sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Reinaldo Azevedo - O mimimi de reaça é covardia ressentida

Folha de S. Paulo

Não se deve culpar as vítimas pelo sucesso de um fascistoide que ganha um microfone e sim quem lhe deu o microfone

Há pessoas bastante preocupadas com o que consideram "mimimi" excessivo e patrulheiro de mulheres, comunidade LGBTQIA+, negros... A militância identificada com a defesa dos direitos dessas comunidades e a adesão de meios de comunicação e empresas a seus valores constituiriam um misto de censura e exclusivismo moral, escrevendo, então, a cartilha de um novo autoritarismo, essencialmente hipócrita porque, na fórmula conhecida, seria a homenagem do vício à virtude.

Pois é... A muitos cansa, então, a reivindicação de mais direitos ou da correção da linguagem por um padrão que, ao se pretender mais inclusivo, imporia limites à liberdade de expressão. Entendo o ponto. Mas a mim, confesso, cansa mais o chororô dos que veem cassada a licença que lhes parecia tão natural, caída da árvore dos acontecimentos, para atacar os humilhados de sempre. Ou para transformá-los em alvos de riso ou escárnio. Ou para submetê-los ao enxovalho público. Seu pecado essencial? Ser quem são. O mimimi dos reaças é só manifestação da covardia ressentida.

As palavras movem; os exemplos arrastam. Aprendi no meu interior que não era correto "judiar" dos animais. No antigo ginásio, já lá se vão quase 50 anos, uma professora explicou a origem do vocábulo "Judiar". Significava ou "ser mau como um judeu" ou dispensar a outrem tratamento que seria "próprio aos judeus". Ficou claro, com o entendimento de que eu era capaz então, que "judiação", qualquer que fosse a explicação, não revelava necessariamente a intencionalidade do falante, mas reiterava uma história de perseguição que havia restado na cultura.

"Quando eu era menino, falava como menino, pensava como menino e raciocinava como menino", escreveu São Paulo. A etimologia e a história dessas palavras, entre outras, ajudaram a me fazer adulto. Minha família e seu entorno não eram antissemitas; nem mesmo tinham formação e informação suficientes para participar de porfias dessa natureza. A ignorância de causa desculpa, mas não muda a carga histórica que podem ter os vocábulos. A educação era e é o caminho do esclarecimento. Sim, passei a "patrulhar" os próximos: "Não se deve dizer isso! Sabem o que significa?"

Será que Maurício Souza, para lembrar um caso que ficou em evidência, tem o direito de achar que um super-herói bissexual é uma ameaça? Nota-se, por suas postagens, que ele identifica uma agenda a ser combatida nessa área. Se ele torna públicas —e não apenas a seus íntimos— as suas restrições, aderindo a uma pauta que também traduz uma escolha política, é evidente que se expõe a reações. As redes sociais são a nova ágora, não o divã do analista. Nem do de Bagé.

"As consequências não foram proporcionais ao agravo", dizem aqui e ali. Pois é... E se Souza estivesse reagindo a um super-herói que fosse um judeu intergaláctico? É bem provável que a questão nem mesmo estivesse sob debate. A luta contra o antissemitismo, como é notório, goza de um status muito superior àquela que combate a discriminação contra a população LGBTQIA+. É claro que são coisas distintas também na escala do horror. Mas algo as une: não se pode aceitar em silêncio que pessoas sejam discriminadas por ser aquilo que são.

Há quem aponte que a reação à homofobia praticada pelo jogador foi contraproducente porque, com a mobilização evidente das milícias digitais bolsonaristas, ganhou mais de um milhão de seguidores nas redes sociais. Assim, seus críticos teriam potencializado a sua voz. Ninguém deve estranhar caso se candidate a cargo eletivo ou vire comentarista político... Pode acontecer. Mas não se deve culpar as vítimas pelo sucesso de um fascistoide qualquer que ganha um microfone. O responsável é quem lhe dá o microfone.

Chega de falar, pensar, raciocinar e escrever como um moleque. Na 6ª acepção do "Dicionário do Houaiss".

Um rodapé. Os "morocolunistas" —que é o bolsonarismo com pretensões iluministas— não veem mal em atropelar a ordem legal se for para combater a corrupção. E quem não concorda com eles ou é corrupto ou é conivente com os malfeitos. São mais íntimos da guilhotina do que das luzes.

 

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