quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Bolsonaro rasga a fantasia

O Estado de S. Paulo

Presidente agora está no PL, mas consistência partidária nunca foi seu forte

O presidente Jair Bolsonaro oficializou sua filiação ao PL, legenda que compõe o Centrão e é presidida pelo notório ex-deputado Valdemar Costa Neto, condenado pelo Supremo a 7 anos e 10 meses de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no âmbito do escândalo do mensalão. Em discurso após o ato que selou seu ingresso no partido comandado por um corrupto condenado, Bolsonaro afirmou estar “em casa”. De fato, havia muitas razões para o presidente se sentir bem acolhido (ver editorial Bolsonaro em casa, publicado em 12/11/2021).

Com a filiação ao PL, Bolsonaro traiu de papel passado a confiança dos eleitores que acreditaram naquela espécie de cruzada “antipolítica”, “antissistema” ou outro engodo qualquer, que foi a tônica de sua campanha eleitoral em 2018. Foi justamente essa falácia moralizadora o que mais arrebanhou votos para Bolsonaro. Suas propostas de governo seguramente não foram, pois nunca existiram.

É compreensível, portanto, que muitos eleitores de Bolsonaro, quando confrontados com a real natureza indômita do “mito”, sintam cada vez mais o peso do arrependimento. As sondagens de intenção de voto e avaliação do governo realizadas por diferentes institutos de pesquisa revelam que a confiança no presidente da República e sua popularidade têm caído ao longo do mandato a níveis que, hoje, se aproximam do ponto de irreversibilidade, de acordo com estatísticos.

Ainda estão vivas na memória dos brasileiros as pesadas críticas que o então candidato Jair Bolsonaro fazia ao que chamou de “velha política”, um termo genérico que foi malandramente difundido durante a campanha presidencial passada para designar a associação entre atividade política e roubalheira, sendo o Centrão, no discurso de Bolsonaro e de seus apoiadores, a materialização desta liga do mal. Presente à cerimônia organizada pelo PL no dia 30 passado, o ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, estava tão à vontade que nem por um momento lembrou aquele Heleno que, há três anos, deixara sutilezas de lado ao associar o Centrão, que hoje manda no seu chefe e governa o País de facto, a um valhacouto de ladrões.

Outro que parece bastante confortável em torcer o idioma e as suas próprias balizas morais é o senador Flávio Bolsonaro, que seguiu o pai e também se filiou ao PL, a terceira legenda do parlamentar em apenas seis meses. “Ainda querem nos fazer crer que um ex-presidiário, preso por roubar o povo brasileiro, estará à frente (da campanha pela eleição presidencial)”, discursou o senador, sem corar a face por dizer o que disse ao lado de Valdemar Costa Neto, ele também um ex-presidiário.

Bolsonaro se filiou ao PL porque foi a legenda que aceitou recebê-lo – não de forma desinteressada, que fique claro. A rigor, o presidente poderia ter ingressado em qualquer outro partido, haja vista que consistência partidária nunca foi o seu forte. Ao longo de uma carreira política marcada pela passagem por nada menos que nove siglas, Bolsonaro sempre deixou claro que enxerga o ingresso em partidos políticos como mera formalidade legal para, de eleição em eleição, manter uma fonte de renda estável. Não vê os partidos como organizações da sociedade civil para a defesa de ideias e projetos de desenvolvimento do País. Para o presidente, tanto faz a sigla pela qual concorrerá à reeleição. Seu partido sempre foi e será o “Partido da Família Bolsonaro”.

Para o PL, o ingresso de Bolsonaro em seus quadros não determinará o futuro da legenda. Talvez o partido possa aumentar a sua base de parlamentares eleitos em 2022 e, com isso, o volume de recursos que recebe dos fundos partidário e eleitoral. O fato é que o PL continuará sendo o que sempre foi: um partido da situação, jamais da oposição. Seja qual for o resultado da eleição do ano que vem, uma coisa é certa: o PL não perderá. O partido estará na base do presidente eleito, seja quem for. Portanto, não hesitará em fazer campanha até para opositores de seu candidato oficial à reeleição, se isso for necessário para acomodar os interesses de Costa Neto, a grande estrela daquele festim de falsidades havido em Brasília.

Sinal amarelo

O Estado de S. Paulo

Ainda há mais perguntas do que respostas sobre a Ômicron, mas desde já ela é um alerta de que a pandemia não acabou

Mais da metade das capitais brasileiras anunciou o cancelamento das festas de réveillon. Muitas cidades já cancelaram o carnaval ou acionaram o sinal amarelo. São medidas prudentes, que deveriam ser imediatamente consideradas por todos os governantes, ante a ameaça da nova cepa do coronavírus, Ômicron, a primeira a ser classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como “variante de preocupação” desde a erupção da Delta, há um ano.

Neste exato momento, não há razão para pânico, mas o suspense é grande. Como disse o diretor da OMS, Tedros Adhanom, “ainda temos mais perguntas que respostas”.

A propósito da natureza da Ômicron, as duas questões principais são sobre a sua transmissibilidade e virulência. As primeiras evidências sugerem que ela se espalha rápido. Nos próximos 15 dias já se deverá ter uma noção razoavelmente precisa sobre a sua capacidade de infecção. Quanto à sua severidade, os primeiros relatos da África do Sul apontam casos leves, mas ainda são inconclusivos. A comunidade científica precisará comparar efeitos em grupos de risco, e essa avaliação pode tomar de um a dois meses.

Tampouco é possível fazer afirmações sobre a eficácia das vacinas. Desperta preocupações a alta taxa de mutações – mais de 30 na chamada proteína spike, que supostamente auxilia as partículas do vírus a invadir as células humanas e frustra os ataques dos anticorpos. Estima-se que em cerca de 10 dias as farmacêuticas terão uma noção melhor sobre a eficácia dos imunizantes.

Caso seja necessário produzir novas vacinas, as MRNA têm, em tese, mais condições de serem reeditadas rapidamente. Calcula-se algo como 100 dias. As outras podem demorar um pouco mais. Uma boa notícia, confirmada pela OMS, é que ao menos um tratamento, com corticosteroides e bloqueadores, continua eficaz contra a Ômicron. Os outros ainda estão sendo avaliados.

Enquanto essas respostas não chegam, todos precisam se precaver. Os governos de todo mundo erraram de várias maneiras em várias etapas da pandemia, mas o erro mais consistente foi agir tarde demais, quando as coisas já tinham saído do controle. A ágil atuação dos cientistas sul-africanos, as restrições aos voos e as quarentenas ganharam algum tempo para o mundo. É preciso utilizá-lo com sabedoria.

O Brasil teve alta adesão à vacinação. Mas ainda há pessoas que não tomaram a segunda dose. Além de mobilizá-las, é preciso intensificar os programas de reforços com a terceira dose. Mesmo que não tenham efeitos sobre a Ômicron, ainda são eficazes para reprimir o contágio da Delta e outras cepas.

Obviamente, é preciso reforçar as campanhas por medidas não farmacológicas (máscaras, distanciamento, trabalho remoto quando possível). O Brasil, ao contrário do desejo de seu presidente da República, deve exigir comprovante de vacinação dos estrangeiros que pretendem vir ao País. Os governos e a população precisam estar prontos para eventualmente retomar medidas restritivas nos próximos dias. De pouco adiantará cancelar grandes festejos, se aglomerações em estádios ou boates continuarem em curso.

Planos de contingência hospitalar também são cruciais. Mesmo que a Ômicron seja menos virulenta que a Delta, se for muito mais infecciosa, as hospitalizações e mortes podem aumentar.

As condições no Brasil são relativamente favoráveis. Ao contrário da Europa, às vésperas do inverno, o País entrará no verão. Mesmo na Europa, em países com taxas de vacinação similares ao Brasil, como Portugal ou Inglaterra, a nova onda tem sido caracterizada por síndromes leves. E já a Delta não provocou aqui uma terceira onda como lá.

Não é irrazoável a esperança de que a Ômicron seja só um susto. Outras variantes, como a Gama e a Lambda, se mostraram perigosas por um tempo antes de se dissiparem. Mas, como em tudo o mais com esse inimigo invisível e traiçoeiro, é preciso se preparar para o pior. Ainda que, na melhor das hipóteses, a Ômicron se mostre inofensiva, ela ainda é um poderoso lembrete de que a peste ainda não acabou – e pode piorar. Enquanto a população global não tiver atingido a imunidade de rebanho, o espectro de uma covid de nova geração ou uma Pandemia 2.0 continuará a assombrar o planeta.

Mendonça fez por merecer vaga no STF

O Globo

Usando tática comum nas sabatinas, ex-ministro da Justiça se recusou a tomar posição sobre temas incômodos

Depois de meses de suspense e de uma espera recorde pela sabatina, André Mendonça fez por merecer a vaga de ministro no Supremo Tribunal Federal (STF), aprovada ontem no plenário do Senado por 47 votos a 32. Antes da votação, foi submetido a quase oito horas de questionamento na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Até pelo tempo que teve para se preparar, estava pronto para uma inquirição bem mais dura e difícil que a — com raras exceções — arguição benevolente que lhe foi imposta.

Mendonça adotou uma estratégia inteligente, decerto maturada ao longo dos últimos meses, para conquistar a aprovação. Procurou de cara, no pronunciamento de abertura, desfazer os fantasmas que assombravam a nomeação — a começar pela fé evangélica, motivo alegado pelo presidente Jair Bolsonaro para indicá-lo.

Declarou-se defensor do Estado laico e, em desafio ao que Bolsonaro dissera, afirmou “não haver espaço para manifestação pública religiosa durante as sessões do Supremo Tribunal Federal”. Também firmou compromisso contra a discriminação à comunidade LGBTQIA+ e se disse favorável à decisão que equiparou a homofobia ao racismo. Afirmou sem rodeios: “Na vida, a Bíblia; no Supremo, a Constituição”. Afastou também a associação com o autoritarismo bolsonarista, reafirmando compromisso com o Estado de Direito e a imparcialidade da Justiça.

Embora a questão religiosa tenha desde o início cercado a indicação, o principal empecilho ao nome de Mendonça no Congresso sempre foi outro: o perfil tido como punitivista, de quem já defendeu a execução de penas depois da condenação na segunda instância e a precedência da Justiça Federal sobre a Eleitoral no julgamento de casos de corrupção. Na sabatina, ele tentou tranquilizar os senadores. Declarou-se garantista, repetiu ser contra “criminalizar a política”, disse que cabe ao Congresso arbitrar tais questões e que, como ministro, zelará pela segurança jurídica em decisões já tomadas.

Usando tática comum nas sabatinas, Mendonça se recusou a tomar posição sobre temas incômodos, sob o pretexto de que poderia vir a julgá-los como ministro. Foi o caso dos decretos sobre armas, do marco temporal na demarcação de terras indígenas, das acusações da CPI da Covid, do Código Florestal e da prisão em segunda instância.

Foram raras as intervenções que o pressionaram ou apontaram pontos frágeis. O senador Fabiano Contarato (Rede-ES), depois de insistir, arrancou de Mendonça palavras surpreendentes em defesa do casamento gay e um pedido de desculpas por ter dito que a democracia brasileira fora conquistada sem derramamento de sangue. Mendonça foi pouco convincente ao justificar o uso da Lei de Segurança Nacional para processar jornalistas e críticos de Bolsonaro (alegou que seria prevaricação não ter agido, pois Bolsonaro se sentira ofendido). Foi evasivo em relação ao dossiê contra servidores públicos que o acusam de ter montado. Sobre ter defendido no STF a reabertura dos templos religiosos em plena pandemia, em desafio à recomendação científica, deu outra resposta evasiva.

Nenhum erro do passado, evidentemente, impedirá que Mendonça venha a ser um bom ministro. Sua competência jurídica é indiscutível. Basta ele conseguir manter, em seus julgamentos, a independência, a atitude serena, equilibrada e aberta ao diálogo que manifestou ontem na sabatina.

Mendonça no STF

Folha de S. Paulo

Maior desafio do futuro ministro será apagar marca da subserviência a Bolsonaro

A aprovação, pela maioria dos senadores, do nome do advogado André Mendonça para ministro do Supremo Tribunal Federal não constitui surpresa, dado o longo histórico de sabatinas meramente protocolares, perfunctórias e encomiásticas da câmara alta brasileira.

Ainda há de nascer o dia de inquirições firmes, informadas, técnicas e críticas a pessoas que terão uma considerável fatia do poder da República nas mãos até completarem 75 anos de idade.

Durante a sessão de questionamentos, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Mendonça procurou aparar arestas que surgiram desde a sua indicação pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).

O futuro ministro da corte mais alta buscou afastar os temores de que misturaria a religião evangélica com a magistratura, razão apontada pelo próprio chefe do Executivo como fundamental para a escolha. "Na vida, a Bíblia; no Supremo, a Constituição", disse Mendonça.

Que não promoverá cultos nas sessões plenárias do Supremo, só não estava óbvio para o mais fanático bolsonarista. Mas será preciso acompanhar com atenção o desenrolar dos seus votos e decisões para avaliar se não haverá mesmo transborde reacionário do terreno das crenças para o do Direito.

Para quem acusava o ex-advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça de "lavajatismo", o sabatinado também ofereceu satisfações. Que não se criminalize a política, que não se tomem delações premiadas como prova, que não se usurpe a atribuição do Congresso de decidir se a prisão ocorrerá apenas com o trânsito em julgado, como ocorre hoje, ou após condenação em segunda instância.

A prestação de serviços pessoais ao presidente da República será a mancha mais difícil de apagar na trajetória futura de André Mendonça na corte. Para bajular o chefe, pôs a Polícia Federal no encalço de jornalistas que exerceram a prerrogativa constitucional da crítica e da livre expressão.

Não se importou de lançar mão de instrumento remanescente da ditadura nessa aventura perigosa.
Alegar, como fez Mendonça no Senado, que recorreu a instrumento legal válido à época das ações —o Congresso derrubou a Lei de Segurança Nacional posteriormente— não atenua a violência da iniciativa.

Ela não condizia com o currículo de alguém que almejava exercer a mais elevada função judicial do Estado democrático de Direito.

Na condição de ministro do STF, protegido da demissão pelos próximos 26 anos, que André Mendonça possa revelar-se um magistrado verdadeiramente técnico, profundo e independente. Seria uma grata surpresa diante do seu histórico de subserviência ao pior presidente deste ciclo democrático.

Inflação empobrece

Folha de S. Paulo

Alta de preços, alimentada por irresponsabilidade fiscal, faz a renda desabar

Como seria de esperar, chegou a pior consequência da inflação. A corrosão do poder de compra levou a renda média das famílias ao menor nível em quase dez anos.

Para os que minimizam as consequências sociais da disparada dos preços, eis um dado que deveria mobilizar o país em prol de uma política econômica responsável, que preze a solidez das contas públicas justamente para que se possa proteger os mais pobres.

Segundo o IBGE, a renda média do trabalho ficou em R$ 2.459 no terceiro trimestre deste ano, próxima ao menor registrado desde o início da coleta da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, no primeiro trimestre de 2012. A retração ante o mesmo período de 2020 foi de 11,1%, a maior da série histórica.

Além do prejuízo provocado pela inflação, que chegou a 10,67% nos 12 meses encerrados em outubro, a perda decorre da pandemia e do perfil da retomada do emprego.

As vagas criadas nos últimos meses têm ido primordialmente para trabalhadores sem carteira assinada, de salários mais baixos, e por conta própria sem CNPJ. A informalidade atingiu 40,6% da população ocupada, o que significa 37,7 milhões de pessoas.

Ao menos houve alguma melhora do mercado. A população empregada ficou em 93 milhões, uma alta de 4% (3,6 milhões a mais) em relação ao trimestre anterior e de 11,4% (9,5 milhões a mais) ante o mesmo período do ano passado.

Com esse resultado, a taxa de desocupação recuou para 12,6%, uma queda sensível na comparação com os piores momentos da crise sanitária —eram 14,9% entre julho e setembro do ano passado.

O alento é pequeno, no entanto, pois a inflação deste ano foi ente cruel ao atingir sobretudo itens de primeira necessidade, como alimentos, energia e combustíveis.

A incompetência na gestão da Covid-19 e, mais recentemente, a postura irresponsável do governo e do Congresso na gestão dos recursos públicos corroeram a credibilidade da política econômica e magnificaram o problema.

A alta dos juros para combater a inflação aumenta os riscos recessivos para 2022 e certamente terá impacto na geração de emprego.

Infelizmente, a reversão desse quadro dependerá da apresentação de um programa econômico sério durante a campanha eleitoral. Espera-se, ao menos, que a população mostre mais uma vez nas urnas que não tolera inflação.

É urgente acelerar a vacinação nas regiões mais pobres

Valor Econômico

Nem quem votou em Bolsonaro está disposto a arriscar a vida e seguir a trilha da ignorância do presidente

O coronavírus não para de produzir variantes e a mais nova, ômicron, é vista como ameaçadora pela comunidade científica pela quantidade de mutações (50) e sua concentração na espícula (30), com a qual penetra nas células humanas para reproduzir-se. O conhecimento acumulado desde o início da pandemia, que levou à produção de vacinas em tempo recorde, sinaliza que tanto pode haver em algum momento uma mudança qualitativa no vírus que vença a disputa contra as vacinas existentes quanto, em ambientes de imunização robusta, sua domesticação - a maior rapidez da transmissão seria quase inversamente proporcional à sua capacidade destrutiva sobre a saúde humana. Há, porém vários problemas. Dois deles: não há certeza de qual desses caminhos tomará a ômicron; a vacinação é mínima no mundo em desenvolvimento.

A comparação do surgimento da nova variante com a estreia da covid-19 é instrutiva. O surgimento das vacinas reduziu drasticamente o número de mortes, internações e os danos econômicos. Da mesma forma, os efeitos econômicos tornaram-se mais previsíveis e menos nocivos que a paralisação completa das atividades que ocorreu na maior parte do mundo em março de 2020, quando não havia armas para enfrentar a covid-19.

A covid-19 continuará sendo uma ameaça, como prova a ômicron, enquanto a cobertura vacinal for restrita aos países ricos e alguns emergentes, e se houver imunização quase total, o que não ocorreu nos países da Europa, que enfrentam uma quarta onda de infecções - como Áustria, Bélgica, Alemanha, países do Leste Europeu e Estados Unidos. Nações ricas afetadas pela nova onda têm, por displicência ou negacionismo, até mais de um terço de sua população não imunizada, a ponta de lança da propagação atual.

Mas não param de surgir variantes de países onde mal existe, ou é deficiente, a imunização. Na África do Sul, onde se detectou a existência da ômicron, só um terço da população foi vacinada, uma cifra grande perto de países vizinhos - na União Africana, integrada por 55 países, a taxa é de 5%. Estas nações ficaram para trás na distribuição dos imunizantes: enquanto países desenvolvidos estão na terceira dose, a de reforço, a África inteira está massivamente desprotegida. A iniciativa Covax, que forneceria vacinas para o mundo pobre, não andou bem. Dos dois bilhões de doses previstas para serem entregues, apenas 500 milhões o foram.

 

Por isso, as promessas dos países ricos de fornecer 1 bilhão de doses para os da África, assim como a iniciativa chinesa de prometer idêntica quantidade inicial, mais parceria na fabricação in loco, podem ser vistas com algum otimismo e muita desconfiança. A enorme desproteção do mundo pobre pode ter consequências desastrosas, como sugere a ômicron. Se a variante driblar as vacinas existentes, uma nova geração de imunizantes terá de ser desenvolvida, deixando os países pobres de novo no fim da fila.

As consequências econômicas são por enquanto mais fáceis de prever. O Federal Reserve americano e a OCDE, que reúne os países ricos, acreditam que os estragos serão menores sobre o crescimento, mas não sobre a inflação. Ainda que o setor de serviços seja atingido pela variante, as medidas de prevenção atingirão muito mais as cadeias de produção, claudicantes desde o fim do período mais intenso da pandemia. Fed e BCE mantiveram em seus cenários que a perspectiva da economia dependeria muito da contenção da covid. Acertaram, mas o desdobramento atual jogará mais pressão sobre a inflação, em seu maior nível em décadas. Na irrupção da covid-19, o primeiro efeito foi deflacionário.

O Brasil não pode deixar-se levar pelo bom grau de vacinação de boa parte das capitais, em especial as do Sudeste e Sul. O país tem enorme desigualdade interna, que se reflete na imunização. No Amazonas, a maioria dos municípios não vacinou 50% da população, e em Roraima, menos de 30% (Atila Iamarino, Folha de S. Paulo, 1-12). Este é o temível flanco doméstico para o aparecimento de novas variantes ou para a disseminação mais intensa das que chegarem ao país. Uma tarefa urgente é elevar a proteção das populações mais pobres, que ficaram para trás na vacinação local.

Felizmente, o governo negacionista de Jair Bolsonaro não foi ouvido pela população. Segundo o Banco Mundial, os brasileiros são os que menos rejeitam a vacina e a “hesitação vacinal” é de apenas 3%, menos da metade da média da América Latina. Nem quem votou em Bolsonaro está disposto a arriscar a vida e seguir a trilha da ignorância do presidente.

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