sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Merval Pereira - Dia D +

- O Globo

O dia D da vacinação no Brasil, anunciado finalmente pelo governo, pode vir a ser D + 1, ou D + 2, vai-se saber, por um problema de logística, que é exatamente a especialidade que fez o  General Eduardo Pazuello ser nomeado ministro da Saúde depois que dois médicos foram sacrificados no altar do populismo bolsonariano.

Os adeptos do presidente consideraram sua decisão uma grande sacada, porque, diziam na época, o que era preciso era uma organização logística de apoio aos governos estaduais no combate à COVID-19. Pois o avião da Azul que iria ontem para a Índia para apanhar dois milhões de doses da vacina AstraZenica/ Oxford atrasou um dia porque esqueceram literalmente de combinar, não com os russos, mas com os indianos.

Eles estão começando por lá a vacinação nacional, e não têm tempo para atender os compradores brasileiros. Além do mais, para quem quer começar a vacinação ao mesmo tempo em todo o país, pelo menos sete estados não têm seringas nem agulhas neste momento, o que indica que em uma semana dificilmente estarão equipados.

Até o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski está exigindo que cada estado oficialize o estoque de seringas e agulhas que tem, pois no relatório do ministerio da Saúde, que era para garantir que está tudo sob controle, descobriu essa informação crucial, que pode atrasar a vacinação nacional. Por absoluta inépcia do governo federal, que não assumiu o papel de coordenação que lhe cabia na distribuição dos insumos necessários à vacinação em massa, e também, claro, de governadores que não atentaram para o fato de que sem agulhas e seringas não poderiam vacinar, mesmo que recebessem as doses do governo.

Eliane Cantanhêde - À Fiocruz e ao Butantã, tudo!

 

- O Estado de S. Paulo

Sobrevivente das perseguições, Fiocruz pode dar a primeira foto da vacina a Bolsonaro

Fiocruz foi salva da sanha bolsonarista pelo gongo, ou melhor, pela pandemia, e por essas ironias do destino passou a ser crucial para o presidente Jair Bolsonaro e sua obsessão em começar a vacinação contra a covid-19, mesmo que apenas simbolicamente, antes do governador de São Paulo, João Doria. De perseguida, a Fiocruz passou a ser a salvação da lavoura presidencial.

Useiro e vezeiro em perseguir instituições de excelência, em praticamente todas as áreas, Bolsonaro deu aval ao ataque do então ministro Osmar Terra à Fiocruz, logo no primeiro semestre do governo, em 2019. Médico e deputado federal em sexto mandato, Terra cismou com uma pesquisa da Fiocruz que custou R$ 7 milhões, envolveu três anos, 500 pesquisadores e 16 mil entrevistados e concluiu que não havia epidemia de drogas no Brasil.

“Não confio nessa pesquisa da Fiocruz”, disse ele sobre um dos orgulhos nacionais, reconhecido no mundo inteiro. Como não confirmava suas certezas pessoais, só podia ser coisa de esquerdistas. E, assim como crê em epidemias fantasiosas, ele nega a pandemia real – e faz a cabeça do presidente. O Ministério da Saúde alertava para 180 mil mortos em dezembro de 2020. Terra apostou em 4 mil e manteve o desdém mesmo depois de contaminado, com sete dias de UTI e 80% do pulmão comprometido.

César Felício - A ditadura dos fatos

- Valor Econômico

Presidente da Câmara pode muito, mas não tudo

Presidente da Câmara entre 2005 e 2007, o ex-deputado Aldo Rebelo jogou um papel importante na sobrevivência do governo Lula ao mensalão. Em dois meses de crise, a administração petista estava nas cordas, até que Severino Cavalcante, que comandava a casa legislativa dos deputados, foi denunciado por receber propina de um cantineiro. Ele renunciou e Aldo bateu o oposicionista José Thomaz Nonô em uma disputa apertadíssima. Não se falou mais em impeachment de Lula.

O impeachment de Dilma Rousseff tornou-se um assunto no país assim que Eduardo Cunha foi eleito presidente da Câmara por 367 votos, derrotando Arlindo Chinaglia, em fevereiro de 2015. A correlação entre os fatos de 2005 e 2015 é irresistível. Muito mais que garantir avanço de agenda de governo, que na realidade não existe, o presidente da Câmara dá ou tira blindagem.

Distante hoje do calor dos fatos, Aldo é reverente a eles. O ex-deputado, por muitos anos integrante do Partido Comunista do Brasil, reconhece o protagonismo da presidência da Câmara como escudo ou espada, mas lembra dos limites nesta ação. “O presidente da Câmara pode muita coisa, mas muito mais podem os fatos. O avanço de um impeachment ou o seu bloqueio depende de circunstâncias políticas. Não acho que o presidente Jair Bolsonaro obterá proteção absoluta.”

Luiz Carlos Azedo - Pra chamar de nossas

- Correio Braziliense

Há uma revolução na produção de vacinas. Essa é a notícia boa. A notícia ruim é o que está acontecendo em Manaus, onde o SUS entrou em colapso por falta de oxigênio

A guerra das vacinas entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador João Doria é como um copo pela metade: de um lado, gera muita desinformação sobre imunização da população; de outro, promove uma corrida para ver quem vai vacinar primeiro. Entretanto, vamos tratar das vacinas que estão sendo produzidas no Brasil, tanto pelo Instituto Butantan quanto pela Fiocruz, que são as que vão resolver o nosso problema. A Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI) divulgou nota na qual esclareceu que os estudos realizados para testagem de diferentes imunizantes utilizaram critérios distintos.

Por exemplo, no estudo da americana Moderna, foram considerados dois sintomas de um grupo formado por febre, arrepios, dor no corpo, dor de cabeça, dor de garganta, perda de olfato ou paladar com diagnóstico viral confirmado ou um sintoma grave, como falta de ar, tosse, diagnóstico radiológico como casos de covid-19. Ou seja, dois sintomas leves ou um sintoma grave. No estudo da AstraZeneca (Oxford), um sintoma do grupo formado por febre, tosse, falta de ar, perda de olfato ou paladar; ou seja, a maioria sintomas leves, mais um grave (falta de ar), para fechar o diagnóstico.

Ricardo Noblat - O Dia D+1: a opção preferencial do governo pela morte

- Blog do Noblat / Veja

Negacionismo suicida

A Amazônia é nossa. Mas o oxigênio que falta nos hospitais de Manaus por incúria dos governos estadual e federal pode ser venezuelano ou brasileiro, a ser transportado por aviões da Força Aérea dos Estados Unidos. Em breve, chegará por lá a vacina da Universidade de Oxford importada da Índia. A conferir, porém.

Um Boeing da companhia Azul decolou, ontem à noite, de São Paulo para o Recife. Está previsto que na madrugada de amanhã decole com destino a Nova Deli para buscar 2 milhões de doses da vacina inglesa. Ocorre que o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Índia pôs em dúvida a entrega da encomenda.

Anurag Srivastava afirmou que “é muito cedo” para dar respostas sobre exportações das vacinas produzidas no país, já que a campanha nacional de imunização ainda está só começando. A declaração foi dada em resposta a perguntas de jornalistas sobre o que o governo brasileiro dava como certo.

Sem tirar nem pôr, o que disse Serivastava à imprensa internacional: “O processo de vacinação está apenas no começo na Índia. É muito cedo para dar uma resposta específica sobre o fornecimento a outros países, porque ainda estamos avaliando os prazos de produção e de entrega. Isso pode levar tempo”.

Bruno Boghossian – Rastro de delinquência

- Folha de S. Paulo

Asfixia da saúde em Manaus é fracasso grosseiro de governos na pandemia

A asfixia da rede de saúde de Manaus é o retrato mais grosseiro do fracasso do país no combate à pandemia. O governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), soube há uma semana que teria problemas no fornecimento de oxigênio. O estado enfrenta uma disparada de internações por Covid-19, mas ele disse ao site O Antagonista que foi surpreendido pelo esgotamento do material.

A tragédia nacional é fruto da incompetência extraordinária, da falta de senso de emergência, do desprezo pela vida e da covardia de muitos governantes. No fim de 2020, Lima viu hospitais cheios e determinou o fechamento do comércio para conter o alastramento do vírus. Acuado por protestos fomentados por políticos bolsonaristas, o governador desistiu e mandou reabrir as lojas.

Hélio Schwartsman - Papelão

- Folha de S. Paulo

A patacoada do instituto é um desserviço à ciência

O que a onda populista que varre o mundo ensina é que é possível sabotar o sistema sem violar formalmente nenhuma de suas regras. Hugo Chávez não cometeu crime quando reduziu limites às reeleições; Viktor Orbán seguiu os trâmites legais quando redesenhou o Judiciário húngaro para servi-lo.

O corolário disso é que, se o cidadão pode ter seu campo de ação limitado só pelas leis, figuras que desempenham papel-chave no sistema precisam cumprir as regras na forma e no espírito.

A necessidade do "fair play" não está restrita à política. Ela é ainda mais vital na ciência. Se pesquisadores fraudam ou embelezam os dados de seus trabalhos, minam a confiança na própria comunicação da ciência, que é o que a viabiliza como atividade colaborativa e cumulativa.

Ruy Castro - Sugestões no vazio

- Folha de S. Paulo

É inútil sugerir ao homem mais poderoso do mundo que se mate; ele nem leva em consideração

No domingo último (10), este colunista sugeriu ao presidente Donald Trump que, por sua incapacidade de aceitar a derrota nas urnas de seu país —de aceitar ser um perdedor—, fizesse como Getulio Vargas, que, ao também se ver diante do fim, matou-se e passou à história como um mártir. Se Trump fizesse o mesmo, muitos americanos que o detestam começariam a vê-lo com simpatia. Até este momento, no entanto, Trump nem considerou minha sugestão.

Realmente, há um quê de patafísico em um colunista brasileiro, escrevendo em código --a língua portuguesa--, oferecer tal conselho ao homem mais poderoso do mundo. Como era natural, Trump me ignorou, e Jeff Rosen, seu ministro da Justiça, poupou-se do ridículo de vir em cima de mim. Os horrores que Rosen escuta sobre seu chefe por todas as mídias dos EUA são mil vezes piores, e mesmo contra esses ele nada pode fazer, porque a Constituição americana garante a liberdade de opinião.

Tirar poder de governadores sobre polícias é ‘retrocesso inaceitável’, diz Celso de Mello

- Rafael Moraes Moura | O Estado de S. Paulo

Para ministro aposentado, há conflito com princípio federativo; magistrados também encaram projetos de reorganização das forças policiais com preocupação

BRASÍLIA - O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello disse ao Estadão que os projetos de lei que tiram poder de governadores sobre polícias são um "retrocesso inaceitável". Uma das vozes mais contundentes do cenário nacional em defesa da Constituição e das liberdades individuais, o ex-decano do Supremo abriu mão do silêncio que marca sua postura desde a aposentadoria, em outubro do ano passado, para criticar a proposta que prevê mandato de dois anos para os comandantes-gerais e delegados-gerais e impõe condições para que eles sejam exonerados antes do prazo.

"A padronização nacional dos organismos policiais estaduais, com expressiva redução do poder e competência dos Estados-membros, se implementada, traduzirá um ato de inaceitável transgressão ao princípio federativo", disse Celso de Mello à reportagem. "Não se pode ignorar que a autonomia dos Estados-membros representa, em nosso sistema constitucional, uma das pedras angulares do modelo institucional da Federação. Qualquer proposição legislativa que tenda à centralização em torno da União Federal, com a consequente minimização da autonomia estadual, significará um retrocesso inaceitável em termos de organização federativa."

Bolsonaro “gosta do cheiro da morte” e lidera “mar de incompetência”, diz Doria

Anvisa deveria deixar burocracia de lado ao analisar aprovação de vacinas, diz governador paulista

Por André Guilherme Vieira / Valor Econômico

SÃO PAULO - O governador de São Paulo, João Doria (PSDB) subiu o tom e afirmou ontem, em live do Valor, que o presidente Jair Bolsonaro conduz um governo “que defende a morte, gosta do cheiro da morte” e que o Brasil por ele liderado é “um mar de incompetência”. Para Doria, o país se converteu em “um conjunto de fracassos” capitaneado por “um pária internacional” e o presidente “retardou de forma hostil e desumana” o início da vacinação em todo o território nacional.

Doria também criticou os empresários que se mostram constantemente alinhados a Bolsonaro.“O distanciamento do governo o afasta da atividade produtiva. Aliás, para não dizer que o afasta, apenas aqueles que gostam de ser solidários e puxa-sacos do governo é que ficam lá tomando café da manhã com o presidente Jair Bolsonaro”.

Na avaliação do governador, os “verdadeiros líderes da indústria brasileira e de outros setores” estão sozinhos. “Porque não têm diálogo com o governo federal, nem uma política pública adequada para atrair investimentos internacionais, promover o desenvolvimento do país”.

As declarações do governador de São Paulo, potencial candidato à Presidência da República em 2022 e um dos principais adversário político de Bolsonaro, foram feitas ao longo dos 43 minutos e 10 segundos de conversa, na qual elencou uma série de erros e falhas que atribuiu ao presidente.

Biden anuncia novo pacote de estímulo, de US$ 1,9 tri

O presidente eleito, Joe Biden, também anunciou uma segunda proposta focada na recuperação econômica, no qual mira empregos e infraestrutura como ferramenta para combater as mudanças climáticas. Ajuda às famílias americanas representa metade do valor do pacote

Por Richard Rubin e Eliza Collins — Dow Jones Newswires / Valor Econômico

O presidente eleito dos EUA, Joe Biden, propôs ontem um plano de US$ 1,9 trilhão para ajudar os americanos a resistir ao choque econômico provocado pela pandemia de covid-19 e injetar mais dinheiro em testes e distribuição de vacinas.

Em discurso na noite de ontem, Biden anunciou as prioridades dos primeiros dias de seu governo relacionadas à pandemia. Ele pediu ao Congresso que endosse uma rodada de pagamentos diretos de US$ 1.400 por pessoa para a maioria das famílias do país, uma suplementação do seguro-desemprego de US$ 400 por semana até setembro, a extensão das licenças remuneradas e aumentos no valor de dedução por filhos menores no imposto de renda. O auxílio para famílias é cerca de metade do custo do plano, e grande parte do restante irá para a distribuição da vacina e em ajuda para governos estaduais e municipais.

A posse de Biden está marcada para a próxima quarta-feira, em um momento em que o número de mortes causadas pelo vírus chegou a 4.000 por dia e os americanos lidam com as consequências econômicas do fechamento persistente de empresas e escolas. O Senado também deve julgar o impeachment do presidente Donald Trump, que foi aprovado pela Câmara pela segunda vez.

Biden quer que o Congresso aja rapidamente para lidar com o que considera uma emergência nacional. O plano inclui algumas ideias que já tinham sido apresentadas pelos democratas no Congresso e pela campanha de Biden, mas foram rejeitadas pelos republicanos, e não está claro que partes podem ser aprovadas e quando os parlamentares tomarão uma decisão.

Míriam Leitão - Sobram farrapos da fantasia liberal

- O Globo

Eu conto ou vocês contam ao ministro Paulo Guedes que o projeto dele acabou? Nunca teve viabilidade com o atual presidente, na verdade. Guedes embarcou numa canoa na qual não havia espaço para as ideias liberais. Ele sofre vetos diários às suas propostas e tem engolido em seco. Não privatizou, não reduziu barreiras ao comércio, exceto de armas, não diminuiu o tamanho do Estado. Seus assessores, ou gestores nomeados por ele, de vez em quando ficam no dilema entre a demissão ou ser humilhado pelo presidente Bolsonaro. Tudo o que conseguir agora será prêmio de consolação.

Não interessa mais se o presidente do Banco do Brasil fica ou não. André Brandão já foi informado que não tem qualquer autonomia de gestão, apesar de presidir um banco que tem acionistas privados e que atua num mercado que passa por imensas mudanças e aumento da competição. A Caixa Econômica Federal, que é inteiramente estatal, virou um braço da propaganda política bolsonarista. Pedro Guimarães, com seus 11 revólveres e seus litros de cloroquina, faz qualquer papel que agrade ao chefe. Virou ajudante de lives e animador de auditório. A última agência que abriu foi por ordem do presidente, e não por ser bom ou não para a Caixa. A intervenção na CEF já ocorreu em outros governos, mas agora virou o quintal da presidência. O presidente do Banco Central tentava ontem à tarde convencer o governo de que era preciso segurar Brandão no cargo. Se ficar, terá perdido qualquer liberdade de ação.

Claudia Safatle - Guedes se prepara para voltar às suas propostas

- Valor Econômico

Entre fevereiro e setembro governo quer aprovar reformas

O silêncio da área econômica do governo neste início de ano tem explicação e data para acabar. Trata-se da decisão de preservar a agenda de medidas a serem tomadas ao longo do ano da influência da campanha eleitoral para as mesas diretoras da Câmara e do Senado, que ocorre no início de fevereiro.

A estratégia é, tão logo esteja resolvida a disputa pelo comando das duas Casas, apresentar o que pode ser chamado de um programa de governo para os últimos dois anos de Jair Bolsonaro.

Com foco no emprego e na renda, ele terá o ajuste fiscal como meio e a lei do teto para o gasto como âncora.

Na pauta do Congresso, a pasta da Economia realça a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Emergencial, que cria os gatilhos a serem acionados para garantir o cumprimento da lei que estabelece o teto de gastos; e, também, a PEC da reforma administrativa.

A intenção da área econômica é resgatar todos os assuntos que vêm sendo discutidos desde o primeiro ano desta gestão. Vários deles tiveram, inclusive, a oposição do próprio presidente da República.

Do lado da expansão da oferta de emprego, a ideia do ministro Paulo Guedes é de voltar a defender a desoneração da folha de salários de forma horizontal. Para tal, ele precisará encontrar novas receitas e deverá retomar a proposta de criação de um Imposto sobre Transações destinado a financiar as despesas com a seguridade social. Feita a desoneração, o governo tentaria, de novo, emplacar a Carteira de Trabalho Verde e Amarela, cuja contratação não carregaria os encargos trabalhistas existentes hoje.

A última proposta de que se tem notícia seria cobrar uma alíquota de 0,2% a 1% sobre as transações financeiras em forma de uma escadinha: uma alíquota de 0,2% permitiria reduzir a carga tributária sobre folha de pagamento dos atuais 20% para 13%.

José de Souza Martins* - Revolução em surdina

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

O sistema agrícola agroflorestal quebra paradigmas das práticas agrícolas e desafia os valores obsoletos, com desdobramentos no modo de conceber o ser humano e a vida.

Uma revolução social está ocorrendo no Brasil. Destaco a rápida e irresistível disseminação do chamado sistema agrícola agroflorestal. Trata-se de uma revolução porque quebra paradigmas de conhecimento e de práticas agrícolas e desafia os valores obsoletos, os modos de ser, de trabalhar, de produzir, com desdobramentos no modo de conceber o ser humano e a vida.

Revolução porque redefine a função do dinheiro na vida das pessoas, inverte prioridades e funções em seu uso, suprime a necessidade de insumos químicos no cultivo. A agricultura convencional, especialmente a de grande escala, apesar de suas irracionalidades e das degradações sociais e ambientais que promove, baseia-se no primado do capital.

O sistema agroflorestal baseia-se no primado do trabalho. Seus pressupostos e orientações são científicos e contraculturais. Restauram e utilizam o conhecimento que foi desvalorizado e descartado pela agricultura desvinculada do amor à terra.

O sistema agroflorestal propõe a redescoberta da linguagem de conversação entre o homem e a terra. Nele, o homem não é dono. É auxiliar da natureza. É significativo que os agricultores que optam por esse sistema reformulem sua sociabilidade de vida e de trabalho ao adotar formas comunitárias e condominiais no uso da terra e de partilha de seus frutos.

Sérgio Amaral*- O que restará do trumpismo?

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Ainda é cedo para avaliar o futuro da onda nacional-populista de que Trump é o principal expoente

Em 3 de novembro, Donald Trump perdeu a eleição para a Presidência dos Estados Unidos e os republicanos foram vencidos na Câmara dos Representantes. Na Geórgia, mais recentemente, os democratas conquistaram a maioria no Senado. As vitórias eleitorais dos democratas propiciam a Joe Biden uma base sólida para a execução de um ambicioso programa de governo, tanto no plano interno quanto no internacional.

No dia 6 de janeiro, Trump sofreu uma segunda derrota, desta vez em seu próprio partido, pela decisão de algumas de suas principais lideranças, como o vice, Mike Pence, e o líder da maioria no Senado, Mitch McConnell, em aprovar a certificação dos delegados eleitos para o Colégio Eleitoral, como é legal e de praxe, ao contrário do que pretendia o presidente.

A ocupação do Capitólio, ostensivamente incentivada por Trump e membros de sua família, provocou o repúdio da opinião pública, por representar um atentado ao maior símbolo da democracia americana. E, como se não bastasse, mídias sociais decidiram suspender o acesso do presidente a suas plataformas, sob a alegação de incentivo à violência. Ainda que os motivos possam ser louváveis, não deixa de ser insólito que uma empresa privada possa censurar o presidente de um Estado.

Trump deixa a Casa Branca abatido e desmoralizado. As próximas pesquisas de opinião poderão estimar quantos na sociedade, e especialmente em seu próprio partido, deixaram de apoiá-lo. Diante desse cenário incerto e turbulento, resta saber o que ocorrerá com Partido Republicano e com o trumpismo no novo capítulo político que se inicia com a posse de Biden.

Nelson Motta - Livros que mudam vidas

- O Globo

Têm o poder de provocar transformações em nossa razão e sentimento

Advogado, professor e apaixonado por literatura, José Roberto de Castro Neves teve uma ideia luminosa em tempo de trevas: convidou 60 artistas, jornalistas, cientistas e profissionais consagrados de várias gerações para escrever sobre o livro que mudou suas vidas. Todo mundo tem um, que foi decisivo em sua formação, pelo encontro com um mundo de ficção que mudou de verdade seus valores, sonhos e ambições, marcando sua história pessoal pela emoção e pela razão, num momento de transição e descoberta de novos mundos entre o real e o imaginário.

O melhor da literatura é que, ao contrário da música, do teatro, do cinema e da dança, quando somos espectadores passivos, cada leitor cria suas próprias imagens e sons de personagens, cenários e ações, diferentes dos de todos os outros leitores, fazendo de cada um coautor de um livro que só ele leu.

Cora Rónai - As redes sociais concentram poder demais

- O Globo

Sua ação trouxe à luz o debate que, há tempos, elas tentam evitar

O presidente dos Estados Unidos é, em tese, o homem mais poderoso do mundo. Entre outras coisas, ele tem acesso a um aparato de comunicação sem igual: jornalistas das principais organizações de mídia do planeta cobrem a Casa Branca 24 horas por dia, ávidos por ver o que faz e ouvir o que tem a dizer. Seu nome é pronunciado incontáveis vezes por dia em boa parte dos 7.117 idiomas falados por seres humanos. O que não lhe falta é palanque. Mas Donald J. Trump considera-se mudo sem as suas redes sociais — e, de certa forma, está mudo mesmo.

Ele foi expulso da ágora contemporânea, da praça onde se travam hoje as discussões, onde se marcam encontros informais e ataques terroristas, passeatas e golpes de Estado.

Não tem mais conta no Twitter, e suas contas no Facebook, no Instagram, no Snapchat e até no Shopify e Pinterest estão suspensas. O Parler ainda o tolera — mas a rede foi banida das lojas do Google e da Apple e, mais importante, dos servidores da Amazon, o que a tirou efetivamente do ar.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

O penoso caminho da vacina – Opinião | O Estado de S. Paulo

Enfim, o governo federal parece dar-se conta de que, para superar a pandemia do novo coronavírus, não há elixir mágico e é preciso vacinar a população.

Enfim, o governo federal parece dar-se conta de que, para superar a pandemia do novo coronavírus, não há elixir mágico e é preciso vacinar a população. Segundo o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, a vacinação contra a covid-19 deverá começar na próxima quarta-feira, dia 20. 

Talvez esse longo e tortuoso processo para o início da vacinação tivesse sido um pouco mais breve e retilíneo – gerando menos apreensão na população –, se o presidente Jair Bolsonaro e o intendente Eduardo Pazuello tivessem assimilado uma das habilidades previstas para o 7.º ano do Ensino Fundamental na Base Nacional Comum Curricular. Trata-se de documento de caráter normativo que define as aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica.

A décima habilidade prevista na área de ciências para alunos do 7.º ano (12 anos) é “argumentar sobre a importância da vacinação para a saúde pública, com base em informações sobre a maneira como a vacina atua no organismo e o papel histórico da vacinação para a manutenção da saúde individual e coletiva e para a erradicação de doenças”. A Base Nacional Comum Curricular, na parte referente ao Ensino Fundamental, foi aprovada em 2017.

De fato, parece que Jair Bolsonaro e Eduardo Pazuello tiveram dificuldades com a habilidade prevista para a garotada de 12 anos. Ao longo dos últimos meses, por exemplo, trabalharam como se não soubessem que a vacinação contra a covid-19 exige seringa e agulha. Agora, no entanto, parecem ter finalmente captado que a população quer a vacina. E desejam transformá-la em um grande palanque eleitoral.

Zé Kéti completa 100 anos como a voz do morro e muito mais

Autor de clássicos do samba ganha shows no CCBB que celebram seu centenário e ajudam a dimensionar seu papel mais amplo na cultura brasileira

Silvio Essinger / O Globo

RIO - Pergunte sobre Zé Kéti a quem é do samba: a resposta pode se estender por horas. Natural do Rio de Janeiro, o cantor e compositor, que morreu em 1999, deixou uma obra que serviu a intérpretes do quilate de Luiz MelodiaNara Leão, Jair Rodrigues, Jamelão, Paulinho da Viola e Elza Soares. E foi um dos grandes personagens da cultura brasileira do século XX, ao ajudar a aproximar morro e asfalto no musical “Opinião” (1964, de Augusto Boal), e participar de obras fundamentais do cinema nacional como “Rio 40 graus”, de Nelson Pereira dos Santos. No filme, de 1955, Kéti fez de tudo um pouco —foi ator, forneceu músicas para a trilha e cozinhou para a equipe de filmagem.

— O Zé Kéti é um compositor brasileiro que merecia ser mais observado, porque tem uma obra popular vastíssima e sucessos impressionantes, como “Mascarada”, “Diz que fui por aí”, “Nega Dina”... e, é claro, “A voz do morro” (dos versos “eu sou o samba / a voz do morro sou eu mesmo, sim, senhor), que é até hoje o grande número final do shows de samba — diz o fundador do Samba do Trabalhador, Moacyr Luz.

O músico é uma das estrelas da série de shows “100 anos da voz do morro”, que acontece de quinta a domingo no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) do Rio para celebrar o centenário do artista (que se completa em 16 de setembro).

Segundo Geisa Ketti, filha, guardiã e inventariante da obra de Zé Kéti, a iniciativa da produtora Stella Lima, encampada pelo CCBB, será uma das poucas homenagens que o pai deve receber neste ano do centenário.

— Em 2020, iniciamos um documentário com o meu irmão José Carlos, mas ele veio a falecer em maio, vítima de Covid, e tudo parou — lamenta. — No final do ano nós começamos a nos mobilizar com alguns amigos para iniciar a construção de um site que provavelmente vamos conseguir lançar em fevereiro. Estamos à cata de depoimentos e de fotos. E chamamos amigos do Brasil todo, de Portugal e da Argentina para fazerem rodas de samba em homenagem a Zé Kéti.

Poesia | Manuel Bandeira - O bicho

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.