Valor Econômico
Novo valor do fundão mostra apetite
insaciável dos políticos
Luciano Bivar é considerado o dono do PSL.
Em 2018, sua legenda abrigou a candidatura de Jair Bolsonaro e, graças a ele,
elegeu também 52 deputados e 4 senadores. Devido a esse resultado, e à recente
fusão com o DEM, formando o União Brasil, Luciano Bivar terá à sua disposição
R$ 1,05 bilhão para gastar nas eleições do ano que vem - R$ 900 milhões do novo
fundão e mais R$ 150 milhões do fundo partidário.
Abstraída a taxa cambial, podemos dizer que
o União Brasil é o primeiro unicórnio da política brasileira. Se em 2018 Bivar
reservou R$ 1,8 milhão para financiar sua própria campanha a deputado federal,
imagina quanto terá no próximo pleito.
A proposta de elevar o fundo eleitoral de R$ 2,1 bilhões para algo em torno de R$ 5,7 bilhões foi vetada por Jair Bolsonaro em agosto. Foi uma jogada de mestre: como sabia que os congressistas derrubariam o veto, o presidente jogou para a torcida. Tanto é assim que seu novo partido, o PL, deu 40 votos (de um total de 44 presentes) para aumentar o fundão. Mesmo com o posicionamento contrário de Flávio e Eduardo Bolsonaro, o PL terá sua parcela ampliada de R$ 118 milhões para R$ 330 milhões em 2022 - e certamente boa parte desse dinheiro ajudará na tentativa de reeleição do clã e de seus amigos mais chegados.
O PT de Lula também votou em peso pela
elevação (52 votos “sim”, e apenas 3 “nãos”). Arlindo Chinaglia manifestou-se
contra o veto no púlpito do Congresso: “quando nós somos financiados pelo
dinheiro público, nós não ficamos devendo favores”. Em 2018, Chinaglia se
reelegeu recebendo R$ 1,1 milhão dos fundos partidário e eleitoral - após a
votação da última sexta (17/12), seu quinhão muito provavelmente crescerá.
Com R$ 650 milhões assegurados (mais do que
o triplo recebido há três anos), o PT não precisará vender camisetas e botons a
seus eleitores para financiar suas campanhas. Esse é um dos efeitos colaterais
de se destinar cada vez mais recursos do orçamento público para os partidos: a
acomodação. Com milhões e milhões recebidos sem esforço, a classe política
começa a pensar que não precisa pagar os favores recebidos de seu principal
financiador - o contribuinte.
Ao contrário do que muitos defendem,
incrementar o volume de dinheiro público nas campanhas eleitorais não é uma
conquista de nossa democracia. Pelo contrário: ele multiplica o poder das
oligarquias partidárias e facilita a perpetuação de quem já domina a política
brasileira.
João Campos chegou à Câmara dos Deputados
em 2018 com apenas 25 anos. Com essa idade, novato na política, dificilmente um
jovem seria agraciado com R$ 1.537.864,46 do fundo eleitoral para custear sua
campanha. A não ser que ele pertencesse a uma família de políticos - no caso,
João é bisneto de Miguel Arraes, sua avó é a ministra do TCU Ana Arraes e o pai
é o ex-governador Eduardo Campos. Seu partido, o PSB, deu 19 votos, de um total
de 27 (70,4%), para a derrubada do veto - e assim elevará sua cota de R$ 119
milhões para R$ 306 milhões em 2022.
Para tentar democratizar a distribuição do
dinheiro do fundo eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral determinou que pelo
menos 30% dele fosse distribuído para candidaturas femininas.
A deputada Iracema Portella foi agraciada
com R$ 2,404 milhões da cota feminina do diretório estadual do partido em 2018.
Não por acaso, ela é filha de Lucídio Portella (ex-senador e ex-governador do
Piauí) e ex-mulher de Ciro Nogueira, atual Ministro-Chefe da Casa Civil de
Bolsonaro.
Como aconteceu em quase todos os partidos,
os 30% da cota das mulheres nas últimas eleições foram destinados a filhas,
esposas, ex-mulheres e até mães de políticos tradicionais, de Danielle Cunha
(filha de Eduardo Cunha) a Elcione Barbalho (ex-mulher de Jader Barbalho),
passando por Flávia Arruda (esposa de José Roberto Arruda).
Iracema Portella apoiou o novo fundo
eleitoral de quase R$ 6 bilhões, assim como 44 dos 46 correligionários
presentes na sessão de votação da sexta passada. O PP, que é também o partido
de Arthur Lira, principal articulador da tramoia, vai aumentar seu cacife de R$
131 milhões para R$ 450 milhões em 2022 - só de recursos públicos, claro.
Outro problema do fundão turbinado é que
ele esvazia o potencial da cláusula de desempenho e do fim das coligações
(grandes conquistas da reforma política de 2017) em reduzir o número de
partidos políticos no Brasil. Pouca gente se deu conta disso, mas para ter
acesso ao fundo eleitoral, uma legenda não precisa ter sobrevivido à cláusula
de barreira - basta existir.
Luis Tibé é o mandachuva do Avante, uma
sigla pequena que nasceu sob o nome de “PT do B”- apesar do antigo nome, ele é
na verdade uma dissidência do PTB, de Roberto Jefferson. Nos velhos tempos, o
Avante era considerado uma “legenda de aluguel”, pois vivia de comercializar
seu tempo no horário eleitoral nas coligações estaduais.
Com pouca projeção nacional, o Avante
corria um sério risco de não cumprir a cláusula de barreira em 2022; se isso
acontecesse, deixaria de ter acesso ao fundo partidário (a cota do partido
neste ano foi de R$ 18,5 milhões) e ao horário eleitoral gratuito, o que
poderia forçá-lo a se fundir com outra agremiação.
Mas com a ampliação do fundão, o Avante
terá direito a quase R$ 80 milhões no ano que vem, valor suficiente para elevar
suas chances de sobrevivência no próximo ciclo eleitoral - não é à toa que 6
dos 7 deputados do partido votaram pela derrubada do veto. Em 2018, Luis Tibé
reservou para si R$ 2,3 milhões dos fundos eleitoral e partidário do Avante.
Não podemos cair na conversa de que “a
democracia tem um alto preço e a sociedade deve pagar por ele”. Existem muitas
propostas para tornar nosso sistema eleitoral mais barato e menos dependente de
recursos públicos - modestamente, eu mesmo apresentei uma proposta factível há
alguns meses aqui mesmo, neste espaço.
Mas se deixarmos essa discussão na mão dos
políticos, é bom nos prepararmos, pois o apetite deles é insaciável.
*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
Bruno: com relação à palavra inglesa "boton" (equivalente ao "pin"), há, para ela, vários sucedâneos em português: "Boton" que dizer "base" e não "botão". Botão, em inglês, é "button".
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