segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Bruno Carazza* - O Senado e o povo

Valor Econômico

Disputas pelas 27 cadeiras em disputa serão cruciais

Senatus Populusque Romanus - o Senado e o Povo de Roma. A sigla SPQR está presente em documentos, moedas e monumentos da Roma Antiga. O seleto grupo de representantes das famílias mais poderosas assumiu diferentes funções ao longo da monarquia, da República e do Império Romano. No princípio tinha caráter consultivo, aconselhando o rei nos momentos de crise; com o passar do tempo, seus decretos legislativos e suas orientações jurisprudenciais passaram a orientar a evolução de uma das principais civilizações da história.

O Senado brasileiro replica o arranjo institucional criado pelos Estados Unidos em 1789. Enquanto o povo é representado na Câmara dos Deputados, os Estados que compõem a Federação têm o direito de eleger senadores para representar seus interesses nos desígnios da nação.

No projeto concebido por Oscar Niemeyer para o Congresso Nacional, as cúpulas destinadas à Câmara e ao Senado são diferentes em relação ao tamanho, à posição e à distância em relação às torres centrais - a semiesfera destinada a abrigar o plenário dos senadores é menor, voltada para baixo e mais próxima ao centro do que a da Câmara. O arquiteto buscou o equilíbrio não por meio da simetria entre as duas Casas, mas pelo confronto de formas e volumes - tal qual acontece no jogo do poder.

Em 2021 o Senado Federal assumiu o papel de conter o avanço da agenda concebida pelo casamento de Bolsonaro com o Centrão, celebrado com a eleição de Arthur Lira (PP-AL) para a Presidência da Câmara.

Ao longo do ano, os senadores engavetaram projetos tecnicamente muito ruins aprovados pela Câmara, como as “reformas” administrativa e tributária. Eles também sepultaram (pelo menos pelos próximos dois anos) as tentativas de ressuscitarem as coligações e de criarem o famigerado distritão. Já na PEC dos Precatórios, o Senado praticou uma política de contenção de danos para travar alguns dos atentados à responsabilidade fiscal.

Com a CPI da Covid, o G-7 de senadores oposicionistas e independentes colocou o governo Bolsonaro nas cordas, buscando a responsabilização civil, criminal e sobretudo eleitoral pelos mais de 600 mil brasileiros mortos na pandemia.

A geladeira de quatro meses imposta a André Mendonça, antes de sua apertada aprovação pelo plenário do Senado na semana passada, também foi significativa. Embora envolta em interesses mais mundanos e paroquiais, serviu para amenizar o discurso e extrair declarações desconfortáveis para o presidente que cismou em ter um ministro “terrivelmente evangélico” no órgão máximo do Poder Judiciário.

O reposicionamento do Senado no jogo político em Brasília neste ano sinaliza a todos os potenciais candidatos ao Palácio do Planalto em 2022 a importância de se formar uma boa base na próxima legislatura. Com as competências de ser a Casa revisora de todas as propostas legislativas propostas pelo Executivo (de PECs a medidas provisórias), aprovar autoridades (incluindo o futuro presidente do Banco Central e os substitutos de Ricardo Lewandowski e Rosa Weber no STF) e, nunca é bom esquecer, ditar a palavra final em processos de impeachment, vale a pena ficarem atentos às movimentações eleitorais para o Senado.

Pelas regras constitucionais, teremos em outubro de 2022 a escolha de 27 novos senadores, que compõem um terço do plenário. A depender do desempenho dos partidos nessas eleições, o próximo presidente da República terá mais ou menos força para impor sua agenda.

Um exemplo: se Lula quiser ter maior independência frente ao Centrão num eventual terceiro mandato, vai precisar ampliar bastante sua base no Senado, pois o bloco de partidos mais à esquerda (PT, Rede e PDT) tem hoje apenas 11 senadores - e deles só 8 possuem presença garantida na próxima legislatura.

Já entre as legendas mais ligadas a Bolsonaro (PL, PP e Republicanos), se nada for feito o quantitativo de parlamentares no Senado vai ser reduzido de 13 para 8 a partir de 2023.

O Podemos de Moro só tem asseguradas 6 das atuais 9 cadeiras na Câmara Alta, e o PSDB de Doria precisará defender duas das suas 6 posições de hoje. O PSD de Kassab, que pretende se cacifar para ser o fiel da balança no próximo governo, buscará reeleger um quarto de seus 12 senadores atuais. E é justamente o partido de maior bancada atualmente que enfrentará o maior desafio: nada menos do que 6 das 15 vagas do MDB serão renovadas no ano que vem.

Mais do que o perde e ganha de cada partido, a disputa para o Senado em outubro de 2022 traz consigo um conflito geracional. Não é à toa que “Senado” e “senioridade” têm a mesma origem semântica; a ideia de que a sabedoria vem com a experiência acompanha a humanidade desde os seus primórdios.

Entre os senadores em fim de mandato estão figuras experientes e que ocuparam postos de relevo na política brasileira nos últimos anos, como Tasso Jereissati (PSDB-CE), José Serra (PSDB-SP), Álvaro Dias (Podemos-PR), Fernando Collor (Pros-AL), Otto Alencar (PSD-BA), Paulo Rocha (PT-PA), Antonio Anastasia (PSD-MG), Simone Tebet (MDB-MS), Kátia Abreu (PP-TO), Omar Aziz (PSD-AM), Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).

Caso pretendam continuar em Brasília, muitos desses parlamentares enfrentarão campanhas difíceis em seus Estados de origem, pois além de novos nomes que surgiram na política brasileira recentemente (como alguns ministros de Bolsonaro), há uma leva de governadores que se encontram no final do segundo mandato e que têm o Senado como caminho natural para a continuidade de suas carreiras políticas. É o caso de Flávio Dino (PSB-MA), Camilo Santana (PT-CE), Paulo Câmara (PSB-PE), Rui Costa (PT-BA), Wellington Dias (PT-PI), Renan Calheiros Filho (MDB-AL), Waldez Góes (PDT-AP), Reinaldo Azambuja (PSDB-MS) e Belivaldo Chagas (PSD-SE).

A partir de vários desses confrontos que se desenham para o Senado podem ser definidas as chances de o próximo presidente da República governar com mais ou menos tranquilidade no quadriênio 2003-2006.

*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.

 

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