sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS:

Quase na mesma

Folha de S. Paulo

Com Lula na frente e Bolsonaro estável, Datafolha apura impacto restrito de Moro

A nova pesquisa Datafolha indica que a entrada do ex-juiz Sergio Moro na disputa presidencial acirra a concorrência na faixa da chamada terceira via, mas não altera o cenário mais amplo que vem se repetindo nas últimas sondagens.

Novamente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lidera com folga as intenções de voto para o Planalto em 2022. O petista, em cenário com Jair Bolsonaro (PL), Moro (Podemos), Ciro Gomes (PDT) e João Doria (PSDB), tem a preferência de 48% do eleitorado —fatia que supera a soma dos demais.

Bolsonaro permanece em segundo lugar, com 22%. O mandatário sofreu grande desgaste ao longo do ano e seu apoio vai se reduzindo à base eleitoral mais ideológica e fiel.

Distantes dos dois protagonistas, surgem os nomes que se acotovelam em busca de um lugar ao sol que possa eventualmente levá-los a um segundo turno. Os resultados até aqui não são animadores para esses postulantes.

Nesse pelotão, Moro, que experimentou um momento de considerável exposição ao se filiar ao Podemos e se apresentar como futuro candidato, não foi de todo mal ao marcar 9% das intenções. Resta saber se e como poderá evoluir.

O veterano Ciro empata na margem de erro com o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, com 7%. Já Doria colhe 4% das intenções, percentual fraco em se tratando do governador do estado mais rico da Federação —e nome que frequentou o noticiário de maneira positiva ao liderar esforços pela imunização contra a Covid-19.

É sempre prudente sublinhar que a pesquisa reflete o momento em que se realiza. A dez meses do pleito, não pode ser vista como um desenho que se repetirá nas urnas.

Lula mantém elevado índice de rejeição (34%), o mesmo de Doria; Moro não fica muito atrás: 30% descartam a hipótese de votar nele.

Bolsonaro lidera de longe nesse quesito negativo, com 60%, mas contará com a máquina federal, incluindo o novo Auxílio Brasil, e as alianças fisiológicas no Congresso para tentar recuperar terreno.

O líder petista alimenta a expectativa de uma chapa com o ex-tucano Geraldo Alckmin —o que, em tese ao menos, poderia ajudá-lo a construir uma imagem de candidato mais inclinado ao centro.

Não se veem sinais de que se repetirá em 2022 o fenômeno de negação da política tradicional observado em 2018. Por ora, esboça-se uma clivagem socioeconômica nas intenções de voto, com maior apoio da população de baixa renda e menor escolaridade a Lula, também favorito no Nordeste.

Restam pela frente um delicado debate programático, ainda incipiente, e a exploração dos não poucos aspectos controversos nas trajetórias dos principais candidatos.

Trancos e barrancos

Folha de S. Paulo

STF e Anvisa tomam decisões certas, e Bolsonaro ainda sabota política sanitária

Até um indicado pelo governo Jair Bolsonaro (PL) ao Supremo Tribunal Federal consegue tumultuar a gestão da pandemia. Nesta quinta (16), o ministro Kassio Nunes Marques manobrou para interromper um julgamento em que já havia ampla maioria a favor da exigência do passaporte da vacina contra a Covid-19 para a entrada no país.

Ao que parece, a norma, já imposta antes por liminar, permanecerá em vigor. Entretanto restam dúvidas em torno da execução da medida que não podem ser respondidas por magistrados.

O governo prossegue na sabotagem dos esforços para o controle do vírus, enquanto instituições, unidades da Federação e órgãos de Estado fazem sua parte —como a Anvisa, que autorizou a aplicação do imunizante da Pfizer em crianças a partir dos 5 anos de idade.

Por mais que a queda dos números de novos casos, internações e mortes mereça comemoração, precauções ainda são necessárias. Transcorridos dois anos da Covid-19, a versatilidade do coronavírus não cessa de surpreender. Neste momento é a variante ômicron que põe o mundo em prontidão.

No alto das preocupações está a celeridade com que a cepa se dissemina, sem precedentes. A Organização Mundial da Saúde tem registro de sua presença em 77 países, inclusive no Brasil, apenas um mês depois dos primeiros casos detectados em Botsuana e África do Sul.

Essa rápida transmissão se dá mesmo em países com boa parte da população imunizada com duas doses. Há indícios, porém, de que uma terceira dose de reforço conseguiria combater a variante.

Quanta à gravidade da síndrome respiratória desencadeada pelo vírus modificado, permanece alguma incerteza. Uma primeira e isolada morte se confirmou no Reino Unido, mas é prematuro concluir que a variante seja de fato mais benigna, como parece ser o caso.

O ensinamento a extrair se mostra o mesmo de quando surgiram as outras variantes: na dúvida, prevalece o princípio da precaução.

Por aqui não temos vigilância genômica decente. Não mais de dois terços da população tomaram duas doses. O ministro da Saúde foi picado pela mosca azul eleitoral. Sua pasta está refém de hackers, e até estatísticas fundamentais perdem em agilidade e confiança.

O presidente continuará a combater vacinas e máscaras —em busca de agradar à parcela minoritária do eleitorado que pode levá-lo ao segundo turno da eleição.

Paulo Guedes contra o FMI

O Estado de S. Paulo.

Como Bolsonaro, o ministro da Economia demonstra dificuldade para aceitar críticas e para entender o valor de entidades multilaterais

Ministro quer mostrar um Brasil próspero que só existe nas suas fantasias.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, conseguiu superar com folga a esquerda mais folclórica, aquela do “fora, FMI”. Hostilizado pelo ministro, o Fundo Monetário Internacional anunciou a decisão de fechar seu escritório de representação em Brasília. “Estamos dispensando a missão do FMI”, declarou Guedes durante encontro com empresários na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). “Dissemos para eles fazerem previsões em outro lugar”, acrescentou. Previsões sombrias têm sido rejeitadas pelo ministro, empenhado em mostrar ao mundo um Brasil próspero e bem ajustado, só existente em suas fantasias. Mas o limite parece ter chegado quando Ilan Goldfajn, economista respeitado dentro e fora do País, foi nomeado para um importante cargo no Fundo, a direção do Hemisfério Ocidental.

Ex-presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn ocupa atualmente a presidência do Conselho do Crédit Suisse e assumirá o novo posto no próximo ano. Geralmente discreto, suas opiniões continuam sendo ouvidas e registradas com interesse. Serão necessários, disse ele recentemente, pelo menos dois anos de muito trabalho para reconduzir a inflação à meta. “Passamos os últimos dois anos com incertezas fiscais, econômicas, políticas e institucionais. Um dia a conta vem”, comentou no começo do mês em entrevista ao Estadão/Broadcast.

“Ilan também tem o direito de criticar”, disse Guedes em sua fala na Fiesp. “Mas, já que tem um brasileiro que critica o Brasil indo para o FMI, ele não precisa mais ficar aqui”, completou o ministro, um tanto confusamente. Ninguém criticou “o Brasil”. Goldfajn falou sobre a incerteza fiscal, o rompimento do teto e a inflação distante da meta, fatos conhecidos, inegáveis, incorporados nos cálculos do mercado e refletidos na instabilidade cambial. Dólar acima de R$ 5,60 é um dos efeitos dessa desordem e da insegurança quanto à evolução das contas públicas. São façanhas atribuíveis ao presidente da República e a sua equipe, com destaque para o ministro da Economia.

Guedes ainda se refere a um erro de previsão para sustentar seu discurso contra o FMI. No ano passado, o Fundo chegou a estimar para a economia brasileira uma queda de 9,1%, mais que o dobro da perda registrada, meses depois, nas contas oficiais (4,1%). Houve um erro, de fato, mas alguns meses depois os técnicos do FMI começaram a rever seus números. Para este ano a projeção divulgada em outubro indica expansão de 5,2%, parecida, naquele momento, com a do mercado. As novas estimativas correntes no setor financeiro, no entanto, já estão abaixo de 5%. Para 2022 o Fundo ainda prevê para o Brasil uma expansão de 1,5%, bem superior às do mercado, próximas de 0,5%.

Ao contrário de Guedes, economistas do setor privado, de escolas e de entidades internacionais, como o FMI, o Banco Mundial e a OCDE, costumam rever suas contas e avaliações. Todas essas instituições têm um currículo de serviços importantes à comunidade internacional. O FMI, por exemplo, ajudou cerca de 90 governos a enfrentar os efeitos econômicos e sociais da pandemia, desde o ano passado.

Não por acaso essas organizações são valorizadas por governos de países de todos os grupos. A maior fatia de capital do FMI é controlada pelos Estados Unidos. A segunda maior, pelo Japão; a terceira, pela China. A da Rússia, bem abaixo na lista, supera a do Brasil. A maior parte dos países-membros do FMI compõe grupos, para somar suas cotas e aumentar seu poder de voto. Líder de um desses grupos, o Brasil ocupa um assento na diretoria executiva, órgão política e administrativamente importante.

Em várias ocasiões o governo brasileiro recorreu à instituição para enfrentar dificuldades cambiais e fiscais, mas conseguiu dispensar essa ajuda nas últimas duas décadas. Isso de nenhum modo reduz a importância do Fundo ou de outra instituição multilateral. Americanos, alemães e chineses sabem disso. Guedes, como seu chefe Bolsonaro, parece ter dificuldade para perceber o valor da ordem e da cooperação internacionais.

Procurador-geral de quem?

O Estado de S. Paulo.

Decisão de Moraes de abrir investigação contra Bolsonaro expõe a letargia da Procuradoria-Geral da República quando se trata de apurar a conduta do presidente

Em recente decisão, o ministro Alexandre de Moraes acolheu requerimento da CPI da Pandemia para instauração de inquérito contra o presidente Jair Bolsonaro. O requerimento noticia que, em uma de suas “lives”, o presidente associou a vacina contra a covid-19 ao vírus da aids. O requerimento também pede a suspensão do acesso de Bolsonaro às redes sociais, afirmando a existência de indícios de autoria, pelo presidente, dos crimes de epidemia e infração de medida sanitária.

A abertura do inquérito foi determinada por Alexandre de Moraes, apesar das manifestações em contrário da Advocacia-Geral da União, representando Bolsonaro, e da Procuradoria-Geral da República (PGR). A Procuradoria, como se sabe, é chefiada por Augusto Aras, a quem cabe oferecer denúncia contra o presidente pela prática de crimes comuns.

Como também se sabe, Augusto Aras foi pinçado por Bolsonaro a quilômetros de distância da lista tríplice submetida ao presidente pelo Ministério Público (MP). Bolsonaro não era obrigado a escolher alguém da lista, de resto uma reivindicação corporativa do Ministério Público transformada em estranha tradição. No entanto, a escolha recaiu sobre Aras porque, segundo o próprio presidente declarou, o procurador-geral desempenharia o papel de “rainha” no tabuleiro de xadrez de seu governo – ou seja, seria a peça mais poderosa na defesa da administração e no ataque aos desafetos.

E Aras não decepciona. Além de resistir a um sem-número de iniciativas incômodas ao presidente, frequentemente chancela aquelas a que Bolsonaro é simpático. A quem o critica, Aras alega que atua nos limites do Direito e que não é instrumento de peleja política. Sem corar.

Mas pode ser que, com a recente decisão de Alexandre de Moraes, essa desenvoltura do procurador-geral não mais baste. É que o ministro fez questão de registrar em sua decisão, primeiro, que uma coisa é a exclusividade do Ministério Público para a promoção da ação penal (pública), e outra é a investigação que a antecede, que independe da iniciativa do MP.

Além disso, para Moraes, “não há dúvidas de que as condutas noticiadas do presidente, no sentido de propagação de notícias fraudulentas acerca da vacinação contra a covid-19, utilizam-se do modus operandi de esquemas de divulgação em massa nas redes sociais”. Daí a necessidade de adoção de medidas que elucidem os fatos investigados, “especialmente diante da existência de uma organização criminosa” identificada no inquérito das fake news contra o Supremo.

Moraes afirma, portanto, a interdependência entre o inquérito recém aberto contra Bolsonaro e as investigações que têm por objeto a disseminação de fake news, o que parece ser uma preparação do Supremo para o que virá na eleição presidencial do ano que vem – eleição que terá Moraes como presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

A essa presteza do STF, opõe-se a letargia da Procuradoria-Geral da República, que se limita a abrir procedimentos investigatórios preliminares, os quais, sem nenhum controle externo, relaxam na gaveta infinita de Aras.

Isso aparentemente foi detectado por Alexandre de Moraes. Como se extrai da sua decisão, uma coisa é a exclusividade do Ministério Público para a promoção da ação penal, outra é “o dever do Poder Judiciário de exercer sua atividade de supervisão” da atuação do MP.

Daí não bastar, como disse Alexandre de Moraes à Procuradoria-Geral, “a mera alegação de que os fatos já estão sendo apurados internamente”. A supervisão a ser exercida pelo Supremo impõe que a PGR apresente documentos que detalhem as investigações que o Ministério Público diz estar conduzindo.

A PGR, ao invés de apresentar o procedimento, preferiu apresentar um recurso contra a decisão de Moraes. A resposta do ministro foi dura: a PGR pode recorrer da decisão, mas não pode descumpri-la, o que, como lembrou Moraes, constituiria desobediência a uma ordem judicial e obstrução de justiça.

O Supremo, em suma, quer ver o que o procurador-geral está fazendo e também – o mais importante – o que não está fazendo.

Foi atropelo mandar prender condenados por incêndio da Kiss

O Globo

É compreensível o afã do ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), em acelerar o cumprimento das penas dos condenados pelo incêndio da boate Kiss, que matou 242 pessoas em 2013. O caso levou nove anos até ir a julgamento, numa sucessão de manobras protelatórias que a legislação penal brasileira oferece aos réus. O tribunal do júri julgou culpados os quatro acusados pelo incêndio, mas um habeas corpus (HC) do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) permitiu que recorressem em liberdade. Fux suspendeu o HC por meio de uma liminar, atendendo a um mandado de segurança do Ministério Público gaúcho.

A percepção de impunidade e de que a Justiça brasileira demora a agir é um sentimento legítimo, ainda mais num caso que gerou tamanha comoção. Apesar disso, não justifica a decisão de Fux. O entendimento do próprio STF a respeito da execução de penas, mesmo em casos julgados pelo tribunal do júri, estabelece que só comecem a ser cumpridas uma vez esgotados os recursos à disposição dos réus (no jargão, quando a sentença “transita em julgado”).

Não cabe ao presidente do Supremo tentar acelerar o cumprimento da pena num caso particular que nem foi submetido ao tribunal, por mais que a decisão lhe pareça justa. Se e quando o caso chegar ao STF pelos caminhos adequados, a decisão caberá ao colegiado. Vale lembrar a ministra Rosa Weber, que, apesar de discordar das prisões após a decisão em segunda instância, sempre respeitou em seus votos essa jurisprudência do tribunal quando estava em vigor. Até a sessão em que o plenário voltou a debater a questão, quando ela deu o voto de desempate em favor da execução de penas só após o trânsito em julgado (hoje vigente).

Naquela sessão havia uma sugestão — do ministro Dias Toffoli — para que se abrisse uma exceção para os casos decididos na terceira instância, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ou por júri. Ela foi derrotada. Depois disso, a Lei Anticrime de 2019 incluiu um dispositivo determinando a execução imediata das penas superiores a 15 anos quando houver uma decisão de júri. Fux invocou essa lei em sua decisão. Mas tramita no STF um recurso que contesta a constitucionalidade desse dispositivo, pelo conflito com o entendimento em vigor (o julgamento está suspenso por um pedido de vista do ministro Ricardo Lewandowski). Em tal contexto, Fux deveria ter sido mais cauteloso.

Para poder decidir no caso da Kiss — um HC cujo mérito nem havia sido submetido ao STF —, ele aplicou uma lei de 1992 feita para proteger o Estado do festival de liminares em ações de Direito Público (como suspensão do pagamento de impostos ou contribuições). O uso dessa lei numa ação penal é questionável e abre precedentes insondáveis. O procedimento recomendável seria Fux ter aguardado o momento próprio para o STF se manifestar. Ele atropelou instâncias e o entendimento do próprio Supremo.

Não quer dizer que seja o melhor entendimento para a sociedade — certamente não é. Mas os caminhos para revê-lo passam pelo plenário ou pela PEC da Segunda Instância que tramita no Congresso. Com sua decisão, Fux forneceu mais argumentos aos críticos do açodamento e do ativismo judicial. Na certa haverá recurso, e o plenário deverá examiná-lo, provavelmente na volta do recesso. Faria bem em rever a decisão, para o bem da estabilidade nas regras e da segurança jurídica no Brasil.

É inadmissível demora do governo para sanar apagão de dados no SUS

O Globo

É inconcebível que, em uma semana, o governo não tenha sanado o apagão de dados nos sistemas do Ministério da Saúde. É como se não fosse prioridade para a pasta pôr fim aos transtornos que afetam milhões de brasileiros. Na sexta-feira da semana passada, um ataque digital derrubou a plataforma ConecteSUS, que armazena o histórico de vacinação dos cidadãos, inclusive contra a Covid-19. O serviço é usado para comprovar a imunização em lugares que exigem apresentação do passaporte sanitário. Ontem quem acessava a plataforma deparava com a informação: “Aguarde até dez dias úteis para que seu registro de vacina apareça no ConecteSUS”.

Não é a primeira vez que apagões de dados prejudicam a rotina de acompanhamento da Covid-19. Em agosto, uma mudança nos critérios de registro de testes positivos da doença, feita sem discussão com estados e municípios, afetou a transparência das informações. De uma hora para outra, a pasta passou a exigir que número de lote e fabricante dos testes de Covid-19 constassem nos registros efetuados pelas secretarias de Saúde, provocando atraso desnecessário nas notificações e distorção na sequência dos dados.

Desta vez, o apagão não atinge apenas o ConecteSUS. Afeta os registros sobre casos, mortes e vacinação nos estados. Na quarta-feira, Goiás, Mato Grosso do Sul e Tocantins não informaram os dados devido aos problemas. Com estatísticas incompletas, análises sobre a evolução da doença ficam prejudicadas. O Ministério da Saúde tem dito que espera restabelecer tudo até o fim de semana. É tempo demais.

Os dados do ConecteSUS são importantes para comprovar a vacinação, por mais que o governo Bolsonaro rechace a obrigatoriedade da vacina. O certificado é exigido por prefeituras, estados e empresas como forma de incentivar a imunização e aumentar a segurança dos cidadãos, como acontece em vários países. É ferramenta essencial também para embarque nos aeroportos.

Na quarta-feira, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) formaram maioria para confirmar decisão do ministro Luís Roberto Barroso que determinara a exigência do passaporte sanitário para viajantes que chegam ao país. Embora a medida já esteja em vigor, ainda carece de uma portaria interministerial. Espera-se que a demora em publicá-la seja apenas questão técnica.

Fez bem o STF em agir com base na ciência. A decisão do governo de permitir a entrada de viajantes não vacinados desde que cumprissem quarentena era temerária, por ser de difícil aplicação. Especialmente num momento em que a variante Ômicron se espalha. Estados e municípios já tinham deixado claro que não teriam como fiscalizar o cumprimento das normas.

A decisão do STF sobre o passaporte sanitário reforça a necessidade de o Ministério da Saúde restabelecer quanto antes o funcionamento do ConecteSUS. É impensável que brasileiros que chegam ao país tenham de recorrer a documentos de papel para comprovar a vacinação quando o mundo inteiro usa o passaporte digital.

Relatório de inflação do BC tangencia aperto monetário

Valor Econômico

São grandes as incertezas em ano eleitoral, com um governo que desdenha austeridade

O Relatório de Inflação do Banco Central de dezembro deixa no ar dúvidas sobre os rumos do ciclo de aperto monetário “mais contracionista” do que o do cenário básico em 2022 e 2023, o horizonte relevante. As projeções que constam do cenário do BC são as mesmas que as da ata do Comitê de Política Monetária e nelas, uma Selic de 11,75% seria suficiente para trazer a inflação de 2023 à meta (3,25%). Uma das hipóteses, olhando os números, é que o BC provavelmente não elevará os juros além disso, ou os elevará marginalmente. Mas é provável que os juros serão reduzidos mais lentamente do que a queda do IPCA permitiria, dando margem de segurança à autoridade monetária para não estourar o teto da meta pela segunda vez consecutiva.

O relatório indica que mesmo com juro de 11,75%, a possibilidade de a inflação ultrapassar o limite superior da meta em 2022 é elevada, de 41%. Já para 2023, a chance é muito menor e, o que é significativo, é praticamente igual tanto para superar o teto quanto para furar o piso (13% e 15%, respectivamente). Não parece conveniente, à primeira vista, levar a meta Selic muito além daí, bastando conservar o juro mais elevado por mais tempo durante o ano que vem.

É um nível respeitável de aperto. Com 11,75% no horizonte, no segundo trimestre de 2022 a taxa de juros real atingirá 6,3%, acima da taxa neutra de 3,5% (revista, 3% era o nível anterior). Ainda que o cenário básico preveja declínio a partir de outubro, para encerrar o ano com Selic a 11,25%, o hiato do produto (uma medida da diferença entre o crescimento atual em relação ao potencial) subiria dos atuais -1,7% para -2,1% ao final de 2022. O Banco Central reviu sua projeção para o Produto Interno Bruto do ano que vem de 2,1% para 1%.

A Selic de 11,75% será fortemente contracionista no segundo trimestre porque o BC está indo mais rápido no reajuste da taxa nominal do que o aumento observado nas expectativas de inflação. “Em outras palavras”, observa o relatório, “o deslocamento da curva de juros nominal da pesquisa Focus também significou elevação da taxa de juros real”. O ritmo acelerado de aumento dos juros, no entanto, que em tese busca um aperto monetário maior em um período menor de tempo em relação a outras possíveis trajetórias, não parece estar de acordo com um aperto “mais contracionista” durante 2022 e pelo menos parte de 2023.

Porém, mesmo no cenário básico, segundo o relatório, em que da taxa real de juros começa a cair a partir do terceiro trimestre de 2022, ela mesmo assim “fica acima da taxa real neutra no horizonte considerado”, ou seja, é contracionista em algum grau. A dúvida então é quão “mais contracionista” o ciclo de aperto precisa ser para satisfazer a política mencionada na ata do Copom?

Mesmo com a revisão da taxa de crescimento para 1%, o BC está razoavelmente acima das projeções de mercado, de 0,5% com viés de baixa, enquanto que aumentou o número de bancos e consultorias que preveem recessão ou estagnação. Isto é, as projeções privadas, que tem norte em 11,75%, imaginam uma retração maior do PIB do que o BC, que prevê um crescimento maior mantendo um aperto “mais contracionista”.

Entre ser “mais contracionista” e “deverá ser mais contracionista” da ata há a menção às expectativas inflacionárias, que terão de voltar a estar alinhadas com as da autoridade monetária. Este tom mais duro cumpre a função de agir sobre elas, ao mostrar a intenção do BC de que fará o que for preciso para trazer a inflação de volta à meta. A comunicação do BC teve que ser feita sem rodeios, não só porque a inflação passou dos dois dígitos, mas também porque sua credibilidade está em jogo, com mais críticas de que o banco teria ficado muito “atrás da curva”.

O BC cortou caminho aumentando várias vezes o ritmo de alta, de 0,75 ponto para 1 ponto e depois, 1,5 ponto percentual, com objetivos diferentes - dos suaves forward guidance e “normalização parcial”, à normalização total, depois juro no terreno contracionista e significativamente contracionista, até o estágio atual.

Ao acrescentar a reancoragem, o BC terá de vencer a batalha das expectativas, expressas, entre outras, no Focus. Como esse trabalho é demorado, é possível que o BC tenha de passar do compromisso verbal à ação - mas talvez não. A inflação ainda estará perto dos dois dígitos em fevereiro (9,9% pelo relatório) e em 8,2% ainda no segundo trimestre. São grandes as incertezas em ano eleitoral, com um governo que desdenha austeridade.

 

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