sábado, 6 de fevereiro de 2021

Carlos Alberto Sardenberg - A velha política leva tudo

- O Globo

Não foi apenas o fim orquestrado da Lava-Jato. Há uma sequência de movimentos que revigoram a velha política (aqui incluídos Executivo, Legislativo e Judiciário), abafam o combate à corrupção e tornam o Estado brasileiro cada vez mais ineficiente.

Começando pela Lava-Jato. A força-tarefa não apanhou “apenas” alguns casos de corrupção. Mostrou que o sistema operacional do Estado estava dominado por diversos “quadrilhões” — associações de políticos, empresários, advogados e, sim, membros do Judiciário —, com o objetivo de roubar o setor público e distribuir o dinheiro entre eles, estivessem na esquerda, no centro ou na direita.

Dizem que a Lava-Jato exagerou, que a dupla Sergio Moro e Deltan Dallagnol não poderia ter mantido aquelas conversas hackeadas; que, em busca de mais eficiência, romperam os limites do devido processo legal.

É verdade que os dois não agiram pelas vias ditas ortodoxas em Brasília. Mas o que eram, e continuam a ser, agora reforçadas, as vias ortodoxas? São os caminhos tortuosos dos tribunais para anular processos, não pela prova da inocência dos réus, mas pelo tempo de prescrição e supostos equívocos formais.

O que é pior, o ativismo da Lava-Jato ou os conchavos brasilienses entre políticos, advogados e juízes? Encontram-se nas festas de casamento, são compadres entre si, almoçam e jantam nos bons restaurantes — à custa de dinheiro público — e promovem os filhos nas suas carreiras. Deputado filho de deputado, advogado filho de juiz, que facilita a prática dos “embargos auriculares”. Uma conversinha entre um uísque e outro.

Pablo Ortellado - Transigência que mata

- O Globo

Depois da invasão do Congresso americano, as plataformas de mídia social endureceram a implementação de suas políticas de moderação de conteúdo —e não apenas nos Estados Unidos.

No Brasil, o presidente Bolsonaro e o Ministério da Saúde tiveram tuítes sobre tratamento precoce filtrados (conteúdo borrado, acompanhado de alerta de publicação enganosa), e o YouTube removeu um vídeo sobre ivermectina de Eduardo Bolsonaro.

Apesar disso, ainda há milhares de publicações nas plataformas promovendo o uso de cloroquina, criticando o uso de máscaras e difundindo desinformação sobre as vacinas. Um levantamento feito por pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo apontou que 98% dos vídeos recomendados no YouTube sobre tratamento precoce eram desinformativos.

Em tese, nenhum conteúdo desse tipo deveria estar on-line. O Twitter diz que removerá conteúdos que apresentem “um risco direto para a saúde ou o bem-estar das pessoas”; o YouTube diz que “não é permitido o envio de conteúdo que dissemine informações médicas incorretas que contrariem as orientações da OMS”, e o Facebook diz que vai proteger “contra conteúdo prejudicial relacionado à Covid-19”.

Ascânio Seleme - A praça do negro

- O Globo

A prefeitura de Bragança Paulista, cidade de 170 mil habitantes, deu o nome de Oswaldo de Camargo a uma nova praça que está acabando de construir na cidade

Pode parecer singelo, bonito e politicamente apropriado, mas batizar uma praça de uma cidade do interior de São Paulo com o nome de um poeta, escritor e ativista negro vivo é mais do que isso. A prefeitura de Bragança Paulista, cidade de 170 mil habitantes, deu o nome de Oswaldo de Camargo a uma nova praça que está acabando de construir na cidade e que vai abrigar também um terminal rodoviário. Antes disso, o único vereador de oposição da cidade, Quique Brown (PV), aprovou a concessão de uma placa de prata a Camargo, a mais alta honraria oferecida pela Câmara Municipal.

Oswaldo de Camargo tem 84 anos, é neto de escravos e filho de pais analfabetos. Aos seis anos, colhia café nas fazendas locais. Para chegar às plantações, caminhava oito quilômetros todas as manhãs, passando num largo despovoado onde hoje está sendo construída a praça que levará o seu nome. Trabalhou até perder os pais, Martinha e Cantiliano, que morreram de tuberculose. Muito jovem ainda, foi mandado para o Preventório Imaculada Conceição, onde foi alfabetizado. Religioso, foi recusado por diversos seminários, por ser negro. Até conseguir vaga no Seminário Menor Nossa Senhora da Paz, em São José do Rio Preto. Mas não foi ordenado, por ser preto.

Foi então para São Paulo. Lá trabalhou no jornal “O Estado de S. Paulo”, como revisor e resenhista, dos 23 anos até se aposentar. Escreveu diversos livros de poesia, história, contos e ensaios. Participou do movimento literário que publicou os “Cadernos Negros” e organizou uma antologia de literatura negra. Foi um dos fundadores de um grupo de ativistas negros, o Quilombhoje, dedicado a incentivar a literatura e dar visibilidade a textos de autores afrodescendentes. Oswaldo de Camargo foi e continua sendo um ativista literário. Segundo ele, a homenagem de Bragança não é para ele apenas. Numa entrevista a Shel Almeida, do UOL, disse que os homenageados “são todos os pobres, todos os negros que ajudaram a construir a cidade”.

O escritor merece com sobras a homenagem da sua cidade. Sua biografia prova o seu valor e a qualidade da sua obra não deixa dúvidas, segundo críticos e pensadores como Florestan Fernandes, que prefaciou seu primeiro livro “15 Poemas Negros”, que será relançado este ano pela Companhia das Letras. Só há uma questão, que embora lhe seja muito próxima, absolutamente não macula sua imagem. Oswaldo é o pai de Sérgio Camargo, o atarantado presidente da Fundação Palmares.

Ricardo Noblat - ACM Neto acerta o tiro que deu no próprio pé

- Blog do Noblat / Veja

DNA fala mais alto

Bem-sucedido prefeito de Salvador por oito anos e forte candidato a governador da Bahia em 2022, ACM Neto haverá de recordar para sempre o tiro que deu no próprio pé ao deixar suas impressões digitais na disputa entre Baleia Rossi (MDB-SP) e Arthur Lira (PP-AL) pelo comando da Câmara dos Deputados.

Na condição de presidente nacional do DEM, sob forte pressão de deputados divididos entre Rossi e Lira, ele concordou em deixá-los à vontade para que votassem como quisessem, embora o partido fizesse parte do bloco de apoio a Rossi montado por Rodrigo Maia (DEM-RJ). Em cima da hora, tirou o partido do bloco.

Sua decisão beneficiou Lira, candidato do Centrão e de Bolsonaro, e selou a derrota de Rossi e de Maia. Desde então, diante do anúncio feito por Maia de que abandonará o DEM e que levará com ele para outro partido um numeroso grupo de aliados, ACM Neto tenta reparar o estrago que produziu. Não será fácil.

No primeiro momento, ainda chegou a admitir que daria passe livre para a saída de Maia do DEM antes da abertura, no próximo ano, da janela partidária – um período às vésperas de eleições em que parlamentares podem trocar de partido sem risco de perder o mandato. Recuou, depois, com medo de uma fuga em massa.

Para completar sua infelicidade, em entrevistas que concedeu esta semana, embora tenha insistido em dizer que o DEM é um partido independente, antecipou que na eleição presidencial do ano que vem não descarta a hipótese de apoiar a reeleição de Bolsonaro. Foi uma afirmação desastrosa a essa altura do jogo.

O DEM nasceu de uma costela da ARENA, partido que apoiou a ditadura militar de 64. Com a redemocratização do país, passou a se chamar PFL (Partido da Frente Liberal) e fez parte dos governos José Sarney, Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso. Como estava se desmilinguindo, foi rebatizado de DEM.

Muito devido à atuação de Maia e de outros poucos nomes, o DEM parecia descolar-se da direita extrema para uma posição futura de centro-direita. A essa altura, graças a ACM Neto, tudo indica que o futuro pode ter sido abortado. Com genética não se brinca.

Miguel Reale Júnior - A História se repete como farsa

- O Estado de S. Paulo

O ministro da Justiça revive Armando Falcão com Lei de Segurança Nacional contra críticas

Em janeiro de 1970, sendo ministro da Justiça Alfredo Buzaid, o governo militar editou o Decreto-Lei n.º 1.077, estabelecendo a censura, visando a “preservar a moral e os bons costumes”. O obscurantismo cresceu no governo seguinte com Armando Falcão no Ministério da Justiça, quando se montou plano de combate sistemático a publicações “obscenas e subversivas”, propondo aplicar a Lei de Segurança Nacional, pois a censura e a “benigna” Lei de Imprensa seriam insuficientes na guerra psicológica adversa (confira-se: Douglas Atilla Marcelino, Subversivos e Pornográficos: censura de livros e diversões nos anos 1970).

Livros extraordinários foram proibidos e inquéritos policiais-militares, instaurados por crime contra a segurança nacional, como sucedeu com Rose Marie Muraro (A Mulher na Construção do Mundo Futuro), Renato Carvalho Tapajós (Em Câmara Lenta) e Lourenço Diaféria, sendo os últimos até presos.

Em maio de 2018 escrevi nesta página que com Bolsonaro haveria risco da volta da ditadura. Hoje o ministro da Justiça revive Armando Falcão, aplicando a Lei de Segurança Nacional a críticas jornalísticas.

Em parecer conjunto ofertado ao Conselho Federal da OAB, Alexandre Wunderlich e eu analisamos a origem e o significado do conceito de segurança nacional, como próprio de regime autoritário, razão por que deve haver nova lei de defesa do Estado. Segurança nacional vinha a ser uma estratégia para garantia da consecução dos “objetivos nacionais permanentes”, visando, primordialmente, a assegurar a mantença do regime militar por via da contenção de qualquer efetiva oposição nos campos político, econômico, psicossocial e militar, reprimindo opiniões, emoções e atitudes contrárias ao sistema vigente.

Bolívar Lamounier - Sonâmbulos e furibundos


- O Estado de S. Paulo

Não podemos descartar um retrocesso abrupto, muito cruel para as almas mais frágeis

O espetáculo circense encenado no Congresso Nacional na última segunda-feira causou grande impacto, mas não diferiu em natureza de tudo a que temos assistido há vários anos no próprio Congresso, na Presidência da República, no Supremo Tribunal Federal e na Procuradoria-Geral da República.

A impressão é de que nada faz sentido; de que somos um país de sonâmbulos, incapazes de perceber o que acontece à nossa volta e, principalmente, o que nos aguarda ao longo desta década. Sonâmbulos, mas sonâmbulos furibundos. Subjacente a essa estranha coreografia, há uma briga de foice. Ou uma batalha entre dragões-de-comodo, se preferirem. Batalha por cargos, verbas e, sobretudo, vantagens eleitorais, cada um já pensando em reeleição.

E quem são os dragões? Por hábito, ou por preguiça mental, nos acostumamos a dizer que são partidos políticos, não nos dando conta de que o Brasil já não tem partidos. Ter 20 e tantos partidos na Câmara, o maior deles mal ocupando 15% das cadeiras, e não ter nada é a mesma coisa. Tal coreografia talvez até fosse engraçada se não fosse macabra, pois, entre agressões e afagos, os furibundos dançam sobre os mais de 220 mil cadáveres da pandemia, sujeitando a um cruel sarcasmo milhões de cidadãos que sobrevivem graças aos auxílios emergenciais, 20 e tantos milhões sem trabalho e o desencanto permeando a quase totalidade dos lares.

Demétrio Magnoli – Inspire-se no Pepfar, Biden

- Folha de S. Paulo

Presidente dos EUA tem oportunidade de converter vacina em bem público global

George W. Bush será sempre lembrado pelo desastre humano e geopolítico que provocou com a guerra no Iraque. Contudo, uma iniciativa singular do ex-presidente salvou algo como 17 milhões de vidas: o Pepfar (Plano Presidencial Emergencial para Assistência à Aids). Joe Biden tem a oportunidade de se inspirar no plano de Bush para liderar a imunização global contra a Covid-19.

O Pepfar nasceu em maio de 2003, à sombra da invasão do Iraque, que começara dois meses antes. Sob a coordenação do Departamento de Estado, o programa direcionou, de lá para cá, mais de US$ 85 bilhões para os países foco e para o Fundo Global de Combate à Aids. A lúgubre curva de mortes por Aids na África Subsaariana começou a ser achatada graças aos recursos e à assistência técnica providenciados pelos EUA. O modelo do Pepfar oferece a melhor resposta americana à "geopolítica vacinal" chinesa.

Segundo estimativas do Duke Global Health Institute, os países ricos, que abrigam 16% da população mundial, contrataram 60% das vacinas prometidas até agora. A iniciativa Covax, da OMS, destinada a prover imunização global, prevê a entrega, até junho, de apenas 140 milhões de doses para a África, onde vive 1,3 bilhão de pessoas. A célere vacinação da população mundial é um imperativo moral. Mas é, igualmente, a única ferramenta capaz de domar a pandemia, reduzindo as probabilidades de surgimento de incontáveis mutações do vírus pela persistência prolongada dos contágios. "Ninguém está a salvo até que todos estejam a salvo", explica o slogan da Covax.

Cristina Serra - O centrão e a pauta da pilhagem

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro é obcecado por garimpo, agropecuária e hidrelétricas em terras indígenas

A nova configuração de poder no Congresso é a mais favorável em tempos recentes à agenda do "correntão", que pretende legalizar crimes já em curso na Amazônia, como grilagem de terras, desmatamento e garimpo em áreas indígenas.

Bolsonaro terá em Arthur Lira, experiente colecionador de infrações ao Código Penal, um parceiro à altura para conduzir a pauta da pilhagem. Em sua campanha à presidência da Câmara, o líder do centrão serviu-se de jatinho da Rico Táxi Aéreo, de Manaus. Em seu site, consta que a Rico cresceu no setor de transporte com "pequenas aeronaves que serviam ao garimpo na região". A mesma empresa doou R$ 200 mil à campanha de Lira a deputado, em 2014.

Uma das maiores obsessões de Bolsonaro é o projeto que libera mineração, garimpo, agropecuária, construção de hidrelétricas e extração de petróleo e gás em terra indígena. O projeto trata os povos nativos com a mesma lógica do colonizador europeu: dividir para governar. Estimula conflitos em torno da repartição de poder e do dinheiro das indenizações que vierem a receber.

Hélio Schwartsman - A banalidade do impeachment

- Folha de S. Paulo

Desde que a abreviação do mandato tenha previsão legal, não vejo por que não usar o impeachment

A turma do deixa-disso alerta para o risco de banalização do impeachment. Nós, afinal, em apenas 35 anos de redemocratização, já afastamos dois presidentes por meio desse instituto. Os EUA, com uma história democrática de quase 250 anos, nunca chegaram a condenar um primeiro-mandatário pelos chamados "high crimes and misdemeanors", que nós traduzimos como crimes de responsabilidade.

Não vejo esse perigo. A principal razão para isso é a maioria de 2/3 dos deputados necessária para autorizar a abertura do processo seguida da maioria de 2/3 dos senadores necessária para a condenação. Para dar uma ideia do poder de uma maioria de 2/3, basta lembrar que com uma proporção menor de parlamentares, 3/5, seria possível, por exemplo, transformar o Brasil numa monarquia.

Trocando em miúdos, não há nada de banal num governante que consegue mobilizar contra si 2/3 do Congresso. Na verdade, quando um dirigente não é mais capaz de convencer 1/3 dos parlamentares a salvar seu mandato ou apenas a ficar em casa no dia da votação (dá rigorosamente no mesmo), é porque seu governo já acabou faz algum tempo. O impeachment torna-se mais o reconhecimento de um fato político do que qualquer outra coisa.

João Gabriel de Lima - O impeachment, o ‘efeito Dilma’ e o ‘efeito Getúlio’

- O Estado de S. Paulo

Trauma e tempo protegem – por enquanto – o presidente Jair Bolsonaro

Ainda existe clima para o impeachment de Jair Bolsonaro? Em que condições um presidente se torna vulnerável a um processo de impeachment no Brasil?

Para responder a essas perguntas é necessário examinar duas linhas mestras da história política brasileira.

A primeira é o presidencialismo de coalizão. Tal sistema não é invenção dos constituintes de 1988. A partilha de poder entre Executivos e Legislativos faz parte da cultura democrática brasileira desde o fim da ditadura de Getúlio Vargas. Presidentes que não sabem ou não querem lidar com o fato perdem poder e são engolidos pelo Congresso.

A segunda é que, apesar do DNA presidencialista, o Brasil tem um forte gene parlamentarista. A lei do impeachment é expressão disso. Ela foi aprovada em 1950 por um Congresso que tentou efetivamente implantar o parlamentarismo no Brasil. Não conseguiu, mas criou um mecanismo para manter os presidentes sob controle.

Os dois fatos embasam a dissertação de mestrado do jornalista João Villaverde, personagem do minipodcast da semana. Ele dissecou os três processos de impeachment envolvendo presidentes brasileiros: Getúlio Vargas em 1954, Fernando Collor em 1992 e Dilma Rousseff entre 2015 e 2016. O estudo lança um olhar analítico sobre um tema que costuma ser encarado de forma passional e traz lições do passado que são essenciais para entender o presente. 

Villaverde examina as cinco condições que, segundo a literatura internacional, impulsionam o impedimento de um presidente: desequilíbrio institucional, provas constitucionais e legais, ausência de maioria parlamentar, baixa popularidade e fatores externos, como crise econômica. Todas as condições se aplicam aos casos de Getúlio, Collor e Dilma. Quatro estariam presentes no caso de Bolsonaro. A exceção é o índice de popularidade, até agora bem superior aos de Collor e Dilma nos momentos em que perderam o cargo.

Bolsonaro, no entanto, se beneficia de um “efeito Dilma”. O impeachment da presidente foi um processo traumático. Ao contrário de Collor, Dilma tinha um partido forte, enraizado na sociedade civil, o que gerou uma mobilização capaz de dividir o País. Depois dela, é inevitável que a classe política pense duas vezes antes de iniciar um processo tão desgastante.

Há outro fator decisivo, calcado nas lições da história. Os afastamentos de Collor e Dilma se consumaram, mas Getúlio sobreviveu. A hipótese de Villaverde é que o fator tempo foi decisivo. O processo de impeachment contra Getúlio foi no fim de seu mandato, próximo à eleição seguinte.

Nos casos de Collor e Dilma ainda havia muito tempo para formar um novo governo. 

O esforço que Bolsonaro fez para controlar a presidência da Câmara – incluindo o “incentivo” de R$ 3 bilhões para arrebanhar o voto de alguns parlamentares, como revelou o Estadão em furo de reportagem – foi, precisamente, para ganhar tempo. Seria ingenuidade acreditar na fidelidade de Arthur Lira e sua trupe caso a popularidade de Bolsonaro derreta e as ruas se encham. Se a lua de mel entre o governo e o Centrão durar até o segundo semestre de 2021, no entanto, o País já estará próximo de uma nova eleição, e a classe política pesará isso. 

Villaverde avalia que a eleição de Arthur Lira diminuiu a possibilidade de impeachment de Bolsonaro, ao menos no curto prazo. Trauma e tempo: o “efeito Dilma” e o “efeito Getúlio” protegem – por enquanto – o presidente brasileiro.

Monica de Bolle - O teorema do economista infinito

- Revista Época

Escolha número infinito de economistas brasileiros com passagem pelo mercado financeiro e formação tradicional. Peça para produzir um texto de 4 mil caracteres com espaços. Todos defenderão as reformas, a manutenção do teto de gastos, a importância da responsabilidade fiscal

Deu na BBC. Em 2020, o risco de morrer de Covid-19 no Brasil foi três vezes maior do que no resto do mundo. Os cálculos, feitos pelo economista Marcos Hecksher, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), dimensionam aquilo que muitos de nós já sabemos: no Brasil, prevalece a visão torpe de que a economia é mais importante do que qualquer outra coisa, como se a economia pudesse dispensar essas outras coisas. Enquanto o resto do mundo convergiu para o entendimento acertado de que a saúde é soberana e que ignorá-la, sobretudo o seu caráter público, equivale a remar em direção ao colapso, tal lição passou longe do Brasil. Mas isso não é sequer o mais estarrecedor. O mais estarrecedor é que hoje, na fase mais crítica da pandemia, com as três variantes virais que assombram o mundo em circulação no país, nada mudou.

No Brasil, tudo se engessa com o tempo, nada se molda a ele. O Brasil é um lugar espetado no tempo, rígido, imóvel.

Dia desses, instigada por algo que alguém escreveu nas redes, fiquei pensando no glossário dos economistas brasileiros — os que têm colunas em jornais de grande circulação. Hoje não há ninguém que escreva nessas publicações e não gaste linhas falando em “responsabilidade fiscal”, “manter o teto de gastos”, “reformas”, “déficit fiscal”, “dívida pública elevada”, “riscos inflacionários”, “confiança”, “expectativa”. Trata-se de uma liturgia da mesmice. Veio-me à mente o Teorema do macaco infinito. Sabem qual é? Aquele que diz que um macaco que tecle de modo aleatório por um período infinito de tempo quase certamente produzirá qualquer tipo de texto, até as obras completas de Shakespeare. Acham inverossímil? Pois o teorema possui prova matemática.

Claudio Ferraz - Combatendo desigualdade

- O Globo

Em outubro de 2019, alguns meses antes de o mundo virar de cabeça para baixo com a pandemia da Covid-19, um grupo de economistas acadêmicos se reuniu numa conferência em Washington D.C. para discutir políticas de combate à desigualdade em economias avançadas.

O objetivo da conferência era fazer um balanço sobre as políticas públicas que podem ser utilizadas para a redução da desigualdade. Foram tratados os temas mais diversos, desde educação e qualificação da mão de obra, passando por comércio internacional, inovação e mudanças tecnológicas, até o fortalecimento de redes de proteção social e a introdução de taxação mais progressiva. 

O que tornou esta conferência única não foi o tema, mas seus participantes e o fato de que praticamente todos concordaram que a desigualdade é um problema de primeira ordem, algo difícil de imaginar há 10 ou 15 anos atrás.

Os participantes não eram somente economistas considerados de esquerda e especialistas em desigualdade como Emmanuel Saez e Gabriel Zucman. A elite da academia americana estava presente em peso com nomes como Daron Acemoglu, David Autor, Greg Mankiw, Hilary Hoynes, Larry Katz, Marianne Bertrand, e Philippe Aghion. 

Adriana Fernandes - Mineirice

- O Estado de S. Paulo

Mineiramente, Rodrigo Pacheco cobrou a prorrogação do auxílio, organizou um acordo para a reforma tributária e prometeu rapidez para votar o Orçamento

É do presidente do SenadoRodrigo Pacheco (MG), o protagonismo político da coordenação da pauta prioritária de projetos nos primeiros dias após as eleições das presidências do Congresso.

Em menos de uma semana de eleito, Pacheco bateu na porta do presidente Jair Bolsonaro e do ministro Paulo Guedes cobrando a urgência da prorrogação do auxílio emergencial, organizou um acordo para a reforma tributária, defendeu a ampliação urgente da vacinação, prometeu uma votação rápida do Orçamento, falou de um “protocolo fiscal” que envolve uma pauta para garantir a “higidez” da economia e botou em votação a MP 998 do setor elétrico.

Aprovado, o texto da MP, que vai agora à sanção do presidente, reduz as tarifas de energia de consumidores que são atendidos por distribuidoras das regiões Norte e Nordeste, freia o crescimento de subsídios para fontes renováveis e facilita a retomada das obras da usina nuclear de Angra 3.

Mineiramente, o novo presidente fez uma costura política e evitou o esvaziamento, na largada dos trabalhos legislativos, da comissão mista temporária de reforma tributária, presidida pelo colega, Roberto Rocha, da ala do PSDB que o apoiou na eleição de segunda-feira. 

Marcus Pestana* - O novo ciclo político aberto em 2021

Fechadas as urnas no Congresso Nacional, temos novos presidentes no Senado Federal e na Câmara dos Deputados. Eleitos Rodrigo Pacheco (DEM/MG) e Arthur Lira (PP/AL), eles serão agora atores centrais na organização da agenda de debates e deliberações para o enfrentamento da pandemia, a retomada da economia e o combate aos seus graves efeitos colaterais no plano social.

Houve uma mudança significativa no quadro político. O atual governo foi produto de uma eleição disruptiva ocorrida sobre o signo de uma “nova política”. A partir daí, tivemos, em 2019, a ruptura com o modelo de presidencialismo de coalizão, predominante desde o nascimento da Nova República em 1985. Houve uma aposta num verdadeiro presidencialismo de confrontação, quando o ambiente institucional sofreu grande deterioração.

Em 2020, com a pandemia e os naturais problemas de governabilidade, foi operada uma correção de rota, com o governo se aproximando do chamado “Centrão”, antes tão criticado como expressão máxima da “velha política”.

No Senado Federal não haverá grande descontinuidade e as eleições internas não foram tão traumáticas, embora haja diferenças de estilo entre os senadores Davi Alcolumbre e Rodrigo Pacheco. Na Câmara, a mudança na correlação de forças foi radical. O “Centrão” se fortaleceu e passa a ser o grande fiador do governo. O centro democrático sofreu um abalo profundo com as divisões ocorridas no DEM e no PSDB. E a esquerda abriu uma porta de diálogo com o centro, não sofreu perdas significativas, embora a divisão tenha sido grande no PSB, e continuará sua atuação minoritária de oposição, tendendo a radicalizar sua postura.

Raul Jungmann* - Nem golpe, nem impeachment

- Capital Político

Iniciado o governo do atual Presidente, com elevada participação de militares, um sobressalto tomou conta da mídia, formadores de opinião, organizações da sociedade civil e órgãos de controle: estaria em marcha um golpe? As falas do Presidente, seus apoiadores e algumas declarações de ministros de origem militar despertavam suspeitas.

Sempre que pude, divergi dessa possibilidade. Primeiro, porque generais da reserva em postos do Executivo, não falam pelas Forças Armadas e imaginar o contrário revela ignorância dos códigos e conduta das Forças Armadas na atualidade. Em segundo lugar, porque sabíamos por experiência e conhecimento dos atuais e ex-comandantes das Forças e respectivos Altos Comandos, que a possibilidade de descumprir a Constituição era algo fora de cogitação.

Certamente, o “presidencialismo de colisão” adotado pelo presidente, constrangendo e pressionando o Congresso e o Supremo Tribunal Federal com a ameaça da invocação das massas e o poder da espada, que estariam ao seu lado, dava corda a interpretações de que um projeto autoritário estaria em curso.

Entrevista | Eduardo Giannetti: 'No Brasil ainda vivemos no século 18'

Para o economista, que está lançando o livro 'O Anel de Giges', elite brasileira ainda acredita poder transgredir leis impunemente

Luciana Dyniewicz | O Estado de S. Paulo

Ética é o tema central do último livro do economista Eduardo GiannettiO Anel de Giges. Nele, o autor conta como diferentes correntes de pensamento abordam as respostas do homem para a certeza de impunidade. A obra é uma reflexão sobre “elementos universais da psicologia moral dos seres humanos”. “Embora esse livro não fale de Brasil, ele parte de uma experiência de um cidadão brasileiro, que percebe como a ética é talvez o fulcro maior das nossas dificuldades”, diz o economista.

Giannetti não trata de brasileiros nem de nenhuma sociedade específica, mas, quando questionado sobre os padrões éticos locais e atuais, afirma que o País está no século 18. “O Brasil vive o Antigo Regime, aquele mundo pré-revolução francesa, em que uma classe de pessoas ricas, poderosas e famosas se sente acima dos demais e acredita que pode, impunemente, transgredir normas e leis que regem a vida em sociedade.”

O economista diz também que acreditava que esse cenário poderia mudar com a Lava Jato, mas que o País acabou retrocedendo nos últimos anos. “(A Lava Jato) não teve sequência, não mudou as práticas políticas. Não construímos um regime que torne muito mais onerosa e custosa uma prática corrupta.” 

Em Anel de Giges, o autor parte da fábula de Giges - relatada no livro República, de Platão -, em que um camponês encontra um anel que lhe dá o poder da invisibilidade. Sem censuras sociais e podendo violar a lei sem ser punido, Giges seduz a rainha, mata o rei e se apossa do trono. Giannetti questiona o que cada um de nós faria no lugar de Giges. Seríamos o “Giges-sem-lei”? Isto é, um Giges que age como “a fera da ambição desmedida”. Ou o “Giges-cristão”? Ou seja, um Giges que se abstém de usar o anel por ser livre de tentações. Giannetti, novamente, trata do homem de forma universal, mas, nesta entrevista ao Estadão, admite que o brasileiro pode ser um “Giges-sem-lei afetuoso”, mais passional e menos calculista.

No livro, o sr. afirma que ética e virtude não são mais frágeis que desonestidade e má-fé. Isso é válido para todas as sociedades independentemente dos períodos? Às vezes é difícil acreditar nisso quando vivemos momentos trágicos como o atual e vemos pessoas e governantes tirando vantagem sem nem mesmo precisar de um anel de Giges. 

Esse livro não é referido a um contexto histórico. A palavra Brasil sequer ocorre no livro inteiro. Estou tentando pensar elementos universais da psicologia moral dos seres humanos. Aquela corrente do Giges-sem-lei, que começa com o Gláucon (irmão mais velho de Platão, que conta a história de Giges), em República, passa na filosofia moderna, entre outros, por Hobbes e Rousseau e reaparece na obra do Freud, toma a parte pelo todo. Ela se foca muito nos elementos antissociais da psicologia humana: agressividade, sexualidade abusiva, desejo de tirar proveito sem nenhuma preocupação com o outro. Ela não leva em conta que o ser humano tem um princípio de sociabilidade muito profundo. Nós buscamos construir vínculos densos de afetividade com pessoas que importam para nós. Isso foi completamente subestimado. O Giges-sem-lei que trata os outros de forma puramente instrumental e calculista termina solitário. Criando um deserto à sua volta. Ele está permanentemente em uma postura de manipulador. Procuro mostrar que essa concepção de felicidade é limitada. Ela não dá conta dos anseios constitutivos do ser humano. Adam Smith e David Hume colocam um contraponto. Hume fala de uma pessoa que tem todos os poderes do universo, mas que, enquanto não tiver uma pessoa com quem possa compartilhar isso de maneira sincera e espontânea, é o mais miserável dos homens. Adam Smith diz que o maior charlatão tem algum princípio na sua constituição psicológica que o leva a ter algum grau de empatia com os demais. (O homem) não é totalmente isolado dos sentimentos morais da comunidade.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Orçamento sério é a prioridade – Opinião | O Estado de S. Paulo

É inútil discutir se haverá nova ajuda emergencial ou qualquer outra política sem fixar as previsões de receita e de gastos obrigatórios.

Prioridade, mesmo, é a aprovação do Orçamento, indispensável à operação normal do governo e ao balizamento de seus gastos. É inútil discutir se haverá nova ajuda emergencial – ou qualquer política de sustentação econômica – sem fixar com clareza as previsões de receita e de gastos obrigatórios, levando em conta, naturalmente, as normas de responsabilidade fiscal. Cuidar da lei orçamentária, já muito atrasada, será o primeiro grande teste de seriedade, competência e liderança dos novos presidentes da Câmara e do Senado, eleitos com apoio explícito e multibilionário do Palácio do Planalto. Qualquer outro grande objetivo do presidente da República e de seus aliados, como a disseminação de armas, a mineração em terras indígenas e a liberação de mais agrotóxicos, defendida há poucos dias por um parlamentar ruralista, é menos urgente que a programação financeira do poder central.

O auxílio aos mais carentes “ainda é absolutamente essencial”, disse o novo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), no discurso de abertura do ano legislativo. Ele e o novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), estão empenhados em discussões sobre como retomar a ajuda governamental, acrescentou o senador. Faltou dizer como seguir esse caminho sem romper o teto de gastos e sem abandonar a busca do equilíbrio fiscal.

Poesia | Fernando Pessoa - Lisboa

   
Lisboa com suas casas 
    De várias cores, 
    Lisboa com suas casas 
    De várias cores, 
    Lisboa com suas casas 
    De várias cores ... 
    À força de diferente, isto é monótono. 
    Como à força de sentir, fico só a pensar. 

    Se, de noite, deitado mas desperto, 
    Na lucidez inútil de não poder dormir, 
    Quero imaginar qualquer coisa 
    E surge sempre outra (porque há sono, 
    E, porque há sono, um bocado de sonho), 
    Quero alongar a vista com que imagino 
    Por grandes palmares fantásticos, 
    Mas não vejo mais, 
    Contra uma espécie de lado de dentro de pálpebras, 
    Que Lisboa com suas casas 
    De várias cores. 

    Sorrio, porque, aqui, deitado, é outra coisa. 
    A força de monótono, é diferente. 
    E, à força de ser eu, durmo e esqueço que existo. 

    Fica só, sem mim, que esqueci porque durmo, 
    Lisboa com suas casas 
    De várias cores.