-se tão somente de um projeto político, perigosíssimo, de fomentar milícias armadas para defender facções políticas. A tragédia da invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, demonstra até onde se pode chegar com tamanha sandice.

Embora esteja em fase inicial de tramitação, o projeto que libera publicidade de armas não pode prosperar no Congresso. Seria um retrocesso gigantesco num país que criou em 2003 o Estatuto do Desarmamento para tentar frear a matança cotidiana causada pelas armas de fogo. Expor crianças, adolescentes e jovens a esse tipo de publicidade seria um crime. Deputados e senadores que têm um mínimo de sensatez precisam impedir essa aberração.

Caso da tenista que denunciou assédio sexual assombra Jogos de Pequim

O Globo

Pequim será em 2022 a primeira cidade a sediar uma Olimpíada de Inverno depois de ter sediado outra de Verão, em 2008. No período, a imagem do país se transformou de potência emergente em novo império que, da telefonia 5G às baterias de carros elétricos, desafia o poderio americano. A exemplo de Moscou em 1980, paira no ar a ameaça de que os Estados Unidos boicotem de algum modo os Jogos de 2022. O motivo mais recente não tem a ver com violações de direitos humanos em Xinjiang, com Taiwan ou com a guerra comercial. Mas com a tenista Peng Shuai, ex-campeã mundial de duplas, vencedora de Wimbledon em 2013 e Roland Garros em 2014.

Peng reapareceu faz oito dias numa imagem de videoconferência ao lado do presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach, depois de mais de duas semanas sumida. A Associação Feminina de Tênis (WTA) tentava contato desde o último dia 2, quando um post que ela publicara na rede social Weibo desencadeou reação fulminante das autoridades. No estilo clássico da censura digital chinesa, o texto foi retirado do ar em minutos, comentários foram barrados, e todas as menções ao caso passaram a ser derrubadas na internet local.

Nos países cujos cidadãos usufruem as liberdades de expressão e informação, todos ficaram sabendo o que ela escreveu. Não denúncias típicas de dissidentes, nem críticas ao regime de partido único ou ao governo que ela já aplaudira no passado. Foi uma longa acusação, redigida em tom pessoal e a custo emocional enorme, de estupro e assédio sexual contra Zhang Gaoli, um integrante da cúpula do Partido Comunista Chinês (PCC) de mais de 70 anos, ex-vice-primeiro-ministro, que Peng afirmou tê-la violentado pelo menos duas vezes ao longo de uma década.

Enquanto a máquina chinesa de censura e propaganda tentava evitar que ela servisse de exemplo a outras vítimas de assédio no país, a repercussão no exterior foi enorme. Peng despertou solidariedade de estrelas como Serena Williams ou Naomi Osaka e a atitude resoluta da WTA, que pressionou o governo chinês por garantias à segurança e à saúde dela.

Considerando a posição tíbia da China diante das denúncias da época do movimento #MeToo, é improvável que haja maiores consequências no país. Também é improvável que qualquer boicote americano assuma a proporção do que esvaziou os Jogos de Moscou, em 1980, e gerou outro dos soviéticos nos de Los Angeles, em 1984. Mesmo um boicote diplomático — em que atletas comparecem, mas autoridades não — seria inesperado.

Ainda que a atitude de Peng tenha pouco impacto na vida das vítimas de crimes sexuais na China, ela ajudou a expor a brutalidade da ditadura comunista. Mostrou que sediar eventos internacionais de envergadura em nada contribui para moderar o regime. Além disso, as trapalhadas dos veículos oficiais de comunicação para explicar o sumiço revelam a dificuldade da China para lidar com a pressão internacional que floresce nos ambientes onde a informação circula com liberdade.

Semana decisiva no debate sobre as emendas de relator

Valor Econômico

A impessoalidade e a transparência devem nortear o uso dos recursos públicos em qualquer país sério

No longínquo ano de 2018, um slogan ficou conhecido entre aqueles que se dispunham a acompanhar a campanha presidencial do então deputado federal Jair Bolsonaro: “Mais Brasil, menos Brasília”, diziam o candidato e seus principais auxiliares em praticamente toda entrevista ou evento público.

Bolsonaro era ainda apenas mais um experiente deputado federal do chamado baixo clero, com pouco acesso ao Palácio do Planalto e à Esplanada dos Ministérios, mas sabia do que estava falando. O discurso tinha apelo entre prefeitos e governadores, e sinalizava àqueles que disputavam vagas no Legislativo a possibilidade de o Congresso aumentar seu poder nas discussões sobre a alocação dos recursos orçamentários.

Para dirimir qualquer eventual dúvida, o então candidato detalhou em seu programa de governo o que considerava ser uma “nova forma de governar”. De acordo com o documento protocolado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), um dos compromissos de sua gestão seria desconcentrar a arrecadação de tributos com o objetivo de reduzir a burocracia, além de reduzir o que classificava de ineficiência causada pelo controle dos entes federados por parte da administração federal. Isso porque, prosseguia, praticamente 99% da população vive fora da capital federal.

“Brasília não pode ser o objetivo final de um governo”, comprometia-se, acrescentando que a missão dos seus ministros seria coordenar esforços de governadores, prefeitos e secretários para o cumprimento de metas claras. “Queremos uma federação de verdade. Os recursos devem estar próximos das pessoas: serão liberados automaticamente e sem intermediários para os prefeitos e governadores. As obras e serviços públicos serão mais baratos e com maior controle social”.

Da teoria à prática, contudo, muita coisa mudou. E para pior.

O governo demorou para enviar ao Parlamento uma proposta de reforma tributária que atraísse o interesse de governadores e prefeitos. Além disso, opôs-se ao projeto que avançava no Legislativo e acabou travando sua tramitação. Dificilmente a atual legislatura cumprirá a missão de reorganizar o sistema tributário nacional a contento, conforme prometido desde a campanha eleitoral.

Por outro lado, senadores e deputados aproveitaram a fragilidade política do governo, que precisou acelerar a formação de uma base aliada que garantisse a Bolsonaro a conclusão do seu mandato, para obter mais controle na definição sobre a destinação das verbas do Orçamento. Afinal, argumentavam, autoridades do Executivo não teriam como se opor à ampliação do dinheiro enviado para Estados e municípios, se quisessem cumprir as promessas de 2018. Era o que precisavam para ampliar suas próprias chances de reeleição.

Esse foi o ambiente que propiciou o crescimento absurdo das chamadas emendas de relator ao Orçamento, ou RP9, instrumento criticado pela falta de transparência e detalhamento sobre os responsáveis pela alocação, destinatários e real uso dessas verbas. Por vias tortas, portanto, cumpria-se a promessa feita por Bolsonaro de reduzir a influência - e o controle - do governo federal em relação aos recursos públicos.

Há de se destacar, também, que neste caso falharam as instituições de controle e o sistema de pesos e contrapesos que devem reger o funcionamento de uma República. O Tribunal de Contas da União (TCU) poderia ter agido de forma mais incisiva, e o Supremo Tribunal Federal (STF) demorou a debruçar-se sobre o tema. Apenas no dia 10 de novembro a Corte decidiu, por 8 votos a 2, suspender a execução das emendas de relator. E desde então os parlamentares não param de contestar o teor da sentença.

Nesse contexto, ganha importância a sessão do Congresso marcada para hoje, na qual deverá ser debatida uma resolução que buscará remodelar o uso desse tipo de emenda pelo relator-geral do Orçamento. Um dos pontos em discussão é criar uma trava para evitar excessos na aplicação desses montantes. Outro elemento central é saber se deputados e senadores passarão a detalhar os responsáveis pela indicação dos destinos dessas quantias e a fundamentação que os levou a fazer essas escolhas.

A impessoalidade e a transparência devem nortear o uso dos recursos públicos em qualquer país sério. O Brasil tem a chance nesta semana de mostrar se pretende fazer parte desse grupo.

 

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