quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Merval Pereira - Triângulo nada amoroso

O Globo

Um roteirista de criatividade mediana poderia imaginar uma disputa entre o ex-presidente preso e o seu juiz algoz, e estaria de bom tamanho, compatível com as voltas que o mundo dá. Mas acrescentar a essa trama um terceiro personagem, o atual presidente da República, eleito por ter se tornado o símbolo do combate à corrupção petista, transformado ele mesmo em alvo de investigações as mais variadas de corrupção, aí já é preciso ser muito criativo.

Predomina na eleição presidencial brasileira não mais a simples polarização. Um triângulo amoroso com marido, mulher e amante é mais comum que esse triângulo de ódio e ressentimento que formam o ex-presidente Lula, o atual presidente Bolsonaro e o ex-juiz Sergio Moro.

Cada um deles é contra os dois outros com a mesma intensidade. Lula foi condenado à cadeia por Sergio Moro, depois considerado parcial pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que mandou soltar Lula para alegria de Bolsonaro, que o considera um candidato mais fácil de bater se a polarização entre extremos se mantiver.

Moro, que havia entrado na história muito antes de maneira independente, acabou aceitando o casamento com Bolsonaro dizendo que acreditou em seus propósitos. Duplamente ingênuo, por acreditar em Bolsonaro e por aceitar ser ministro, dando a seus adversários um argumento plausível, mesmo que não verdadeiro. Lula e seus apaniguados acusam-no de tê-lo prendido para evitar que vencesse as eleições de 2018, favorecendo Bolsonaro.

Da mesma maneira, uma vitória de Lula no ano que vem poderá ser atribuída ao Supremo, que o teria recolocado no tabuleiro eleitoral apenas para impedir a reeleição de Bolsonaro. Moro ressurgiu do fundo de sua cova cavada pelo conluio de políticos, empresários, ministros, “com Supremo, com tudo”, como previu Romero Jucá, e desponta como o candidato viável de uma terceira via, nem Lula, nem Bolsonaro.

A exemplo do que aconteceu em 2018, os favoritos nas pesquisas eleitorais são os três mais rejeitados pelos eleitores, por razões diversas. Misturam-se aqui várias transgressões, à escolha do freguês. As acusações contra Moro e os promotores de Curitiba foram baseadas em conversas furtadas dos celulares de diversas autoridades, provas ilegais que não deveriam existir na vida real, pois não estão nos autos. Em tempos de interpretações jurídicas heterodoxas, tais provas foram citadas por diversos ministros do Supremo, mas não foram usadas “oficialmente”.

Um julgamento que se limitava a um dos processos, o do triplex no Guarujá, abriu as portas para uma série de anulações e prescrições e, como efeito colateral previsível, ajudou a soltar vários condenados na Lava-Jato, que hoje circulam por aí alegando terem sido inocentados, o mesmo argumento que Lula usa para apresentar-se aos eleitores.

A Segunda Turma do Supremo, onde os resultados são quase sempre 3 a 1 para o mesmo time, é considerada o paraíso dos condenados, embora esse epíteto irrite Suas Excelências. Agora mesmo o ex-governador do Rio Sérgio Cabral, o último político ainda preso, ganhou um refresco com a anulação de uma de suas condenações pelo juiz da Lava-Jato do Rio, Marcelo Bretas. O Supremo apressou-se em dizer que o processo foi apenas transferido de jurisdição e que caberá ao juiz competente decidir se aproveita as provas já existentes. Exatamente o que diziam depois do julgamento do triplex do Guarujá, e deu no que deu.

O problema dessas idas e vindas do Judiciário, ao sabor dos ventos políticos, é que os bilhões de reais recuperados de ladrões confessos não são virtuais e já estão nos cofres da União. Terão de ser devolvidos?

As pesquisas divulgadas até hoje mostram a posição de Sergio Moro consolidada como terceira via, ultrapassando Ciro Gomes e estabilizado em dois dígitos. Para quem foi apresentado como pré-candidato há menos de um mês, é boa demonstração de força. Mostra também que Lula está firme em sua posição e que Bolsonaro, embora tenha caído, se mantém no patamar de 20%.

No primeiro turno, Moro não tem por onde crescer, a não ser em cima do eleitorado de Bolsonaro. O voto útil do eleitorado antipetista será em Bolsonaro se, no fim das contas, ele for o único capaz de ir para o segundo turno contra Lula.

 

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