domingo, 12 de dezembro de 2021

Cristovam Buarque* - Vitórias da cultura

Blog do Noblat / Metrópoles

O Presidente será dos últimos a se vacinar, mas os brasileiros deram um exemplo ao mundo. Foi uma vitória da cultura sobre a política

Por mais de um ano, o Presidente da República e seus ministros, inclusive da Saúde, fizeram campanha sistemática para desacreditar a importância da vacinação contra o Covid-19. Por preconceito político tentaram boicotar a vacina fabricada graças à obstinação política do Governador Dória e à competência técnica do Instituto Butantan. Por displicência e negacionismo deixaram de comprar vacinas de outras procedências. Plantaram falsas informações de que a vacinas provocariam doenças: homens falariam fino, mulheres falariam grosso, pessoas morreriam por causa da vacina. Até hoje, o Presidente da República se nega a ser vacinado, ao ponto de não ser recebido em restaurantes em Nova York e estar impedido de ingressar em países europeus por não dispor de passaporte vacinal.

Mas apesar do governo, o Brasil é hoje um dos países com maior índice de população vacinada. Depois de meses como campeão de mortos, hoje é um exemplo de sucesso. Apesar da demora em iniciar a vacinação, superamos outros países que voltam a ter surtos e lutam para impor a obrigatoriedade de tomar vacina.

O Presidente será dos últimos a se vacinar, mas os brasileiros deram um exemplo ao mundo. Foi uma vitória da cultura sobre a política.

A vitória da cultura sobre o governo vai ocorrer também se o Supremo Federal tiver uma maioria contrária aos avanços nos costumes. Não adiantará proibir casamento homoafetivo ou provocar outros retrocessos, porque a cultura da tolerância que caracteriza o Brasil certamente manterá os avanços já conseguidos. Da mesma forma, o governo já perdeu a sua tentativa de incentivar a destruição da Amazônia: o Brasil tem hoje cultura preservacionista. Pena que ainda não haja uma cultura educacionista. Por isto, o atual governo destrói os poucos avanços dados nos últimos anos na educação de base sem resistência da população. Também não temos uma cultura que defenda nossa infra-estrutura científica e tecnológica, e o governo vem sistematicamente asfixiando as universidades e os institutos científicos.

Além disto, a cultura brasileira aceita e até compactua com a política no abandono da estabilidade monetária. Faz parte da cultura brasileira considerar que o Tesouro Nacional tem recursos ilimitados, por isto os gastos públicos não devem ter teto. Prevalece a cultura de os governos podem gastar mais do que arrecadam: de que é possível aumentar despesas e ao mesmo tempo reduzir impostos. Décadas de políticos populistas aliados por economistas que não souberam adaptar as ideias de Keynes, levaram o Brasil a aceitar inflação como uma característica nacional. Ao ponto de sermos campeões mundiais em número de moedas.

A cultura brasileira venceu o governo e implantou a vacina contra o covid e aliadou-se aos populistas para impedir manter a vacina contra o vírus da inflação: o teto aos gastos públicos.

*Cristovam Buarque foi ministro, senador e governador

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