quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Zeina Latif - PEC dos Precatórios: São muitos os sócios do oportunismo

O Globo

A PEC dos Precatórios – que está mais para PEC dos Pesadelos – abarca muitos “jabutis”, temas alheios ao seu objeto principal. Oportunistas se aproveitam da fraqueza do governo para obter benesses, colocando a culpa na pandemia, como se esta não tivesse exigido sacrifícios da maioria.

É o caso de mais uma ajuda a municípios, que só fazem procrastinar o ajuste de suas finanças. A PEC prevê o parcelamento em até 240 meses da dívida previdenciária, que totaliza R$126,5 bilhões, bem como a redução em R$36,3 bilhões com a redução de juros de mora, multas e outros encargos, segundo a CNM (Confederação Nacional dos Municípios).

Como agravante, abre-se exceção a uma regra constitucional, promulgada há apenas dois anos, que proibiu parcelamentos superiores a 60 meses.

O único aspecto positivo é a exigência de os municípios ajustarem suas regras previdenciárias nos moldes da reforma da Previdência de 2019. Havia sido estabelecido um prazo de dois anos para estados e municípios fazerem suas reformas, o que não foi cumprido por muitos, e sem definir parâmetros.

Como resultado, há uma grande heterogeneidade de regras para a aposentadoria do funcionalismo, que poderá ser contida.

Outras medidas já haviam beneficiado os municípios: a emenda constitucional que elevou a alíquota do Fundo de Participação dos Municípios em 1 ponto percentual e a lei que permite que municípios inadimplentes de até 50 mil habitantes (88% do total) tenham acesso a transferências voluntárias.

Ironicamente, os municípios estão no seleto grupo dos ganhadores com a crise da pandemia. De acordo com o Banco Central, seus haveres financeiros (caixa ou equivalente) atingiram R$10,9 bilhões ao final de 2020 ante R$1,8 bilhão em 2019, o que revela que o socorro da União não apenas foi suficiente para custear os gastos extras com saúde, como mais do que compensou a modesta perda de arrecadação.

As transferências superaram R$ 56,5 bilhões no cômputo geral (auxílio financeiro e despesas adicionais dos ministérios da Saúde e demais), segundo o Tesouro, fora o alívio de caixa de ao menos R$ 13,3 bilhões relativos à suspensão de pagamento de dívidas diversas, segundo Marcos Mendes. Enquanto isso, as despesas correntes cresceram menos, R$45 bilhões (7,3%).

A arrecadação tributária foi preservada pela rápida recuperação da economia – em boa medida decorrente dos estímulos federais –, e da elevada inflação de produtos industrializados inflando a arrecadação de impostos (como o ICMS) que beneficiam indiretamente os municípios, por meio das transferências constitucionais. Essas receitas somadas subiram 1,4% em 2020.

Tudo somado, a receita corrente total, que inclui as transferências da União, aumentou 8,5% (R$ 58,6 bilhões a mais).

Vale acrescentar que os municípios não vinham de um quadro de penúria. Segundo o Ipea, a arrecadação e as receitas totais dos municípios tiveram picos históricos em 2019 (já descontado o efeito da inflação), superando inclusive o patamar pré-crise de 2015-2016.

Completa esse quadro o fato de o parcelamento agora pretendido ser mais um na lista. O mais recente foi outro dia, em 2017. Os seguidos programas de refinanciamento de dívida, e sem contrapartidas, premiam a má gestão e estimulam o oportunismo, acumulando-se dívidas (eram apenas R$ 22 bilhões em 2009) diante da expectativa de futura renegociação.

A propósito, é nítido o problema de gestão desses entes, a julgar pelo crescimento expressivo de funcionários públicos municipais entre 2001-13, mesmo depois de superado o período de adaptação às mudanças da Constituição de 1988, que aumentou as obrigações dos entes subnacionais e estimulou a criação de municípios.

Em 2000, os funcionários municipais representavam 43% do total e hoje são 60%, segundo o Ipea. Ainda que o número tenha se estabilizado desde 2014, é clara a necessidade de reformas estruturais para conter o crescimento da folha – nas capitais, a despesa bruta com pessoal consome algo como 60% da receita corrente líquida.

A falta de compromisso com a saúde das finanças públicas e o oportunismo de muitos contribuem para a fraqueza da economia, que sequer se recuperou da recessão de 2015-16, e pesam nos ombros do setor privado. A intenção de Bolsonaro de utilizar a “folga” da PEC dos precatórios para dar reajuste a categorias de servidores só engrossa esse caldo.

 

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