sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS:

Queiroga frustrou esperança de gestão técnica na Saúde

O Globo

A chegada do médico Marcelo Queiroga ao Ministério da Saúde, em 23 de março, foi vista com alento, após a gestão desastrosa do general Eduardo Pazuello. Questionado sobre sua política à frente da pasta, Queiroga, presidente licenciado da Sociedade Brasileira de Cardiologia, foi direto: “A política é do governo Bolsonaro, e não do ministro da Saúde. O ministro a executa”. Embora não tivesse o mesmo impacto da subserviente declaração de seu antecessor (“Um manda, e o outro obedece”), não se imaginava que o sentido da frase fosse tão literal.

Não chega a ser novidade a falta de autonomia dos ministros da Saúde de Bolsonaro. Luiz Henrique Mandetta e seu sucessor, Nelson Teich, deixaram o governo por não aceitar a interferência do presidente na pasta, em especial a pressão para uso da cloroquina no tratamento da Covid-19, quando estudos científicos comprovavam que o medicamento era ineficaz contra a doença e podia causar efeitos adversos graves. Mandetta — que expôs as vísceras dos desmandos de Bolsonaro no livro “Um paciente chamado Brasil” — e Teich tinham uma biografia por que zelar.

É verdade que Queiroga assumiu em cenário de terra arrasada. No dia de sua posse, o Brasil registrou 3.158 mortes em 24 horas (hoje são menos de 200). A campanha de imunização, iniciada de forma trôpega, era um caos, com falta de vacinas e negociações espúrias para compra de doses. Queiroga acertadamente elegeu a vacinação como prioridade, a despeito da campanha de desinformação tocada por Bolsonaro.

Mas, ao longo de nove meses à frente da pasta, Queiroga foi aos poucos substituindo o jaleco branco pelas vestes do político que almeja disputar as próximas eleições. E assim tenta se equilibrar entre sua crença na ciência e sua fé em Bolsonaro, ainda que por vezes elas se tornem inconciliáveis.

Queiroga cancelou o convite à médica Luana Araújo para um dos cargos mais importantes do ministério sem dar explicação convincente. No depoimento demolidor de Luana à CPI da Covid, os motivos ficaram claros: ela defendeu a ciência, criticou o negacionismo do governo e condenou o uso da cloroquina no tratamento da Covid-19. Queiroga teve de voltar atrás também na nomeação do médico Ricardo Gurgel para coordenar o Programa Nacional de Imunizações (PNI). Gurgel atribuiu a decisão ao fato de ter criticado o “kit Covid” defendido por Bolsonaro.

Em sua metamorfose, Queiroga chegou a dizer que era “melhor perder a vida que a liberdade”, repetindo declaração de Bolsonaro contra o passaporte sanitário e a vacinação obrigatória. Na polêmica mais recente, endossou as intimidações de Bolsonaro aos funcionários da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que aprovaram a vacinação contra a Covid-19 em crianças. Foi além, impondo obstáculos como a convocação de uma estapafúrdia consulta pública em vez de dar início imediato à imunização pediátrica.

A ambiguidade de Queiroga desagrada a ambos os lados e, mais importante, prejudica o combate à pandemia. Nos bastidores, comenta-se que Bolsonaro está insatisfeito com ele, por achar que não defende com firmeza o governo. E o presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), Carlos Lula, disse ao GLOBO que o Ministério da Saúde se transformou em “papagaio de pirata” do presidente. Os interesses são incompatíveis. Em sua tentativa de equilibrismo, Queiroga pode acabar se esborrachando.

Manifestações bolsonaristas são reflexo de tendência internacional

O Globo

Era clara a intenção do presidente Jair Bolsonaro nos comícios golpistas do 7 de Setembro: dar uma demonstração de força diante da queda na popularidade. A oposição não reagiu com manifestações na mesma proporção, e a acomodação que se sucedeu mostra que Bolsonaro logrou seu objetivo imediato, afastando o fantasma do impeachment que pairava no ar. Ele terminou o ano tendo obtido do Congresso tudo o que queria para a campanha eleitoral de 2022, algo que teria sido impossível sem as multidões que mobilizou. O episódio demonstra a importância inegável — e crescente — das manifestações de rua na política.

Tal constatação é corroborada por um estudo que analisou protestos entre 2006 e 2020 no mundo todo, patrocinado pela fundação alemã Friedrich Ebert, em parceria com a Iniciativa para Diálogo Político da Universidade Columbia. Em mobilização, o período é comparável a 1848, 1917 ou 1968. Em 2006, houve 73 protestos notáveis. Em 2020, 251. Os 2.809 compilados entre esses dois anos incluem toda a sorte de movimento: da Primavera Árabe aos Indignados na Espanha, dos coletes amarelos na França às revoltas chilenas, do Occupy Wall Street ao Black Lives Matter nos Estados Unidos, dos protestos de junho de 2013 no Brasil aos comícios anticorrupção, pelo impeachment de Dilma Rousseff e contra Bolsonaro no início da pandemia (ambos entre os dez maiores).

A maioria dos protestos no período (54%) está na categoria difusa da demanda por maior representatividade política (ou “democracia real”). “O número de manifestações cresceu ininterruptamente e os protestos se tornaram mais políticos em virtude da decepção com o funcionamento da democracia, da frustração com os políticos e da falta de confiança nos governos”, escrevem os autores, Isabel Ortiz, Sara Burke, Mohamed Berrada e Hernán Saenz Cortés. Em segundo lugar estão as manifestações de cunho econômico, por emprego, condições de trabalho, contra privatizações etc. Em terceiro, as em defesa de minorias como imigrantes, gays ou negros. Parcela pequena, mas relevante (7%), teve vínculo com a extrema direita.

É nessa categoria que entrariam as manifestações do 7 de Setembro, que reuniram características como “gritos por liberdade individual (portar armas, não usar máscaras, não fazer quarentena)” e “o ressentimento contra oligarquias e elites”. Entre os exemplos, os autores incluem “o nacionalismo muçulmano de Erdogan na Turquia”, o “conservadorismo nacional” de Bolsonaro no Brasil ou Viktor Orbán na Hungria e “o movimento QAnon, que abraça teorias da conspiração sobre a invasão do Capitólio”.

A recomendação para deter a extrema direita não é trivial: “O mundo não verá reversão da tendência (...) a não ser que haja esforços significativos para combater polarização, desigualdade e desinformação. Tais esforços endereçariam muitos ressentimentos subjacentes dos manifestantes que, se ignorados, continuarão a chamar a atenção para os líderes da direita radical que buscam dividir para conquistar”.

Um país capaz das reformas

O Estado de S. Paulo.

Muitas reformas foram feitas desde a redemocratização. Olhar em perspectiva sua trajetória pode fornecer lições importantes para os tempos atuais

A destacar as várias reformas feitas no País desde a redemocratização, o conjunto de podcasts A Arte da Política Econômica – uma iniciativa do Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças – mostra que houve um considerável avanço no ambiente institucional e econômico do País. Não condiz com a realidade, portanto, a ideia de que nada foi feito ou de que as coisas só pioram. Muito se fez ao longo dessas três décadas e meia, e olhar em perspectiva a trajetória das reformas pode fornecer lições importantes para os tempos atuais, tão desafiadores.

Em primeiro lugar, ao considerar o que foi aprovado desde o governo de José Sarney, percebe-se que muita coisa foi feita. E ainda mais significativo: muitas reformas foram aprovadas em situações políticas e econômicas dificílimas. Elas não são uma utopia, tampouco exigem circunstâncias excepcionalíssimas. Demandam, isso sim, diagnóstico qualificado do problema, proposta séria e liderança e coordenação políticas.

Não se trata de otimismo ingênuo.

Levantamento do Estado, realizado a partir dos podcasts da Casa das Garças, contabilizou 28 reformas aprovadas desde 1986, começando pela extinção da chamada “conta movimento” do Banco do Brasil, que fazia com que a instituição recebesse um fluxo automático e ilimitado de recursos do Banco Central, como forma de viabilizar operações de interesse do governo federal (por exemplo, compra de produtos agrícolas e concessão de crédito rural). Na prática, a conta transformava o Banco do Brasil em autoridade monetária paralela.

Ao olhar as reformas em perspectiva, fica evidente também a disparidade entre os diferentes governos. Muitas reformas foram realizadas, mas elas não aconteceram por uma espécie de impulso histórico incontornável. Houve períodos com aprovação de medidas estruturantes em ritmo intenso, como os governos de Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer, e outros em que nenhuma reforma foi aprovada. Não é exagero: durante o período em que Dilma Rousseff esteve na Presidência da República, nenhuma medida de modernização do País foi implementada.

A escandalosa omissão petista revela a responsabilidade do cidadão na escolha de seu voto. Dilma Rousseff não aprovou nenhuma reforma não porque não contasse com apoio político. Em seu primeiro mandato, tinha ampla maioria no Congresso. O ponto é que ela não queria nenhuma reforma. Sua agenda era intervencionista, em irracional adesão ao retrocesso.

Caso peculiar é o governo de Jair Bolsonaro. O Congresso, quando ainda Rodrigo Maia ocupava a presidência da Câmara dos Deputados, aprovou reformas significativas, como a da Previdência e o novo marco do saneamento básico. No entanto, em vez de representar mérito para o presidente Bolsonaro, a aprovação das duas medidas revela, sobretudo, o influxo positivo, ao longo do tempo, de um governo verdadeiramente reformista. Previdência e saneamento foram objeto de intenso estudo, debate e amadurecimento no governo de Michel Temer.

As “reformas” do governo Bolsonaro – entre aspas, porque carecem de elementos mínimos para se qualificarem como medidas estruturantes – nunca foram prioridade do Palácio do Planalto. Basta ver as PECs apresentadas, em fins de 2019, sob o rótulo de “Plano Mais Brasil” ou a proposta de reforma administrativa. O governo as esqueceu.

O diagnóstico em perspectiva das reformas deixa o presidente Jair Bolsonaro em situação delicada. O bolsonarismo travou a tramitação no Congresso de dois projetos de reforma tributária (de longe, os textos mais maduros sobre o tema que apareceram em anos) e trabalhou para aprovar a PEC do Calote, paradigma de retrocesso na política fiscal.

Seria equivocado, portanto, ignorar que, ao lado das reformas e avanços, também houve, ao longo do tempo, retrocessos e paralisias. A modernização do Estado e do ambiente econômico não é uma utopia, mas requer responsabilidade do eleitor e das lideranças políticas. O obstáculo não é uma eventual impopularidade do governante, e sim o populismo, seja qual for sua cor ideológica.

A quitanda eleitoral de Bolsonaro

O Estado de S. Paulo.

Agrados pontuais a grupos que dão votos ao clã Bolsonaro revelam a estreiteza política do presidente da República

Apedido do presidente Jair Bolsonaro, o Congresso aprovou a destinação de R$ 1,7 bilhão do Orçamento da União para bancar um inoportuno reajuste de salário dos policiais federais – Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Departamento Penitenciário Nacional (Depen) – em 2022, ano em que Bolsonaro terá pela frente uma difícil campanha pela reeleição. Seria ocioso esperar republicanismo no trato do Orçamento de um Congresso fechado nos interesses paroquiais dos parlamentares e de um presidente obcecado por seu plano de manutenção de poder.

De acordo com o próprio Ministério da Justiça e da Segurança Pública, diretamente envolvido nas negociações com os parlamentares, o aumento para a categoria dos policiais federais poderá ter um impacto de R$ 11 bilhões nos próximos três anos. Como se não bastasse, o governo ainda pretende apresentar no início do ano que vem um plano para equiparar o salário máximo dos delegados da PF ao salário de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), teto constitucional do funcionalismo público, atualmente fixado em R$ 39.293,92.

O agrado aos policiais federais, um dos grupos que compõem a base eleitoral do clã Bolsonaro há décadas, desencadeou uma onda de descontentamento em outras categorias de servidores públicos. À imprensa, um ministro de Estado falou que o aumento aos policiais federais é uma “crise contratada” com as demais categorias. “Mexeram em um vespeiro”, disse outro. Ao Estado, o presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal), Fábio Faiad, afirmou que “reajustes salariais devem ser para todas as carreiras”. Em parte, Faiad tem razão. Bolsonaro agrada a alguns milhares de policiais com objetivos eleitorais e “esquece” que há cerca de 1 milhão de servidores federais sem correção salarial há cinco anos. Por outro lado, a reação do Sinal mostra que o problema maior, para as corporações do funcionalismo, não é a profunda crise sanitária, econômica e social que o País atravessa ou a falta de atenção do governo às prioridades nacionais, mas sim a iniquidade na distribuição dos reajustes.

A reação mais dura, no entanto, veio dos auditores da Receita Federal. O órgão foi diretamente afetado pelo aumento concedido aos policiais federais porque os recursos para bancar o mimo saíram, em grande parte, da alínea orçamentária destinada ao Fisco. De acordo com o Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita (Sindifisco), uma das mais organizadas e poderosas corporações do funcionalismo público, cerca de 500 auditores se “rebelaram” e pediram exoneração de cargos de chefia nos primeiros dias após a aprovação do aumento aos policiais federais. As baixas afetaram as dez regiões fiscais do País – São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Pernambuco, Alagoas, Rio Grande do Norte, Paraíba, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná – e, seguramente, causarão transtornos para os cidadãos durante as viagens para as festas de fim de ano. Unidades da Receita Federal, incluindo postos aduaneiros, ficarão “acéfalas”, segundo o Sindifisco, após os pedidos de exoneração em massa.

É essa a consequência da estreiteza política de Jair Bolsonaro. Incapaz de governar o País, ou seja, de pensar no interesse nacional e formular políticas públicas voltadas ao atendimento de necessidades de parcelas mais amplas da sociedade, o presidente age no varejo de suas ambições, uma política que seria mais assemelhada à vereança, se ao menos Bolsonaro tivesse interesse legítimo em melhorar a vida de uma comunidade particular. Mas não. O presidente é orientado apenas por seus interesses eleitorais e sua sede de poder. Ora são agrados aos caminhoneiros, ora são decretos favorecendo os armamentistas. Agora, concede-se aumento para servidores da área de segurança pública. Fossem as costureiras as que mais dessem votos para a holding política em que se transformou a família Bolsonaro, seguramente o Palácio do Planalto já teria pensado em alguma forma de subsidiar a compra de tecidos e máquinas de costurar. E assim Bolsonaro finge que governa o Brasil.

Cruzada insana

Folha de S. Paulo

Bolsonaro agora sabota a vacinação de crianças e incentiva ataque a servidores

Em novo capítulo da sabotagem à gestão da pandemia, Jair Bolsonaro quer promover uma cruzada das crianças, ao custo de expor meninas e meninos ao risco de morte por Covid-19. A campanha perversa, além do mais, facilita a disseminação do vírus entre aqueles que se ocupam de cuidados infantis, de parentes a professores.

Bolsonaro faz o que pode para dificultar a vacinação infantil, autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Difunde o medo, pretende criar empecilhos burocráticos e incentiva a perseguição de técnicos que aprovaram a medida sanitária. É secundado pelo bajulador Marcelo Queiroga, que ocupa a cadeira de ministro da Saúde.

Depois que a Anvisa aprovou o uso do imunizante em crianças de 5 a 11 anos, providência que chamou de "inacreditável", o mandatário disse que a aplicação das injeções requereria receita médica.

Queiroga determinou que a vacinação será objeto de consulta e audiência públicas até 4 de janeiro, com decisão no dia seguinte. A tentativa de sabotagem é óbvia.

Quanto mais atrasar a campanha, mais estudantes voltarão às escolas sem suas doses de proteção. Bolsonaro assume o risco de disseminar a doença entre cerca de 20,5 milhões de crianças, mais suas famílias e próximos.

Técnicos do comitê de imunização da Saúde, médicos e cientistas apoiaram a decisão da Anvisa. Agências similares nos Estados Unidos e na União Europeia aprovaram a providência em outubro e novembro, respectivamente. Os brasileiros são adeptos da imunização; levaram seus adolescentes em massa aos postos de saúde.

Como se não bastasse, Bolsonaro anunciou que pediu, "extraoficialmente", o nome de quem aprovou a vacina para crianças, "para que todo mundo tome conhecimento [de] quem são essas pessoas e obviamente forme seu juízo".

Foi como se convocasse suas milícias para uma campanha de difamação. Mas houve mais, como era fácil prever —uma torrente de ameaças de morte contra servidores. A Anvisa pediu à Polícia Federal, ao Gabinete de Segurança Institucional e à Procuradoria-Geral que investiguem esses criminosos.

O Brasil e o mundo correm o risco de uma nova onda de Covid-19, causada pela variante ômicron, de potencial nocivo ainda pouco conhecido. Recomenda-se prudência e disciplina para abater a epidemia ou conter seus repiques.

A doença Bolsonaro, entretanto, não tem cura. A propaganda da morte continua, agora sob a pose farisaica de defesa do bem-estar das crianças contra efeitos adversos do imunizante. Pior, o mandatário convoca suas falanges para atacar funcionários de Estado que conseguem ainda realizar suas tarefas de modo racional.

Trata-se de aversão ao trabalho, ojeriza à razão e desprezo pela vida.

Tumulto no Iphan

Folha de S. Paulo

Intervenção em instituto cultural revela patrimonialismo e espírito destrutivo

imbróglio judicial e político que envolve a permanência no cargo da presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) reflete a situação anárquica e pouco republicana que se instaurou na área de cultura sob o governo de Jair Bolsonaro.

Larissa Rodrigues foi nomeada para a função em maio do ano passado, após um período de cinco meses em que o Iphan ficou sem presidente. Servidora do Ministério do Turismo, pasta à qual o órgão está ligado, por meio da Secretaria Especial de Cultura, ela tem sido questionada desde o início.

Os motivos: não teria a formação e a capacitação que são exigidas para o cargo e sua escolha selaria a subordinação do Iphan a interesses pessoais de Bolsonaro e de seu círculo de amizades.

A suspensão, em 2019, de uma obra do empresário Luciano Hang, dono da Havan e amigo do presidente, foi o estopim de um processo intervencionista no instituto, anunciado na famigerada e filmada reunião ministerial de 22 de abril de 2020. Na ocasião, o presidente queixou-se da paralisação da obra —em cujo terreno foram encontradas peças arqueológicas.

A nomeação de Larissa Rodrigues se viu contestada na Justiça. Coube a um ex-ministro da Cultura do governo Michel Temer (MDB), o ex-deputado Marcelo Calero, liderar uma ação popular que apontava desvio de finalidade na designação.

Na semana passada, após a divulgação de novo vídeo em que Bolsonaro diz ter "ripado" funcionários da instituição, a Justiça Federal do Rio acatou pedido de liminar do Ministério Público e afastou Rodrigues do posto. A decisão foi logo revertida em resposta a recurso da Advocacia-Geral da União.

O enredo rocambolesco espelha a maneira personalista e tumultuosa com que Bolsonaro conduz sua administração, traços que se acentuam na área da cultura, tratada pelo mandatário como inimiga de suas convicções ideológicas.

De quem, entre inúmeras sandices, declarou desconhecer até o significado da sigla Iphan, não se pode, de fato, esperar nada de razoável em prol do patrimônio histórico e artístico do país.

Prevalecem nesse terreno, isso sim, o patrimonialismo, além da ignorância e do espírito destrutivo, de resto já fartamente conhecidos na atuação presidencial.

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