quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Vera Magalhães - Depois da Itália, dá para crer em Glasgow?

O Globo

O Brasil surpreendeu e, debaixo de uma tremenda pressão dos Estados Unidos, assinou o Compromisso Global do Metano com outros 96 países, para reduzir em 30% as emissões desse gás, um dos maiores responsáveis pelo aquecimento global, até 2030, partindo dos dados de 2020.

O governo brasileiro também aderiu ao acordo para zerar o desmatamento até 2030, ao lado de mais de cem países, desta vez com Rússia e China, que não integram o tratado do metano.

Duas notícias com potencial bastante positivo, ainda mais diante do retrospecto do governo Bolsonaro noutras cúpulas climáticas desde 2019. Mas, justamente por isso: será que é possível acreditar em tamanha inflexão de um governo que, até aqui, apenas desdenhou a emergência climática e incentivou o desmatamento ao defender garimpos, exploração econômica da Amazônia e fim da demarcação de terras indígenas, além de interromper a política de fiscalização e multas a crimes ambientais? E que tem justamente no setor mais atrasado do agronegócio, aquele dissociado de compromissos ambientais, um dos seus esteios econômicos e políticos?

Parece pouco provável, e não só à luz desse histórico e dos discursos reiterados do presidente, de deboche e desdém para a agenda da nova economia, indissociável das boas práticas ambientais, como também da simples análise da presença de Bolsonaro no G20 e sua ausência na COP26, onde tais compromissos foram selados.

O mandatário brasileiro preferiu esticar seu rolé aleatório e vexatório pela Itália — saudada de forma anedótica umas 200 vezes por ele como terra de seus antepassados, o que pareceu ser a verdadeira razão da viagem — a estar em Glasgow.

O importante comparecimento ao G20 não era impeditivo para que chefes de Estado de fato comprometidos com as emergências do nosso tempo prestigiassem a cúpula climática. Pelo contrário: esses eventos estão interligados. A necessidade não só de selar metas mais ambiciosas para a redução da emissão de gases do efeito estufa, mas principalmente de colocar em prática mecanismos para auferir seu cumprimento é a principal questão econômica contemporânea.

Joe Biden, não por acaso ou por pendores ideológicos, elegeu a agenda climática e social a pedra fundamental de seu mandato presidencial. Negocia diretamente com o Congresso o financiamento de um plano trilionário para tirar do papel os compromissos com a revolução tecnológica necessária para frear emissões. E pilotou também sem intermediários os acordos de Glasgow, com seus enviados apertando o torniquete de países hesitantes, como o Brasil.

Enquanto isso, Bolsonaro, com um dos muitos atos falhos e constrangedores com que envergonhou os brasileiros em sua passagem pela Itália, confundia o ex-vice-presidente e enviado dos Estados Unidos para o clima com o comediante Jim Carrey, ator do filme “Debi e Lóide”, aliás, bem ilustrativo do momento.

A completa inadequação de Bolsonaro a uma cúpula em que temas complexos são tratados seriamente por líderes mundiais comprometidos com as importantes decisões que têm de tomar ficou patente quando, perante Recep Tayyip Erdogan, da Turquia, meio jogando conversa fora, reclamou de a Petrobras ser um problema para seu governo, que, na visão mentirosa que vendeu, é muito “popular”. A incredulidade do autocrata turco mostra que, mesmo entre os que enxerga como “parceiros” ou “aliados” num tabuleiro internacional em que não sabe se mover, o presidente do Brasil é visto com um misto de pena e deboche.

Com uma comitiva assim esvaziada em Glasgow e um presidente que tem tais prioridades e essa imagem perante os pares, é difícil acreditar que viraremos a chave no negacionismo climático.

 

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