quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Regular o lobby

Folha de S. Paulo

Projeto é bom ponto de partida, mas terá de superar a inércia do Legislativo

Um pacote anticorrupção proposto pelo governo de Jair Bolsonaro decerto não inspira grande confiança. Mas há medidas interessantes entre as recém-anunciadas —e merece destaque o projeto de lei que regulamenta o lobby no país.

Embora os termos "lobby" e "lobista" não gozem da melhor das reputações por aqui, a atividade pode ser perfeitamente legítima e legal, uma extensão do direito de peticionar consagrado na Constituição.

Para que o lobby legítimo prevaleça sobre a corrupção e o tráfico de influência, que seriam suas versões degeneradas, é importante que a atividade ocorra sob o primado da transparência e sob regras claras previamente estabelecidas.

O projeto do governo se afigura uma peça bastante técnica, elaborada pela Controladoria-Geral da União, sob inspiração da extensa documentação que a OCDE produziu sobre a matéria.

O texto escapa de velhas armadilhas. Tentativas anteriores de disciplinar o lobby vieram na forma de regulamentação profissional —o que não funciona bem, dado que indivíduos das mais diversas formações, de cientistas a relações públicas, passando pelos influenciadores digitais, podem em princípio fazer as vezes de lobistas.

Em vez disso, o objetivo é regular os relacionamentos entre agentes públicos e a representação de interesses privados por todas as pessoas naturais ou jurídicas.

Também é positiva a insistência do projeto em fomentar a transparência ativa, cobrando o registro e a publicação de todas as interações entre agentes públicos, compreendidos em sua concepção mais ampla, que inclui estatais e fundações, e lobistas, com um detalhamento mínimo do assunto tratado e em tempo hábil (sete dias).

Falta definir melhor os casos em que cabe sigilo, e é preciso deixar mais claro que eles precisam ser exceções. O governo Bolsonaro mostrou que as autoridades não hesitam em decretar sigilo mesmo quando obviamente indevido.

Outro ponto que comporta aperfeiçoamentos é o da distribuição de brindes, presentes e hospitalidades. Nos dois primeiros, o que a experiência dos médicos ensina é que mesmo a distribuição de canetas e calendários com o nome de drogas e laboratórios tem efeito sobre as prescrições.

Isso ocorre porque a mera visão repetida de nomes e logomarcas exerce um efeito que age abaixo do radar da consciência. Já hospitalidades são mais difíceis de regular, mas, ao contrário de presentes, podem servir ao interesse público.

O projeto é um bom ponto de partida para os debates. Cumpre apontar que iniciativas para regulamentar o lobby pipocam no Congresso há décadas sem que tenham avançado. Parece haver um forte lobby para que tudo permaneça como está —nas sombras.

TCU em foco

Folha de S. Paulo

Fortalecido desde o impeachment, órgão ainda é por demais vulnerável à política

Em mais uma derrota do governo de Jair Bolsonaro (PL), o senador Antonio Anastasia (PSD-MG) foi indicado pelo Senado para ocupar uma vaga de ministro do TCU (Tribunal de Contas da União).

Com 60 anos, ele terá pelas regras atuais mais 15 para exercer a cobiçada função, caso a Câmara dos Deputados chancele sua indicação, o que parece certo. Na política, trata-se de uma eternidade.

O que torna a escolha inusual foi a disputa que a precedeu, a primeira desde 2014. Anastasia contou com a força do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, também do PSD mineiro. Teve 57 votos, ante 19 de Kátia Abreu (PP-TO) e 7 de Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).

A senadora tinha apoio de parte do governo e de Renan Calheiros (MDB-AL), que queria manter a vaga a ser desocupada por Raimundo Carreiro sob sua influência.

Já outra parte da gestão Bolsonaro trabalhou por Coelho, ativo líder do governo no Senado. Ato contínuo à vexatória eliminação, ele entregou o cargo, contrariado.

Anastasia é avaliado no Senado como um dos mais técnicos integrantes da Casa, mas isso não parece ter sido vital para sua escolha. Foi o peso de Pacheco, pré-candidato ao Planalto, e a notória falta de traquejo do governo que ditaram o rumo do processo ao fim.

Mesmo Carreiro não deixa a cadeira no TCU por ter chegado aos 75 anos —tem 2 a menos. Ele foi indicado por Bolsonaro para outra sinecura tradicional da política brasileira, a embaixada em Lisboa. O presidente não contava com um potencial adversário assumindo a vaga aberta por sua obra.

Órgão de controle das finanças federais, o TCU tem 7 de seus 9 ministros indicados por critérios políticos. Se por anos só ganhava relevância ao revelar algum contrato superfaturado, em 2015 mudou de patamar ao rejeitar as contas da petista Dilma Rousseff, dando base ao processo de impeachment.

Seu poder foi robustecido, aumentando o apetite pelo status que a caneta de ministro tem. Anastasia, por sinal, herdará processos sobre gastos do cartão corporativo de Bolsonaro e de sua família.

Esse jogo compromete a função precípua da corte, que é a de zelar pela boa execução orçamentária. Seria desejável que, na impossibilidade de retirar totalmente o interesse político sobre as indicações, fossem estabelecidos critérios técnicos mais amplos para os ungidos.

Estranha decisão do presidente do STF no caso da boate Kiss

O Estado de S. Paulo.

Além de atropelar a competência do STJ, a decisão do presidente do Supremo é um convite nada sutil para reabrir a discussão sobre o início do cumprimento da pena

Suspendendo a liminar concedida em sede de habeas corpus pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, determinou o imediato cumprimento das penas aplicadas aos quatro condenados no caso do incêndio na boate Kiss. Além de atropelar a competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a decisão de Luiz Fux representa uma tentativa de reabrir, por vias tortas, a discussão sobre o início da execução da pena, discussão essa na qual o presidente do Supremo foi voto vencido. Sempre, mas especialmente em questões penais, o Poder Judiciário não pode estar refém das idiossincrasias de um magistrado.

Deve-se, em primeiro lugar, reconhecer que a decisão do TJRS não era isenta de controvérsia. Com as modificações trazidas pelo Pacote Anticrime (Lei 13.964/19), existe base legal para o início imediato da execução de penas iguais ou superiores a 15 anos aplicadas pelo Tribunal do Júri. No entanto, isso não significa por si só que a decisão do tribunal gaúcho esteja equivocada. Pode haver elementos no caso concreto que aconselham a espera do julgamento da apelação. Além disso, mesmo que eventualmente não represente a melhor aplicação da lei, decisão judicial não pode ser revogada por magistrado sem competência para atuar no processo.

Ao longo das sete páginas da decisão de Luiz Fux, observa-se uma interpretação especialmente ampla a respeito de suas atribuições, de forma a autorizar sua atuação num processo cujo encaminhamento – não é segredo para ninguém – diverge de sua opinião pessoal. Esta é a principal deficiência da decisão: para fazer valer sua interpretação pessoal do Direito, o ministro Fux assume uma atribuição institucional que não lhe compete.

No Estado Democrático de Direito, o exercício do poder deve se submeter, sem exceção, às atribuições de cada cargo. Por isso, não é o próprio juiz, seja de qual instância for, que arbitra se tem ou não competência para atuar em determinado caso. Uma forma de atuação nesses moldes significaria abuso de poder.

Na decisão de Luiz Fux, há duas circunstâncias agravantes. Para suspender a decisão do TJRS, o presidente do Supremo valeu-se de uma interpretação que, em alguma medida, restringe o alcance protetivo do habeas corpus. Ou seja, para dar ao caso o encaminhamento de acordo com suas convicções pessoais (a prisão imediata dos réus), Luiz Fux precisou fragilizar esse importante instrumento de respeito às garantias fundamentais, previsto expressamente no art. 5.º, LXVIII da Constituição de 1988. A história nacional tem abundantes exemplos dos efeitos perniciosos desse tipo de limitação sobre as liberdades individuais.

Além disso, a decisão do presidente do Supremo tem um alcance que vai além do caso da boate Kiss. Toda a argumentação de Luiz Fux é um convite nada sutil para reabrir a discussão sobre o início do cumprimento da pena. A decisão tem, assim, um caráter de afronta não apenas à recentíssima jurisprudência do STF sobre os efeitos práticos da presunção de inocência, mas ao próprio caráter colegiado do Supremo.

Não há justiça possível sem um mínimo de estabilidade na jurisprudência das Cortes superiores, cujo papel é precisamente consolidar orientações, proporcionando segurança jurídica. Transformar cada novo caso em oportunidade para reintroduzir discussões há pouco superadas é uma atitude que não apenas deslegitima o Judiciário aos olhos da população, como contraria a própria razão de ser dos tribunais superiores.

Atropelos judiciais são especialmente graves em questões penais, sobretudo em processos de grande comoção popular, como é o caso do incêndio na boate Kiss. O respeito às regras de competência e o zelo com a jurisprudência são condições necessárias para que a justiça não se transforme em justiçamento. A prestação jurisdicional não é exercício de popularidade, tampouco teste da sagacidade do juiz, para avaliar se é capaz de fazer prevalecer sua opinião pessoal.

Como valorizar os professores

O Estado de S. Paulo.

Prestigiar a docência é chave para uma educação de qualidade. O novo plano de carreira de São Paulo dá um passo importante nessa direção

É incontroverso entre os especialistas em educação que a valorização dos professores é chave para qualificar a educação no Brasil. Isso implica oferecer boas condições de trabalho, a começar por melhores salários; capacitação a todos os professores; e prêmios ao desempenho dos melhores. O novo plano de carreira proposto pelo governo do Estado de São Paulo busca enfrentar esses desafios.

Os professores paulistas já tiveram uma das maiores remunerações do País. Com a defasagem da inflação, hoje o valor inicial está equiparado ao piso nacional de R$ 2.886,24. A proposta a ser enviada pelo governador João Doria (PSDB-SP) à Assembleia Legislativa prevê um aumento salarial de até 73%. A adesão será opcional. O piso será de R$ 5 mil. O governo estima que, caso escolham aderir à nova carreira, 89% dos docentes terão aumento imediato entre R$ 500 e R$ 2 mil. Com as promoções por desempenho, o salário no topo da carreira poderá chegar a R$ 13 mil.

Atualmente, as progressões são condicionadas a avaliações genéricas que medem as mesmas habilidades. Na prática, as gratificações e bônus são incorporados vegetativamente por tempo de serviço.

O novo modelo substitui esses mecanismos ineficientes por provas de desempenho e desenvolvimentos distintos de acordo com o nível de experiência do professor. Serão 15 níveis de carreira. As avaliações, já adaptadas à nova Base Curricular Comum, serão realizadas a cada dois anos.

Inicialmente, serão avaliados conhecimentos teóricos e práticos. Outras progressões estarão atreladas ao desempenho em sala de aula ou à participação em cursos de formação. Profissionais com pós-graduação terão acréscimo de 3% a 5%. Também estão previstas recompensas aos profissionais mais experientes engajados em tutoria para os mais novos.

Segundo a diretora do Centro de Políticas Educacionais da FGV, Claudia Costin, o reajuste, se bem aplicado, vai na direção certa: “Temos de atrair e reter talentos nessa profissão tão importante para a educação e para o País”.

No cenário nacional, o programa merece destaque por três motivos. Primeiro – em contraste com a perene negligência de Brasília a propósito da reforma administrativa –, por propor uma progressão de carreira vinculada à participação em programas de capacitação e a metas de desempenho.

Em segundo lugar – em contraste com as ofertas oportunistas de demagogos como o presidente Jair Bolsonaro de benefícios a sua base de apoio em ano eleitoral –, o programa foi fruto de planejamento e é fiscalmente sustentável.

O custo de R$ 3,7 bilhões será coberto pelo novo Fundo de Desenvolvimento da Educação (Fundeb). Mesmo antes, em 2019, a reformulação já havia sido ensaiada, à época com recursos provenientes de economias com a extinção de programas e subsídios obsoletos. A proposta já constava do Plano Estratégico apresentado no início do governo, assim como outras iniciativas implementadas desde então, como o programa de transferência de recursos técnicos, materiais e financeiros aos municípios de maneira mais ágil e desburocratizada, ou a ampliação das ofertas de ensino integral e disciplinas eletivas.

Na pandemia, ante o risco da evasão escolar, o governo criou 300 mil bolsas de estudo, também vinculadas a contrapartidas, ofereceu remuneração a 20 mil pais e mães para auxiliar na adaptação das escolas e contratou milhares de professores para garantir um retorno seguro e aulas de reforço.

Por fim, o programa se volta ao segmento mais precário da educação brasileira. O País, especialmente São Paulo, tem excelentes ofertas de ensino superior público. Nas últimas décadas, a democratização do ensino fundamental progrediu expressivamente e hoje ele está quase universalizado. Mas no ensino médio, de competência dos Estados, as taxas de conclusão e desempenho ainda estão abaixo do medíocre. Além de ferir um direito fundamental das crianças brasileiras, isso acarreta prejuízos incalculáveis à cidadania e à economia do País.

Professores mais bem pagos, bem treinados e motivados são peças-chave para mudar este quadro.

Bolsonaro planeja reajuste absurdo para policiais

O Globo

Em seus 28 anos de carreira parlamentar, o presidente Jair Bolsonaro se fez notar por duas características: 1) o discurso em defesa da ditadura militar, de torturadores e de sua ideologia de extrema direita; 2) seu trabalho incansável como uma espécie de líder sindical das forças policiais. Na Presidência, embora tenha sido alvo das maiores controvérsias por causa da primeira, a segunda persiste, com alcance e potencial de estrago bem maiores que em seus tempos de deputado.

É o que revela a nova proposta de reestruturação das carreiras policiais em estudo no governo, cujo custo ao longo de três anos foi estimado em R$ 11 bilhões pelo Ministério da Justiça, segundo reportagem do GLOBO. Na iniciativa privada, a palavra “reestruturação” provoca arrepios na espinha, pois está associada a cortes e demissões. No setor público, o sentimento é outro: o bolso do contribuinte parece sempre pródigo, e “reestruturação” equivale a reajustes generosos.

Neste governo, nenhuma categoria tem sido tão beneficiada quanto os militares ou as carreiras ligadas às forças de segurança. Foram privilegiadas na reforma da Previdência, poupadas no arremedo de reforma administrativa vindo do Planalto, contempladas com acúmulo salarial e outras prebendas.

Foi pouco? Pois agora Bolsonaro quer fazer novo agrado aos integrantes da Polícia Federal (PF), da Polícia Rodoviária Federal (PRF), do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e a outras carreiras vinculadas ao Ministério da Justiça. Pela estimativa do próprio ministério, só no ano eleitoral de 2022 a brincadeira custaria R$ 2,8 bilhões aos cofres públicos.

Não há, como esperado de um governo que tem destruído as boas práticas orçamentárias, nenhuma contrapartida nas receitas, obrigação prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal. O mais provável é que o dinheiro saia do estouro no teto de gastos autorizado pela desvairada PEC dos Precatórios, aprovada no Congresso a pretexto de financiar o programa social Auxílio Brasil.

Não se trata de gasto emergencial, ditado pelas circunstâncias. Ao contrário. Para 2023, o custo é estimado em R$ 4,1 bilhões. Para 2024, R$ 4,2 bilhões. Doravante será um adicional de 38% no custo das corporações, gravado no Orçamento. Na PRF, o pessoal custará 45% mais caro para a sociedade. No Ministério da Justiça, 73%. No Depen, 65%. E na PF, 27%. É insondável o efeito desse trem da alegria nas demandas de outras categorias do funcionalismo que Bolsonaro também quer agradar. Ou nos estados e municípios.

É bom lembrar que, mesmo com redução recente no total de funcionários da União, o custo do funcionalismo tem crescido sem trégua. Entre 2008 e 2019, o gasto subiu 125%, segundo estudo do Instituto Millenium. O Brasil gasta 14% do PIB com funcionários públicos — sétima posição no mundo —, patamar que exigiria serviços bem melhores que os prestados à sociedade.

Ninguém contesta a necessidade de reestruturar as carreiras do setor público para que correspondam à realidade de um Estado moderno. É essa justamente a alma da tão necessária e sempre adiada reforma administrativa. Num país em crise fiscal profunda, isso precisa ser feito para tornar o gasto menor, ou no mínimo comprovadamente mais eficiente, segundo estudos sérios e análises embasadas. Não para promover um festival de aumentos às categorias que o presidente sindicalista quer manter a seu lado no ano eleitoral.

Tragédia das chuvas em Minas e na Bahia revela despreparo de governos

O Globo

Para além da solidariedade, a imagem de uma família resgatada num colchão com a ajuda de moradores, durante as cheias que castigam o Sul da Bahia, revela o despreparo dos governos para lidar com fenômenos climáticos previsíveis. Não há dúvida de que os volumes de precipitação em algumas regiões do país nos últimos dias foram extraordinários, os maiores em décadas. Em Minas, 58 municípios estão em situação de emergência. Na Bahia, pelo menos 11 pessoas morreram em consequência das chuvas.

Mas a intensidade da tempestade não pode servir de pretexto para a inércia dos governantes. Chuvas torrenciais nesta época do ano não são exceção. Transbordamento de rios, deslizamentos, queda de pontes, avarias em estradas são cenários esperados, e os governos deveriam estar prontos para agir. Principalmente porque a Organização Meteorológica Mundial já afirmou que, em virtude das mudanças climáticas, eventos extremos estão — e se tornarão — mais frequentes e mais letais.

No Rio, numa prévia do que poderá ser o verão, uma tempestade no último domingo teve os efeitos esperados: ruas alagadas, árvores derrubadas pelo vento, falta de luz. Não há por que imaginar que nos próximos meses será diferente. Mas a prevenção foi deixada de lado. Como mostrou reportagem do GLOBO, a prefeitura usou apenas 28% do orçamento previsto para ações contra as cheias.

Não é caso isolado. Em todo o país, ações de prevenção não costumam ser prioridade. Claro que é impossível evitar a ocorrência de tragédias climáticas, mas é viável reduzir danos e impedir mortes. Para isso, é necessário ter planos de contingência e profissionais capazes de colocá-los em prática nas situações de emergência. Sobrevoar as áreas atingidas e prometer recursos, o roteiro de praxe, demonstra sensibilidade, mas não resolve o problema.

Diagnóstico existe. Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) mostra que o Brasil tem cerca de 8,2 milhões morando em áreas suscetíveis a desastres, como encostas e margens de rios. É preciso ter um plano de longo prazo para remover essas famílias para locais seguros. Ao mesmo tempo, é necessário criar protocolos para socorro emergencial. Os sistemas de sirenes em favelas do Rio são um exemplo bem-sucedido.

Infelizmente, percorre-se o caminho inverso. Contrariando o Senado, a Câmara dos Deputados acaba de aprovar mudanças no Código Florestal que liberam construções às margens de rios em áreas urbanas. Tragédia anunciada.

Quando ocorrem cheias e deslizamentos, não adianta invocar a excepcionalidade das chuvas. Sabe-se que elas serão cada vez mais fortes e mais frequentes. Pode ser inexorável que cidades fiquem submersas, como aconteceu em Minas e na Bahia. Mas é obrigação de prefeitos, governadores, ministros e do presidente da República ter a capacidade de retirar as famílias antes que as águas subam. Ainda que algum prejuízo seja inevitável, ao menos as vidas é preciso salvar.

Fed deve subir antes, e por mais vezes, a taxa de juros

Valor Econômico

Reforçar o dólar, no futuro próximo, seria péssimo para o combate à inflação no Brasil

O Federal Reserve americano resolveu enfrentar a inflação para evitar que ela se torne persistente e vê a possibilidade de que os fed funds tenham três altas de 0,25 ponto percentual em 2022. É uma mudança rápida em relação ao cenário que o banco traçava em novembro, quando a alta dos preços era atribuída a fatores provisórios. A redução da compra de títulos foi acelerada para US$ 20 bilhões de papéis do Tesouro e US$ 10 bilhões de papéis lastreados em hipotecas. Nesse ritmo, as aquisições se encerrarão em meados de março e o Fed poderá seguir então adiante com o início do aperto da política monetária, antecipando, mas não fugindo do roteiro previamente sinalizado aos investidores.

Para o presidente do Fed, Jerome Powell, a combinação de uma inflação muito acima da meta e da evolução do mercado de trabalho muito mais rápida do que o esperado deu o sinal de que era hora de mudar a instância da política monetária. Ainda que não sejam parte do filme da inflação até agora, disse Powell, os salários estão crescendo a taxas que não se viam há muitos anos (5,7% em doze meses), fenômeno disseminado, tanto quanto o emprego, até entre os trabalhadores de menor qualificação e escolaridade. A inflação, por seu lado, chegou a 6,8% em novembro (CPI), a maior desde 1982, enquanto que o núcleo dos gastos pessoais de consumo (PCE), a medida preferida pelo Fed, atingiu 4,2% e, pelas previsões dos membros do Comitê de Mercado Aberto, apenas voltará para perto de 2% em 2024.

Mesmo acelerando o cronograma e abrindo a possibilidade de três altas nos juros no ano que vem, ainda assim a política monetária continuará sendo acomodativa. Pela mediana das projeções dos fed funds, os juros devem subir para 1% ao fim de 2022 e ainda assim continuarão negativos em termos reais - o núcleo do PCE estimado é de 2,7%. Da mesma maneira, as taxas reais continuarão negativas também em 2023. O gradualismo ainda não deixou a agenda do Fed e só o fará se a inflação disparar. O Fed acredita que as pressões inflacionárias começarão a se dissipar em meados de 2022, com substanciais quedas do índice e do núcleo (neste caso, de 4,4% para 2,7%) entre um ano e outro.

A pandemia mexeu profundamente com os mecanismos da economia. A covid-19 continua sendo o fator determinante para seu futuro, disse Powell. A nova variante (ômicron) ampliou as incertezas e sabe-se até agora pouco sobre ela. Para a política monetária, disse Powell, ainda não há indicações de se a ômicron afetará mais a demanda, como ocorreu quando a variante delta entrou violentamente em cena) ou a oferta, por exemplo, o que exigiria respostas diferentes do banco.

Mas tanto o emprego quanto a inflação atual são frutos dos desarranjos provocados pela pandemia. No caso da inflação, há problemas nas cadeias de suprimento, combinados com o deslocamento da demanda para bens - só agora o pêndulo se desloca gradativamente para os serviços. No caso do emprego, a participação da força de trabalho progride a passos mais lentos do que se esperaria levando em consideração o vigor da recuperação do mercado de trabalho. Ambos sofrem também o efeito dos fortes pacotes fiscais contra a pandemia e das massivas injeções de liquidez feitas pelo Fed.

O Fed segue diversas medidas para determinar o pleno emprego, que se tornou o eixo da atual política, revertendo parcialmente a anterior, que prescrevia a alta dos juros preventiva ao menor sinal de que a inflação poderia fugir à meta. Powell disse que o último teste da condição de pleno emprego será feito em 2022 e ele têm poucas dúvidas de que será atingido. Em tese, mesmo que isso não ocorra, o Fed desistiria de aumentar os juros. O arcabouço do banco, segundo Powell, recomenda que se persiga o máximo emprego possível consistente com a estabilidade de preços - esta está agora ameaçada.

Os mercados acionários americanos subiram após o anúncio das decisões do Fed. A elevação dos juros, mesmo gradual, porém, pode causar problemas nos países emergentes mais frágeis, Turquia em primeiro lugar. Há sinais de que o fluxo de recursos para esses países diminuiu desde outubro e o apetite pelo risco tende a diminuir, ainda que moderadamente, diante de aumentos moderados de juros. Mas dúvidas sobre esse cenário podem trazer muita instabilidade aos mercados e reforçar o dólar, o que no futuro próximo seria péssimo para o combate à inflação no Brasil.

 

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