domingo, 5 de dezembro de 2021

Míriam Leitão - Economia cai e governo fatura

O Globo

O cenário econômico não poderia ser pior. O país está estagnado, com inflação alta, desemprego elevado, e a renda despencou. A semana passada nos trouxe esses dados, e na próxima quarta haverá nova alta dos juros, o que levará Selic de 2% para 9,25% em poucos meses. O nome disso é choque de juros numa economia combalida. Mas o Banco Central está lutando sozinho contra a inflação. Os últimos dias também consagraram o ataque às leis fiscais liderado pela própria equipe econômica e aprovado pelo Congresso com votos até da oposição. O presidente que nos conduziu ao desastre econômico recebeu três presentes na semana: a aprovação de um programa social improvisado, dinheiro para gastar em ano eleitoral, um novo ministro submisso no Supremo. O Congresso a tudo disse sim.

A Câmara deu carta branca ao presidente na proposta do calote e do fura-teto. O Senado atuou na redução de danos. Oposição e independentes, de fato, melhoraram a PEC, mas o projeto era horroroso. Torná-lo menos ruim não contorna o fato de que o governo propôs não pagar dívidas, fazer uma mudança casuística no teto para aproveitar a inflação e desrespeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal. Um projeto assim não se salva, derruba-se. Até porque o governo fez toda essa lambança com um único objetivo: buscar capital político em ano eleitoral.

“Auxílio Brasil. O presidente que fez o maior programa social do mundo agora é do PL.” Esses eram os dizeres que estavam na parede do ato de filiação de Bolsonaro. Era mentira, porque ele não fez o maior programa social do mundo. O que Bolsonaro fez foi extinguir o melhor programa social que o Brasil já teve, o Bolsa Família, improvisar um substituto cheio de defeitos e inconsistências. E viabilizá-lo derrubando cercas fiscais do país. E teve a aprovação do Congresso.

A contenção de danos funcionou, em parte. Em vez de o calote ir até 2036, a proposta da senadora Simone Tebet reduziu em dez anos o estrago e fechou em 2026. A mudança do teto de gastos é considerada por economistas bem pior, porque eles fazem um paralelo com o que houve quando se mudou a meta de superávit primário. Começou alterando pouco até acabar em déficit:

— Foi assim em 2014. Quando não se atingia a meta, mudava-se a meta. Perdeu a credibilidade — disse um economista de mercado.

E por que o mercado comemorou a aprovação da PEC? Porque os investidores temiam uma alternativa ainda mais desastrosa. Com as mudanças no Senado o buraco ficou mensurável e colocaram-se barreiras no espaço aberto para gastar.


O melhor para o país teria sido fortalecer o Bolsa Família, mesmo que fosse preciso colocar todo o precatório fora do teto, e encaminhar uma solução definitiva. Mas o interesse politiqueiro falou mais alto. O que complica é ter um ministro da Economia totalmente dócil à agenda eleitoral do presidente. Paulo Guedes também está em campanha. Isso é o pior que pode acontecer com a área econômica numa conjuntura perigosa como esta.

Como a inflação vai ficar acima dos 9,7% que o governo está projetando, na verdade o espaço total, somados o calote e a mudança no teto vai ser maior. Talvez de R$ 113 bilhões. No mercado se calcula que R$ 60 bilhões vão para o auxílio Brasil.

O governo teve vitórias políticas na semana passada, exatamente quando a primeira pesquisa registrou a intenção de votos abaixo de 20%. É curiosa a incapacidade de a oposição ver a natureza colaboracionista dos seus atos. No momento seguinte da sua aprovação, o ministro André Mendonça derrubou as garantias laicas e de autonomia que tinha feito na sabatina. As imagens falam por si. Bolsonaro tem agora 20% do STF. No mínimo. Já que colaboracionistas há também no Supremo.

No caso do Auxílio, o Congresso, incluindo alguns oposicionistas e independentes, deixaram-se enredar na armadilha que colocou a isca de um programa social dentro de uma proposta fiscal inaceitável.

Tudo isso acontece na semana em que o país entra em recessão técnica, a inflação está em dois dígitos, e a renda caiu 11% em um ano. Parte é efeito da pandemia? Sim. Mas parte fundamental é a gestão temerária da economia, e a administração por conflitos que o governo Bolsonaro sempre manteve. O Congresso ajudou um presidente que deveria ser, a esta altura, um pato manco. Está faltando visão política a quem quer defender a ameaçada democracia brasileira.

 

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