segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Sergio Lamucci: A situação da economia e as contas públicas

Valor Econômico

Para que uma retomada mais firme da atividade em 2023 seja viável, será necessário que o eleito em 2022 tenha uma proposta crível para a sustentabilidade fiscal

O ano termina com inflação na casa de 10%, juros que se encaminham para superar os dois dígitos e um PIB que patina desde o segundo trimestre. Para 2022, o cenário que se desenha tampouco é animador. As fortes altas da Selic, que estava em 2% até março deste ano, vão afetar a economia ao longo do ano que vem, minando uma atividade que já está fraca. Isso deve levar à queda da inflação, mas não a ponto de trazer o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para a meta perseguida pelo Banco Central (BC) em 2022, de 3,5%. As incertezas fiscais e políticas num ano de eleições presidenciais tendem a manter o câmbio num nível desvalorizado, dificultando a tarefa do BC de combater as pressões inflacionárias.

Esse quadro delicado deverá colocar a economia como um das principais preocupações dos eleitores. Pesquisa do Datafolha divulgada neste mês mostra que 14% apontam o desemprego como principal problema do país, enquanto 12% citam a economia, 8%, a fome ou miséria e 7%, a inflação, empatada com educação. Ficaram atrás apenas da saúde, com 24%, que tradicionalmente é apontada como a grande questão a ser resolvida no país. A corrupção foi mencionada por 4%. Nesse ambiente, tende a ganhar a eleição quem for percebido como o mais capaz de reverter a situação negativa na economia.

Para que uma eventual retomada mais firme da atividade em 2023 seja viável, porém, será necessário que o eleito em 2022 tenha um projeto crível para garantir a sustentabilidade das contas públicas, além de mostrar habilidade política para implementá-la. O tema pode soar aborrecido e não será o carro-chefe das propostas dos candidatos, mas será decisivo para o desempenho da economia nos próximos anos. Sem um arranjo fiscal que dê segurança quanto à trajetória das contas públicas, não será possível ter juros baixos de modo sustentado.

As manobras para elevar o valor e ampliar o público-alvo do Auxílio Brasil e adiar o pagamento de uma parcela dos precatórios atingiram em cheio a credibilidade do teto de gastos, o mecanismo que limita o crescimento das despesas à inflação. Com isso, não há mais uma âncora fiscal confiável. A decisão sobre os precatórios é vista como um calote por vários especialistas em contas públicas, piorando a percepção sobre o risco fiscal brasileiro. Além disso, o drible no teto teve como um de seus objetivos garantir recursos para as chamadas emendas de relator, num total de R$ 16,5 bilhões em 2022. Para o fundo eleitoral, foram reservados outros R$ 4,9 bilhões e, para o reajuste de policiais, R$ 1,7 bilhão, o que descontentou outras categorias da elite do funcionalismo.

Todas essas medidas elevaram a incerteza fiscal no país, ofuscando a melhora de alguns indicadores, como a dívida pública bruta. Depois de terminar 2020 em 88,8% do PIB, o endividamento bruto deve encerrar 2021 na casa de 81% a 82% do PIB. É em grande medida um efeito da inflação mais alta, que contribuiu para o aumento da arrecadação e inflou o PIB em termos nominais. Com menos crescimento e juros mais altos, porém, o indicador deverá voltar a subir em 2022.

Nesse cenário, uma recuperação mais sustentável da economia passa pela política fiscal. Quem for eleito em 2022 terá que oferecer um arcabouço para as contas públicas que enfrente a expansão dos gastos obrigatórios e tente abrir algum espaço para a recuperação do investimento público, hoje insuficiente para impedir até mesmo a depreciação do estoque de capital, num momento em que deputados e senadores se apropriam de fatias significativas do orçamento. Sem isso, não será possível romper a combinação de inflação pressionada, juros mais altos e crescimento baixo. No longo prazo, vale dizer, o crescimento se dá basicamente por aumentos de produtividade, outra agenda fundamental que precisará ser perseguida pelo candidato eleito no ano que vem.

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Revisitar as projeções feitas no fim de 2020 para a economia neste ano evidencia as incertezas envolvidas nessas estimativas. No Boletim Focus do último dia do ano passado, o consenso de mercado apontava para uma inflação de 3,32% em 2021, uma Selic de 3% e um dólar a R$ 5 no fim do ano. Para o PIB, a previsão era de um crescimento de 3,4%.

É um quadro bem diferente do que vai se concretizar em 2021. O PIB vai registrar uma expansão mais forte - o Boletim Focus mais recente aponta para uma expansão de 4,58% -, em boa parte por causa da elevada herança estatística deixada por 2020 e pelo desempenho do primeiro trimestre deste ano. A partir do segundo trimestre, contudo, a economia deu sinais de estagnação. Já inflação, juros e câmbio exibem um comportamento bem pior do que o projetado no fim de 2020. O IPCA estimado para este ano é de 10,04%, enquanto dólar deve encerrar o ano em R$ 5,60, segundo o Focus. A Selic, por sua vez, terminará o ano em 9,25% - a última reunião de 2021 do Comitê de Política Monetária (Copom) já ocorreu.

O nível desses três indicadores aponta para um 2022 complicado, e a expectativa é que a Selic ainda suba mais nos próximos meses, voltando a ficar acima de 10%. O resultado de juros altos, inflação resistente e real desvalorizado é uma atividade econômica fraca. A mediana das projeções do Focus é de um crescimento de 0,5% em 2022, mas há quem espere um PIB com variação zero, como a MB Associados, ou um PIB em queda, como o Itaú Unibanco, que projeta contração de 0,5%.

Neste ano, houve pressões inflacionárias globais, como as provocadas pelos problemas nas cadeias globais de suprimentos, que têm durado mais tempo do que se imaginava. A alta do petróleo e de commodities agrícolas em parte do ano também contribuiu para a aceleração do IPCA, assim como a crise hídrica jogou para cima as tarifas de energia elétrica. As incertezas fiscais e políticas, porém, mantiveram o real desvalorizado, impedindo que o câmbio atenuasse parte das pressões sobre os preços. Num ano eleitoral, essas dúvidas devem persistir, o que tende a segurar a moeda num nível depreciado. Outro ponto é que, em 2022, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) vai terminar a retirada dos estímulos monetários e deve começar a elevar os juros, colocando alguma pressão sobre moedas de países emergentes. Para completar, dada a forte inércia inflacionária - o fenômeno pelo qual a inflação passada alimenta a futura - não será fácil fazer o IPCA voltar à trajetória das metas, de 3,5% em 2022 e 3,25% em 2023.

As projeções para o ano que vem embutem evidentemente um alto grau de incerteza. No entanto, considerando o nível da inflação e dos juros na virada do ano e a aproximação das eleições, a perspectiva é de outro desempenho fraco da economia em 2022.

 

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