sábado, 4 de dezembro de 2021

Dora Kramer - Tempo de estio

Revista Veja

A reação moderada de Doria na vitória pode indicar que ele tem noção exata dos desafios à frente

A vitória de João Doria nas prévias do PSDB não resolve os problemas do governador de São Paulo nem aplaca atritos ou ameniza as agruras do partido. Muito menos indica uma direção segura para o campo político, que busca espaço eleitoral viável entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio da Silva.

Esse pessoal hoje está mais ocupado em se posicionar com o lançamento de pré-candidatos e em entender o impacto da entrada de Sergio Moro em cena do que preocupado com a possibilidade de Doria vir a consolidar a candidatura como inamovível.

Em outros tempos, a definição de um nome do PSDB para disputar a Presidência causaria agitação na atmos­fera. Para o bem e para o mal. Os adversários voltariam suas artilharias contra e os correligionários celebrariam a escolha como marco inicial de trajetória rumo ao êxito.

No entanto, o que a realidade tem nos mostrado nesses dias pós-definição dos tucanos é um misto de indiferença, descrença e desconfiança. Da parte das forças que buscam um lugar de destaque ao centro não se viu nem se ouviu nenhuma manifestação pública vigorosa de júbilo nem de pesar.

Seria um descaso proposital, a fim de não fornecer azeitonas à empada do governador? É uma hipótese, mas não combina com a excitação do mundo político com a filiação de Moro ao Podemos, que logo suscitou interesses fora do partido e alimentou versões sobre possibilidade de alianças.

Mas digamos que o fato de não movimentar o ambiente eleitoral seja no momento o menor dos problemas de João Doria. Ganhar as prévias é pré-requisito, mas está longe de ser solução. São Paulo é forte, mas não é o Brasil. Ademais, a depender da quantidade e da profundidade de feridas abertas no processo, o troféu do vencedor pode ser uma batata incandescente.

Há quem, com experiência comprovada no ramo, olhe a cena e se lembre da vitória de Paulo Maluf sobre Mário Andreazza na convenção do PDS em 1984. Maluf ganhou a indicação em agosto e em janeiro de 1985 perdeu para Tancredo Neves por 300 votos num colégio (o Congresso) de 480 eleitores.

A consequência imediata foi a abertura de uma poderosa dissidência. O mundo é outro, o Brasil, completamente diferente, mas o episódio serve de ilustração sobre a distância entre o poderio da conquista de votos em espaços de regras controláveis e o poder de sustentar êxitos obtidos sem o engajamento expressivo e inequívoco de seus pares.

Chegamos, então, ao clima reinante no PSDB, com a ressalva de que cessam aqui as comparações. Não há, ao menos por ora, movimentação para dissensões em grupo. Entre o tucanato tradicional, descontente com a ruptura que o modelo de Doria representa em relação às origens do PSDB, aventam-se variadas hipóteses: deixar o partido, tentar uma rebelião na convenção no ano que vem ou mesmo largar o candidato à própria sorte na campanha.

O estado de espírito no “ninho” é de apatia e não de adesão entusiasmada a essa ou àquela proposta. A hora agora é de calar em público até o início de 2022, “para não dizer bobagem”, nas palavras de um tucano de altíssima patente.

Acrescente-se que a “ressaca” não se restringe a um grupo pequeno. Com todos os ativos políticos e econômicos de que dispõe João Doria, o resultado da prévia disputada com Eduardo Leite, um cristão-novo no jogo nacional, foi praticamente de meio a meio (53,9% a 44,6%). Sinal amarelo para quem esperava vitória de lavada.

A reação também algo discreta do governador (foi moderado no cântico da vitória) pode indicar que ele tem noção exata dos desafios à frente. Engajar o partido na sua candidatura não é o único, mas é imprescindível até mesmo como premissa para a construção de pontes para fora do PSDB. Embora neste momento impere a má vontade, há margem para o conserto, mas depende de certas condições.

A primeira é o desempenho na sociedade. Em português claro: crescimento das intenções de voto nas pesquisas. Hoje em 5%, o índice tido como capaz de mobilizar boa parte do tucanato seria algo em torno de 15% por volta de março/abril. Se isso acontecer, vem a segunda condição: que Doria contenha a produção de atritos a fim de não atrapalhar acordos regionais dos correligionários.

Seria bem recebida também uma mudança no modo de ser, mais político, menos empresarial e muito, muito menos autossuficiente. Algo difícil em alguém que atribui o sucesso em prévias e eleições à fidelidade ao próprio estilo.

Publicado em VEJA de 8 de dezembro de 2021, edição nº 2767

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