quarta-feira, 24 de novembro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Inflação dá lucro para o governo

O Estado de S. Paulo

Alta de preços engorda a arrecadação e amplia o espaço para gastos federais em ano de eleição.

Cruel para os trabalhadores, especialmente para os mais de 13 milhões de desempregados, a inflação tem sido grande colaboradora do Tesouro Nacional, importante fonte de arrecadação mesmo em tempo de economia emperrada. Pela nova estimativa, incluída no quinto relatório bimestral de receitas e despesas, o poder federal deve arrecadar neste ano R$ 1,913 trilhão, R$ 57 bilhões a mais que o valor projetado em abril, R$ 1,856 trilhão. Vinte bilhões, mais que um terço desse acréscimo, devem provir da combinação de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e inflação superior à prevista no início do ano.

A receita da União normalmente cresce mais que o produto. Esse é um dado conhecido há muito tempo. Neste ano, a arrecadação recebe também o impulso especial de um dos maiores surtos inflacionários já registrados, no Brasil, no século 21. Em 12 meses a alta de preços ao consumidor já ultrapassou 10%. A variação prevista no mercado para o período de janeiro a dezembro chegou a 10,12%, segundo a última pesquisa Focus.

A arrecadação tende a engordar, portanto, mesmo com negócios em marcha muito lenta, desemprego elevado e consumidores empobrecidos. Neste ano, a produção da indústria recuou em sete dos nove meses de janeiro a setembro, na comparação de cada mês com o imediatamente anterior. O consumo também tem oscilado, assim como a atividade do setor de serviços. No terceiro trimestre o desempenho econômico foi muito fraco, a julgar pelos números já publicados, e no segundo o PIB foi inferior ao do primeiro.

Não há, portanto, como vincular o aumento da arrecadação a um renovado dinamismo econômico. As comparações com os dados de 2020 mostram avanços econômicos mais sensíveis, por causa da base de referência muito baixa. Mas o desempenho registrado neste ano, desde o começo do segundo trimestre, tem sido medíocre. Os consumidores estão empobrecidos, o desemprego é um dos mais altos do mundo e a indústria, além de prejudicada pelas más condições do mercado interno, tem sido afetada por um fenômeno global, os desarranjos nas cadeias de suprimento de insumos.

Com receita maior e alguma contenção de gastos, o Ministério da Economia reduziu de R$ 139,43 bilhões para R$ 95,82 bilhões o déficit primário – saldo calculado sem a conta de juros – estimado para 2021. Mas, para avaliar as despesas possíveis, o Executivo continua a depender da aprovação da PEC dos Precatórios e da decisão final do Congresso a respeito do auxílio aos pobres. Se aprovada no atual formato, a PEC dos Precatórios autorizará um novo cronograma de pagamentos de compromissos sacramentados pela Justiça. Será um calote avalizado pelo Legislativo contra uma decisão final do Judiciário.

Além disso, o teto de gastos dependerá da inflação de janeiro a dezembro deste ano, em vez de ser determinado, de acordo com o critério ainda em vigor, pela variação de preços entre julho de 2020 e junho de 2021. Os novos cálculos apontam uma folga de R$ 106,1 bilhões, R$ 14,5 bilhões superior à da previsão anterior. A diferença decorre da nova taxa de inflação tomada como referência, 9,6% em vez de 8,7%. Mas a diferença poderá ser ainda maior, porque a nova estimativa do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ultrapassa 10%.

A inflação beneficia duplamente o poder federal, engordando a base tributária e elevando o teto de gastos de 2022, quando o presidente Jair Bolsonaro poderá influenciar as despesas de acordo com seus objetivos eleitorais.

As manobras para ampliar os gastos pioram as expectativas inflacionárias e afetam as projeções para 2023 (3,42%) e 2024 (3,10%). Todas as previsões da pesquisa Focus superam as metas oficiais. Já se fala, no mercado, em desancoragem das expectativas, e especialistas discutem se vale a pena apertar a política monetária, elevando ainda mais os juros e prejudicando o crescimento para controlar as expectativas de longo prazo. Pode-se discutir esse ponto, mas é preciso, sem dúvida, cuidar do desastroso cenário de 2022, já contaminado pela explosão de preços de 2021.

As bravatas e suas consequências

O Estado de S. Paulo

Ameaças do presidente de intervenção na política de preços de combustíveis são levadas a sério e afastam investidores em terminais portuários

Desde que Jair Bolsonaro venceu a eleição, lideranças políticas e da área econômica aguardam ansiosamente o dia em que haverá moderação no discurso do mandatário. Passados quase três anos de sua posse, é possível afirmar com certa segurança que isso não vai acontecer. Dada a realidade dos fatos, com o tempo, auxiliares mudaram de estratégia: passaram a diminuir a importância dos arroubos que o presidente dispara diariamente. Seria o “jeito” do capitão, e, embora sua incontinência verbal não encontre limites, suas palavras poucas vezes se materializariam em atos.

Se essa versão não convence nem mesmo a sociedade civil, não deveria surpreender que tampouco seja aceita pelos investidores. O resultado pode ser visto no leilão de arrendamentos portuários realizado na semana passada pelo Ministério da Infraestrutura. Na licitação, considerada a maior dos últimos 20 anos, o governo ofereceu dois terminais para movimentação de combustíveis no Porto de Santos, o principal do País e o maior da América Latina. Os terrenos se conectam ao sistema de dutos que interligam a região da Alamoa à rede da Transpetro, subsidiária da Petrobras, e se destinam à movimentação, armazenagem e distribuição de granéis líquidos.

Era de esperar uma intensa concorrência pelos arrendamentos, já que essas áreas atendem o Estado de São Paulo, um dos maiores mercados consumidores do País, além das Regiões Sudeste e Centro-oeste. Paradoxalmente, um deles recebeu uma única proposta, da Petrobras, que já operava a área por meio da Transpetro. O outro não contou com nenhum interessado. Para evitar problemas de abastecimento, a operação deve ser mantida de forma transitória pela empresa até que o governo reavalie as condições da licitação e coloque a área novamente em disputa.

A ausência de lances reflete as consequências diretas das falas de Bolsonaro sobre o setor de combustíveis, um de seus alvos mais recentes. Para o presidente, a culpa pelos aumentos recorrentes é da Petrobras, empresa que, em sua opinião, deveria ter maior controle sobre os preços. A privatização da Petrobras, disse Bolsonaro, “entrou no radar”, porque a companhia “lucra muito” e “só dá dor de cabeça”. Não houve nenhuma declaração sobre o fato de a exploração de petróleo ser uma atividade que pode perfeitamente ser exercida por outras companhias nem sobre a necessidade de o Estado priorizar seus recursos no atendimento adequado dos cidadãos em áreas como saúde e educação.

Reportagem do Estadão/broadcast mostrou que a percepção de risco sobre o setor e o temor de que o governo atue para acabar com o preço de paridade de importação (PPI) adotado pela Petrobras afugentaram investidores. Na fase de estudos da licitação, diversas empresas teriam demonstrado interesse na área, mas a desconfiança predominou com a proximidade do período eleitoral, que tem incentivado ações cada vez mais populistas na busca por votos em 2022. Ninguém pode culpar os empresários pelo receio. Quem estaria disposto a desembolsar milhões para arrematar um terminal a fim de usálo para importar combustíveis e, depois, arriscar ter de vendê-lo com prejuízo no mercado interno?

Com proposta única, por sua vez, a Petrobras arrematou o outro arrendamento do Porto de Santos por R$ 558,2 milhões. A área já era operada pela companhia, que domina o segmento, e se conecta à refinaria Presidente Bernardes e a um terminal em Cubatão e às demais refinarias existentes no Estado. A previsão de investimentos é de R$ 678,3 milhões em 25 anos.

Para as advogadas Marcela Graça Aranha e Lívia Amorim, sócias do escritório Souto Correa, existe um grande ceticismo em relação à abertura do mercado de combustíveis como um todo no País no longo prazo. O resultado do leilão é apenas mais um exemplo das políticas contraditórias deste governo. Embora técnicos se esforcem para dar andamento a medidas que reduzam o poder da Petrobras no País e ampliem a concorrência no setor, não há como essas ações prosperarem quando o presidente trabalha diariamente para boicotá-las.

As piruetas de Lula para seduzir o eleitorado

O Globo

Favorito nas pesquisas para as eleições de 2022, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma turnê pela Europa em que agiu e falou como se já estivesse eleito. Foi recebido com pompa por líderes como o presidente francês, Emmanuel Macron, o futuro premiê alemão, Olaf Scholz, e o premiê espanhol, Pedro Sánchez, além de ter sido ovacionado no Parlamento Europeu. Ficaram em segundo plano as explicações sobre os casos de corrupção ou a tragédia fiscal que os governos petistas legaram aos sucessores.

Sua entrevista ao jornal espanhol El País é um ótimo exemplo do que o brasileiro deve esperar de Lula na campanha eleitoral. Mesmo sem assumir a candidatura explicitamente, ele deixou claro que se apresentará como único antídoto capaz de salvar o Brasil do bolsonarismo e resgatar a pretensa glória dos anos petistas. Tentou posar de vítima de perseguição política e distorceu os fatos para construir uma narrativa apoiada em falácias, sofismas e na eterna cantilena de autocomiseração com que sempre seduziu o eleitor.

Duas comparações ilustram o estilo Lula de lidar com a realidade. Questionado sobre a Nicarágua, ele se saiu com um paralelo estapafúrdio para defender Daniel Ortega, um dos ditadores de estimação do PT: “Por que Angela Merkel pode ficar 16 anos no poder e Daniel Ortega não?”. Diante de tamanho absurdo, uma entrevistadora reagiu dizendo que Ortega mandara prender opositores para garantir sua reeleição, enquanto Merkel sempre foi reeleita dentro das regras da democracia. Lula deu então nova pirueta retórica e, noutro desafio à realidade, comparou o período que passou na cadeia ao arbítrio de Ortega contra políticos da oposição. “Não sei o que as pessoas fizeram para ser presas”, afirmou. “Sei que eu não fiz nada. Se Daniel Ortega prendeu líderes da oposição para não disputar eleição, como fizeram no Brasil contra mim, ele está totalmente errado.”

Em sua lógica torta, Lula considera que foi preso não em virtude das inúmeras provas recolhidas nas investigações do petrolão — notas fiscais, documentos, extratos bancários, fotografias, confissões em texto, áudio, vídeo etc. —, mas apenas para ser impedido de concorrer na eleição de 2018. “Fiquei 580 dias na cadeia para que Bolsonaro fosse eleito presidente da República”, afirmou. Como se tudo o que importasse nas investigações da Operação Lava-Jato, que revelou o submundo das negociações espúrias no meio político em diversos partidos, fosse atingir o PT e impedi-lo de concorrer.

O mais intrigante no malabarismo retórico de Lula é sua capacidade de ser, ao mesmo tempo, contra e a favor de Ortega quando convém. E de, em ambas as situações, dar um jeito de levar a vitória moral. Na primeira comparação, ele está ao lado de Ortega, visto como um injustiçado da esquerda que só paga o preço de ficar no poder tanto quanto Merkel ou outros líderes de democracias consolidadas. Na segunda, está ao lado da oposição a Ortega, vista como injustiçada — como ele, claro — por ir para a prisão sem fazer nada. Nas duas, Lula está com a razão. O erro é de quem o perseguiu. E só o retorno dele ao poder poderá repará-lo.

Lá pela tantas, Lula deixou escapar a seguinte frase: “Todo político que começa a se achar imprescindível ou insubstituível começa a virar um pequeno ditador”. Se Lula se julga mesmo tão infalível assim, talvez fosse o caso de começar a ouvir os conselhos do próprio Lula.

É frustrante a omissão dos partidos nos testes das urnas eletrônicas

O Globo

A dez meses das eleições de 2022, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deu início na segunda-feira à sexta edição do teste público de segurança do sistema eletrônico de votação. Reunidos em Brasília, 26 investigadores da sociedade civil, entre eles professores universitários e especialistas em segurança digital, passarão a semana tentando fraudar os equipamentos e programas de votação. Num ambiente vigiado e em equipamentos fornecidos pelo TSE, esses hackers são incentivados a encontrar vulnerabilidades para ajudar a aperfeiçoar o sistema.

O entusiasmo dos participantes do teste contrasta com o desinteresse demonstrado até agora pelos partidos políticos, em princípio os maiores interessados em assegurar melhorias no sistema. Em outubro, o TSE abriu, para inspeção das legendas, os códigos internos que fazem funcionar a urna eletrônica e o sistema de votação, conhecidos tecnicamente como “códigos-fonte”. Até ontem, só o Partido Verde (PV) se credenciara para examiná-los. Em 25 anos, foi o segundo partido a se interessar pelo assunto (o outro foi o PT, até 2002). É notável que nenhum dos bolsonaristas que vivem atacando o sistema digital de votação e espalhando desinformação a respeito jamais tenha se dignado a tentar entendê-lo, inspecionando o código.

Seria dever não apenas deles, mas de todas as demais agremiações políticas seguir o exemplo dos verdes. É certo que, politicamente, os principais partidos têm reafirmado confiar piamente na lisura das eleições. Tal confiança precisa, contudo, decorrer da análise técnica. Daí a importância de participar da fase de testes. Isso sempre foi verdade nos 25 anos de urna eletrônica, mas ganhou maior relevância com a chegada de Jair Bolsonaro ao Planalto.

O TSE tem feito sua parte. Para ampliar a transparência, aumentou em seis meses o prazo de inspeção do código e convidou instituições como as Forças Armadas e organismos internacionais a acompanhá-la. Aparentemente, o movimento tem surtido efeito. Tanto que, em declaração recente, o próprio Bolsonaro moderou o tom no ataque às urnas, dizendo que a participação das Forças Armadas nos testes torna as eleições de 2022 mais confiáveis. “O ideal é o voto no papel, impresso. Mas agora fica quase impossível uma fraude”, afirmou.

É uma declaração notável para alguém que sempre tentou deslegitimar o processo eleitoral sem nenhuma prova, com a intenção de justificar reações ilegítimas em caso de derrota em 2022, a exemplo de Donald Trump nos Estados Unidos.

Como a campanha bolsonarista deixou sequelas na sociedade brasileira, é preciso eliminar quaisquer dúvidas sobre a lisura do sistema eleitoral. Por isso, a participação de todos os partidos políticos na fase de testes não é apenas desejável, mas fundamental. Ainda há tempo para que mais legendas se credenciem, mandem representantes e acompanhem de perto esse importante período preparatório do pleito. Elas deveriam fazer isso o mais rápido possível.

Democrata flexível

Folha de S. Paulo

A defesa de ditadores amigos por Lula e pelo PT vem de longe e não vai mudar

Quem tem memória dos 13 anos de governo petista, e da trajetória de mais de quatro décadas do Partido dos Trabalhadores, não estranhou a argumentação escalafobética do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para defender ditaduras amigas da esquerda brasileira.

Questionado pelo jornal espanhol El País sobre a situação da Nicarágua do ditador Daniel Ortega, reconduzido pela terceira vez seguida num processo eleitoral de fancaria, o líder do PT saiu-se com um repisado sofisma: se governantes europeus como a alemã Angela Merkel podem ficar 16 anos no poder, por que Ortega ou o venezuelano Nicolás Maduro não podem?

O brasileiro foi rebatido instantaneamente pelas entrevistadoras, que lembraram que Merkel não prende opositores, como fazem caudilhos em Cuba, Nicarágua e Venezuela. Pego no contrapé —pois não está acostumado a ser contraditado por seu círculo de bajuladores— saiu-se com uma emenda que piorou o soneto.

"Se o Daniel Ortega prendeu a oposição para não disputar a eleição como fizeram no Brasil contra mim, ele está totalmente errado", disse Lula. Outra frase que entra para o bestialógico de quem já afirmou, sobre a Venezuela chavista, que ali há excesso de democracia.

Ditaduras negam aos encarcerados o direito de apelar pela liberdade e a inocência até a última instância perante juízes independentes. Essa é uma prerrogativa exclusiva do Estado democrático de Direito, de que tem usufruído à plenitude o ex-presidente brasileiro.

Outra cortina de fumaça do velho repertório esquerdista lançada por Lula, capaz de despistar apenas os incautos, é a confusão entre os princípios de não ingerência e autodeterminação dos povos, de um lado, e o da defesa dos direitos humanos e da democracia, do outro.

Não há nenhuma contradição entre condenar os abusos cometidos em território estrangeiro e respeitar a autonomia das nações para resolverem elas próprias os seus problemas. Um democrata convicto, e não um flexível como o líder petista, faria exatamente isso.

Tampouco o imperativo de denunciar em foros adequados as violações dos direitos humanos em Cuba colide com a obrigação de criticar o embargo dos EUA, que acaba agravando a precária situação da população da ilha.

Não há, infelizmente, nenhuma evolução na retrógrada posição petista nesse terreno. O partido pensa e age como Lula —vide nota congratulando Ortega e o elogio da ex-presidente Dilma Rousseff à autocracia chinesa— e não vai mudar.

Agrada-se assim à militância fiel e ideológica, correndo-se o risco de suscitar a repulsa dos demais eleitores. De maneira mais tosca, é o que faz Bolsonaro também.

Rotina macabra

Folha de S. Paulo

Nova chacina em operação policial no Rio deixa pouca esperança de esclarecimento

Seis meses após o morticínio causado por uma operação policial na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, que deixou quase três dezenas de vítimas, uma nova investida das forças de segurança, desta vez no complexo do Salgueiro, custou ao menos oito vidas.

Mais uma vez a incursão ocorreu depois da morte de um policial na região, caracterizando um padrão de represália. Repetiu-se também o conhecido desprezo por procedimentos legais básicos, que deveriam nortear a ação da polícia —como a preservação dos locais para a realização de perícia.

Atirados numa área de mangue, os corpos foram resgatados por parentes e membros da comunidade, num episódio pungente e cruel, fruto da barbárie que tem caracterizado a atuação do poder estadual na área de segurança.

Segundo dados da Rede de Observatórios de Segurança, que articula entidades dedicadas ao monitoramento de confrontos, de janeiro a outubro deste ano aconteceram 38 chacinas (homicídios de três ou mais pessoas) em território fluminense, das quais 27 resultaram da ação da polícia.

Apenas de janeiro a julho deste ano, segundo dados da Universidade Federal Fluminense, registraram-se 811 mortes decorrentes de intervenção policial no Rio, cifra que representa 38% do total de homicídios —a maior porcentagem em 15 anos.

Apesar dos eventuais esforços do Ministério Público e de entidades de direitos humanos, é difícil crer que o caso será esclarecido, e os abusos, punidos.

Há décadas o confronto armado é o método escolhido pelos governantes para enfrentar quadrilhas do narcotráfico, quase sempre de maneira indiscriminada, com danos irreversíveis para a população de favelas e bairros pobres, constituída majoritariamente por negros.

A lógica do proibicionismo transformada em guerra contra as drogas perdura diante da inércia dos Poderes, que se omitem quanto à necessidade de reorientar as políticas públicas de modo mais eficaz.

Note-se que os descalabros têm contrariado liminar concedida pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, sobre o caráter excepcional de incursões da polícia em favelas durante a pandemia. A decisão já obteve maioria no plenário, mas o julgamento arrasta-se desde que Alexandre de Moraes pediu vistas do processo.

A corte deve retomar o caso nesta semana, mas o dano está feito.

 

Petróleo sobe mais após intervenção americana

Valor Econômico

2022 é ano de eleições e a pressão para mostrar serviço ao eleitor é a trilha mais curta para se chegar a respostas erradas

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, está perdendo a paciência com a alta do petróleo e com os estragos que ela traz à popularidade de seu governo. Ontem, ele anunciou uma medida que só havia sido tomada em três ocasiões, motivadas por guerras e desastres naturais, e anunciou que os Estados Unidos vão liberar nos próximos meses 50 milhões de barris de suas reservas estratégicas. Aderem à iniciativa a China, com mais 5 milhões de barris, Índia, com outros 5 milhões, Reino Unido, com 1,5 milhão, além do Japão e Coreia do Sul. A reação à medida foi sintomática: os preços do petróleo subiram.O WTI encosta nos US$ 80 o barril, com variação em um ano de 80,8%.

Os presidentes americanos atuam na gangorra dos preços, tanto na alta quanto na baixa. Diante da derrocada das cotações com a pandemia, Donald Trump instou a aliada Arábia Saudita e demais membros da Opep, o cartel dos produtores, a reduzirem a produção. Nos últimos meses, Biden tenta sem sucesso fazer o contrário, que o cartel aumente a oferta. A Opep não reagiu à decisão de Biden e não se sabe se manterá seu cronograma de aumento de 400 mil barris/dia em dezembro ou se deixará de fazê-lo em sinal de desaprovação da manobra americana.

A arma usada por Biden é fraca para mover um mercado que consome 100 milhões de barris diários e considerada inadequada por seus objetivos, dentre os quais não estão os estratégicos de suprir o abastecimento em situações extremas. Biden quis ao agir dar uma resposta aos críticos, que atribuem a sua agenda ambiental à elevação dos preços, e aos consumidores da nação com o maior número de carros per capita do mundo.

Os ventos do mercado causaram o furacão dos preços. As oscilações violentas tiveram reflexos nas cotações dificilmente contornáveis a curto prazo. Em 2020, com a pandemia, a demanda americana caiu 10 milhões de barris/dia. Em 2021, com a recuperação robusta, ela subiu 12 milhões de barris/dia. A produção americana teve seu pico em 2019, com 13 milhões de barris/dia e agora em novembro, é de 11,1 milhões.

Não há um interesse febril em ativar a produção de shale porque os sinais dos preços futuros ainda não são firmes e há a perspectiva bastante real de um freio na onda altista, com a perda de fôlego natural das economias dos EUA, Europa e China, além da quase certeza do início de aumento dos juros pelo Federal Reserve diante de uma inflação alta, embalada também pelos preços dos energéticos.

O cenário de recuo dos preços é o mais otimista. Há um outro, que parte da premissa que a pressão da demanda global ainda mal apareceu - e sequer chegou ao nível pré-pandemia. O principal ator no mercado foi a queda dos investimentos das empresas do setor, motivadas por um ciclo de baixos preços, o que é normal, mas desta vez por uma mudança radical, com a descarbonização global se acelerando e as chances de os ativos em petróleo perderem muito valor.

Além de diversificar, as grandes petrolíferas concentraram os investimentos em exploração nos alvos mais seguros e mais rentáveis. O resultado é que o aumento da oferta poderá não ser tão vigoroso quanto a do “business as usual”, com um horizonte de preços altos por anos a fio.

Biden tentou um atalho que não deve levar a lugar nenhum. Os 50 milhões de barris das reservas estratégicas equivalem a 2,5 dias do consumo americano (FT, ontem) e a um aumento de 137 mil barris/dia por um ano, ou seja, gotas em um oceano de petróleo. O presidente Jair Bolsonaro tem um problema ainda maior a resolver com a alta dos combustíveis, porque elas não estão sendo aparadas pela valorização do real. Aos aumentos exuberantes do óleo (no ano, 53%) se soma a alta sucessiva do dólar (7,8% no ano).

Bolsonaro primeiro reclamou que a alta da gasolina e do diesel era culpa dos impostos estaduais, depois colocou a Petrobras na lista dos vilões e enfim sancionou um auxílio-gás, subsídio de 50% no valor do botijão, e quer dar um auxílio aos caminhoneiros para aliviar os efeitos dos reajustes do diesel. Sob inspiração do presidente da Câmara, Arthur Lira, os deputados flertaram com a fixação de preço nominal do ICMS que não variaria por 12 meses. O Senado foi por outra via, com a proposta de taxar as exportações de petróleo para que seus recursos constituam um fundo de equalização dos preços.

2022 é ano de eleições e a pressão para mostrar serviço ao eleitor é a trilha mais curta para se chegar a respostas erradas. O certo é que do governo Bolsonaro não virá a luz sobre a questão.

 

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