domingo, 28 de março de 2021

Opinião do dia / Fernando Henrique Cardoso*

Na emergência, vê-se mais claramente a importância da liderança. Se não houver liderança, é difícil a adaptação. Estamos precisando de lideranças no Brasil. Gente que, ao fazer isso, se exponha também. Líder não é quem já sabe. É quem se expõe. Olha, o caminho que eu acho é esse. Você vem comigo? Se for, tudo bem, você vira líder. Se não, você fica sozinho. Liderar não é mandar, é ter aceitação.

(...)

Nós vamos precisar, na sociedade que vem por aí, de mais e não menos governo. É uma afirmação complicada. Porque nós não gostamos de governo. Preferimos as liberdades individuais. Governo é uma coisa, geralmente, burocrática. Não resolve o que achamos importante resolver. Mas, bem ou mal, a sociedade, depois da pandemia, vai precisar de ação governamental. Teremos capacidade de agir? Não é garantido.

*Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, ex-presidente da República, em palestra para empresários. O Estado de S. Paulo, 27/3/21.

Merval Pereira - “O Extremo Centro Brasileiro”

- O Globo

Com a eleição de Joe Biden para a presidência dos Estados Unidos, derrotando Trump, criou-se no Brasil entre os eleitores de centro a ânsia de encontrar um Biden entre nossos políticos que possa derrotar Bolsonaro em 2022, evitando que a polarização com Lula e o PT se repita como na eleição de 2018.

A perfomance de Bolsonaro, passados dois anos de mandato, faz com que ele se apresente como candidato bem menos vistoso do que na eleição anterior, quando uma suposta pauta liberal na economia, e um presumido apoio ao combate à corrupção, encobriram um passado político marcado pela intolerância, pela falta de empatia, pelo caráter nefasto, pelo extremismo político.

Esses vícios de comportamento foram mostrados à farta nessa primeira metade de seu mandato, e Bolsonaro hoje só representa uma parte reduzida dos que votaram nele para conter a volta do PT ao governo. Lula pode vir a ser para Bolsonaro em 2022 o mesmo que Bolsonaro representou para ele, uma alternativa diante da possibilidade de que se repita a catástrofe que é seu governo.  Isso se não aparecer um Biden brasileiro, que faça com que os dois extremos pareçam uma polarização antiga que não se justifica.

Esse espaço ao centro extremo, que rejeite a polarização, está aberto no Brasil, assim como Biden derrotou a esquerda dentro do partido Democrata para poder enfrentar um Trump fora de sua zona de conforto. Bolsonaro gostaria de enfrentar um fantasma que vem alimentando há muito tempo, especialmente dentro das Forças Armadas, o perigo comunista.

Bernardo Mello Franco - O Império contra-ataca

- O Globo

Em 2018, um incêndio destruiu coleções milenares e reduziu a cinzas o Museu Nacional. Agora o bolsonarismo quer concluir o serviço, despejando o acervo científico do palácio em reconstrução.

O governo planeja transformar o Paço de São Cristóvão num centro turístico dedicado à memória do Império. A articulação é liderada pelo ministro Ernesto Araújo, revelou a “Folha de S.Paulo”. O chanceler integra a ala mais reacionária do governo, ligada a grupos monarquistas.

O deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança, que quase foi vice de Bolsonaro, tem participado de reuniões sobre o tema. Ele descende da família imperial e costuma ser chamado de “príncipe”, embora o Brasil tenha proclamado a República em 1889.

A ideia de desalojar o Museu Nacional vinha sendo tramada em sigilo. O diretor da instituição, Alexander Kellner, e a reitora da UFRJ, Denise Carvalho, foram surpreendidos pela notícia. 

Eliane Cantanhêde – Homem ao mar

- O Estado de S. Paulo

Depois do amigo dos filhos na Saúde, Bolsonaro quer seu próprio amigo almirante no Itamaraty

O ministro das Comunicações, Fábio Faria, é um dos enviados do Planalto para sondar os parlamentares sobre duas saídas para a crise aguda na política externa: a ida do almirante da ativa Flávio Rocha para o Itamaraty e a remoção do chanceler Ernesto Araújo para uma embaixada vistosa – algo que depende da aprovação do Senado.

Quanto a Rocha, os políticos não dizem sim nem não, pois desconhecem as credenciais dele e estão mais empenhados em tirar Ernesto Araújo do que em fazer o sucessor. Rocha fala cinco línguas, é um dos raros pragmáticos e de bom senso no governo e, além de interagir com setores sensíveis do empresariado nacional, já vem assumindo missões no exterior em nome do presidente Jair Bolsonaro, inclusive na China. Mas um militar no Itamaraty?

Luiz Carlos Azedo - O enigma pós-pandemia

- Correio Braziliense

No século passado, o encontro da História com as utopias gerou uma espécie de beco sem saída: o que antes era um projeto de futuro se tornou anacrônico

O futuro imediato está sendo desenhado pela forma como cada país lida com a crise sanitária global, mas ainda é um enigma. Toda a tecnologia utilizada para manter a atividade econômica maior possível num ambiente de distanciamento social já existia; todo o conhecimento científico empregado para a produção de vacinas numa velocidade inédita, também. Apesar da tragédia que se abateu sobre a humanidade, especialmente aqui no Brasil — que se destaca pelo número de infectados, de mortos e de negacionistas, entre os quais o presidente Jair Bolsonaro —, é preciso pensar no pós-pandemia. O novo coronavírus escancarou ainda mais as contradições da globalização, principalmente o agravamento das desigualdades, e colocou em xeque a ideia neoliberal de que o mercado sozinho é mais eficiente do que o Estado para cuidar das pessoas.

Ricardo Noblat - O que João Doria deixou de aprender com seu pai

- Blog do Noblat / Veja

 Sentimento e circunstâncias

João Agripino da Costa Doria, baiano, deputado federal pelo Partido Democrata Cristão, cassado pelo primeiro Ato Institucional da ditadura de 64, não viveu o suficiente para ver seu filho João Doria Júnior se eleger prefeito de São Paulo em 2016 e governador dois anos depois. Morreu em 2000, aos 81 anos.

Jornalista e publicitário de renome, é tido como o primeiro marqueteiro político da história do país. Em 1958, o usineiro e industrial Cid Sampaio, da União Democrática Nacional, partido conservador, candidatou-se ao governo de Pernambuco contra Jarbas Maranhão, do Partido Social Democrático.

Um usineiro jamais se elegera governador do Estado. Parte da direita e toda a esquerda apoiaram Sampaio. Mas o que fez a diferença para sua vitória foram as ações de marketing de João Agripino Doria. De manhã bem cedo, no rádio, ouvia-se o locutor dizendo: “Acorda, Jarbas Maranhão”.

Maranhão tinha fama de acordar tarde. Em seguida, ouvia-se o barulho de uma pessoa escovando os dentes. Então o locutor dizia onde Sampaio estava àquela hora e lhe dava a palavra. Atribui-se a João Agripino Doria a criação do slogan da campanha de Sampaio (“O povo é que diz Cid”), que acabou virando marcha de carnaval.

Elio Gaspari - 'O Diabo na rua, no meio do redemoinho...’

- Folha de S. Paulo / O Globo

Comitê criado por Bolsonaro para o combate à pandemia só podia dar errado e deu

Seria uma reunião dos chefes dos três Poderes para tratar da pandemia, pois o número de mortos havia passado dos 300 mil. Foi uma palhaçada típica das marquetagens oficiais. A encenação tinha a ver com o Executivo, e só com ele. Os outros dois Poderes nunca se meteram com a cloroquina nem com a “gripezinha”. Além disso, a presença do ministro Luiz Fux na fotografia era meramente simbólica.

Bolsonaro levou para o encontro alguns de seus ministros e governadores amigos. Ao fim da reunião, anunciou a formação de comitê para tratar da pandemia e delegou ao presidente do Senado a coordenação do trabalho com os governadores.

Confundiu cloroquina com cloro de piscina. O presidente do Senado não tem mandato nem jurisdição para tratar de um assunto que é só do Executivo. Se isso fosse pouco, em março do ano passado, quando a Covid havia matado só uma pessoa, Bolsonaro criou um comitê para assessorá-lo diante da pandemia. Foi entregue ao chefe da Casa Civil, general Braga Netto. Deu em nada e sumiu. No dia 22 de março, quando a pandemia matou 1.383 pessoas, ele tirou férias.

O evento de quarta-feira tinha tudo para dar errado, e horas depois o presidente da Câmara respondeu:

“Estou apertando hoje um sinal amarelo para quem quiser enxergar: não vamos continuar aqui votando e seguindo um protocolo legislativo com o compromisso de não errar com o país se, fora daqui, erros primários, erros desnecessários, erros inúteis, erros que que são muito menores do que os acertos cometidos continuarem a serem praticados.”

Vinicius Torres Freire – Elite não faz oposição a Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Medo da morte, de Lula e o desgoverno não criam confronto ou alternativa

A ideia de que seria preciso tutelar Jair Bolsonaro se disseminou entre os donos do poder e do dinheiro pelo menos desde março de 2019. Desde então, a elite inventa geringonças político-jurídicas a fim de coabitar com esse presidente que ajudou a eleger, com mais ou menos gosto, mas de modo decidido.

Ainda há coabitação, muita vez colaboracionismo. Mas os adeptos da tutela mudaram de tom e modos. Sobreveio o medo da morte. Talvez até os ricos sufoquem sem UTI. Espalhou-se a ansiedade do colapso sanitário e socioeconômico. Aconteceu a ressuscitação político-jurídica de Lula da Silva. O centrão viu que seu arranjo de poder com Bolsonaro poderia ir à breca mesmo antes de começar. Etc.

Foram tentativas de tutela o parlamentarismo branco de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara ou as reações e inquéritos do Supremo, para ficar em exemplos óbvios e maiores. Ontem ou hoje, essas tentativas de tutela serviram para evitar qualquer esforço de oposição (afora na esquerda parlamentar, praticamente irrelevante).

Janio de Freitas – A cara do futuro

- Folha de S. Paulo

Signatários de carta terão de ver em Lula o mais capaz de bater Bolsonaro

Se de fato os banqueiros, empresários variados e economistas signatários da Carta Aberta concluíram que seu apoio a Bolsonaro é suicida, devem preparar-se para pensar em fazer o impensável.

Seu candidato à Presidência assustou-se com o retorno de Lula e já avisou seus inventores de que não trocará os auditórios de TV pelos palanques da candidatura. Sem a esperança de um milagre com Luciano Huck, os signatários da carta que enfim pressentem seu próprio desastre, não pela pandemia mas pela derrocada do país, terão de ver em Lula o mais capaz, senão o único, de bater o devastador Bolsonaro e os recursos eleitorais do governo.

Vista a perspectiva com objetividade, os signatários da carta e seus assemelhados não tiveram motivo para repelir Lula, em cujo governo obtiveram êxitos e um período de tranquilidade como em nenhum outro.

Só muito depois encontraram a corrupção na Petrobras para explicar a idiossincrasia, mas era um fato que, em inúmeros setores, nunca lhes foi estranho.

Ciro Gomes tem potencial para uma candidatura importante, mas tudo sugere que sua margem de incerteza é, e tende a se manter, muito maior que a de Lula em disputa com Bolsonaro. A preferência de Huck pelo ganho em vez do risco abre a Ciro Gomes portas largas. Não, porém, entre banqueiros e outros segmentos empresariais que o veem com notória desconfiança.

Hélio Schwartsman - As palavras de um santo

- Folha de S. Paulo

Como bom aristotélico, Aquino entende que o objetivo de qualquer governo é promover o bem comum

 “Quando o que é ordenado por uma autoridade se opõe ao objetivo para o qual foi constituída essa autoridade [...], não só não há obrigação de obedecer à autoridade, mas se é obrigado a desobedecê-la [...]”. “Aquele que liberta o seu país matando um tirano” pode ser “elogiado e recompensado”.

Antes que o doutor Mendonça, no afã de bajular o chefe, acione de novo a Polícia Federal contra mim por violação à LSN, esclareço que essas palavras não são minhas, mas de um santo. Quem as escreveu foi Tomás de Aquino (1225-1274), um dos mais importantes teólogos da Igreja Católica, também conhecido como “doctor Angelicus”, canonizado em 1323.

Não vejo como rejeitar a primeira parte do argumento. Como bom aristotélico, Aquino entende que o objetivo principal de qualquer governo é promover o bem comum. E, como bom lógico, considera que, quando a autoridade passa a agir contra esse propósito, os governados têm o dever moral de resistir a ela.

Bruno Boghossian – Até a próxima crise

- Folha de S. Paulo

Políticos e eleitores têm que decidir quem estará no poder na próxima emergência

No fim do primeiro ano de governo, Jair Bolsonaro fez um desabafo. Durante um evento no TCU, ele disse que tinha "dificuldades seriíssimas em muitas áreas" e que era "praticamente impossível" tomar pé de tudo o que acontece no governo. A pandemia ainda nem tinha começado, mas o presidente já mostrava que não tinha condições de estar ali.

Em pouco tempo, Bolsonaro provou ser o governante errado tanto em tempos de calmaria como em momentos de crise. Quando o coronavírus chegou, o presidente manipulou o significado de uma decisão do STF para fugir do combate à Covid-19. Quando descobriu que as finanças do país estavam no vermelho, disse que o Brasil estava quebrado e que não conseguia "fazer nada".

Míriam Leitão - Orçamento além da imaginação

- O Globo

O governo terá que mandar um projeto de lei para refazer o Orçamento, que está completamente errado. Nele tem tudo: ficção, truque contábil, quebra de regras, subestimação de despesa, decisões erradas. Ele fura o teto e contrata um shutdown, a paralisação da administração pública. O país está nessa armadilha porque a articulação política não funcionou, e o Ministério da Economia não impediu. Agora é tentar consertar.

Os números das contas públicas não batem, mas isso é apenas uma parte das confusões dos últimos dias. O governo provou, de novo, que nenhum outro na nossa história mereceu tanto o “remédio amargo” e “fatal” do parlamento. Depois de estacionar o general Pazuello no corredor do Ministério da Defesa, será preciso saber para onde despachar Ernesto Araújo. Quanto a Filipe Martins, só há uma saída aceitável, a exoneração. O que ele fez foi crime de apologia ao racismo. Mesmo anestesiado pelos disparates diários desta administração, o país não pode engolir aquele gesto na cara do Senado. 

Os especialistas em contas públicas que eu ouvi dizem que o Orçamento vai “além da imaginação”. É pior do que uma peça ficcional. É uma contabilidade maluca. O relator, senador Márcio Bittar (MDB-AC), conseguiu cortar em despesa obrigatória. Como o nome diz, obrigatória não pode ter corte. Além disso, para cumprir o Orçamento teria que contingenciar um tal volume de despesas discricionárias que órgãos públicos teriam que ser fechados.

Samuel Pessôa* - Maquiar o Orçamento

- Folha de S. Paulo

Texto aprovado traz manobras parecidas com as pedaladas fiscais de triste memória

É comum acreditar que o Orçamento não tem impactos reais na economia. Que o importante é o que as pessoas acham que há nele. Assim, se houver alguma maneira de esconder gastos sem que fique explícito, a operação será indolor.

O gasto existe. Porém, como não aparece explicitamente no Orçamento, não deixará marcas na economia. Não pressionará a demanda nem terá impacto sobre a dívida.

É a leitura de que vale o que aparece, e não o que é.

É fato que o que aparece é importante. Muitas vezes as expectativas são afetadas pelo que vemos, e as expectativas têm impactos reais sobre a economia. Por exemplo, se todos acreditam que o Tesouro quebrou, ninguém aceita os títulos de dívida, e o Tesouro acaba quebrando mesmo. Se todos acreditam que a inflação subirá, todos remarcarão seus preços e, portanto, a inflação sobe.

Assim, há em economia inúmeras expetativas autorrealizáveis. Por esse motivo, os governos se esforçam para que os números sejam os melhores possíveis.

Rolf Kuntz - Avanço na mortandade e fracasso na economia

- O Estado de S. Paulo

Governo falhou em duas áreas cruciais: na defesa da saúde e na ação econômica

Com pandemia solta e economia emperrada, o Brasil supera 300 mil mortes pela covid-19, acumula recordes de óbitos e encerra março com uma combinação perversa: inflação em alta, desemprego elevado e dezenas de milhões de pessoas à espera de uma nova rodada de auxílio emergencial, suspenso em janeiro. Completado um ano de pandemia, o presidente da República nomeou seu quarto ministro da Saúde e patrocinou a formação de um comitê coordenador de ações contra a covid. Ao atribuir a liderança ao senador Rodrigo Pacheco, presidente do Congresso, Jair Bolsonaro se manteve, cautelosamente, longe dessa função. Pressionado, defendeu a vacinação, mas aproveitou a ocasião para propagandear, mais uma vez, seu famigerado tratamento precoce. Há ociosidade na maior parte da indústria, mas excesso de trabalho em funerárias e cemitérios.

Grandes erros do governo converteram o País em epicentro da pandemia, fator de risco para todo o mundo e ameaça grave aos vizinhos. Mas isso é apenas parte de um balanço raro, se não único, no chamado mundo ocidental. Além de se destacar pelo fracasso federal na crise sanitária, o Brasil saiu do grupo das dez maiores economias. Passou da 9.ª para a 12.ª posição, em 2020, segundo a Austin Rating, ficando abaixo de Canadá, Coreia do Sul e Rússia, elevados aos 9.º, 10.º e 11.º lugares.

Celso Ming - Quinze meses de pandemia

- O Estado de S. Paulo

Quando a casa está pegando fogo, ninguém consegue ver coisas boas que possam estar sucedendo em volta. É o que acontece também nesta pandemia. Mas será que essas coisas boas serão capazes de suplantar tantas coisas ruins? Convém conferir e parar para pensar.

Entre as coisas boas que vêm acontecendo no mundo podemos eleger pelo menos três. Nunca tantas vacinas foram desenvolvidas tão rapidamente ao mesmo tempo. E há outras em andamento. E isso merece comemoração.

Também em nenhuma crise anterior tantos governos e tantos bancos centrais despejaram tanto dinheiro para reverter a paradeira econômica e o desemprego. Os Estados Unidos, por exemplo, aprovaram um pacote fiscal de US$ 1,9 trilhão de socorro emergencial à população e o governo Joe Biden prepara outro, de US$ 3 trilhões, destinado a investimentos em infraestrutura e em produção de energia limpa, com ideia de, em alguma medida, repetir o New Deal de Franklin Roosevelt, nos anos 30.

Os grandes bancos centrais mantêm uma fartura de moeda em circulação que, nos países industrializados, segura os juros básicos em torno de zero por cento ao ano.

Cristovam Buarque* - Vacinar o Brasil

- Blog do Noblat / Veja

O que falta além do vírus bolsonaro

O Brasil ficou atônito ao assistir o discurso do Presidente da República defendendo vacinação de todos os brasileiros, depois de passar dois anos menosprezando a força do Covid-19, as. medidas protetoras e a compra de vacinas. A população tem razão em duvidar da mudança de postura e dos efeitos de sua fala no combate à catástrofe provocada pelo vírus. Ao lado da vacina que salvará vidas, o Brasil precisa eliminar o vírus Bolsonaro. Mas, tanto quanto o presidente não via a necessidade da vacina contra o Covid-19, as oposições não parecem perceber que a vacina contra a reeleição está na união de todos opositores, desde o primeiro turno com um candidato de baixa rejeição.

Os partidos e os candidatos continuam tratando o risco da reeleição do presidente com o mesmo descuido que este tratou a Covid-19: tratam Bolsonaro como uma gripezinha política. Não percebem a responsabilidade que têm de fazer união desde o primeiro turno. Esta seria a vacina do Brasil para os próximos quatro anos.

George Gurgel de Oliveira* - Brasil Insustentável: a realidade e os desafios do mundo do trabalho durante e pós pandemia

O Brasil, já no segundo ano de pandemia, continua vivendo momentos de incertezas frente à realidade política, econômica e social. Diante desta conjuntura, a economia brasileira entrou em crise aumentando o desemprego e a inflação, impactando a vida de milhões de trabalhadores(as) durante a pandemia.

Quais os compromissos dos que governam, do mercado, da cidadania e da sociedade em geral frente a essa realidade?

Os impactos no mundo do trabalho durante a pandemia é causa e/ou consequência da realidade brasileira historicamente construída ou é um fenômeno conjuntural que estamos enfrentando por causa da própria pandemia?

Qual é a proposta dos(as) trabalhadores(as) e das centrais sindicais brasileiras para a saída da crise? 

São as questões analisadas no presente texto.

A sociedade contemporânea é herdeira da revolução industrial quando a ciência e a técnica começam a ser incorporadas nos processos de produção e distribuição de mercadorias transformando o cotidiano da humanidade, construindo novas relações políticas, econômicas e sociais das pessoas entre si e com a própria natureza.

Desde então, a humanidade está desafiada à construção de uma nova sociedade que supere os conflitos e as contradições gerados nessa sociedade onde tudo é e pode virar mercadoria, na busca de construção de uma sociedade democrática, inclusiva na sua organização política, econômica e social, distribuindo melhor a riqueza produzida por toda a humanidade.

Dorrit Harazim - Altos e baixos

- O Globo

Entramos numa fase em que até as palavras começam a perder oxigênio. A indignação nacional represada pela Covid-19 faz nascer uma sensação de atrofia verbal. Chegamos ao estágio em que a voz de todo um Brasil condenado à própria sorte/morte precisa de um empurrão para se manter vivo. Por enquanto, apenas a curta associação de dois vocábulos — Bolsonaro + genocida —mantém intacto seu poder de síntese para as gerações futuras.

Esta foi mais uma semana montanha-russa. As esperanças que dispararam com o anúncio de duas possíveis vacinas nacionais tiveram de conviver com dados abissais. Neste ano 1 de pandemia, a terra brasileira se viu escavada para abrigar seus primeiros 305 mil mortos de Covid-19. Haverá muitos mais. Os que até agora escaparam convivem com o peito sobressaltado pela necessidade de se atualizar com alarmes novos. Nos primórdios da pandemia, havia a falta de máscaras para a população e da proteção inadequada para os agentes de saúde. Houve escassez de leitos hospitalares, de respiradores, houve a multiplicação de covas-relâmpago. Depois veio a constatação da vacinação tardia, a conta-gotas, de leitos transbordantes também em enfermarias, do criminoso esgotamento do oxigênio hospitalar em Manaus, da iminente falta de kits de entubação em todo o território nacional. Por fim, chegamos à real ameaça de colapso dos próprios profissionais de saúde — sem que nenhuma das carências anteriores esteja dominada.

Cacá Diegues - O destino da Humanidade

- O Globo

Não podemos continuar destruindo a natureza e os seres vivos de nosso planeta porque nos julgamos mais fortes ou mais espertos

Nada será como antes. Não temos como adivinhar a diferença entre o que foi e o que será. Mas certamente, daqui a um tempo, quando a pandemia acabar ou estiver por aí disfarçando, nada será mais como foi antes. A Humanidade estará preocupada com novas questões sobre a vida, coisas que não nos ocorria antes do vírus. Não sei se seremos mais ou menos felizes, porque a felicidade terá um novo sentido para nós. Um novo que pode até acontecer de ser velho demais.

Lamentando a morte na pandemia de tantas pessoas que “não precisavam ter morrido”, Judith Butler, filósofa americana, acusa a marginalização social, o racismo e a desigualdade econômica como razões para isso. “Quem ou o que deixou tantas pessoas morrerem?”. Ela aponta o dedo para o que chama de “sádicos desavergonhados”, retrato justo que faz de Trump e Bolsonaro, alfas do “masculinismo”, ideologia e prática nascidas como reação ao feminismo.

Mas será que, num momento limite da história humana como esse, ainda haverá quem cultive essas circunstâncias tão específicas? Ou será justamente em tempos como este que nasce o trágico exclusivismo que provoca tanta guerra? E tanta intolerância seguida de mortes, muitas mortes, mesmo fora de guerras declaradas.

Lourival Sant'Anna - Disputa do século

- O Estado de S. Paulo

Biden definiu rivalidade entre EUA e China como o confronto entre democracia e autocracia

O presidente Joe Biden definiu a rivalidade entre Estados Unidos e China como a disputa do século entre democracia e autocracia. . Essa visão se aplica não só às relações internacionais, mas também à dinâmica interna das democracias, a começar pela americana, ameaçadas por uma cultura supremacista em vários sentidos.

Na Guerra Fria, havia uma diferença não só entre os modelos democrático e autoritário, mas também entre sistemas econômicos baseados na livre iniciativa e no dirigismo estatal. As ineficiências inerentes à intervenção excessiva do Estado na economia levaram o bloco socialista à debacle econômica, militar e tecnológica. 

Em resposta, os chineses reorganizaram seus sistemas de ensino, pesquisa, comércio e indústria de modo a se inserir na globalização. Com sua mão de obra abundante e barata, regulação precária em matéria trabalhista e ambiental e um mercado interno crescente, a China se tornou o celeiro de manufatura do mundo. O regime de partido único continuou intacto e, com ele, o controle político da economia, da ciência e da cultura.

O deslocamento de grande parte da indústria para a China significou para muitos americanos e europeus sem ensino superior uma perda de renda e de status social. Esse grupo se tornou cliente de líderes populistas que manipulam seu ressentimento e nostalgia com a promessa da volta aos “velhos e bons tempos” por meio da exclusão de quem supostamente os “roubou”.

Poesia | Mário de Andrade - Descobrimento

Abancado à escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da rua Lopes Chaves
De supetão senti um friúme por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.

Não vê que me lembrei que lá no Norte, meu Deus!
muito longe de mim
Na escuridão ativa da noite que caiu
Um homem pálido magro de cabelo escorrendo nos olhos,
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.

Esse homem é brasileiro que nem eu.