terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Proposta de Lira para o Orçamento não se sustenta – Opinião / O Globo

Em entrevista ao GLOBO, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), elencou entre suas prioridades a desvinculação das receitas engessadas no Orçamento, tema fundamental. O princípio que ele defende é correto. Como disse o próprio Lira, as democracias mais sólidas são aquelas em que o Legislativo mantém controle sobre o que é gasto e onde é gasto. Nosso Congresso, não é novidade, se tornou um mero carimbador de verbas, com quase todo o Orçamento já predeterminado pela legislação.

Mas a desvinculação orçamentária ampla de que tanto se fala também não passa de ilusão. Os gastos obrigatórios com salários do funcionalismo, Previdência e assistência social não poderiam ser “desvinculados” sem uma alteração profunda dos direitos gravados na Constituição. A proposta encaminhada no texto da PEC Emergencial, que permite o remanejamento de gastos em saúde e educação em estados e municípios sem compromisso com o piso mínimo, deverá ter pouco efeito.

Sem uma reforma administrativa robusta e outras alterações constitucionais, pelo menos 90% do Orçamento continuam carimbados nas rubricas obrigatórias, incluindo aí custos ligados ao funcionalismo na Saúde e na Educação (a lei destina 15% da receita líquida da União à primeira, 18% à segunda). Maior item das despesas públicas primárias depois da Previdência, a folha dos servidores é blindada contra cortes pela estabilidade dos funcionários e ainda cresce vegetativamente pelas promoções automáticas por tempo de serviço e outras benesses.

Merval Pereira - Contenção de danos

- O Globo

Faz bem o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, em anunciar a regulamentação pelo Congresso do artigo 53 da Constituição, que trata da imunidade parlamentar, para evitar novos casos como o do deputado federal Daniel Silveira, que obrigou os deputados a acatarem a ordem de prisão do Supremo Tribunal Federal para evitar uma crise institucional ao apoiar um criminoso.

Lira foi explícito na primeira reunião da Câmara sob sua presidência ao advertir seus pares de que será “rigorosíssimo” com as palavras ditas no plenário, para evitar uma polarização política estéril. “Sejam cuidadosos com o que falarem”, alertou.

A imunidade parlamentar teve seu entendimento alargado nos tempos recentes, com a evolução tecnológica, especialmente o advento da internet, acarretando a evolução de conceitos do Direito sobre crimes permanentes e sobre a flagrância. O Código de Processo Penal já permitia a prisão em “flagrante delito” mesmo sem ser no ato do crime, mas em ações “logo depois” do crime. Mantidos os conceitos clássicos, seria impossível prender em flagrante um pornógrafo infantil que tivesse postado numa rede fotos pornográficas de menores há uma semana, quando essas fotos continuam no mesmo local em que foram postadas. Na verdade, a “elasticidade” do conceito de imunidade e inviolabilidade ocorreu durante a fase exitosa da Operação Lava-Jato, quando o senador Delcídio do Amaral foi preso, com os mesmíssimos argumentos de flagrante e continuidade delitiva, tendo o Senado, assim como a Câmara fez agora, permitido sua prisão decretada pelo STF.

Zuenir Ventura - Um sintoma, não causa

- O Globo

Deve ser instaurado hoje no Conselho de Ética da Câmara o processo por quebra de decoro contra o deputado bolsonarista Daniel Silveira, podendo culminar com a pena exemplar de cassação do mandato. Ele foi preso por ter divulgado um vídeo criminoso em que exalta a ditadura militar e ameaça até fisicamente ministros do Supremo Tribunal Federal.

Como se explica que desperte atenção um personagem de quem até há pouco tempo não se sabia nem o nome todo e que se elegeu graças à imagem em que aparece quebrando a placa em homenagem à vereadora Marielle Franco? Na verdade, em lugar de biografia, esse ex-cobrador de ônibus e ex-soldado da PM ostenta uma folha corrida, da qual constam desvio de dinheiro público, desacato e falsificação de documentos, inclusive atestados médicos.

Por que essa repercussão de um episódio que nem inédito é, já que há dois anos a deputada federal Bia Kicis, do PSL, publicou uma live com quase 100 mil visualizações em que o presidente do PTB, Roberto Jefferson, propõe “aposentar compulsoriamente” os 11 ministros do STF?

Carlos Andreazza - O Daniel Silveira da Faria Lima

- O Globo

Bolsonaro passou a faca na Petrobras. Queria dar um recado aos irmãos caminhoneiros. A mensagem: “Vocês não me chantageiam. Chantageamos juntos”. E então mandou cortar, sem qualquer estudo, e sem que o combustível ficasse mais barato para o consumidor, os impostos federais sobre o diesel. Interveio para pressionar os governadores, os vilões do ICMS — alguns dos quais potenciais adversários em 2022. Em suma: “Fiz a minha parte. E vocês?”.

O presidente fez a sua parte: contratou rombo bilionário na arrecadação de um Tesouro que — vem aí o auxílio emergencial — terá aumento nos desembolsos. (É claro que se pode acreditar nas compensações fiscais — sempre do futuro — prometidas pelo Ministério da Economia; o sócio Centrão topa, mas só ali na frente, com as privatizações.) Essa é a austeridade de Bolsonaro, rigorosíssimo em sua campanha pela reeleição. Paulo Guedes que a viabilize, já muito testada a flexibilidade de sua cervical, embora não exibida para recolher do chão a cabeça do CEO da Petrobras.

(Caso à parte é a confiança em que Guedes — bolsonarista mais apaixonado que Weintraub — pudesse domar e educar liberalmente alguém como Bolsonaro, autocrata cuja mente econômica é produto do Brasil Grande. Já seria improvável se houvesse projeto e capacidade de executá-lo. Com palestras, incompetência e adesão ao conspiracionismo, impossível.)

Míriam Leitão - Bolsonaro escancara populismo econômico

- O Globo

A interferência na Petrobras é mais grave do que o mercado refletiu ontem no banho de sangue dos pregões. Ao fim, a Petrobras tinha perdido R$ 98 bilhões em dois dias. Outras estatais também caíram. O que Bolsonaro quer? Ele busca ganhos políticos. Faz demagogia com os caminhoneiros para usá-los politicamente, faz populismo com todos os que sentem no bolso o preço da gasolina ou do diesel, cria um inimigo e ainda manipula o imaginário brasileiro com a frase “o petróleo é nosso”. São estratégias conhecidas.

A ditadura chilena dos anos 1970 usou os caminhoneiros como arma política. A ditadura da Venezuela usou a gasolina barata, o inimigo externo e o nacionalismo para se eternizar. O jogo é conhecido dos candidatos a ditador.

Enquanto isso, para acalmar os investidores locais e internacionais, a equipe econômica tenta usar uma arma de destruição em massa de princípios da Constituição. A proposta é aprovar uma PEC como condição para dar o auxílio emergencial. Pela versão divulgada ontem ela elimina todas as vinculações constitucionais para saúde e educação. Veja-se este ponto que parece incompreensível. “Revogar o caput e os §§ 1º e 2º do art. 212 da Constituição.” Isso mata o Fundeb. Simples assim. E está lá como se fosse inofensivo no item quarto do artigo quarto da PEC. Todo o esforço brasileiro de criar um fundo de valorização do ensino básico, que foi debatido intensamente no ano passado, seria apagado com uma penada. Ora, senhores da equipe econômica, na democracia uma mudança dessa profundidade não pode ser feita na chantagem da necessidade de um auxílio emergencial, nem no afogadilho de uma votação marcada para daqui a dois dias.

Ricardo Noblat - Intervenção na Petrobras une PT a Bolsonaro

- Blog do Noblat / Veja

E quem pensava que já assistira a tudo....

Além da Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, onde pulsa o coração do mercado financeiro, quem mais votou em Jair Bolsonaro para presidente por acreditar na sua súbita conversão ao liberalismo de Paulo Guedes, seu futuro ministro da Economia?

A massa gigantesca de votos que quase o elegeu direto no primeiro turno pouco ou nada entende de liberalismo e de economia, juntos ou separados. Havia um desejo gigantesco de mudança e uma repulsa generalizada à política tradicional.

Então se escolheu um até então desconhecido deputado federal do baixo clero que se dizia não político e contra tudo o que ali estava. Portanto, não se diga agora que ele traiu seus eleitores ao intervir na Petrobras. Pode ter traído, se muito, a Brigadeiro Faria Lima.

É no que dá acreditar naquilo que não é, mas que se gostaria que fosse. O capitão que repetia o pouco que Guedes lhe ensinou revelou-se outra vez o estatizante que sempre foi. É curioso que até aqui somente o PT tenha saído em seu socorro.

Bolsonaro e PT, tudo a ver em alguns pontos: ambos anti-mercado, anti-capitalismo e pró-estatizante. Ambos populistas com um forte viés autoritário que pelo menos Lula, em seus dois governos, tentou por sabedoria amenizar, mas Dilma mão de ferro, não.

Luiz Carlos Azedo - Guedes foi abduzido

- Correio Braziliense

O governo deu uma guinada populista e estatizante para agradar a base eleitoral de Bolsonaro e consolidar o poder dos generais do Palácio do Planalto

A troca de comando na Petrobras — o executivo civil Roberto Castello Branco foi substituído pelo general Luna e Silva na presidência da empresa — provocou uma queda de 21% das ações da companhia, o que representa uma perda no seu valor de mercado que já supera R$ 100 bilhões. Ameaças de troca de comando na Eletrobras e no Banco do Brasil também tiveram muito impacto no mercado financeiro, o que fez a Bovespa cair 5% e o dólar, fechar cotado a R$ 5,45, uma alta de 1,26%, mesmo com o Banco Central (BC) vendendo US$ 1,5 bilhão em linha direta.

O mercado não está só especulando, o que é normal quando há mudanças desse tipo. Está mesmo à beira de um ataque de nervos, porque a situação geral do país é complicada: (1) o Brasil está isolado internacionalmente, na contramão da política de Joe Biden; (2) a segunda onda da pandemia está fora de controle em várias cidades do país, com a média de mortes acima de 1.000 óbitos/dia; (3) a manutenção da prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) pela Câmara mostrou que o Centrão não apoia Bolsonaro para o que der e vier (os bolsonaristas podem não chegar a 130 deputados); (4) o presidente da Câmara, deputado Artur Lira (PP-AL), em entrevista à Veja, deixou claro que seu acordo com o Palácio do Planalto não incluiu a reeleição de Bolsonaro em 2022.

Joel Pinheiro da Fonseca* - Bolsonaro é incapaz da verdade

- Folha de S. Paulo

Como o presidente corrói a liberdade de imprensa no Brasil

A ONG Repórteres Sem Fronteiras, que milita pela liberdade de imprensa em todo o mundo, lançou uma campanha publicitária crítica a Jair Bolsonaro, representado sem roupa. Nela, a ONG mostra a "verdade nua" dos mortos da Covid, tema que o governo busca esconder.

A campanha é bem-vinda. Mesmo antes e independente da pandemia, Bolsonaro já era hostil à imprensa livre. Xingou e caluniou jornalistas e usou —ou ao menos se gaba de usar— verbas do governo como arma para premiar veículos aliados e punir adversários.

Um subproduto dos ataques verbais diretos são agressões verbais e físicas contra jornalistas. Uma sociedade em que parte da população, por uma adesão servil ao presidente, sai de seu caminho para hostilizar ou infernizar jornalistas vistos como "inimigos" do regime não é uma nação com liberdade de imprensa plena.

Durante a pandemia, Bolsonaro também fez por merecer. No início, acusava a imprensa de aumentar a ameaça da pandemia. "No meu entender, muito mais fantasia, a questão do coronavírus, que não é isso tudo que a grande mídia propala ou propaga pelo mundo todo", disse em março.

Quando ficou claro que a crise era grande e o Brasil estava despreparado, tentou bagunçar o debate divulgando, não o número de mortos, mas o de curados. Assim é fácil! Os homicídios estão em alta? Basta celebrar todas as pessoas que não foram assassinadas. Depois de problemas na divulgação dos dados oficiais, coube à "malvada" imprensa tomar para si a responsabilidade de publicar os números diários de mortes e contaminações com transparência e agilidade.

Cristina Serra - Onde estaremos daqui a um ano?

- Folha de S. Paulo

O Brasil, hoje, nos sufoca de indignação e vergonha

A pergunta do titulo foi feita pelo jornal El País em recente entrevista com o bilionário norte-americano Bill Gates, que há tempos investe parte de sua fortuna em pesquisa científica. Em 2015, ele alertou que a próxima guerra travada pela humanidade seria contra um inimigo invisível, um vírus muito infeccioso, que se propagaria pelo ar e mataria milhões de pessoas. Por isso, era urgente que os países se preparassem para o combate.

Obviamente, constatamos da pior forma possível que isso não aconteceu. Em pouco mais de um ano, a pandemia já matou dois milhões e meio de pessoas no mundo. Apesar da perda colossal, Gates estima que no começo de 2022 os efeitos mais dramáticos do contágio estarão superados e os países terão de volta algum nível de normalidade, desde que 70% das populações sejam vacinadas.

Hélio Schwartsman - As tentações do imediatismo

- Folha de S. Paulo

Abraçado ao centrão, Bolsonaro dá rédeas soltas ao imediatismo econômico

Jair Bolsonaro descobriu o caminho das pedras. Ele até que tentou seguir as bandeiras de sua campanha eleitoral, na qual rejeitou o "establishment" político, notadamente o centrão, e afirmou que governaria com o apoio de frentes parlamentares, em especial o das bancadas BBB (bíblia, boi e bala).

É óbvio que não deu certo. Ironicamente, foi uma derrota sua no Congresso, o generoso auxílio emergencial de R$ 600, que o fez experimentar as delícias do populismo. Com a ajuda de emergência, até grupos demográficos que pareciam bastiões inexpugnáveis do PT passaram a aprovar a gestão do capitão reformado.

Bolsonaro gostou e agora, abraçado ao centrão, dá rédeas soltas ao imediatismo econômico. Acaba de intervir na Petrobras e ameaça fazer o mesmo no setor elétrico, para assegurar preços baixos aos consumidores/eleitores.

Vinicius Torres Freire - Novo auxílio será 'fura teto' e não exigirá corte de gasto social

- Folha de S. Paulo

Não haverá cortes obrigatórios de despesas a fim de compensar o novo auxílio emergencial que o Congresso deve aprovar em breve. É um dos artigos centrais do texto quase pronto da emenda constitucional que trata de gastos na epidemia, calamidades e de controles de gastos públicos.

Não haverá redução de salários de servidores, nem agora nem depois, tampouco corte de outros benefícios sociais. De grande impacto, propõe-se a extinção do gasto mínimo em saúde e educação, o que pode implicar o fim da eficácia prática do Fundeb (a transferência de recursos federais para a educação básica em estados e municípios). No Congresso já se ouve queixa geral sobre o fim do gasto mínimo em saúde e educação —difícil que passe.

Muito barulho por não muito, enfim. Venceu Jair Bolsonaro (sem partido), que desde o ano passado vetava quase qualquer sugestão de corte.

Não será preciso decretar calamidade para que se aprove o auxílio emergencial. Mas, no caso de o Congresso decretar calamidade nacional, nos dois anos seguintes ao fim dessa situação excepcional os governos deverão adotar medidas que contenham o aumento de gastos obrigatórios e com pessoal.

O novo auxílio emergencial que o Congresso deve aprovar em breve será um “fura teto”. Isto é, essa despesa: 1) não estará sujeita ao limite constitucional de gastos deste ano; 2) não será contada no cálculo da meta fiscal (a diferença entre o que o governo gasta e arrecada, estipulada em lei anual); 3) não estará sujeita à regra de ouro (grosso modo, o governo não pode se endividar para pagar despesas além daquelas de investimento em obras, equipamentos etc.)

PEC extingue piso de gastos para educação e saúde

Versão preliminar da proposta que viabiliza nova rodada de auxílio emergencial prevê também extinção de transferência do FAT para o BNDES

 - Thiago Resense, Renato Machado e Leandro Colon - Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A versão preliminar do relatório da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial prevê a extinção dos valores mínimos a serem aplicados em educação e saúde. O fim do piso setorial valeria para União, estados e municípios.

Isso faz parte do pacote de medidas em avaliação pelo relator da PEC, senador Márcio Bittar (MDB-AC). O objetivo do projeto é apresentar um conjunto de ações de redução de despesas para o ajuste das contas públicas e, além disso, viabilizar uma nova rodada do auxílio emergencial, em 2021, a trabalhadores informais e desempregados.

Para acabar com o gasto mínimo para saúde e educação, é necessário aval do Congresso, onde há uma resistência histórica a essa ideia. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), por exemplo, não apoio a extinção total dos pisos constitucionais. Deputados e senadores das bancadas de saúde, educação e ligados ao serviço público também tentarão barrar a mudança.

Nos bastidores, a equipe econômica apoia a desvinculação dos pisos sobre saúde e educação. Na avaliação do governo, o Congresso precisa assumir com mais ênfase a condução do Orçamento.

O governo defende a aprovação da PEC com o discurso de que representa o que chama de "protocolo fiscal futuro", que inclui desindexações e desvinculações obrigatórias do Orçamento e compromissos de responsabilidade fiscal.

Desde 2018, o cálculo do piso para saúde e educação para a União é com base no valor desembolsado em 2017 corrigido pela inflação do período. Para 2021, estima-se R$ 123,8 bilhões para a saúde e R$ 55,6 bilhões para educação.

O projeto de Orçamento de 2021 prevê a aplicação de R$ 98,9 bilhões em manutenção e desenvolvimento do ensino, e R$ 124,6 bilhões em ações e serviços públicos de saúde, segundo cálculos da Consultoria de Orçamento da Câmara.

Para estados e municípios, o piso constitucional varia. Para educação, estados e municípios precisam investir 25% da receita. No caso dos serviços de saúde, é de 12%, para estados, e 15% para prefeituras.

Eliane Cantanhêde - ‘Engodo liberal’

 

- O Estado de S. Paulo

Persio Arida alertou que o liberalismo de Bolsonaro era uma farsa e Guedes não mandaria nada

Não foi por falta de aviso. Desde a campanha eleitoral, em 2018, as vozes mais brilhantes da economia, com grandes serviços prestados ao Brasil, já alertavam para o autoengano do mercado com o liberalismo improvisado do corporativista Jair Bolsonaro, que usou o “Chicago Boy” Paulo Guedes para “enganar um bobo, na casca do ovo”. 

Foi assim que Bolsonaro venceu e, presidente, joga pela janela a “nova política”, a Lava JatoSérgio Moro, as reformas, as privatizações e as regras de mercado. Só falta jogar o próprio Guedes e... a democracia. Quanto ao ministro, é considerado questão de tempo. Quanto à democracia, é melhor prevenir agora do que (tentar) remediar depois. 

Persio Arida, um dos pais do Plano Real e assessor da campanha do tucano Geraldo Alckmin, não grita, não é histriônico, nem sequer é político, mas alertou o tempo todo para exatamente tudo o que está acontecendo agora. Banqueiros, empresários, economistas e metidos a entendidos, não venham dizer que não sabiam e estão perplexos. O passado condena. O passado de Bolsonaro já dava todas as pistas do que viria por aí. 

Em entrevista inesquecível à repórter Renata Agostini, no Estadão, Arida disse que o capitão Bolsonaro era um “engodo liberal”, como o coronel Hugo Chávez na Venezuela, e alertou para a esquizofrenia da campanha bolsonarista: um candidato estatizante e corporativista escudando-se num “Posto Ipiranga” privatizante e reformista. Sua aposta: o “mitômano” Guedes não ia mandar nada. Afinal, “quem tem a caneta manda”. 

Rubens Barbosa* - Prévias partidárias

- O Estado de S. Paulo

Essa ideia foi levantada pelo presidente do PSDB para escolha do candidato a presidente

A expectativa era de que somente a partir do segundo semestre deste ano as articulações sobre as eleições presidenciais de 2022 estivessem a dominar a cena política. Na realidade, essas discussões cada vez mais deverão ocupar as atenções do meio político e da mídia, distraídos em meio aos rompantes populistas bolsonaristas. A crise da saúde causada pela pandemia e o atraso do governo na compra das vacinas ocupam o noticiário, junto com as repercussões da aprovação do auxílio emergencial, da intervenção na Petrobrás e da venda de armas.

Os partidos políticos e personalidades com perspectiva de se apresentarem como candidatos começam a se movimentar e a buscar os holofotes a fim de influir, de alguma maneira, no processo inicial das discussões.

É lugar-comum ressaltar a fragmentação do sistema partidário brasileiro, a falta de programas que sejam defendidos coerentemente por todas as legendas e o controle da máquina partidária por lideranças personalistas e, em muitos casos, autoritárias. Ninguém ignora que uma reforma política, necessária para pôr um mínimo de ordem no quadro partidário, dificilmente será levada adiante, sobretudo, por falta de interesse da classe política.

Pedro Fernando Nery* - Dois centavos

- O Estado de S. Paulo

Seja via o benefício ou por novo programa social, a população infantil deve ser prioridade do governo

De cada real do Orçamento, somente dois centavos vão para o Bolsa Família. Embora efetivo em combater a extrema pobreza, o programa só recebe 2% das despesas primárias do governo federal. Para ser expandido, diante da grave restrição fiscal, precisa ocupar espaço de outras políticas mais caras e menos voltadas aos mais pobres – sejam elas pagas pelo Estado diretamente (gasto) ou indiretamente (renúncia de tributos). Poderá a pressão por mais recursos pelos órfãos do auxílio emergencial mobilizar as reformas que permitam a expansão do Bolsa?

Cerca de 50 milhões dos beneficiários do auxílio emergencial não eram beneficiários do Bolsa Família. Como possuem dificuldade de acessar o mercado de trabalho formal – afinal um pré-requisito do auxílio é não ter emprego com carteira –, não são tão alcançados pelo gasto com benefícios previdenciários ou trabalhistas. Eles pressionarão pelo aumento da cobertura da assistência social. Já os beneficiários do Bolsa Família receberam pagamentos bem maiores com o auxílio emergencial. Eles pressionarão pelo aumento do tíquete médio (de R$ 190 por família, mas com piso de meros R$ 41 mensais).

Andrea Jubé - “Ele não vai botar o pijama, não!”

- Valor Econômico

General é a aposta para as crises do diesel e da energia

O presidente Jair Bolsonaro tem se notabilizado por jogar com as cartas abertas sobre a mesa. Após a intervenção na Petrobras, já anunciou que promoverá novas trocas no governo: “Mudança comigo não é de bagrinho, é de tubarão”. Pescador profissional, ele contou para os peixes que lançou a tarrafa.

Indicado para a presidência da Petrobras, o general Joaquim Silva e Luna nunca foi uma carta na manga. Ele foi apresentado como um dos homens da máxima confiança do presidente no segundo dia de governo.

Pelas idiossincrasias da política, declarações do presidente na posse do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, no dia 2 de janeiro de 2019, ainda repercutem, e estão relacionadas às principais crises da última semana.

Naquela solenidade, Bolsonaro trouxe à luz a estreita amizade com o então comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas. “Meu muito obrigado, comandante Villas Bôas. O que nós já conversamos morrerá entre nós. O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”, afirmou, em uma inconfidência que gera desassossego até hoje.

Villas Bôas não expôs no controvertido “Conversa com o comandante”, da editora FGV, o conteúdo dessas conversas. Mas a revelação dos bastidores dos tuítes que pressionaram o Supremo Tribunal Federal na véspera do julgamento do “habeas corpus” do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva produziu a folia mais agitada da atual gestão, desde o “golden shower”, culminando na prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ).

Ana Conceição - Jovem precisa de políticas públicas para ontem

- Valor Econômico

Jovens e crianças parecem abandonados à própria sorte no país, dizem pesquisadores da FGV

Os jovens têm sido muito citados nesses últimos meses, em intermináveis relatos sobres aglomerações em festas e bares, que ajudam a espalhar o coronavírus. O que tem chamado pouca atenção é que, quando a pandemia acabar, entre as tragédias produzidas pela maior crise mundial em décadas estarão milhões de jovens pobres com uma lacuna educacional significativa e acesso precário a um mercado de trabalho, que mesmo antes já não era dos mais amigáveis. Enquanto governos federal e regionais ainda se batem sobre questões básicas, que já deveriam ter sido superadas um ano depois de o coronavírus chegar por aqui, falta quem discuta políticas públicas para ajudar essa parcela da população a enfrentar os efeitos deletérios permanentes que serão deixados pela pandemia.

Ajudar jovens pobres a melhorar de vida - e com isso beneficiar toda a sociedade - é antes uma questão de direitos humanos. Mas nunca é demais lembrar que o chamado bônus demográfico - quando o crescimento da população em idade ativa é maior do que o da população total - acabou em 2018 no Brasil. O que implica dizer que a população está envelhecendo. E que, sem a demografia jogando a favor, para haver crescimento econômico sustentável será preciso - entre outras coisas - elevar a escolaridade dos jovens, um dos vetores necessários para aumentar a produtividade da economia.

Aylê-Salassié F. Quintão* - Cuba não é mais aquela...

O fim da austeridade na execução orçamentária da “economia planificada” e uma  “mudança de mentalidade”, a partir mesmo das gerações formadas no castrismo,  é o que alguns cientistas políticos estão projetando para Cuba nesses próximos anos. O país  entra 2021 com a moeda unificada -  o peso cubano - com paridade no dólar (24 cups para 1 dólar)  e até no real (4,36 cups  para 1 Real), redução dos subsídios, autonomia para as empresas estatais e permissão para a abertura de negócios privados, envolvendo 2.000 diferentes atividades.

Abrem-se perspectivas novas para 600 mil trabalhadores autônomos, ou 13% da força de trabalho disponível. Os cupons de alimentação só beneficiarão aos extremamente pobres e idosos, em compensação prevê-se um aumento de salários superior a 400 por cento. A inflação projetada é tabu.  

Essas medidas estão contidas em um plano de reformas do engenheiro Presidente Miguel Díaz-Canel, um professor universitário nascido depois da queda do antigo regime, e que substituiu Raul Castro. Foram, aparentemente antecipadas, diante da deterioração  econômica e dos ideais ideológicos radicalizados pelo castrismo. É também um sinal de boa vontade com  Joe Biden, o novo presidente dos Estados Unidos, que pretende retomar as relações de Obama com o governo cubano, que Trump desqualificou.

Parece uma tentativa de sobreviver à queda sistemática do PIB ( em torno de US$ 100 bilhões) que, em 2020, registrou menos 11 por cento. Sem garantias para as exportações de açúcar, o fornecimento regular e barato do petróleo da Venezuela , também em crise,  nem poder contar, como  certas, as remessas de dólares (US$ 3,5 bilhões),  pelos emigrados para suas famílias em Cuba, e ainda com dificuldade de obter financiamentos internacionais, entre os quais o BNDES, do Brasil, a economia encontra-se em declínio. 

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Os ombros suportam o mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.