quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Malu Gaspar: Lexotan na veia

O Globo

Não é de Lexotan na veia que Bolsonaro precisa para sair do corner

Já nem se pode mais dizer que seja um roteiro surpreendente: Jair Bolsonaro alimenta a retórica de força e estoicismo, faz a linha herói da pátria, mas, quando a situação aperta, o que se vê é esperneio e ameaça. O último petardo saiu da boca do general Augusto Heleno, numa formatura da Agência Brasileira de Inteligência, a Abin.

— Eu tenho tomado dois Lexotans na veia por dia para não levar o presidente a tomar uma atitude mais drástica em relação às atitudes que são tomadas por esse STF que está aí — disse o chefe do Gabinete de Segurança Institucional num áudio divulgado pelo repórter Guilherme Amado, do site Metrópoles.

O general provavelmente estava se referindo à última polêmica entre o Planalto e a Suprema Corte, em torno da exigência de certificado de vacinação para a entrada de visitantes estrangeiros no Brasil. O presidente é contra a exigência, diz que é uma “coleira”, mas o plenário do Supremo já confirmou que é para fazer. Bolsonaro pode, portanto, continuar reclamando, mas a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Polícia Federal (PF) terão de colocar em prática o passaporte vacinal.

Esse, aliás, não é o maior problema de Bolsonaro no momento. Nos últimos dias, ele foi convocado a depor no inquérito da PF que apura a divulgação de uma investigação sigilosa da própria PF sobre a segurança das urnas eletrônicas. A apuração não chegava a lugar nenhum, mas o presidente espalhou cópias em suas redes sociais, dizendo que o papelório provaria que houve invasão dos sistemas internos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante um ataque hacker em 2018.

Na mira da PF também estão o filho Zero Quatro, Jair Renan Bolsonaro, intimado a prestar depoimento no inquérito que apura a suspeita de recebimento de propina para intermediar interesses de empresários no governo. Isso porque, em outubro do ano passado, o Zero Quatro ganhou de presente um carro elétrico de R$ 90 mil de uma firma de mineração. No mês seguinte, levou o generoso empresário a um encontro com o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, numa agenda marcada pela Secretaria Especial da Presidência da República.

Tudo isso num momento em que a Polícia Federal está rachada, em clima de guerra interna. A cúpula vem se digladiando com grupos de delegados que se queixam de interferências políticas em inquéritos e até mesmo em trabalhos burocráticos — como a expedição de um mandado de extradição contra o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos.

E, pelo que sugere o vazamento do áudio de Heleno, os insurgentes não estão só na PF. Até na Abin houve quem considerasse que valia a pena vazar as falas do chefe do GSI para um jornalista, mesmo sabendo que efeitos teria (ou talvez até por isso).
Como o trabalho do general é justamente avaliar e prever cenários para informar o presidente dos riscos envolvidos em suas ações, é razoável concluir que ele também bancou o risco de as declarações virem à tona. Até porque, na mesma ocasião, Heleno também disse estar muito preocupado com a possibilidade de um atentado ao presidente da República em 2022 — o que modificaria “totalmente a História do Brasil”.

Na falta de antídoto melhor para situações difíceis, o ministro da Segurança Institucional recorre a um velho truque bolsonarista e cria teorias conspiratórias, fomentando o temor de que o presidente tome uma “atitude mais drástica”.

Seria mais conveniente o próprio Heleno recorrer à memória do que se passou da última vez que Bolsonaro ensaiou um golpe, no dia 7 de setembro. Não precisa muito esforço: o presidente incitou a população a ir às ruas para “enquadrar o STF”, chamou um ministro da Corte de canalha em cima do palanque, disse que não cumpriria mais suas decisões e afirmou que a paciência do povo havia se esgotado, mas em poucos dias foi obrigado a recuar e assinou até uma carta se retratando.

Desde então, Bolsonaro teve de se conformar com o avanço do STF sobre várias questões de interesse do governo, enfrentar dificuldades com o Congresso para conseguir recursos para o Auxílio Brasil, ver seus índices de popularidade cair e assistir ao crescimento de seu principal adversário, Luiz Inácio Lula da Silva, nas pesquisas eleitorais. É isso, mais do que qualquer trama assassina, o que de fato preocupa o general Heleno.

O governo está no corner e precisa reagir. Mas, para isso, o general precisa encontrar uma nova solução. Fazer ameaças golpistas já não funcionou e nada indica que funcionará. Tomar Lexotan na veia também não é muito recomendável. O remédio dá sono e torna os reflexos lentos.

 

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