terça-feira, 23 de março de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Economistas pela saúde – Opinião / O Estado de S. Paulo

A importância da vacinação e dos cuidados com a saúde, diante do agravamento da pandemia, foi tratada como evidente por executivos

Enquanto o presidente cultua a morte, hospitais entram em colapso e enterros congestionam cemitérios, mais de 500 economistas, empresários, ex-ministros, banqueiros, juristas, ex-presidentes do Banco Central, acadêmicos e financistas assinam carta aberta a favor de medidas coordenadas contra a devastação social e econômica provocada pela pandemia. “Estamos no limiar de uma fase explosiva da pandemia e é fundamental que a partir de agora as políticas públicas sejam alicerçadas em dados, informações confiáveis e evidência científica”, afirmam os signatários da carta. “Não há mais tempo para perder em debates estéreis e informações falsas.”

Sem mencionar o nome do presidente Jair Bolsonaro, o documento lembra a importância, para o bem e para o mal, das atitudes dos líderes. “O desdenho à ciência, o apelo a tratamentos sem evidência de eficácia, o estímulo à aglomeração e o flerte com o movimento antivacina caracterizaram a liderança política maior no País”, lembra o documento.

Merval Pereira - Quem estica a corda?

- O Globo

Do jeito que a coisa vai, o Exército brasileiro será colocado à prova muito em breve, quando o presidente da República resolver decretar o estado de sítio, ou estado de defesa, ou qualquer medida emergencial para calar os que o criticam e controlar as instituições.

O ex-comandante do Exército e general Eduardo Villas Bôas revelou em entrevistas que a instituição foi sondada por emissários petistas para apoiar a decretação de estado de defesa durante a tramitação no Congresso do processo de impeachment que acabou tirando Dilma Rousseff da Presidência da República. O general disse que assessores militares no Congresso foram procurados, mas o Exército rechaçou a sondagem.

A ex-presidente negou ter acontecido tal episódio e desafiou Villas Bôas a revelar quem foi o emissário petista, mas não obteve resposta. De qualquer maneira, no relato do general, um ícone do Exército, autor de um famoso tuíte, às vésperas do julgamento de um habeas corpus para Lula no Supremo Tribunal Federal (STF), interpretado como pressão sobre os ministros para que não soltassem o ex-presidente, o Exército brasileiro rejeitou uma tentativa de golpe, o que seria uma atitude em defesa da democracia e do estado de direito.

Carlos Andreazza - A era dos xerifes

Os únicos crescimentos em V hoje no Brasil são o da presença do Centrão no governo e o do recurso à Lei de Segurança Nacional. Herança do estado de direito segundo a ditadura militar, a LSN está na moda de novo. Não poderia ser diferente. Há muito vivemos sob o espírito do tempo autoritário, o principal condicionante da depressão política cujo maior produto (até aqui) é Jair Bolsonaro na Presidência. Aquele Messias que diz: “Enquanto vivo for, enquanto eu for o presidente, porque só Deus me tira daqui, eu estarei com vocês”.

Só Deus — nem uma eleição, nem um impeachment — o tira do trono; brada aquele que afirmou ter provas (jamais apresentadas) de que o pleito de 2018 fora fraudado.

Pode piorar.

Não se chega a um presidente abertamente golpista — um investidor no caos, que tanto mais prosperará quanto mais forem as instabilidades e os conflitos — sem um longo percurso de permissões à violência. Pode piorar. (Enquanto isso, Fux — num gesto de bravura institucional — telefonará para saber se o discurso golpista pode se materializar em golpe; de resto, como se a dilapidação autocrática da democracia liberal precisasse de tanques nas ruas.)

Zuenir Ventura - O flerte de Bolsonaro

- Globo

Bolsonaro está perdido, não sabe o que fazer diante de tanta contrariedade. Sua popularidade está em queda, enquanto a disparada do vírus continua batendo recordes. A gripezinha não dá trégua. Mesmo antes de terminar, março já é o mês mais letal da pandemia.

Até mesmo membros importantes do governo criticam o combate à Covid-19. O ministro Paulo Guedes admite que o número de imunizados é “muito pouco”. Ele é hoje um defensor da vacinação em massa para a retomada da economia, tese oposta à que seu presidente defendia — pelo menos quando ainda não usava máscara.

Dizem que Bolsonaro acuado, como está agora, é um perigo, fica muito agressivo, mais do que normalmente é. E imprevisível, sujeito a surtos, como o de que “só Deus”, de quem se considera íntimo, o tira da Presidência.

Míriam Leitão - Carta mostra o erro econômico

- O Globo

O Ministério da Economia também errou na condução do combate à pandemia. Durante muito tempo, o ministro Paulo Guedes reforçou o equívoco do presidente de que havia uma dicotomia entre economia e saúde, em nenhum momento o Ministério conseguiu passar para o resto do governo qual deveria ser a estratégia econômica de combate ao vírus. E aceitou que o Brasil chegasse tarde ao mercado de vacinas. A carta dos economistas mostra que houve erro econômico, de avaliação, de decisão, de análise de custo-benefício.

Economistas que trabalharam em governos diferentes, que estiveram no Banco Central em diversos momentos e até com pensamentos divergentes assinaram a carta sobre a qual o colunista Merval Pereira falou na coluna dele no domingo. “Vacinas são relativamente baratas face ao custo que a pandemia impõe à sociedade”, diz o texto. Agora Paulo Guedes fala em vacinação em massa como a melhor política fiscal e econômica, mas como se fosse um expectador e não pudesse ter influenciado na correção de rotas meses atrás. Com argumentos econômicos, os signatários criticam o caminho escolhido pelo governo Bolsonaro, o dos “falsos dilemas”, dos “debates estéreis” e do insistente negacionismo.

Cristovam Buarque* - Tempos de desgoverno

- Correio Braziliense

A dimensão da tragédia que atravessamos decorre da simultaneidade do coronavírus com o desgoverno. Outros países passam por dificuldades, mas nenhum enfrenta ao mesmo tempo o alto número de mortes, a falta de leitos em UTI, de oxigênio e de vacinas. Nenhum tem um desgoverno incapaz de organizar a logística de atendimento hospitalar, nenhum tem o desgoverno de um presidente incentivando pessoas a se aglomerarem, sem máscaras, a acreditarem em remédios sem comprovação científica. Há um vírus aliado ao desgoverno.

Em plena pandemia, o Ministério da Saúde teve à frente um militar seguindo ordens de seu comandante, independentemente de bases científicas. A administração profissional do Ministério foi tomada de assalto e dominada pelo caos. Porque não basta dar ordem, é preciso identificar propósitos e seguir uma lógica. Agora, já há um novo ministro, sem que o anterior tenha saído, o que é mais uma prova de desgoverno.

Há também o desgoverno na política externa, que relegou o Brasil ao posto de pária internacional. Nosso desgoverno pratica a antidiplomacia ao nos confrontar com a China, Venezuela, Estados Unidos, Argentina, França. O Ministério das Relações Exteriores faz o oposto do que sempre caracterizou nossa política externa, que já ocupou papel de destaque.

Monica de Bolle - Economia e saúde jamais foram separáveis

- El País

O país asfixia preso na armadilha de que a economia importa mais do que as vidas que a sustentam

A frase que intitula esse artigo está sendo dita e repetida por mim e muitas outras pessoas há mais de um ano. A insistência nunca foi por pura teimosia, menos ainda por pessimismo exagerado como muitos acreditaram no início da pandemia. A insistência, ao contrário, sempre veio do entendimento de que caso tratássemos a economia como soberana ao vírus entraríamos em colapso. Já não tenho noção de quantas vezes disse e escrevi que o colapso do sistema de saúde levaria, inevitavelmente, ao colapso econômico. Afinal, quando o sistema de saúde colapsa no país inteiro não são apenas os pacientes de covid-19 que morrem desnecessariamente ou que sofrem e agonizam. São também todos aqueles que precisam de atendimento hospitalar: do enfarte a uma perna quebrada, de uma crise de asma a um tornozelo torcido. Pensei na apendicite.

Luiz Carlos Azedo - Sem Doria, seria pior

- Correio Braziliense

Bolsonaro subestimou a escala que uma pandemia fora de controle pode adquirir, ao crescer exponencialmente, e os efeitos das mutações genéticas que podem ocorrer com a covid-19

Com o novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, ainda do telhado, por causa de um processo no qual é réu por apropriação indébita, e seu antecessor, o general Eduardo Pazuello, despachando do almoxarifado do ministério, está nas mãos do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), o destino da ação do presidente Jair Bolsonaro contra os governadores do Distrito Federal, da Bahia e do Rio Grande do Sul por decretarem medidas de isolamento social. O magistrado do STF foi escolhido relator porque é responsável pela ação apresentada pelo PTB no ano passado, também contra decretos de toque de recolher.

Com 12 milhões de infectados, o Brasil está se aproximando dos 300 mil mortos pela pandemia, e a principal preocupação de Bolsonaro, na reestruturação do ministério, é encontrar um lugar para o general Pazuello, que cumpriu sua missão negacionista com zelo — perdão pelo trocadilho. Fala-se em criar um Ministério da Amazônia, o que deixaria sem função o vice-presidente Hamilton Mourão. Por mais que o presidente da República negue, suas ações são a principal causa do descontrole da pandemia. Está tudo registrado ao vivo e em cores, ao longo de um ano de ações contra as medidas adotadas por governadores e prefeitos, por recomendação de infectologistas e sanitaristas.

Ricardo Noblat - O preço a ser pago por uma “boquinha” para o general Pazuello

- Blog do Noblat / Veja

O país pode esperar. O vírus agradece

Pois não foi que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária se esqueceu de passar no último sábado o e-mail que convocaria para o dia seguinte uma reunião sobre a falta de remédios necessários à intubação de pacientes vítimas da Covid-19?

Situação insólita, assim os mais tolerantes a definiriam. Quer algo mais insólito do que o país estar sem ministro da Saúde há 8 dias apesar de Bolsonaro ter anunciado a demissão do general Eduardo Pazuello e a entrada do médico Marcelo Queiroga?

A demissão não havia sido publicada até ontem no Diário Oficial, tampouco a nomeação do novo ministro. Oficialmente, Pazuello continua ministro da Saúde, à espera de ser substituído por Queiroga. Enquanto isso, o ministério parou.

É concebível que tal coisa aconteça em meio a uma pandemia que se aproxima do número de 300 mil mortos em menos de um ano? Pior: em meio a uma pandemia que se agrava, superando os picos que alcançou no ano passado? Neste governo, tudo é possível.

O presidente da República procura um novo cargo para oferecer ao general. Um cargo que lhe assegure foro especial para só ser processado pelo Supremo Tribunal Federal. Entregue ao sol e à chuva é que Pazuello não ficará para evitar o risco de ser preso.

Entrevista | como FHC avalia possíveis candidatos em 2022: Bolsonaro, Lula, Moro, Huck e Ciro;

Para ex-presidente, Bolsonaro mantém apoio das ‘classes dominantes’ e não há espaço para impeachment

Pedro Venceslau / O Estado de S. Paulo

Mesmo em isolamento social, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de 89 anos, mantém uma rotina intensa de reuniões virtuais e entrevistas. Imunizado com a segunda dose da Coronavac, o tucano faz política por videoconferência, sem sair do apartamento onde mora, em Higienópolis, e, apesar de afastado da vida orgânica partidária, FHC tem estado especialmente ativo nos últimos meses, procurado por lideranças de dentro e de fora do PSDB para tratar de ações contra a pandemia e, principalmente, da construção de uma candidatura de centro para a disputa presidencial de 2022. 

Nesta entrevista ao Estadão, o ex-presidente avalia a hipótese de impeachment de Jair Bolsonaro, o restabelecimento dos direitos políticos de Lula e o cenário eleitoral de 2022 a partir dos principais nomes colocados até aqui. “Quando você fica muito agarrado a um momento da sua história, você morre com ela. É melhor arrumar brinquedos novos para se distrair com outras coisas”, afirmou FHC, ao comentar a eventual entrada do petista na disputa. Confira os principais trechos da entrevista a partir de cada potencial concorrente.

Jair Bolsonaro: ‘Não perdeu o apoio das classes dominantes’

O ex-presidente, que votou nulo no segundo turno da eleição presidencial em 2018, disse que nunca viu Bolsonaro na vida e não tem “entusiasmo” pelo estilo do presidente. Segundo o tucano, o chefe do Executivo podia ter dado algum sinal para abrir o diálogo entre ambos, mas nunca fez isso. Sobre a força eleitoral de Bolsonaro, que já se coloca como candidato à reeleição, FHC avalia que o presidente é um nome forte.

Eliane Cantanhêde - Tosco e incendiário

- O Estado de S. Paulo

Quanto mais mortes, mais a Nação se une e o bolsonarismo se isola, tosco e incendiário

Montanhas de fake news desvirtuam a internet, vídeos de sujeitos com boinas militares e caras de milicianos ameaçam guerra à bala, o ministro da Justiça usa a Lei de Segurança Nacional contra críticos do presidente Jair Bolsonaro... Essas investidas, que não são inocentes nem isoladas, fazem parte da alma autoritária do bolsonarismo e enfrentam crescente resistência de todos os lados.

Centenas de banqueiros, empresários e economistas criticam o governo e rechaçam o “falso dilema entre salvar vidas e garantir o sustento da população vulnerável”. O presidente do SenadoRodrigo Pacheco, pediu aos EUA para negociarem vacinas excedentes com o Brasil. E 62 dos 81 senadores assinaram uma moção liderada por Kátia Abreu (TO) implorando ajuda à comunidade internacional.

Todos se mexem para cobrir o vácuo do presidente e não dá para acusar de “comunistas”, “esquerdistas” e “petistas” gente como Pacheco e Kátia, Roberto SetúbalPedro Moreira SallesPedro Malan... Será que são esses os alvos do bolsonarista ignorante, valentão, com pose de militar, mas linguajar de miliciano? Que provoca “esse pessoal da canhota, que quer derrubar o nosso presidente”: “Deixa eu dizer um negocinho pra vocês. Ele não tá sozinho, não, tá? Junta o que vocês tiver de melhor e tenta” (sic sic sic). 

Pedro Fernando Nery* - A falácia dos deveres

-  O Estado de S. Paulo

A contrapartida de direitos são os tributos, que aparecem fartamente na Constituição

O argumento é recorrente. Os brasileiros mais pobres já possuem benefícios demais: a própria Constituição citaria “direitos” dezenas e dezenas de vezes, mas “deveres” somente em um punhado de ocasiões. Com tantos direitos sem deveres correspondentes, o arranjo seria insustentável. O argumento é falacioso: a contrapartida de direitos são os tributos, eles são fartamente previstos na Constituição e incidem mais justamente sobre os mais pobres – aqueles que teriam direitos demais.

Comecemos com um Ctrl+F na Constituição. Tributos e seus tipos – impostos e contribuições – aparecem mais de 300 vezes. São eles os espelhos dos direitos, e não um termo genérico como “dever”. O direito à saúde é concretizado com contribuições sociais. O direito à educação é efetivado com impostos. E assim vai.

No Brasil, muitos desses tributos, ou deveres, recaem sobre quem ganha menos, que paga a conta indiretamente quando compra um produto. Na verdade, os mais pobres pagam mais em tributos indiretos do que os mais ricos, quando considerado o peso dos tributos em proporção à renda de cada grupo.

Adriana Fernandes - Para governo, carta é ‘movimento político’ contra presidente

- O Estado de S. Paulo

A carta aberta que juntou banqueiros e economistas em defesa de medidas efetivas de combate à pandemia foi interpretada no governo como um “movimento político” contra o governo Jair Bolsonaro nessa fase mais dura da pandemia da covid-19. Num momento de queda da popularidade, o documento, que começou a ser construído em conversas de economistas em grupos de Whatsapp, ganhou força no fim de semana com mais de 500 assinaturas e causou enorme desconforto, mas o presidente não mudou a estratégia de repetir o discurso contrário ao lockdown – que tem endosso nos setores empresariais que o apoiam.

A expectativa do governo é que esses setores também se posicionem contrários às medidas de restrição de mobilidade, apontadas por autoridades sanitárias como essenciais para que o colapso hospitalar não seja disseminado por todo o País. Não há sinais de que Bolsonaro vai abandonar esse discurso porque ele está convencido de que as medidas de isolamento são uma “armadilha” para afundar ainda mais a economia, sem chances de recuperação para garantir a sua reeleição. Bolsonaro já foi avisado do quadro extremamente ruim da economia, com impacto na arrecadação, das vendas e queda do PIB no primeiro semestre. O presidente vê nas medidas de restrições um entrave a mais.

Entrevista | François Hollande*: Papel da esquerda é tirar populistas do poder democraticamente

Ex-presidente francês afirma discutir com Lula como construir forças políticas capazes de encarnar a alternância

Beatriz Peres / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O ex-presidente francês François Hollande, 66, que comandou o país entre 2012 e 2017, considera palpáveis os danos causados pelo populismo que ascendeu em diferentes partes do mundo.

"A eleição de Jair Bolsonaro resultou em destruições importantes da floresta amazônica, em um declínio da democracia e das liberdades e em políticas muito duras com os mais pobres e muito complacentes com os mais ricos", diz o socialista. "Sem esquecer a gestão da crise sanitária, que, tanto no Brasil quanto nos EUA —quando Donald Trump estava no poder—, fez vítimas demais, por falta de medidas restritivas."

Em entrevista à Folha, por email, Hollande defende uma reação em bloco, como afirma ter acontecido com a candidatura do democrata Joe Biden na vitória sobre Trump. "Foi por pouco, e isso só foi possível porque o conjunto dos democratas, para além de suas diferenças, juntaram suas forças."

Depois da condenação do ex-presidente Nicolas Sarkozy, o senhor criticou o que chamou de “ataques repetidos contra a Justiça”. Por que considerou necessário defender a Justiça francesa neste momento? 

A separação dos Poderes é o fundamento da democracia. Na França, a Justiça é independente do Executivo. Os magistrados, os juízes e os procuradores conduzem suas investigações e proferem suas sentenças sem intervenção nenhuma do poder político. As decisões podem ser contestadas por todas as vias de recurso, o que Nicolas Sarkozy já fez em seguida à condenação. Por isso não aceitei os ataques vindos da direita e dos apoiadores do ex-presidente que visam desacreditar a autoridade judiciária.

No Brasil, a Justiça também está sendo criticada devido ao processo contra o ex-presidente Lula. É preciso defender a Justiça também no Brasil? 

A Justiça brasileira vai estabelecer ela mesma a verdade e poderá um dia verificar se as acusações contra o ex-presidente Lula tinham fundamento. Mas já parece claro que tudo foi feito no plano político para impedir Lula de se candidatar na última eleição presidencial. Foi isso que justificou minha tomada de posição, com outros chefes de Estado e de governo, desde 2018, para que Lula pudesse, livre, ser candidato à eleição presidencial. Hoje é um novo momento que se abre, e fico feliz de ver Lula recuperar plenamente seu espaço na vida política brasileira.

Joel Pinheiro da Fonseca – Política

- Folha de S. Paulo

Tudo o que Bolsonaro faz segue o critério único da popularidade (ou sobrevivência) imediata

Não é possível que alguém ainda acredite numa mudança de postura do presidente na reunião com governadores. Se nem mesmo o mais trivial dos atos de proteção da vida, o uso da máscara, Bolsonaro consegue defender, pode esquecer qualquer apoio às medidas de isolamento. A única certeza é que Bolsonaro jamais tomará uma atitude impopular junto à opinião pública, por mais importante que seja. Ele não precisa.

Tudo o que Bolsonaro faz segue o critério único da popularidade (ou, em alguns casos, sobrevivência) imediata. A política não depende da realidade em si, e sim das percepções. Bolsonaro e seus cabos eleitorais foram os que primeiro souberam adaptar essa velha máxima à realidade das redes sociais e dos aplicativos de mensagens.

A fragmentação das fontes de informações causada pelas redes permite, paradoxalmente, encalacrar grandes segmentos em bolhas informacionais que repetem sempre a mensagem desejada.

Hélio Schwartsman - Se o vírus tivesse me ouvido...

- Folha de S. Paulo

O corona, porém, não atendeu a meus apelos

Em julho, quando o presidente anunciou que tinha contraído a Covid-19, escrevi a coluna "Por que torço para que Bolsonaro morra". Ganhei uma enxurrada de emails irados e um inquérito com base na LSN. Riscos da profissão.

A título de experimento mental, convido o leitor a adentrar no fantástico mundo dos contrafactuais e imaginar o que teria acontecido caso o vírus tivesse atendido a meu desejo.

Em princípio, nada muito animador. Bolsonaro teria sido substituído pelo vice-presidente, general Hamilton Mourão, que tem ideias parecidas com as do titular e também nutre crenças exóticas (cloroquina) em relação à Covid-19. Mas Mourão, admita-se, vem com uma demão de verniz civilizacional e parece mais disposto a seguir conselhos de especialistas.

Cristina Serra - A carta tardia do PIB

- Folha de S. Paulo

Entenderam que não adianta ter dinheiro para pagar UTI aérea para Miami?

Quer dizer que foi preciso um ano de pandemia, quase 300 mil cadáveres, o colapso dos hospitais e um tombo colossal na economia para que parte expressiva do PIB se manifestasse publicamente sobre a catástrofe humanitária que nos põe de joelhos? Tirante honrosas exceções que assinam a carta divulgada neste fim de semana, a maioria permanecera em indiferente pachorra.

São mais de 500 assinaturas; alguns sobrenomes reluzentes, de banqueiros, empresários, ex-ministros, ex-dirigentes do Banco Central e economistas que, até outro dia, clamavam pela urgência das reformas, mas não mostravam a mesma preocupação com a premência de salvar vidas.

Castro volta atrás e mantém decisão sobre funcionamento de bares e restaurantes com a prefeitura

Governador suspende ainda aulas presenciais na rede pública estadual e em escolas particulares

Luiz Ernesto Magalhães / O Globo

RIO — Após a queda de braço com o prefeito Eduardo Paes, envolvendo o funcionamento de bares e restaurantes, em decreto publicado em uma edição extra do Diário Oficial, no fim da noite desta segunda-feira, o governador em Exercício, Cláudio Castro, prorrogou por 14 dias (até o início de abril), um decreto que já previa normas estaduais de prevenção. Ele manteve a autonomia de prefeituras —- como a do Rio e a de Niterói  — de adotarem medidas mais restritivas. Segundo o artigo, no caso de conflito entre as regras de estado e municípios, valerão as que as prefeituras tiverem instituído.

A assessoria de Castro informou que, apesar disso, ele ainda terá conversas políticas e não descarta mudanças no decreto até quarta-feira.

Uma mudança estabelecida pelo decreto é a alteração de uma regulamentação da Secretaria estadual de Educação que tinha regras para aulas presenciais na rede também por 14 dias. A suspensão das aulas presenciais também se aplica à rede privada.

Covid-19: Para tentar frear pandemia, Prefeitura do Rio prevê até prisão por desrespeito às normas

Donos de bares e restaurantes também podem ter o alvará cassado

Luiz Ernesto Magalhães / O Globo

RIO — O decreto que determina novas medidas de restrição para tentar conter a pandemia de Covid-19 anunciado na noite da segunda-feira pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes, prevê prisão de até um ano e multa para quem desrespeitar as regras. Isso com base no artigo 268 do Código Penal, que considera crime desrespeitar "determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa"’. Os donos de bares e restaurantes também podem ter o alvará cassado.

As regras mais rigorosas para atividades econômicas e sociais na cidade, começam na sexta e vão durar menos 10 dias. De acordo com o Diário Oficial da Prefeitura do Rio desta terça-feira, o Comitê especial de enfrentamento da Covid-19 (CEEC) da prefeitura do Rio fará uma nova avaliação das medidas em 4 de abril.

Paes suspende atendimento presencial em bares e restaurantes por dez dias no Rio de Janeiro

Prefeito entrou em queda de braço com o governador Cláudio Castro, que resiste em adotar restrições mais duras

 Ana Luiza Albuquerque / Folha de S. Paulo

RIO DE JANEIRO - O prefeito Eduardo Paes (DEM) anunciou na tarde desta segunda-feira (22) a suspensão do atendimento presencial para todas as atividades econômicas, exceto as essenciais. Durante dez dias, bares e restaurantes poderão funcionar apenas para retirada no local e delivery.

As novas medidas passarão a valer na próxima sexta-feira (26), quando deve ter início o "superferiado" de dez dias anunciado pelo governo do estado, que ainda precisa ser aprovado pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

O objetivo com as restrições é reduzir a transmissão do novo coronavírus, que pressiona o sistema hospitalar da capital, com 93% dos leitos de UTI ocupados.

O funcionamento presencial de escolas e creches também está suspenso. Fica proibida ainda a abertura de museus, galerias, cinemas, teatros, boates, salões de beleza e clubes. Nos shoppings, poderão funcionar apenas serviços essenciais, como farmácias.

permanência nas praias continua proibida, estando liberadas somente atividades físicas individuais. Como determinado no início do mês, também ainda está valendo o toque de recolher que impede que as pessoas fiquem nas ruas das 23h às 5h.

O anúncio foi feito em conjunto com a prefeitura de Niterói (RJ). Paes não conseguiu entrar em acordo com o governador Cláudio Castro (PSC), aliado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), para a implementação de restrições comuns. Castro deve anunciar medidas menos duras no estado.

Entrevista | Gleisi Hoffmann: Combate à pandemia e oposição a Bolsonaro aproximam PT e PSDB

Lula deve atuar na costura política com lideranças de centro-direita, diz presidente do PT

Por Cristiane Agostine / Valor Econômico

A luta encampada por governadores para combater a pandemia e driblar o boicote do presidente Jair Bolsonaro a medidas de distanciamento social aproximou PT e PSDB e tem acelerado a articulação de uma frente ampla contra o governo federal. A presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), diz que a trégua entre petistas e tucanos não deve ser vista como uma possível aliança para 2022, mas defende a união com lideranças de centro e de direita para enfrentar a crise sanitária e Bolsonaro. Ontem, o país ultrapassou 12 milhões de casos de covid-19 e 295,4 mil mortes pela doença.

A convergência entre governadores do PT, PCdoB, PSB, PSDB, PSD e MDB nas ações para tentar frear o avanço do novo coronavírus deve ser ampliada para fora dos Estados, defende Gleisi. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva atuará diretamente na costura política com lideranças de centro-direita e começará a viajar o país para reuniões políticas depois que tomar a segunda dose da vacina, no início de abril.

“Há uma conversação [...] de governadores e de outros partidos que estão sentindo que o drama do Brasil é grande"

Em sintonia com Lula, Gleisi diz que o PT deve ampliar as alianças para fora da centro-esquerda para ganhar as eleições. As articulações devem ser feitas ainda este ano. O nome do partido para 2022 está claro. “Obviamente Lula é o candidato do PT, do Brasil, do povo”, diz. 

A seguir, trechos da entrevista concedida ontem ao Valor.

Valor: Economistas, banqueiros e empresários divulgaram uma carta com críticas ao governo. Como avalia esse movimento? Há maior aceitação à ideia de impeachment?

Gleisi Hoffmann: É muito positivo que tenha essa carta com tantas personalidades, que esses setores estejam se manifestando. Pena que tardou, porque a situação é gravíssima, e lamento que muitos deles apoiaram e apoiam medidas de austeridade no Orçamento. A base dele no Congresso ainda está muito coesa, o Centrão tem compromisso, mas o Congresso é aberto a pressões. Todo processo de impeachment foi por pressão social. Ao ter setores mais diversos do que da oposição, começa a ter um movimento mais amplo da sociedade, que pode virar impeachment.

Pacheco ataca atitudes ‘negacionistas’

Presidente do Senado sobe o tom contra o negacionismo

Por Renan Truffi e Vandson Lima / Valor Econômico

BRASÍLIA - O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), elevou ontem o tom contra o que chamou de “negacionistas”. Segundo ele, por conta do recrudescimento da pandemia, o Brasil vive uma das suas “piores fases”, mas uma “minoria desordeira” não irá pautar o povo brasileiro, que continua, na sua avaliação, “pacífico”, “resiliente” e “aguardando uma solução” por parte dos governantes e da classe política. A afirmação foi feita durante evento na Associação Comercial de São Paulo.

“Quero dizer e valorizar o povo brasileiro, que está pacífico, que está resiliente e está aguardando ansiosamente a solução dos governadores e dos políticos para os problemas do nosso país. Destaque maior nesse enfrentamento da pandemia, que é básico para o estado democrático de direito, é a manifestação do povo, pacífico, ordeiro, obediente às recomendações sanitárias de isolamento”, disse. “Não será uma minoria desordeira e negacionista que fará pautar o povo brasileiro e o Brasil nesse momento que nós precisamos de união.”

Maria Cristina Fernandes - Carta eleva pressão sobre Bolsonaro

- Valor Econômico

Congresso se vale de documento para tentar isolar presidente na gestão da pandemia

A carta dos economistas não foi pensada com este fim, mas seu resultado mais imediato foi o de fortalecer o Congresso frente ao presidente Jair Bolsonaro não apenas para a reunião que está sendo programada para amanhã no Palácio do Planalto entre as cúpulas dos Três Poderes e uma comissão de governadores, mas frente ao próprio Ministério da Saúde.

Ao conseguir a aderência de banqueiros, investidores e empresários como Roberto Setubal (Itaú), Pedro Moreira Salles (Itaú), José Olympio da Veiga Pereira (Credit Suisse), Arminio Fraga (Gávea), Fábio Barbosa (Gávea), Luís Stuhlberger (Verde) e Horácio Lafer Piva (Klabin) a carta isolou ainda mais o presidente e dificultou a transformação do encontro de amanhã na armadilha pretendida.

A ideia de um comitê de crise, a ser discutido nesta reunião, seria não apenas melhorar a coordenação entre os entes federativos, como também tirar do presidente Jair Bolsonaro a condição de responsável-mor pela mortandade brasileira recorde. Seu comportamento na tarde de domingo, porém, desautorizou as expectativas de mudança. Ele foi para o gramado do Palácio do Alvorada comemorar seu aniversário com manifestantes que se aglomeraram no gradil. Ao discursar, disse que “estão esticando a corda” e que “só Deus” o tiraria do cargo.

Murillo Camarotto - Eleições, polarização e desertos de notícias

- Valor Econômico

Colapso do jornalismo regional vai corroendo pilares da democracia

Tip O’Neill, antigo presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, ficou famoso por ter dito que “toda a política é local”. O argumento central era de que as grandes questões globais movem paixões e manchetes, mas importam menos na vida do cidadão comum do que as decisões tomadas na comunidade na qual ele está inserido.

Desde que a frase ganhou notoriedade - já há algumas décadas -, observadores da política americana vêm percebendo algumas transformações nesse conceito. Na esteira da polarização explosiva experimentada naquele país, as eleições locais passaram a refletir muito mais as questões ideológicas do que aquelas voltadas às realidades e necessidades comunitárias.

Esse fenômeno é intensificado pela aguda crise pela qual passa o jornalismo local nos Estados Unidos. O fechamento de redações dedicadas à cobertura de questões regionais - muitas delas centenárias - cresce a um ritmo assustador e suscita debates sobre os riscos desse processo para a democracia.

Pedro Cafardo - Empresários acordam e Brasil pede socorro

- Valor Econômico

Crise deixa como lição que empresários precisam se manifestar

Finalmente, as classes empresariais, os economistas e até líderes do mercado financeiro acordaram. No fim de semana, duas robustas e corretas manifestações pediram que o país seja respeitado. Mais de 500 economistas e banqueiros divulgaram uma longa carta aberta à sociedade pedindo, principalmente, a adoção de medidas efetivas para conter a pandemia. Em outra manifestação, um grupo de empresários e executivos lançou uma ofensiva no Congresso, não só pelo auxílio emergencial, mas também em favor da discussão de outras medidas sociais para socorrer as empobrecidas famílias brasileiras.

É redundante citar aqui as sugestões feitas pelas classes empresariais, inclusive do setor financeiro. As propostas são, basicamente, aquelas que vemos diariamente na grande imprensa, nas entrevistas desesperadas de médicos, cientistas e familiares de mortos, à medida que avança o número de vítimas fatais da pandemia, que se aproxima de 300 mil pessoas. Em resumo, as propostas combatem o negacionismo e pedem ação urgente do governo.

Tão importante quanto as sugestões feitas nos dois documentos é o fato de que os empresários acordaram para uma realidade: o país pede socorro e não pode continuar nessa marcha insensata, com o chefe de governo não só ignorando a pandemia como também incentivando comportamento suicida de brasileiros desavisados.

Aylê-Salassié F. Quintão / Alexandre Q.F Quintão* - O apagão: uma fábula

A nossa velha República não tem como dar resposta a este desafio que, no Japão,  pertence ao mundo dos mangás, animes  e otakus, porque não os leva a sério.  

Para os brasileiros, tecnologicamente ainda no cueiro, são perturbadoras, entretanto, as virtudes e as competências das tecnologias  dessa quinta geração (5G) que está vindo por aí,  propondo a troca de softs, conexões digitais inovadoras e a instalação de novas redes digitais.

O modelo é comandado pela mega fabricante chinesa Huawei que,  por aqui, já detém o controle da Nextel e da Sercomtel, está presente em 65% da rede Vivo, 60% da OI, 55% da Claro e 45% da TIM (Wiziack,2021). Os Estados Unidos questionam o papel da empresa chinesa, e o Brasil, seguindo ainda a linha de Trump, transita refratário pelo ambiente, mas já cogitando de uma concorrência internacional para atualização e instalação de novas redes. Briga de “cachorro grande”: a China é o maior parceiro comercial do Brasil.

Em uma partida de Shogi, um jogo de xadrez japonês, entre um aluno e seu professor, o mestre pergunta: Shikamaru, se esse jogo fosse como a nossa vida, nossa vila, e acontecesse no contexto que vivemos, quem seria o Rei?   Shikamaru é considerado um dos ninjas mais inteligentes do país do Fogo. Com o menor esforço,  busca resolver problemas da maneira lógica, e ser o mais objetivo possível, responde: Ora, é o Hokage (o “presidente”).

O professor contesta: Numa primeira vista, parece mesmo o Hokage. Se por algum motivo, o Hokage é deposto do cargo ou se o rei morre, outro ‘’Hokage’’ entra no trono e o jogo recomeça. Então, é preciso proteger o rei pois, se for capturado o jogo acaba. Mas, quem é o rei, então?

Poesia | Ferreira Gullar - Homem comum

Sou um homem comum
de carne e de memória
de osso e esquecimento.
Ando a pé, de ônibus, de táxi, de avião
e a vida sopra dentro de mim
pânica
feito a chama de um maçarico
e pode
subitamente
cessar.

Sou como você
feito de coisas lembradas
e esquecidas
rostos e
mãos, o guarda-sol vermelho ao meio-dia
em Pastos-Bons,
defuntas alegrias flores passarinhos
facho de tarde luminosa
nomes que já nem sei