O Globo
Trinta anos atrás, em 25 de dezembro de 1991, Mikhail Gorbachev renunciou à
Presidência da URSS e, no dia seguinte, o Estado Soviético cessou de existir. A
Rússia renasceu, fora do envelope comunista, querendo ser Europa. Contudo, na
década seguinte, o Ocidente perdeu a Rússia. Vladimir Putin, ou seja, a
reversão russa a uma autocracia belicista, é o fruto do maior erro cometido
pelos EUA e pela União Europeia no pós-Guerra Fria.
O erro estratégico derivou de algo que o
Ocidente não fez, nos domínios da economia, e de algo que fez, nos domínios da
geopolítica. Em síntese: a ausência de um “Plano Marshall para a Rússia” e a
expansão da Otan.
Casa Comum Europeia — a expressão, de Gorbachev, cartografava um rumo histórico para a URSS. Depois da implosão, a Rússia continuou sonhando ser Europa. Sob a Presidência de Boris Yeltsin, na primeira metade da década de 1990, Yegor Gaidar conduziu a controversa “terapia de choque” que transformou a arruinada economia estatal numa precária economia de mercado.
Gaidar apostava suas fichas numa ajuda
financeira maciça do Ocidente, que nunca chegou. Suas reformas econômicas
salvaram a Rússia de uma iminente crise de fome, mas dois elementos cruciais
dependiam de financiamento externo: a estabilização monetária e a construção de
uma rede de proteção social. Na falta deles, os reformistas sofreram derrotas
fatais nas eleições legislativas do final de 1993 e de 1995, o que encerrou o
ciclo liberalizante.
Lá atrás, em 1948, graças à visão de
figuras como Dean Acheson e John McCloy, os EUA haviam resgatado a Alemanha
Ocidental por meio do Plano Marshall, estabelecendo as fundações da atual União
Europeia. Mas, sob George H. Bush e Bill Clinton, viraram as costas à Rússia
derrotada e perderam a oportunidade única de concluir a obra do Pós-Guerra. O
economista americano Jeffrey Sachs, que atuou como conselheiro de Gaidar,
qualificou isso como “traição”.
O PIB russo retrocedeu mais de 40% entre
1989 e 1996, uma hecatombe típica de guerras devastadoras. Enquanto isso, os
EUA e seus aliados europeus preparavam a triunfante expansão da Otan que, entre
1999 e 2020, produziria a incorporação de 14 países do antigo bloco soviético e
da ex-URSS à aliança militar ocidental.
“Traição”? Segundo a versão semioficial
russa, Bush e o chanceler alemão Helmut Kohl teriam convencido Gorbachev, no
início de 1990, a aceitar a reunificação alemã em troca da promessa verbal de
não avançar as fronteiras da Otan rumo ao Leste. Contudo, após a Guerra da
Bósnia (1992-95), Clinton decidiu-se pela expansão e dobrou a resistência do
enfraquecido Yeltsin. A marcha iniciou-se pela assinatura, em 1997, do Ato de
Cooperação Otan-Rússia, que propiciou a entrada da Polônia, Hungria e República
Tcheca na aliança militar.
Os Estados Bálticos, ex-repúblicas
soviéticas, ingressaram em 2004. Anos antes, um vago acordo de cooperação com a
Otan convertera a Ucrânia em candidata ao ingresso. A Geórgia, antiga república
soviética situada na sensível faixa do Cáucaso, aprofundou suas relações com a
aliança ocidental em 2003 e tornou-se candidata oficial em abril de 2008.
A renúncia de Yeltsin, no final de 1999, e
a irresistível ascensão de Putin assinalaram o encerramento de um parêntese e a
conclusão do erro estratégico ocidental. O novo líder russo definiu a implosão
da URSS como “a maior catástrofe geopolítica do século XX”, não pela queda do
regime comunista, mas pela desintegração da “Grande Rússia”. O tema da
segurança, a razão geopolítica e a hostilidade ao Ocidente fixaram-se como
norte da política externa de Moscou.
Tropas russas moveram-se para enclaves
separatistas na Geórgia em agosto de 2008. A invasão russa da Crimeia, em 2014,
marcou a primeira alteração de fronteiras pela força militar na Europa desde
1945. A atual crise ucraniana gira ao redor do tema da expansão da Otan. Em
2015, a Rússia conduziu com sucesso sua intervenção na guerra síria,
tornando-se o principal ator externo na região do Levante. Moscou consolidou
seu tratado de parceria estratégica com Pequim em 2021.
Os EUA perderam a Guerra Fria, depois de
vencê-la.
A colocação de Putin é perfeita: "A maior catástrofe geopolítica do século XX. E tal catástrofe nem se deve ao fim do comunismo e nem ao fim da grande Rússia. A catástrofe para a humanidade foi o fracasso do plano de Gorbachev de reformar (Perestroika) e democratizar (Glasnost) a URSS. Se isso tivesse acontecido teria sido para a humanidade uma bênção. A URSS democratizada seria o principal país do mundo. E seria um exemplo incômodo para o capitalismo. Enquanto a URSS abriu mão da Alemanha Oriental, dos países bálticos, enfim dos 14 países que debandaram para a OTAN e do Pacto de Varsóvia os canalhas da geopolítica mundial quiseram se aproveitar para destruir o que sobrou da velha URSS. Tinham que ter acabado com a OTAN para demonstrar boa vontade, em vez de ampliá-la como se isso fosse fazer diferença contra o poderio militar que restou da URSS. Jeffrey Sachs errou não houve nenhuma "traição", os americanos e a OTAN fizeram o que se esperava deles. Adorariam ver a Rússia transformada numa espécie de Brasil (um puteiro onde se ganha mais dinheiro). Mas encontraram pela frente um ex-KGB, Vladimir Putin, que deu continuidade à corrida armamentista. Não fossem os americanos os canalhas que são teriam perdido a a oportunidade de por fim à essa corrida ou colocá-la num caminho de descida rumo ao fim. Agora temos o que os EUA descendo a ladeira e a Rússia, a China e a Índia (e o Brasil se der um pontapé no bunda suja) se preparado para criar uma moeda com lastro em ouro que vai fazer o dólar virar papel pintado com tinta.
ResponderExcluirComo a Russia democratizada poderia ser um incomodo para o capitalismo?
ResponderExcluirMAM
Você é muito radical,portanto sua análise não tem valor pois é ideologicamente parcial.Acho que se você procurar melhor verá que não determinou corretamente quem são os canalhas,talvez legislando em causa própria.
ResponderExcluirCaro, Marcos.
ResponderExcluirFalei sobre a União Soviética democratizada que era a proposta de Gorbachev. Mesmo que fosse a Rússia se ela se mantivesse comunista e se democratizasse seria um incômodo para o capitalismo na medida em que serviria de EXEMPLO a ser seguido por outros países.
Aproveito para responder também ao "Unknown". Ser "radical" como disse Marx, 'é tomar as coisas pela raiz, e a raiz para o homem é o próprio homem'. Sou um socialista democrático (ou comunista democrático como queira). Me considero um continuador de Marx e não apenas um seguidor. Marx disse "As mais avançadas fontes de saúde, graças a uma misteriosa distorção, tornaram-se fontes de penúria". Veja que o Mouro apelou até para o "misticismo". Respondo a essa indagação dele no meu O Livro Negro do Açúcar. Os EUA e a OTAN (Denetrio Magnole dá os nomes dos sujeitos) quiseram aproveitar a crise da URSS para destruí-la juntamente com a Rússia mas se deram mal por causa de Putin (Como diria o Hélio Fernandes "Que não se perca pelo nome"). Feliz ano novo a todos!
Já respondi a Marcos e ao anônimo no mesmo texto.
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