segunda-feira, 29 de março de 2021

Opinião do dia / Luiz Werneck Vianna*

Quais são as consequências do retorno de Lula à política?

O fato é que, para escapar da polarização extremada, Bolsonaro e Lula, seria preciso que as forças do centro tivessem outra capacidade de interferir nos acontecimentos. Mas o centro está fraco também!

Existe centro na política, com chances de sucesso eleitoral?

Não sei se o centro vai se reconstituir. Ele pode se reconstituir para ter um papel marginal. Penso que, se o PT tiver maior lucidez, não vai ser o protagonista da sucessão. Seria, nessa minha projeção utópica, o construtor de uma frente de centro-esquerda. Ele participaria, evidentemente, ativamente. Agora, sem o papel principal. É possível? Ele não tem história disso. Sempre procurou ser o protagonista. E ficou claro, no discurso de Lula, que isso vai persistir.

*Luiz Werneck Vianna, sociólogo, PUC-Rio, Entrevista: 'Desertificação da política é o legado da Lava Jato'. O Estado de S. Paulo, 14/3/21.

Fernando Gabeira - Se a canoa não furar

- O Globo

Como sair dessa? Quando sair dessa? As perguntas não cessam de martelar nossa cabeça, e cada um tenta respondê-las com a mistura de análise e desejo que se entrelaçam em nossas conversas.

De uma forma muito simples, sem censura, tento desenhar para mim um quadro ideal de superação desta crise que, além de matar muita gente, pode nos roubar uma década de desenvolvimento, segundo a própria ONU.

Nesse quadro ideal, unifico três condições: um líder como a da Nova Zelândia, uma vacinação tão intensa como a de Israel e um comportamento social como o japonês.

Diante desse quadro, sinto-me como aqueles andarilhos de uma peça de Harold Pinter que entraram, subitamente, na cozinha de um restaurante. De repente, começaram a surgir pedidos complexos, e eles tinham apenas alguns alimentos nas suas pobres sacolas.

É preciso fazer algo com poucos recursos, porque a luta contra o vírus é real, assim como é verdadeira a tragédia que se abate sobre nosso povo.

Ricardo Noblat - Ernesto Araújo oferece a própria cabeça para ser cortada

- Blog do Noblat / Veja

Suicídio político

Se faltava pouco para que Ernesto Araújo perdesse o Ministério das Relações Exteriores, agora não falta quase nada. É uma questão de horas ou de poucos dias. Foi ele mesmo que precipitou sua queda ao atacar, ontem, nas redes sociais, a senadora Kátia Abreu (PDT-TO), e por tabela os demais senadores.

Não foi um tiro no pé dado por um diplomata que nunca teve a menor importância até ser descoberto por Jair Bolsonaro, que antes de se eleger presidente, era um deputado federal do baixo clero a quem ninguém dava ouvidos – daí a afinidade entre os dois. Foi um tiro que Araújo deu na própria cabeça.

Bolsonaro nada disse até ir dormir ou encarar a insônia no closet com roupas, bolsas e sapatos da sua mulher, Michelle, a ocupar-se em receber e em responder mensagens por meio do celular. É seu costume. Mais de uma vez, já admitiu que a presidência é um emprego que não deseja a ninguém. Poderia abreviá-la.

Denis Lerrer Rosenfield* - Política e irracionalidade

- O Estado de S. Paulo

Pode dar certo um governo que se caracteriza pela falta de atitudes racionais?

O cenário nacional é de tempestade perfeita: descontrole fiscal, baixo crescimento, aumento da inflação, alta dos juros, aproximadamente 14 milhões de desempregados, sem falar nos subocupados, no medo generalizado da covid-19 e de uma cifra de mortes de mais de 300 mil pessoas, em crescimento acelerado. Para coroar o quadro, um presidente descontrolado e irresponsável, que nem ideia tem do abismo em que estamos entrando. E como desgraça pouco é bobagem, a alternativa política que se está desenhando, graças ao Supremo Tribunal, é o retorno de Lula à cena política.

A dificuldade de compreensão do presidente Bolsonaro reside em que seu comportamento, suas ações e declarações não se orientam pela normalidade, pela racionalidade que julgaríamos comum em atitudes políticas. Ele se pauta pela irracionalidade, pela destruição e pela morte. Sua previsibilidade só se dá se seguirmos esses critérios, e não os da razão, do equacionamento da violência (ataques e agressões), da vida. Ele tem uma tendência incontida, diria incontrolável, a seguir comportamentos destruidores, até de acordos por ele mesmo celebrados, ainda que este rompimento lhe seja prejudicial em médio e longo prazos.

Marcus André Melo* - Inflexão na política da pandemia

- Folha de S. Paulo

Estratégia federal de associar-se a fatores positivos como auxílio e vacina fracassou frente à crise

A dinâmica política da pandemia sofreu inflexão importante. A emergência sanitária irrompeu no segundo ano do governo e moveu as placas tectônicas da política, afetando tanto seu conteúdo substantivo (a agenda) quanto a forma (estilo de governança). A agenda tornou-se monotemática: como impedir que uma crise social desestabilizadora que poderia levar à queda do governo se instalasse?. Mas a mudança na forma demorou: foi a persistência da cacofonia midiática que produziu a inflexão.

A estratégia do governo foi associar-se a fatores positivos que produzam benefícios tangíveis; em um primeiro momento, ao auxílio emergencial; em um segundo, e que está em curso, à vacinação em massa. Medidas restritivas como lockdowns que produzem custos concentrados e benefícios difusos deveriam ficar a cargo de governadores e prefeitos, que também arcariam com os elevados custos políticos de gestão dos serviços de atenção à saúde em meio a uma emergência.

A disputa federativa envolve a distribuição dos custos e benefícios pela pandemia. É disputa sobre crédito e responsabilidade política.

Celso Rocha de Barros* - Quem deve ser preso por Bolsonaro estar solto?

- Folha de S. Paulo

Mesmo antes de discutir impeachment, instituições poderiam ter dado tiros de advertência para Bolsonaro antes que o desastre se consumasse

Se eu fosse Jair Bolsonaro, também teria cortado o financiamento do censo demográfico. No ritmo atual, chegaremos a meio milhão de mortos causados pela pandemia no meio de junho. Se contássemos a população esse ano, talvez Bolsonaro se tornasse o primeiro presidente brasileiro a ter seus crimes mensurados pelo IBGE.

E, até agora, não aconteceu nada, absolutamente nada, com o presidente da República.

Não é só que Bolsonaro sofreu menos do que Fernando Collor ou Dilma Rousseff, presidentes que sofreram impeachment. Sofreu muito menos do que qualquer presidente desde a redemocratização. Nos governos Lula e FHC, para ficar nos dois mais bem-sucedidos das últimas décadas, ministros caíam por qualquer denúncia. CPIs eram fatos normais da vida política nacional.

Mesmo antes de discutir impeachment, as instituições poderiam ter dado tiros de advertência para Bolsonaro antes que o desastre se consumasse. Fizeram isso em todos os outros governos. Não fizeram nesse.

Catarina Rochamonte* - O circo de Gilmar Mendes

- Folha de S. Paulo

Ministro deu chilique em voto no qual declarou parcialidade do ex-juiz Sergio Moro

As instituições da República merecem respeito; a questão é que, muitas vezes, elas não se dão ao respeito. Um exemplo disto foi a sessão da segunda turma do STF que declarou a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro em atuação no processo do ex-presidente Lula. No julgamento, três dos cinco ministros, além de usarem provas ilícitas (mensagens roubadas por hackers), acrescentaram a afrontosa mentira de dizer que não o estavam fazendo, no exato momento em que o faziam.

ministro Gilmar Mendes deu um show à parte. Descompensado após o sensato voto do ministro Kassio Nunes, que tinha pedido vistas do processo, Gilmar deu um chilique, faniquito ou piti; um troço desses que misturou fúria, choro, berro e teatro: gritou, destratou o ministro Kassio e xingou até o Piauí. As lágrimas brotaram depois, na emoção ao elogiar o advogado de Lula.

Entrevista | Gilmar adota tom conciliatório e pede união nacional

Para ministro, enfrentamento da atual crise é mais importante do que a discussão do impeachment

Por Isadora Peron / Valor Econômico

BRASÍLIA - Após protagonizar a maior derrota já imposta à Lava-Jato, o ministro Gilmar Mendes evita sacramentar o fim da operação que desvendou o escândalo de corrupção na Petrobras. Em entrevista ao Valor, ele diz que a suspeição do ex-juiz Sergio Moro no processo do tríplex do Guarujá deve se estender aos demais casos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas que isso não é automático para os outros réus.

Gilmar evita críticas diretas ao ex-magistrado e defende que uma investigação não pode se transformar em um “vale tudo”. “Tem que ter regras, do contrário você paga o preço de eventual nulificação de todo o trabalho. Esse é sempre um risco de se fazer um trabalho malfeito”, diz.

Gilmar afirma ainda que o plenário deve chancelar a decisão do ministro Edson Fachin, que anulou as condenações impostas a Lula pela 13ª Vara Federal de Curitiba. O julgamento está marcado para o dia 14 de abril. No entanto, diz não acreditar que a Corte derrube a decisão sobre a parcialidade de Moro, que foi tomada no âmbito da Segunda Turma, colegiado que reúne cinco dos 11 ministros.

O ministro, que chegou a pedir a demissão do agora ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, adota um tom conciliador e diz esperar que haja, enfim, uma “união nacional” para resolver o problema da pandemia. Ele afirma ainda que não é momento para discutir o impeachment do presidente Jair Bolsonaro e que não acredita em ruptura institucional em 2022 mesmo que Lula dispute - e vença - as eleições.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: O ministro Fachin disse temer que a suspeição de Moro leve à anulação de toda a Lava-Jato. O senhor concorda?

Gilmar Mendes: Eu não vejo dessa maneira. Entendo que a questão está limitada aos processos do ex-presidente Lula. Nós só julgamos na Turma aquela primeira condenação, do tríplex. Muito provavelmente isso pode ser estendido aos outros processos do ex-presidente, mas essa é uma questão que tem que ser analisada em cada caso. Eu não vejo essa abrangência vislumbrada pelo ministro Fachin. Por outro lado, a questão da competência da Vara de Curitiba pode ter uma abrangência bastante vasta, mas isso tudo terá que ser considerado a seu tempo.

Valor: A decisão de Fachin de anular as condenações impostas a Lula vai receber o aval do plenário?

Gilmar: Imagino que sim, porque é o relator que está encaminhando essa orientação, é ele quem se debruça sobre os processos. Além disso, há paradigmas no plenário de que só diziam respeito à Vara de Curitiba os processos que tivessem a ver com corrupção na Petrobras. Por isso o pleno, e também a Turma, tem tirado processos e afirmado a incompetência da 13ª Vara.

Valor: O plenário pode derrubar a decisão da Turma sobre a suspeição de Moro, caso considere que o habeas corpus perdeu o objeto?

Gilmar: Eu creio que não. Não vislumbro que isso vá ocorrer.

Valor: A suspeição de Moro para os outros casos em que Lula foi condenado é automática?

Gilmar: Isso tem que ser examinado em cada caso. O nosso foco todo foi a primeira condenação.

Paes busca nomes à esquerda para disputa no Rio

Prefeito do Rio incentiva presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, e abre canal com Freixo e ex-prefeito de Niterói Rodrigo Neves para enfrentar governador Cláudio Castro, alinhado com Bolsonaro

Por Cristian Klein / Valor Econômico

RIO - A volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao jogo eleitoral e o agravamento da pandemia penderam o tabuleiro da sucessão ao governo do Rio para a esquerda. Com a crise gerada pela disputa entre o governador Cláudio Castro (PSC) e o prefeito da capital, Eduardo Paes (DEM), em torno das medidas de restrição para conter a covid-19, o nome do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, passou a ganhar força. Ele se junta a outras figuras do campo progressista que estão no radar do grupo de Paes, como o deputado federal Marcelo Freixo (Psol) e o ex-prefeito de Niterói Rodrigo Neves (PDT).

Após se desentender com Castro nos últimos dias, Paes confirmou ao Valor o que vinha afirmando a interlocutores nos últimos dias: gostaria de ver Santa Cruz como seu candidato ao Palácio Guanabara, em 2022. Segundo o prefeito, Santa Cruz demonstrou interesse pela proposta.

Num tom mais cauteloso, o advogado diz que não está pensando em eleições agora e que ouve “como lisonjeiros esses convites de pessoas que admiro”. “São gestos de reconhecimento pelo trabalho que realizei na OAB. Na vida, pela minha profissão, juntei mais amigos que inimigos e isso pesa nessa hora”, afirmou Santa Cruz, acrescentando que seu foco até 31 de janeiro de 2022 é a OAB.

Bruno Carazza* - Janela discreta

- Valor Econômico

Regra criada por Cunha e Maia embaralha o jogo para 2022

Pode parecer sandice, mas de certa forma o destino do governo Bolsonaro e até mesmo das eleições de 2022 poderá ser decidido graças a uma parceria entre Eduardo Cunha e Rodrigo Maia firmada seis anos atrás.

Mais regulares e previsíveis do que os movimentos dos planetas ao redor do sol, as reformas eleitorais no Brasil acontecem religiosamente a cada ano ímpar. Isso se deve ao princípio da anterioridade, inscrito no Artigo 16 da Constituição, que estabelece que as regras do jogo devem ser estabelecidas um ano antes da ocorrência dos pleitos.

Criado para dar previsibilidade à disputa, esse dispositivo constitucional acaba gerando o efeito contrário: de dois em dois anos há uma corrida contra o tempo no Congresso para se alterarem as leis conforme os interesses daqueles que tentarão um novo mandato dali a 12 meses. E em 2021 não será diferente.

Ana Paula Vescovi* - Desancorados

- Valor Econômico

A regra do teto, da forma como vem sendo conduzida, deixa de assegurar a sustentabilidade da dívida pública

Mudanças recentes na conjuntura global, agravamento da pandemia e a evolução do quadro político-institucional no Brasil têm colocado nosso cenário num limiar perigoso para a sustentabilidade da dívida pública. As recentes matérias aprovadas no Congresso, alheias a esse quadro, aumentaram a distância para uma solução estrutural.

O orçamento de 2021 demonstra esse conflito: diante da insuficiência de espaço para mais despesas discricionárias (emendas parlamentares) dentro do teto de gastos, decidiu-se pelo corte artificial de R$ 26 bilhões em despesas obrigatórias, sem o devido respaldo técnico ou aprovação legal prévia, além da não correção da subestimativa das despesas no total de R$ 17,6 bilhões em relação à proposta orçamentária inicial. A correção terá que ocorrer mediante contingenciamentos, o que sempre traz fricções no relacionamento entre os ministérios, com o Congresso e também com outros Poderes, além de deixar a descoberto o financiamento do custeio administrativo, em alguns casos.

A recente aprovação da Emenda Constitucional Fiscal (PEC emergencial), adiada por dois anos, não permite afastar a percepção de riscos, por não garantir uma rota segura para a consolidação fiscal. A medida sequer compensa - até 2026, fim da primeira fase do Teto de gastos - os gastos temporários com a pandemia em 2021. Houve avanços teóricos, pois, na sua maioria, dependem de leis posteriores ou condições ainda não observáveis.

Alex Ribeiro - Não houve a esperada contração expansionista

- Valor Econômico

Banco Central aperta forte a Selic e colhe alta no juro de mercado

O Banco Central deu uma firme puxada na meta de taxa Selic, de 1,5 ponto percentual, dividida em duas prestações, uma em março e outra em maio. Mas não colheu os efeitos tranquilizadores no dólar e nos juros negociados no mercado financeiro que muitos previam. O que aconteceu?

Antes da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), os contratos com prazo de dez anos, com vencimento em 2031, eram negociados com juros de 8,5% ao ano. No fechamento da semana passada, já estavam em 9,1% ao ano. O dólar caiu abaixo do patamar de R$ 5,50 depois que o BC agiu, mas subiu de novo.

O resumo da história é que, hoje, as condições financeiras e monetárias são mais restritivas. Não houve o efeito positivo que muitos analistas econômicos esperavam do BC conservador, uma espécie de contração monetária expansionista.

Zander Navarro* - O Brasil rural acabou?

O Sebrae promoveu recentemente um evento destinado a debater as facetas atuais acerca do desenvolvimento agrário brasileiro, mas também os desafios e tendências futuras. Em correspondência à sua missão institucional, o foco foi analisar “o destino dos empreendedores”, nesse caso os produtores rurais de menor porte econômico. As palestras estão disponíveis no endereço: https://youtu.be/maBTpNYJNSc

Embora nem sempre a economia agropecuária seja corretamente descrita em seus amplos contornos, sejam espaciais ou suas dimensões sociais e econômicas, há uma profusão de manifestações públicas que exaltam seu recente virtuosismo. É a narrativa do “agro é tudo”, repetida no horário nobre televisivo. São aplausos concentrados, contudo, exclusivamente nos focos econômico-produtivos e no intenso aprofundamento tecnológico de diversos ramos considerados dinâmicos. E não apenas no tocante à produção de grãos (soja, milho e algodão), mas igualmente o setor de carnes, os ramos da cana, laranja e do café, a fruticultura irrigada no Vale do São Francisco ou o setor de florestas plantadas – enfim, são inúmeras as regiões e os ramos produtivos hoje fortemente modernizados e dominados por uma enraizada lógica empresarial. A atual safra agrícola, contabilizado o seu valor bruto mais adiante, provavelmente alcançará um trilhão de reais (sic), pela primeira vez em nossa história rural.

Por tudo isso, a economia agropecuária se transformou em uma espetacular máquina produtora de riquezas para o Brasil – um fato empiricamente inegável. E sob esse curso tendencial, com a agricultura (e a pecuária) empresarial conquistando quase todos os ramos produtivos, é inevitável que as chances dos médios e pequenos produtores venham se estreitando rapidamente, em particular no presente século. E esse tem sido o outro ângulo dessa transformação produtiva, embora raramente discutido de forma pública adequada, em todos os seus aspectos. Estamos caminhando, em síntese, talvez rapidamente, para estruturar uma agricultura sem agricultores.     

No referido evento, fui um dos expositores e arrolo, nesse brevíssimo comentário, alguns dos argumentos apresentados naquela ocasião. Inicialmente, submeti a “tese geral” que orienta a leitura da realidade da produção agropecuária e seus determinantes. Qual seja: sugerir que, no último meio século, o Brasil rural vem experimentando uma profunda e radical transformação histórico-estrutural. Trata-se de uma transição de um antigo padrão bimodal para um novo e emergente modelo produtivo que é (ou logo será) unimodal, ancorado incontrastavelmente na hegemonia da agricultura empresarial de larga escala. A antiga segmentação dual entre grandes proprietários de terra dedicados à exportação e, em outro subsetor, os médios e pequenos abastecendo o mercado interno, como prevalecia até os anos oitenta, está deixando de existir. É uma passagem ainda inconclusa, mas sem retorno, e sob a qual os médios e pequenos produtores estão sendo encurralados como agentes econômicos e, gradualmente, também como cidadãos moradores das regiões rurais.

Malu Gaspar- Senadores vão pedir ao STF impeachment de Ernesto Araújo

- O Globo

Um grupo de senadores apresenta hoje ao Supremo Tribunal Federal o pedido de impeachment do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. O documento, redigido pelos oposicionistas Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE), afirma que Araújo cometeu crime de responsabilidade ao dificultar, com sua atuação, a importação de vacinas para prevenir a Covid-19. 

Araújo também teria dado razões para o afastamento ao hostilizar uma nação estrangeira, no caso a China, e divulgar mentiras sobre a evolução da  pandemia de Covid-19 para a comunidade internacional. Por lei, só o STF pode afastar do cargo um ministro de estado. Além de Rodrigues e Vieira, outros senadores se comprometeram a subscrever o pedido, que circulou por WhatsApp no fim da noite de ontem.

A iniciativa, que vinha sendo discutida ao longo da semana passada, ganhou força neste domingo, com os ataques públicos o chanceler fez à senadora Kátia Abreu (PP-TO), presidente da comissão de Relações Exteriores do Senado. 

Antônio Gois - O desmonte do IBGE e do Inep

- O Globo

Nos últimos dias, além da tragédia com o aumento de mortes por Covid-19, vimos duas das mais respeitadas instituições da República sofrerem duros golpes: o IBGE e o Inep. Ambas prestam, através de seus reconhecidos corpos técnicos, um serviço essencial para o melhor planejamento de políticas públicas sociais no Brasil.

O ataque ao IBGE veio na decisão do Congresso Nacional de cortar o orçamento do Instituto em mais de 90%, inviabilizando, caso não seja revertido, a realização do Censo Demográfico neste ano. Vale lembrar que o levantamento decenal – o mais importante e extenso feito pelo instituto - já está defasado, pois deveria ter sido feito no ano passado, mas foi adiado por causa da pandemia. Apenas para ficar num exemplo educacional, sem o Censo, informações vitais como o número de crianças em cada município sem acesso a creches ou escolas no país deixam de ser aferidas de forma precisa. 

Miguel de Almeida - Papel que embrulha prego

- O Globo

Depois de um ano de pandemia, a Ciência já ofereceu várias vacinas para o dito novo coronavírus, mas o Brasil ainda não encontrou um diagnóstico efetivo para o Bozo. Os especialistas se dividem entre trauma intrauterino, desconexão com a realidade (a tal ausência) ou síndrome do papel que embrulha prego.

Ou, apenas, mané.

Chocar-se contra um prédio, depois de um malsucedido salto de paraquedas, ser alcunhado de Cavalão e não ascender a oficial superior do Exército, além de compartilhar os segredos do Silas Malafaia, são motivos elencados no prontuário para a disfunção de cognição, falta de vocabulário e alma penada.

Alguém que já viu de tudo nessa vida, como Machado de Assis, prescreveu em “O alienista”: não se contraria diagnóstico. É como se dissesse, quem não nasceu para general, morre tenente. Difícil encontrar empatia nas mentes ocupadas por sintomas como paranoia, por sentimentos como inveja e trazer na memória apenas a combinação de cores usadas por Pazuello.

Irapuã Santana - Afinal, o que é racismo?

- O Globo

O Brasil é um país racista? A polícia é racista? Uma política pública pode ser racista? Você, meu caro leitor, considera a si mesmo racista?

São as perguntas que aparecem em nosso debate público atual, principalmente após a morte de George Floyd, em maio de 2020, nos Estados Unidos. Mas como uma palavra tão curta pode ser utilizada em tantas situações diferentes?

Afinal, o que é racismo?

Existem diversas formas de tentar defini-lo. Tentarei passar a definição que, após muita reflexão, deixa maior conforto no meu entendimento.

Creio que podemos defini-lo como a prática de desumanização ou subcategorização do indivíduo por sua raça ou etnia.

Tal desclassificação pode acontecer em nível individual, quando uma pessoa comete essa ação em relação a outra; mas também pode ocorrer em nível coletivo, tanto por parte das instituições, quanto pela sociedade em geral, no momento em que é possível observar um comportamento social e institucional reiterado, de modo naturalizado.

Poesia | Mário de Sá Carneiro - Quase

Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minhalma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...

Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Listas de som avançam para mim a fustigar-me
Em luz.
Todo a vibrar, quero fugir... Onde acoitar-me?...
Os braços duma cruz
Anseiam-se-me, e eu fujo também ao luar...

Mário de Sá Carneiro, Portugal (1890-1916)