sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Entrevista | Roberto Freire: ‘Vitória de Lira atrapalha a frente de centro’

- Paula Reverbel / O Estado de S. Paulo

Presidente do Cidadania, o ex-deputado Roberto Freire disse que a vitória de Arthur Lira (Progressistas-AL) na Câmara – em uma derrota do ex-presidente da Casa Rodrigo Maia (DEM-RJ), que não conseguiu eleger sucessor –, causou um “desarranjo” na construção de uma frente de centro e afetou a articulação do apresentador Luciano Huck, cotado como presidenciável em 2022.

“Esse processo que estava existindo do ponto de vista de 2022, discussões sobre alternativas, que tipo de articulação e de aliança que estava surgindo, isso mudou, sofreu um retrocesso, claro. O que ocorreu com o DEM e com o PSDB gerou problemas para o PSDB, para o DEM, para a articulação do Huck e para setores da esquerda”, afirmou Freire em entrevista ao Estadão.

• Como o sr. avalia o resultado das eleições no Congresso?

O episódio dessa eleição foi superdimensionado, com uma certa razão, porque se assumiu uma disputa da oposição com o (presidente Jair) Bolsonaro. Muda uma correlação de forças do Congresso. Dá uma sinalização de que o Executivo e o presidente rearticularam forças políticas. Mas não tem o dom de mudar a realidade e o processo que estamos vivenciando. Continuamos tendo um presidente negacionista na pandemia. Temos um presidente e um ministro da Fazenda ineptos no enfrentamento da crise econômica. E não muda a expectativa que começa a surgir na sociedade de que talvez seja melhor um impeachment.

• Como o sr. vê as manifestações pró-impeachment?

O problema é que aqueles que são a favor (do impeachment) ficam achando que tem que fazer aqui e agora. Tem que ter calma. Ninguém sabe como vai acontecer esse processo, mas que ele está sendo discutido, não tenha dúvida. Grande parte dessa articulação que Bolsonaro fez, com esse toma lá, da cá absurdo de R$ 3 bilhões prometidos para ganhar a presidência da Câmara e do Senado, foi um ensaio para quando ele for impedir que um impeachment ocorra, mesmo com a sociedade se manifestando. Ele está na luta.

• O Cidadania aguarda a filiação de Luciano Huck?

Esse processo que estava existindo do ponto de vista de 2022, discussões sobre alternativas, que tipo de articulação e de aliança que estava surgindo, isso mudou, sofreu um retrocesso, claro. O que ocorreu com o DEM e com o PSDB gerou problemas para o PSDB, para o DEM, para a articulação do Huck, para setores da esquerda. Alguns partidos com dissidências internas (na eleição da Câmara), tudo isso. Foi desconstruído um pouco do que você já tinha acumulado, vai ter que ser retomado. Precisa ver o rescaldo desse episódio para começar a saber como você vai retomar. Há algumas questões complicadas, inclusive no DEM, com o processo que você teve de um certo constrangimento em relação a Rodrigo Maia, que era um dos líderes dessa articulação.

Fernando Gabeira - O estreito caminho pela frente

-  O Estado de S. Paulo

A democracia brasileira ficou mais vulnerável, o negacionismo tem agora uma base parlamentar

As eleições no Congresso nos remetem a uma situação relativamente familiar: o mecanismo do “toma lá da cá”, que muitos supunham estar esgotado na política, voltou ao centro da cena. E desta vez com poucos esforços para disfarçar. O governo destinou mais de R$ 3 bilhões de verbas aos parlamentares e Bolsonaro confessou que iria influenciar a escolha num Poder que deveria ser independente.

Para quem vive há muitos anos o processo político brasileiro, é como se um ciclo se encerrasse. As relações fisiológicas degradam a política nacional e criam condições para que surja alguém prometendo tudo mudar e trazer consigo uma “nova forma de fazer política”.

Ao cair de cabeça no velho fisiologismo, Bolsonaro não somente reconstrói uma cena política que estamos cansados de ver. Há diferenças agora. Como ele e outras figuras, como Wilson Witzel, eram os arautos de uma “nova política”, é possível esperar que a própria ideia de novidade radical entre em decadência, o que, aliás, de certa forma já foi revelado em algumas cidades nas eleições de 2020.

Um dos subprodutos da vitória de Bolsonaro no Congresso foi desmantelar o centro. Em política, talvez isso não signifique um mundo que desmorona, como no verso de Yeats – “the center will not hold”. Significa apenas que aumentam as possibilidades de polarização.

Afinal, o centro, que foi implodido por Bolsonaro, acabaria se rompendo de qualquer forma. Não há consistência nesses partidos e, estrategicamente, o melhor seria um racha, com o lado da oposição democrática tentando se viabilizar na própria sociedade.

Vera Magalhães - Síndrome do cunhado

- O Globo

Muito se falou no chavão “criminalização da política” como uma das justificativas para a sucessão de fatos que levou à eleição de Jair Bolsonaro em 2018.

Trata-se de uma leitura bastante rasa e condescendente com a roubalheira que os políticos promoveram como se não houvesse amanhã, ao longo de sucessivos mandatos e que, quando foi descoberta, gerou, sim, uma onda de compreensível indignação com a classe política.

Acontece que os políticos não só não perceberam isso a tempo, como menosprezaram os efeitos que isso teria. Cansei de ouvir de próceres de vários partidos, da esquerda à direita, em 2018, as seguintes avaliações:

1) corrupção nunca foi fator decisivo para eleição, bastava ver que Lula tinha sido reeleito em 2006 mesmo com o mensalão;

2) redes sociais nunca elegeram ninguém;

3) Bolsonaro desidrataria quando começasse o horário eleitoral, pois as eleições ainda seriam definidas pela equação clássica: tempo de TV, coligação forte e grana.

Bolsonaro fez um rocambole de tudo isso, regou com leite condensado, e a política, além de criminalizada, ficou humilhada no cantinho do pensamento.

Eis que, mais de dois anos e quase 230 mil mortos pela pandemia depois, os políticos do autoproclamado centro democrático estão marchando docemente para o cadafalso, atrelando seu destino ao de Bolsonaro.

Para o presidente do DEM, ACM Neto, Bolsonaro não é um extremista. Como chamar alguém que desdenha uma pandemia, que frequenta e incentiva atos pelo fechamento do Supremo e do Congresso, que aparelha instituições como a Polícia Federal e o Coaf, que investe por meio de decretos contra a pauta de direitos humanos e de defesa do meio ambiente, que acusa fraude eleitoral sem provas e insinua dois anos antes que isso pode ocorrer se não houver voto impresso?

Eliane Cantanhêde - O Impossível é possível

- O Estado de S. Paulo

Só num ambiente contaminado pelo bolsonarismo seria possível o PSL indicar deputada extremista para a principal comissão da Casa

Alguma dúvida de que está tudo dominado pelo presidente Jair Bolsonaro e o bolsonarismo na Câmara? O deputado Arthur Lira (PP-AL), líder do Centrão e da “velha política”, apadrinhado de Bolsonaro e do governo, já assumiu a presidência da Casa com festança de 300 pessoas sem máscara, implodindo o bloco oposicionista e atacando o antecessor Rodrigo Maia, enquanto lia discursos sobre “harmonia” e “pacificação”. Parece alguém, não é?

Se há alguma esperança de bom senso é com o novo presidente do SenadoRodrigo Pacheco (DEM-MG), que não fez festança, não atacou ninguém e, lado a lado com Bolsonaro, condenou os “extremismos dos dois lados”, defendeu a “altivez” do Parlamento, se solidarizou com as famílias dos mortos da covid-19 e defendeu igualdade, justiça, democracia, República, federação, reformas e auxílio emergencial. O oposto do que prega Bolsonaro.

Só num ambiente tão contaminado pelo bolsonarismo seria possível o impossível: o PSL, partido que elegeu Bolsonaro em 2018, hoje rachado ao meio, indicou a deputada Bia Kicis para a mãe de todas as comissões da Câmara, a de Constituição e Justiça (CCJ). A rejeição a Kicis uniu o Supremo, toda a esquerda, parte do centro e até líderes do Centrão. Ou o PSL retira, ou vão lançar uma candidatura independente, como os deputados Lafaiette Andrada (Republicanos-MG) e Margarete Coelho (PP-PI). De direita, sim, mas não extremistas nem investigados pelo STF como Kicis.

Dora Kramer - Quem, cara-pálida?


- Revista Veja

À sociedade interessa o que o Congresso pretende fazer em prol da agenda de que o país tanto necessita para avançar

O Poder Legislativo do “nós” preconizado pelo novo presidente da Câmara em seu discurso inaugural deixou de fora o sujeito essencial da sentença: a população. Arthur Lira referia-se aos pares e desenhava em torno de si a moldura de um dirigente democrata, em contraposição ao estilo imperial de Rodrigo Maia. O ato, no entanto, mostrou-se falho na exclusão do elenco principal da peça de autopromoção.

Aceitável que falasse para “dentro” enquanto pedia votos. Desejável, porém, que uma vez eleito olhasse para “fora” em atenção não apenas aos mais de 51 milhões de votos dados aos parlamentares em 2018, mas aos 210 milhões de brasileiros que dependem de medidas do Legislativo para ver respeitados seus direitos. Entre outros o de viver num país mais próspero, justo e cujo Estado seja capaz de fornecer atendimento correto aos cidadãos.

Na ocasião o público mereceu do deputado/presidente uma referência (protocolar, como se viu na aglomeração dos sem-máscara na festa da vitória) à gravidade da pandemia e nada mais que sinalizasse o entendimento sobre a importância do cargo.

Ao contrário, no afã de transparecer humildade na construção de figurino oposto ao do antecessor, posou de gerente-coordenador quando o posto requer capacidade de inspiração e liderança na condução de processos e, se necessário, de atitudes. Como teve Rodrigo Maia em diversas situações que exigiram a defesa da institucionalidade.

Ricardo Noblat - Vidas importam pouco para o governo de Jair Bolsonaro

- Blog do Noblat / Veja

Mais armas, menos radares, remédios que não curam

Há mais mortes em países onde armas de fogo estão ao alcance da maioria dos cidadãos. Pois o presidente Jair Bolsonaro quer facilitar ainda mais o acesso dos brasileiros a armas. Por aqui, cerca de um milhão de pessoas dispõem de armas legalizadas.

Não há comprovação científica de que a cloroquina e outras drogas curem as vítimas do coronavírus. Pois Bolsonaro insiste em defender “o tratamento precoce” que em nenhuma parte do mundo foi adotado por ser claramente ineficaz.

Só vacinas funcionam contra o vírus. Mas em sua live semanal no Facebook, Bolsonaro voltou a duvidar da eficiência delas, riu quando o diretor-geral da Agência Nacional de Vigilância Sanitária disse que se vacinará, e negou que fará o mesmo.

José de Souza Martins* - Quem é o “fura-fila”

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Ele voltou à cena nas ocorrências de furadores da fila para vacinação contra a covid-19

O “fura-fila”, crônica figura do elenco dos protagonistas de maus costumes brasileiros, não é apenas a figura isolada do transgressor egoísta dos direitos de todos. Ele faz parte de um gênero das anomalias encravadas em nosso caráter nacional.

O “fura-fila” voltou à cena nas ocorrências de furadores da fila para vacinação contra a covid-19. Definiu-os o vice-presidente da República como gente sem caráter nem solidariedade. Como se trata de um gênero de mau-caratismo, abrange os que estimulam e apoiam os que furam a fila da vida alheia na desobediência às regras de segurança sanitária de todos.

Anomalias e defeitos do caráter nacional têm raízes históricas profundas. Não por acaso, em diferentes formas e manifestações, podem elas ser encontradas até mesmo em obras referenciais da literatura brasileira, como em “O Alienista”, de Machado de Assis, na loucura de Simão Bacamarte.

Para compreender o egoísmo antissocial e as invisibilidades do sistema de anomalias de conduta desse gênero, que se expressam na falta de caráter do “fura-fila”, recorro a obras de quatro de meus confrades da Academia Paulista de Letras. É quase natural que identifiquemos em suas personagens alguém que conhecemos e de cujos tormentos temos consciência.

Claudia Safatle - Vacinação é o que vai determinar a retomada

- Valor Econômico

Quem tem 35 prioridades não tem nenhuma

O mercado financeiro já absorveu a ideia de que o governo terá que voltar com o auxílio emergencial. Os analistas do mercado acreditam que o auxílio será concedido de forma mais restrita, em menor valor e por alguns meses. Pouca importância se atribuiu à lista de 35 prioridades enviada pelo Palácio do Planalto aos presidentes da Câmara e do Senado - até porque quem tem 35 prioridades não tem nenhuma.

O foco está mais no processo de vacinação. É a vacina que vai definir quando as mortes cairão de patamar e, portanto, o país poderá voltar à normalidade e a atividade econômica será retomada. Nesse cenário, o governo poderá retirar o auxílio emergencial, porque as pessoas vão encontrar emprego ou retomar suas atividades no mercado informal.

Se toda a população com mais de 60 anos estiver vacinada nos próximos três meses, idade em que se concentram cerca de 80% dos óbitos ocorridos (ver acima gráfico produzido pela equipe de economistas do Banco Safra), o país estará com parte importante do problema equacionada. E é isso que vai dar conforto para as empresas voltarem a produzir, contratar mão de obra; e os consumidores vão dar alento à demanda por bens e serviços. Para que isso ocorra, porém, é preciso que o governo se mobilize e dê celeridade à vacinação.

Rogério L. Furquim Werneck* - Sob a proteção do Centrão

-  O Estado de S. Paulo / O Globo

Porém, vulnerável como está, presidente terá pouca margem de manobra para endurecer o jogo com o Centrão, caso seja necessário

O que terá levado Jair Bolsonaro a dobrar a aposta que já fizera no Centrão? Levará algum tempo até que os múltiplos determinantes desse jogo tão pesado sejam entendidos em toda sua complexidade. Mas a razão primordial já salta aos olhos: o pânico do presidente com a possibilidade de ser levado a impeachment por seus desmandos no enfrentamento da pandemia.

É bem verdade que a disponibilidade de vacinas vem permitindo, afinal, vislumbrar o fim da pandemia. Mas, por aqui, o quadro se afigura bem mais complicado que em países mais afortunados. Na esteira da “segunda onda”, do surgimento de novas cepas do vírus e da gritante ineficácia das ações do governo na Saúde, o Brasil parece fadado a continuar enredado no combate à covid-19 por muitos meses mais.

Em artigo recente, intitulado O tsnunami que se aproxima, o renomado biólogo Fernando Reinach não poderia ter sido mais contundente: “Desculpem o pessimismo, mas é melhor apertar os cintos e nos prepararmos para o pior” (Estado, 30/1). A conta de quase 230 mil mortes parece estar longe do fim.

Bernardo de Mello Franco - O centrão na janelinha

- O Globo

O centrão mal entrou no ônibus e já quer sentar na janelinha, assumir o volante e se apossar do bagageiro. Recém-instalado no comando da Câmara, o bloco não está disposto a aceitar migalhas. Vai cobrar caro pelo apoio que prometeu ao governo.

Ontem a turma começou a mostrar a que veio. O deputado Ricardo Barros, um dos principais escudeiros de Arthur Lira, ameaçou “enquadrar” o almirante Antonio Barra Torres, presidente da Anvisa. Esbravejou contra as exigências para o registro da vacina Sputnik V, de origem russa. “Estão achando que eu sou trouxa?”, desafiou, em entrevista ao “Estadão”.

A pressa de Barros não parece ser motivada pelo avanço do vírus. A Sputnik V será produzida no Brasil pelo laboratório União Química, ligado a políticos do centrão. Um dos diretores da empresa é o ex-deputado Rogério Rosso, que disputou a presidência da Câmara em 2016. Ele era o candidato de Eduardo Cunha, que festejou a vitória de Lira na segunda-feira. 

Luiz Carlos Azedo - A volta do Lula lá

- Correio Braziliense

Setores do governo consideram uma disputa com Lula o cenário ideal para a reeleição de Bolsonaro; na oposição, muitos veem como a melhor opção para derrotá-lo

A quebra de sigilo das conversas privadas entre o então juiz federal Sergio Moro e os procuradores da Lava-Jato é tóxica, porque mostra que, supostamente, na instrução do processo contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no caso do triplex de Guarujá e outras investigações, teria havido conluio entre o Ministério Público e a Justiça. Advogados criminalistas sabem que essa relação promíscua entre a acusação e o juiz é muito mais frequente do que a sociedade imagina, mas, nem por isso, deixa de ser um vício de origem nos processos. Quando são comprovadas, obviamente, geram nulidades nos tribunais. A decisão de tornar públicas as conversas foi do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, notoriamente ligado a Lula, que o indicou para a Corte, porém, o teor das conversas geraram espanto e perplexidade.

Como já era de se esperar, os advogados de Lula querem usar o material para derrubar a condenação do petista, com o argumento de sempre: Moro teria atuado de forma parcial nos processos e orientou as ações do Ministério Público, com objetivo de remover o ex-presidente da República da disputa eleitoral de 2018. A anulação do processo, porém, não é assim tão fácil. Uma preliminar será a discussão sobre a competência de Lewandowski para atuar nesse caso. Os advogados de Moro argumentam que caberia ao ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo, decidir sobre a matéria. Alegam que o fato de Lewandowski ser relator do caso que deu acesso a Lula aos acordos de leniência firmado pela Odebrecht não justifica a liminar em favor da quebra de sigilo.

George Gurgel* - O Brasil real e o desejado: as eleições na Câmara e no Senado

Há um mal estar na sociedade brasileira.

As eleições na Câmara e no Senado Federal constituem a mais perfeita tradução do Brasil real, da elite política que temos em todas as esferas da Republica, eleita para nos representar.

Os episódios revelados nos meios de comunicação, durante o recente processo eleitoral, atestam a maneira subalterna como se comporta o Legislativo frente ao Executivo, refletindo uma práxis política que se repete há décadas, ad náusea, nos poderes republicanos. 

Essas eleições evidenciaram, mais uma vez, de maneira inequívoca, quais são os valores culturais, econômicos e sociais da nossa elite política, demonstrando a distância dessa elite política com os anseios da população que a elegeu.

O que já foi revelado, nessas eleições recentes no Congresso Nacional, deve ter a repulsa de toda a sociedade brasileira. O Governo Bolsonaro cooptou setores do campo democrático, que se diziam oposição, vencendo nas duas casas legislativas, com resultados além das expectativas do próprio Governo Federal.

Prevaleceu o espírito de sobrevivência política de cada parlamentar, de olho nas eleições de 2022, preocupados com os resultados eleitorais de 2020: a renovação dos mandatos é uma tendência a ser considerada no cenário político brasileiro, em função do descrédito da população nos partidos e na maneira de fazer política das suas tradicionais lideranças.

O que queremos e podemos fazer diante deste cenário político após as eleições na Câmara e no Senado, frente ao Governo Bolsonaro? Qual o Brasil desejado?

As forças políticas responsáveis pela transição e reconstrução da democracia brasileira, conquistas consolidadas na Constituição de 1988, não foram capazes de  uma unidade política e programática que nos levasse a um projeto de nação moderna, socialmente inclusiva, econômica e ambientalmente sustentável.

São os nossos desafios históricos que continuam atuais. A República está por ser construída. Qual Federação?

Fernando Abrucio*- Novo tipo de coalizão traz incertezas

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Haverá muita tensão na relação do bolsonarismo autoritário com o fisiologismo do “centrão”

O presidente Bolsonaro inaugurou dois pactos diferentes com o Legislativo em comparação ao que ocorrera desde o fim do regime militar. Nos primeiros dois anos de governo ele se recusou a montar uma coalizão estável com os partidos no Congresso Nacional. Tratava-se de um estilo de governar mais autocrata, contra o que chamava de “velha política”. Agora, no início da segunda parte do mandato, faz uma aliança exatamente com aqueles que dizia mais desprezar, o “centrão”. Que tipo de política resultará dessa aliança do bolsonarismo com o grupo mais fisiológico do sistema político? É possível pensar em alguns cenários, mas a incerteza derivada dessa novidade é muito grande.

Antes de analisar o novo cenário político é importante discutir o primeiro modelo de relação entre Executivo e Legislativo escolhido por Bolsonaro. Em primeiro lugar, as derrotas legislativas foram maiores do que a dos demais presidentes no início do governo. Bolsonaro teve o maior número de medidas provisórias que caducaram, a maior quantidade de vetos presidenciais derrubados. Mais do que isso: algumas de suas bandeiras de campanha, como as temáticas morais e seu plano para a segurança pública, foram negligenciadas ou desfiguradas.

Sua maior vitória, a reforma da Previdência, ocorreu menos por seus esforços como liderança presidencial e mais porque tratava-se de uma agenda com um apoio congressual construído ao longo de anos, especialmente pelo grupo liderado pelo ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Outras reformas, como o novo marco legal do saneamento ou a renovação do Fundeb, também derivaram da ação de senadores e deputados com uma agenda própria e independente do Executivo. É interessante notar como Bolsonaro gosta mais de comemorar a aprovação de legislações, digamos, exóticas, como o Código Nacional de Trânsito, do que enfrentar a batalha árida e repleta de negociações que caracterizam decisões vinculadas à reformulação do sistema tributário ou da administração pública.

César Felício - O 2022 de cada um

- Valor Econômico

No cenário da sucessão presidencial, Luciano Huck busca seu nicho e ACM Neto prioriza a Bahia

São significativas as condicionantes para que o apresentador Luciano Huck entre na disputa de 2022. Huck já acumulou forças no sentido de ter equipe, conhecimento de questões de Estado, estudou o mapa das armadilhas que uma campanha presidencial em si encerra. Sabe que vai apanhar, sabe que precisa aprender a bater.

A decisão de concorrer, contudo, está travada porque coube a Huck a bênção de enfrentar o raro dilema de ter possibilidades interessantes de crescimento abertas nas duas vertentes de sua vida: tanto no mundo do entretenimento quanto no da política. O que quer que aconteça, precisa ocorrer este ano.

Uma das condicionantes para entrar na guerra sucessória é o cenário político. Huck não quer entrar na disputa para dividir o que se convenciona chamar de centro. Se o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), mantiver a disposição de se candidatar e consolidar seu nome na nominata dos candidatos, será calculado o risco de se fragmentar o campo que rechaça simultaneamente o bolsonarismo e o petismo. É bem verdade que o apresentador de TV chega a 11% em algumas pesquisas de intenção de voto e Doria não passa de 4% ou 5%, mas, como disse um velho político baiano em conversa com esta coluna, “pesquisa a dois anos de eleição é como apresentar teste de covid-19 do mês passado para viajar”.

Frente anti-Bolsonaro remói nova derrota após eleição da Câmara e prevê obstáculos para 2022

União da oposição já naufragou outras vezes, mas deputados são otimistas em relação ao diálogo entre partidos

Carolina Linhares / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - naufrágio do bloco que apoiava Baleia Rossi (MDB-SPna disputa pela presidência da Câmara expôs os entraves para a formação de uma frente ampla de oposição ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na eleição de 2022.

A união de diferentes ideologias, com caciques de MDB, PT, PDT, PSB, PC do B, Cidadania, Rede, PV, PSDB, DEM e PSL (os dois últimos acabaram abandonando o barco), foi vista como um ensaio da tal frente, que já fracassou outras duas vezes.

Na segunda-feira (1º), porém, quando o governista Arthur Lira (PP-AL) derrotou Baleia, contando com implosões e rachas nos partidos que apoiavam o emedebista, o recado foi que as siglas e os deputados definem seu lado mais com base em vantagens pragmáticas para se reelegerem, como verbas e cargos, do que pela convicção de derrotar Bolsonaro.

Deputados ouvidos pela Folha acreditam ser difícil uma união da esquerda, do centro e da direita moderada em uma candidatura presidencial única em 2022, mas avaliam que o eventual segundo turno, dependendo de quem nele estará, pode forçar isso.

Especialistas concordam que o sistema partidário e eleitoral não dá incentivos para que haja uma frente ampla, pelo contrário: o natural é que diferentes partidos lancem seus projetos ao menos no primeiro turno.

O consenso em Brasília e na academia é que os cenários para 2022 não podem ser cravados agora, pois tudo depende de como o governo vai se comportar e de como as crises econômica e sanitária irão afetar a popularidade do presidente.

A força ou fraqueza eleitoral de Bolsonaro, o tamanho da oposição e o nível de entendimento sobre ele representar uma ameaça à democracia são fatores que poderão unir os partidos para derrotá-lo ou, ao contrário, fazê-los seguir fragmentados.

Reinaldo Azevedo - Um país que se foi acanalhando

- Folha de S. Paulo

Precisamos recuperar, na vida pública, uma hierarquia do saber

Vivemos uma espécie de apagão de critérios. Como o Estado de Direito e o devido processo legal estão sob vara desde, ao menos, 2013, as mentes foram ficando confusas, atrapalhando-se, perdendo a noção de hierarquia.

Assistiu-se, nesse tempo, a cada dia, a um tantinho de abuso impune. E fomos nos abastardando. Ou, nas palavras de Graciliano Ramos em “Memórias do Cárcere”, nós, como povo, “nos acanalhamos”. E, nesse ambiente, começamos a conviver com o “tudo é possível”, dizendo a nós mesmos: “Vá lá, isso não é tão grave”.

Nesta semana, dois eventos ilustram essa decadência, vamos dizer, civilizacional. Só para lembrar: em 1995, FHC apanhou severamente da imprensa porque disse que as críticas que lhe faziam as oposições eram “nhenhenhém”. Viu-se ali desrespeito ao contraditório. Bem mais rascante, Lula chamou seus críticos de “babacas”. Apanhou. Inclusive deste escriba. Já fomos melhores, como se vê.

Alguns ficaram um tantinho chocados com o fato de deputados do PSOL terem homenageado Bolsonaro, na quarta, com palavras como “genocida” e “fascista”. Também levantaram pequenos cartazes, em tamanho de papel ofício, que traziam essas palavras, acompanhadas de um “Fora”. Não me choquei. O que me preocupou foi o fato de tão poucos terem protestado de maneira evidente e clara.

Sei que alguns preferem debater se, afinal, Bolsonaro é mesmo um “fascista” e “genocida”; se os termos não traduzem mera “lacração”; se não faltam os requisitos históricos que definem uma coisa e outra. Assim que o genocídio (querem aspas?) dos pobres de tão pretos e pretos de tão pobres chegar ao fim —ao menos em razão da Covid-19—, prometo que topo fazer esse debate.

Hélio Schwartsman - O cargo faz o homem?

- Folha de S. Paulo

Quando a essência é horrível demais não há cargo que dê jeito

Essência ou existência? Disposição ou situação? O homem ou o cargo? As três perguntas são a mesma, apresentadas nas dimensões filosófica, psicológica e política. Dando mais concretude à questão, uma função elevada eleva o indivíduo que a exerce ou são as características da pessoa que prevalecem, independentemente do cargo que ocupe?

Até alguns anos atrás, eu não hesitaria muito antes de responder que a cadeira faz o homem. Não faltam, afinal, exemplos de políticos medíocres e mesmo ruins que, por estar na posição certa na hora certa, acabaram agindo como verdadeiros líderes.

Um exemplo gritante é o de Rudolph Giuliani. Hoje, abraçado a Trump, ele não para de afundar a própria imagem, não apenas como político mas também como ser humano. Na esteira dos ataques de 11 de setembro de 2001, contudo, por ocupar o posto de prefeito de Nova York e ter sabido se comportar diante das câmeras, Giuliani se consagrou como herói. Experimentou enorme popularidade, recebeu honrarias em todo o mundo e foi eleito homem do ano pela revista Time.

Ruy Castro - A teia armada de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Aos poucos, ele agrupa gente embalada capaz de perpetuá-lo no poder

Jair Bolsonaro foi chamado de genocida e fascista em plena Câmara dos Deputados e reagiu com um alegre "Nos vemos em 22!". É o seu estilo. Não só nenhum conceito o abala —uma zebra se abala ao ser chamada de zebra?—, como está convicto de sua reeleição em 2022. Talvez com razão, porque vive em campanha desde a posse, a 1º de janeiro de 2019 —o que inclui apunhalar aliados, corromper as instituições e tapear os que, bovinamente, acreditam nele. Enquanto isso, e sem que se perceba, tece uma vasta urdidura armada para, de um jeito ou de outro, se perpetuar no poder.

Sua atração por oficiais de baixa patente, PMs, bombeiros, delegados e investigadores, por exemplo, não é um desvio suspeito como parece. Bolsonaro os vê como sua tropa de choque numa eventualidade. A cada formatura de cadetes ou baile de sargentos a que comparece, planta a sedição —os milicos sabem bem o que é isso. E não descansará enquanto não minar a autoridade estadual sobre as polícias Civil e Militar, drenando-as para si, com o que, no caso de um possível confronto, elas atirarão a seu favor.

Bruno Boghossian – Bolsonaro corteja a classe média

- Folha de S. Paulo

Crítico de programas contra a pobreza, presidente tenta proteger caminhoneiros e comerciantes


Jair Bolsonaro quer dar "uma mexidinha" no Imposto de Renda. Na campanha, o presidente prometeu aumentar de R$ 2 mil para R$ 5 mil a faixa de renda que fica isenta do tributo. Agora, ele fala no valor de R$ 3 mil. O presidente nunca teve capacidade de implantar a ideia, mas a insistência reforça seu flerte com um nicho das classes C e D.

A sociedade de Bolsonaro tem uma linha de corte peculiar. Em sua carreira política, ele atacou programas que atendem a população miserável. Nos últimos meses, o presidente criticou a proposta de renovar o auxílio emergencial pago aos mais pobres. Seu instinto de proteção, porém, aflorou para outros grupos.

Na pandemia, Bolsonaro demonstra preocupação especial com caminhoneiros, taxistas e comerciantes. Todos enfrentam dificuldades, mas a atenção presidencial é notável –e tem cores políticas. Em janeiro, ele divulgou o protesto de uma lojista contra medidas de restrição tomadas pelo governo paulista. "Se coloque no lugar dessa senhora", escreveu.

No caso dos motoristas de caminhão, o governo incluiu o grupo na fila prioritária de vacinação, zerou a tarifa de importação de pneus e, agora, quer reduzir tributos sobre o diesel. O presidente avisou que deve anunciar uma medida para baratear os combustíveis e fez um aceno a sua base: "Tem a ver com os caminhoneiros, com os taxistas, Uber, vocês que têm carro particular".

O que pensa a mídia: Opiniões / Editoriais

Desafinados – Opinião | O Estado de S. Paulo

As prioridades apresentadas pelo presidente Jair Bolsonaro não parecem ser exatamente as mesmas de seus apadrinhados que comandam o Congresso

Se harmonia significa afinação, faltou ensaio entre o presidente Jair Bolsonaro e os novos comandantes do Congresso na abertura do ano legislativo. Malgrado o presidente ter festejado a “harmonia” entre os Poderes depois que os candidatos por ele apoiados venceram a recente eleição para as presidências da Câmara e do Senado, o fato é que as prioridades apresentadas por Bolsonaro não parecem ser exatamente as mesmas de seus apadrinhados.

Em primeiro lugar, é difícil saber quais são as prioridades do presidente da República. Bolsonaro foi pessoalmente ao Congresso entregar uma lista com nada menos que 35 itens tratados como essenciais pelo governo.

Considerando-se que restam somente 24 meses para o final do mandato tanto do presidente da República como dos novos dirigentes do Congresso, é preciso um assombroso otimismo para acreditar que um governo que mal conseguia aprovar medidas provisórias na primeira metade do mandato será capaz de emplacar mais de um projeto por mês, entre os quais complicadas reformas constitucionais, nos próximos dois anos.

Mas essa é a hipótese benevolente, porque a janela para a aprovação dos projetos, na prática, só vai até o início de 2022, por volta de março, quando então todo o mundo político se voltará para a campanha eleitoral de outubro.

O prazo, contudo, é apenas o menor dos problemas. Há um claro desencontro de agendas entre o Executivo e o Legislativo. Entre as 35 prioridades apresentadas pelo presidente Bolsonaro, por exemplo, apenas uma, que versa sobre uso de fundos públicos, diz respeito à pandemia de covid-19 – que, enquanto estiver fazendo vítimas, sobrecarregando o sistema de saúde e limitando a atividade econômica, não permitirá a recuperação do País. O presidente tampouco mencionou a possibilidade de um novo auxílio emergencial para os milhões de cidadãos destituídos de renda em razão da pandemia.

Poesia | Pablo Neruda - A Rosa

Não te amo como se fosses rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
amo-te como se amam certas coisas obscuras,
secretamente, entre a sombra e a alma.

Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascendeu da terra.

Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
te amo diretamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,

senão assim deste modo em que não sou nem és
tão perto que tua mão sobre meu peito é minha
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.