segunda-feira, 12 de abril de 2021

Fernando Gabeira - Do paraíso ao inferno tropical

- O Globo

Não consigo deixar de quebrar a cabeça para explicar nosso fracasso diante da pandemia. Pareço aquele personagem do romance de Vargas Llosa “Conversa na catedral”. Ele se debate com a pergunta: “Em que momento o Peru se fodeu?”.

Cada semana enveredo por uma trilha nova, sem saber direito onde dará essa patética aventura.

Alguns textos estimulam minha busca. Um deles é da economista Mariana Mazzucato, que, ao falar da importância de uma ação nacional coordenada, usa como exemplo o esforço americano para colocar o homem na Lua.

O livro dela chama-se “Missão economia” e pretende ser um guia para mudar o capitalismo. No prefácio, ela comenta a experiência vitoriosa do Vietnã contra a Covid-19, baseada na capacidade de unir todas as energias nacionais numa só direção.

Por minha conta, dei um balanço também em alguns momentos de êxito dos britânicos na pandemia. Um deles foi a capacidade de articular a energia e a criatividade no processo de conseguir vacinas e realizar a vacinação em massa. Outro foi o êxito em evitar, no auge da crise sanitária, que houvesse um colapso no sistema hospitalar.

Ricardo Noblat - Bolsonaro sugere impeachment de ministros do STF para esvaziar CPI

- Blog do Noblat / Veja

Quanto mais confusão, melhor para ele

Por mais repulsiva que seja quando revelada, a tentativa de interferência de um presidente da República em assuntos internos do Congresso faz parte do jogo jogado às escondidas do distinto público, aqui e em toda parte. Não chega a ser um crime capaz de derrubá-lo. Transparência é tudo o que não há na política.

Mas quando um presidente também interfere para que um parlamentar apresente pedidos de impeachment contra ministros da mais alta Corte de Justiça do país, o crime está mais do que configurado – desta vez por atentar contra a autonomia dos poderes. Foi o que fez o presidente Jair Bolsonaro.

Em conversa por telefone divulgada pelo senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) nas redes sociais, Bolsonaro sugere com clareza que, se houver pedidos de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal, a CPI da Covid poderá ser esvaziada, deixando assim de investigá-lo e ao seu governo.

Se Bolsonaro sente-se tão à vontade para interferir no Senado e boicotar a decisão do Supremo de mandar instalar a CPI, quanto mais em órgãos que não são do governo, mas do Estado, como Receita Federal, Polícia Federal, Procuradoria-Geral da República, e o que mais possa ameaçar sua segurança, e a dos filhos.

“Você tem de fazer do limão uma limonada. Tem de peticionar o Supremo para colocar em pauta o impeachment (de ministros) também”, disse Bolsonaro a Kajuru. “Sabe o que eu acho que vai acontecer? Eles vão recuperar tudo. Não tem CPI, não tem investigação de ninguém do Supremo.”

Bruno Carazza* - Quando a esmola é muita

- Valor Econômico

Imunidade não quer dizer subvenção

Nos primórdios, a ordem era a seguinte: em primeiro lugar a Igreja, depois a unidade do Estado e as leis e só então viria o interesse da população.

“Juro manter a Religião Católica Apostólica Romana, a integridade e indivisibilidade do Império e fazer observar a Constituição Política da Nação Brasileira, e demais Leis do Império, e prover ao bem geral do Brasil”, exigia o art. 103 da nossa primeira Constituição, proclamada por Pedro I em 25 de março de 1824.

Logo após a Independência, a liberdade de culto existia apenas no papel, pois o catolicismo era o credo oficial; o único com direito a possuir templos - as demais práticas religiosas eram permitidas apenas em residências ou espaços fechados, sem demonstração externa. E havia um detalhe: para ser deputado, era preciso ter pelo menos 400 mil réis de renda líquida e professar a religião do Estado - ou seja, ser católico.

Com a Proclamação da República foi abolido o vínculo oficial entre Igreja e Estado no país. A Carta Magna de 1891 proibiu o governo de estabelecer, subvencionar ou atrapalhar o funcionamento de qualquer culto. O princípio da laicidade prevalece até hoje, insculpido no inciso I do art. 19 da atual Constituição.

E foi com base nesse dispositivo que a Associação Nacional dos Juristas Evangélicos obteve do ministro Kássio Nunes uma liminar impedindo governadores e prefeitos de editarem normas restringindo cerimônias por causa da pandemia. Esse entendimento, contudo, foi derrubado na semana passada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, que decidiu que a proteção à vida não viola o princípio da liberdade religiosa.

Entrevista | FHC: “Não pode ser o candidato da elite”

Para ex-presidente, nome da terceira via em 2022 precisa conhecer bem realidade brasileira

Por Cristiano Romero / Valor Econômico

BRASÍLIA - Na polarização que se desenha para a eleição de 2022, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) afirma ser possível criar o “espaço” para uma terceira via competitiva que enfrente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual, Jair Bolsonaro (sem partido). Desde que a alternativa construa esse “espaço” com um forte discurso de “progresso econômico”, que conheça a realidade brasileira e não seja “anódina”. “É preciso ver quem é capaz de conversar com o Brasil. Não pode ser o candidato da elite”, defende, em entrevista ao Valor.

Para FHC, o Brasil “gosta de novidade” e a vitória de Joe Biden nos Estados Unidos é “positiva” por refletir “aqui de alguma forma” a possibilidade de se escolher “uma candidatura que seja equilibrada”. O ex-presidente almeja, mas não enxerga no momento o portador do perfil ideal para combater Lula e Bolsonaro em 2022: alguém que exerça liderança nacional, “atenda aos mais pobres” e seja popular.

“Estamos longe de ver alguém que simbolize essa diversidade, para ser um bom candidato de oposição”, diz. “Há governadores que têm peso. Dizem que são candidatos, mas eles não simbolizam nada nacionalmente”, acrescenta FHC, correligionário dos governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, pré-candidatos na corrida presidencial.

Para o tucano, “política não se faz com o passado”, mas com o futuro. Apesar disso, a disputa em 2022, afirma, pode favorecer Lula. Em sua opinião, o petista, na falta de uma terceira via competitiva, pode aglutinar forças do centro. “Bolsonaro é mais extremo que o Lula. Se não aparecer uma [terceira] candidatura, o Lula vai somar essa gente [que hoje faz oposição ao governo] para enfrentá-lo”, diz o tucano, que tampouco é a favor do impeachment de Bolsonaro. “Estamos muito longe de uma situação de impeachment. Bolsonaro está governando. Então, acho que é insensato”, disse.

A seguir, leia os principais trechos da entrevista ao Valor:

Valor: O senhor imaginou que o Brasil fosse se tornar o epicentro da pandemia?

Fernando Henrique Cardoso: Na minha casa falavam muito da gripe espanhola, que foi algo muito difícil, mas nunca mais se falou de uma pandemia no sentido que temos hoje. As pessoas não estavam, em geral, preparadas para isso. Quando o governo não sinaliza a gravidade, é pior. A situação é muito complicada, o número de mortos não para de crescer. E o pior é que os pequenos negócios na economia estão fechando, todo mundo está sofrendo as consequências e vai sofrer por muito tempo ainda.

Valor: Como estaremos depois da pandemia?

FHC: Não sei o que vai acontecer porque, neste momento, todos querem salvar a própria pele, todo mundo pensando em si mesmo, depois vai pensar na vida. E a vida é o trabalho, a política. O Brasil é curioso porque tem um serviço de saúde bom. Quando eu era criança, aqui só havia as santas casas de misericórdia e olhe lá. Hoje, temos o SUS e ele funciona, atende às pessoas. Eu uso o SUS.

Valor: Mas o senhor é bem atendido porque é ex-presidente.

FHC: Espero que sim, mas a cama é a mesma, os lençóis são os mesmos, os médicos, enfim, o SUS é razoável.

Valor: O que está faltando?

FHC: Confiança. É difícil manter a confiança numa situação dessas. E com o nosso presidente que acha que a pandemia é uma gripezinha, ninguém acredita em nada. Agora, isso não para a vida política. Ainda bem que tem eleição, mas sempre repito: política não se faz com o passado.

Valor: Não?

FHC: Não. Política se faz com o futuro. O que você apresenta, qual é o caminho. Num país como o Brasil, isso é mais forte.

Valor: Por quê?

FHC: Porque aqui não tem partido para disciplinar os políticos. O povo vai atrás de pessoas que expressam aquele momento. Neste momento, você olha em volta e vê falta de quem expresse alguma coisa. Vamos ver quem, depois da pandemia, vai expressar o momento novo do Brasil. É um país que tem futuro, tem riqueza, tem gente.

Valor: Mas não cresce há sete anos.

FHC: O problema fundamental é retomar o crescimento, mas diminuir a desigualdade, que é muito grande. Quando falam do meu governo, dizem: “Ele fez o Plano Real”. O real foi importante, mas fiz a reforma agrária, algo que tem um peso grande para a população. A educação melhorou bastante, Paulo Renato [de Souza] era um bom ministro; a saúde, onde o [José] Serra foi um bom ministro, antes dele o [Adib] Jatene, deu um salto grande. Comecei a reforma fiscal para enfrentar o déficit público, que sempre existiu e agora vai aumentar.

Valor: Bolsonaro, ex-deputado sem grandes pretensões políticas, rompeu com a polarização PSDB-PT que prevaleceu de 1994 a 2018. Como se explica isso?

FHC: Bolsonaro veio como o anti-PT. O pessoal ficou com medo da vitória do PT.

Valor: Medo do que exatamente?

FHC: O medo não estava baseado propriamente em fatos, mas muito mais na pintura que se fazia das coisas. Na verdade, quando foi presidente, Lula governou de acordo com o mercado. A presidente Dilma [Rousseff] foi mais voluntariosa, mas não fez nada que fosse contra os interesses predominantes. Ela podia ser menos capacitada que o Lula para lidar com a máquina pública.

Valor: Onde o senhor acha que a ex-presidente errou?

FHC: Ela rompeu [com o modelo macroeconômico herdado de Lula], sobretudo, no segundo mandato [2015-2016], quando fez outra coisa. A Dilma era mais estatizante que o Lula.

Valor: Lula manteve o modelo adotado em seu governo e, inclusive, o aperfeiçoou. Um exemplo foi a acumulação de reservas cambiais. Como o senhor o define?

FHC: O Lula é prático. Eu o conheci bastante quando ele era dirigente sindical. Ele é inteligente, sensível e prático. Sempre teve mais amor ao capital, mas nunca deixou de olhar para o povo, sempre fez uma mescla das duas coisas. É mais paulista: “O governo faz, mas quem faz também é o mercado”. Com a Dilma, é mais Estado. Não deu certo não só por ser Estado, mas também porque a conjuntura não favoreceu. Bolsonaro se elegeu na base de que é um liberal.

Valor: Ele é um liberal?

FHC: Não é liberal. É um militar e eu conheço bem os militares. Meu pai era general e meu avô, marechal. Nada contra isso, mas conheço a mentalidade militar deles, que é mais Estado. No caso do presidente, ele é capitão, então, é mais reivindicativo ainda. Nunca falei com ele, mas lembro que ele era um ser reivindicante, queria coisas para os militares. Não me parece que ele tenha grandes habilidades políticas.

Berço do bolsonarismo, Rio pode ter ‘palanque duplo’ para oposição em 2022

Conversas que vão do PSOL a Paes miram 'reconstrução' e criam pontes com Lula e Ciro

Caio Sartori / O Estado de S. Paulo

RIO - Devastado nos últimos anos por escândalos de corrupção e crises econômicas, o Rio pode ver antigos adversários políticos compondo a mesma aliança na eleição estadual do ano que vem. Berço do bolsonarismo e comandado hoje pelo interino Cláudio Castro (PSC), aliado do presidente Jair Bolsonaro, o Estado é visto como peça-chave pela oposição. Até um “palanque duplo” para os projetos presidenciais de Lula (PT) e Ciro Gomes (PDT), por exemplo, é considerado.

A ideia é agrupar a esquerda e o centro em torno de um nome. O mais cotado, hoje, é o de Marcelo Freixo (PSOL). Em gesto impensável até pouco tempo atrás, o deputado federal tem construído pontes à sua direita. Mira aproximação com o deputado federal Rodrigo Maia (DEM), que deve migrar para o MDB, e o prefeito carioca Eduardo Paes (DEM), cuja situação partidária ainda tem um futuro incerto.

A movimentação de seu principal quadro gera reação interna no PSOL, historicamente avesso a alianças com o centro. A saída de Freixo do partido é considerada inevitável por alguns políticos, caso o projeto de candidatura a governador nessa composição se concretize. Nomes importantes da legenda, por outro lado, buscam esfriar o conflito e pedem mais diálogo interno.

Participam das conversas outras figuras importantes da política local. Pelo PSB, fala o deputado federal Alessandro Molon. Representa o PT seu vice-presidente nacional do partido e ex-prefeito de Maricá, Washington Quaquá. O PDT tem voz pelo presidente da legenda, Carlos Lupi, e pelo ex-prefeito de Niterói Rodrigo Neves, que deixou o cargo com cerca de 80% de aprovação no ano passado.

Quem também está sempre presente nas discussões é o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, que encerra o mandato à frente da Ordem no início do ano que vem. Cortejado pelo PSDB, o advogado já foi filiado ao PT quando era mais jovem. Também é amigo de longa data de Eduardo Paes, cujo destino político-partidário deve ser decisivo para o do aliado.

Vários nomes, incluindo o de Santa Cruz e o de Rodrigo Neves, são cotados como possíveis candidatos ao governo estadual. Hoje, porém, o projeto Freixo é o que mais empolga, dado o histórico recente de bons sufrágios do psolista. Para consolidá-lo, no entanto, uma série de fatores será considerada.

O deputado já avisou – inclusive em entrevista ao Estadão – que só sairá candidato se compor uma aliança robusta, que vá além da esquerda. É aqui que entra a importância de nomes como Paes e Maia, avaliam Freixo e outros que abraçam a causa.

A iniciativa desses quadros da política para 2022 busca elaborar um discurso de reconstrução do Rio. Ao mesmo tempo, tenta construir um palanque para dois dos principais nomes da centro-esquerda na eleição presidencial: Lula e Ciro. O caso do governador do Ceará, Camilo Santana (PT), em 2018, é tido como referência para essa possibilidade. O mandatário cearense é aliado do clã Gomes no âmbito local. 

Celso Rocha de Barros - A CPI de Nuremberg

- Folha de S. Paulo

Comissão instaurada meses atrás teria salvado milhares de vidas; talvez ainda dê para salvar algumas

ministro Luís Roberto Barroso determinou que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, tome vergonha na cara e instaure a CPI que investigará os crimes de Bolsonaro durante a pandemia.

O requerimento para abertura da CPI é assinado por 32 senadores, 5 a mais do que o legalmente requerido. A CPI só não havia sido aberta ainda por mutreta, falcatrua e sacanagem.

O senador Pacheco alega que a instauração da CPI pode prejudicar a ação conjunta dos Poderes contra a pandemia. Ele está mentindo. Não há ninguém na esfera federal tomando qualquer providência contra a pandemia. Cerca de 80% das vacinas aplicadas no Brasil até agora são da Coronavac do Butantan (e de Doria).

O presidente da Câmara, Arthur Lira, disse que não é “hora de apontar culpados”. Disse isso porque Bolsonaro, que é o culpado, concedeu a Lira e a seus aliados no centrão acesso a cargos e verbas da administração federal.

A hora de apontar culpados, se entendi bem, será quando esse dinheiro acabar. Talvez já não dê mais para evitar uma única morte brasileira.

Se vocês quiserem entender a diferença que instituições minimamente funcionais fazem, deem uma olhada no noticiário um dia antes da decisão de Barroso e um dia depois.

Um dia antes, a Câmara aprovou um projeto de lei que possibilita que vacinas sejam desviadas do SUS para empresários utilizando o Ministério da Saúde como laranja. Essa aliança de Chicago Boys inspirados em Milton Friedman com Chicago Boys inspirados em Al Capone só foi possível porque o bolsonarismo estava funcionando sem controle nenhum.

Marcus André Melo* - As CPIs funcionam?

- Folha de S. Paulo

Opinião pública, base parlamentar estável e conflitos intracoalizão importam para efetividade das CPIs

No período 1946-2015, 32% das CPIs aprovadas não concluíram seus trabalhos, e 5% sequer foram instaladas. Após a democratização, a percentagem é ainda menor. Na Câmara apenas um quinto das aprovadas foram instaladas, e meras 49 concluídas (1990-2015). No Senado, foram propostas 47 CPIs; 28 foram instaladas, e só 17 concluídas. O contraste com o período 1946-1964 é eloquente: das 169 CPIs propostas, 95% foi instalada. Destas, 60% concluíram os trabalhos.

Entre 2002 e 2010, a taxa de conclusão de CPIs foi de apenas 12%. Mas isto é apenas uma fase do processo: a proporcionalidade partidária, e o controle das relatorias e presidências, garantem que governos que contam com base estável não sejam vulneráveis. Governos podem também impedir a criação de novas CPIs pela oposição patrocinando CPIs ( o número máximo é de cinco CPIs simultâneas).

Na CPMI da Petrobrás foi divulgado um vídeo contendo o ensaio patrocinado pelo governo sobre as perguntas que parlamentares governistas fariam aos depoentes envolvidos em irregularidades.

Um “gabarito” com as respostas teria sido entregue à presidente da Petrobras. O relator Marcos Maia (PT) não indiciou ninguém em seu relatório preliminar que teve que ser emendado às pressas quando isto veio a público.

O contraste entre o período pré 1964 e pós 1988 é explicável pela delegação de poderes ao Executivo e ao Judiciário e instituições de controle, permitindo maior controle do Executivo sobre o Legislativo, mas também maior efetividade ao Judiciário e ao MP. No presidencialismo de coalizão apenas quando há conflito interno à coalizão, alta visibilidade temática e enfraquecimento do presidente é que as CPIs adquirem efetividade.

Denis Lerrer Rosenfield* - Bolsonarismo, conservadorismo e liberalismo

- O Estado de S. Paulo

Unidos na eleição de 2018, diferenciações e divergências vão se tornando mais nítidas

Jair Bolsonaro, em sua eleição, conseguiu encarnar a força do antilulopetismo, congregando em torno de si três correntes de ideias que, naquele então, apareceram juntas na luta contra um inimigo comum: a extrema direita, os conservadores e os liberais. Compareceram amalgamados, unidos, mesmo indistintos, prometendo uma regeneração nacional, contra a corrupção e os políticos que a ela tinham aderido.

A concepção propriamente de extrema direita, embora já presente, foi progressivamente ganhando forma, exercendo forte influência graças à família presidencial e à captura de ministérios importantes. Os conservadores, bem delineados, surgiram na defesa de valores morais, tendo como representantes principais os evangélicos. Os liberais apresentaram-se, principalmente, sob a pauta do liberalismo econômico e menos sob a forma do liberalismo político.

No entanto, nestes mais de dois anos transcorridos, as diferenciações e divergências internas foram se tornando mais nítidas, embora algumas ainda não se tenham configurado completamente. Por exemplo, o liberalismo econômico já foi praticamente deixado de lado, apesar de o ministro da Economia continuar no poder como figurante de um governo de extrema direita, afeito a intervenções em empresas públicas, abandono das reformas, irresponsabilidade fiscal e ausência de privatizações. Sobra apenas um fiapo de discurso e práticas liberais.

Bolsonaro tenta derrubar CPI da Covid ao cobrar apuração de prefeitos e governadores

Planalto avalia que ameaça a gestores locais pode reduzir apoio no Senado; governo tenta retirar assinaturas de requerimento

Ricardo Della Coletta / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O governo Jair Bolsonaro passou a defender abertamente a ampliação da CPI da Covid. Com a medida, a comissão no Senado poderia investigar também a ação de governadores e prefeitos na pandemia.

A estratégia, segundo senadores e auxiliares de Bolsonaro, é jogar mais pressão sobre congressistas para que eles retirem assinaturas do pedido de criação da comissão. Isso precisa ser feito nas próximas horas.

O Palácio do Planalto avalia que a perspectiva de uma CPI que, além do governo federal, mire prefeitos e governadores pode ser suficiente para reduzir os apoios à instalação da CPI no Senado, uma vez que senadores são ligados politicamente às administrações nos estados.

No sábado (10), Bolsonaro defendeu a extensão do escopo do colegiado.

"A CPI [é] para apurar omissões do presidente Jair Bolsonaro, isso que está na ementa. Toda CPI tem de ter um objeto definido. Não pode, por exemplo, por essa CPI que está lá, você investigar prefeitos e governadores, onde alguns desviaram recursos. Eu mandei recursos para lá, e eu sou responsável?", disse.

"Conversei com alguns [senadores] e a ideia é investigar todo mundo, sem problema nenhum", afirmou Bolsonaro que, na manhã do sábado, realizou um passeio de moto pela periferia de Brasília.​

Depois, em áudio divulgado pelo senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) neste domingo (11), Bolsonaro voltou a apelar para a ampliação da CPI.

"Se não mudar, a CPI vai simplesmente ouvir o [ex-ministro da Saúde, Eduardo] Pazuello, ouvir gente nossa, para fazer um relatório sacana", disse Bolsonaro, em gravação reproduzida nas redes sociais do senador.

O discurso foi endossado pelo ministro das Comunicações, Fábio Faria (PSD), em uma sequência de mensagens publicadas no Twitter sábado (10) e domingo (11).

"Uma CPI exclusivamente para apurar o governo federal eu sou totalmente contra. Se tiver CPI, que se apure todos os entes da Federação, inclua estados e municípios e os impactos da liberação da eleição de 2020 para o surgimento da nova cepa (P.1)", escreveu.

Bolsonaro faz pressão contra STF e governadores

Em conversa gravada, presidente também cobrou Jorge Kajuru (Cidadania-GO) para que a comissão, se instalada no Senado, investigue a atuação de governadores e prefeitos na pandemia

Mateus Vargas, André Borges e Daniel Weterman, O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Às vésperas da instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado sobre ações e omissões do governo federal na pandemia, o presidente Jair Bolsonaro pressionou o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) a ingressar com pedidos de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal. Em conversa por telefone divulgada pelo próprio senador nas redes sociais, Bolsonaro dá a entender que, se houver pedidos de impeachment contra ministros da Suprema Corte, podem ocorrer mudanças nos rumos sobre a instalação da comissão. 

“Você tem de fazer do limão uma limonada. Tem de peticionar o Supremo para colocar em pauta o impeachment (de ministros) também”, disse Bolsonaro ao senador. “Sabe o que eu acho que vai acontecer, eles vão recuperar tudo. Não tem CPI, não tem investigação de ninguém do Supremo.” 

Kajuru respondeu que ingressou, no sábado, 10, com pedido no STF para obrigar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a também pautar para votação em plenário o afastamento do ministro do STF Alexandre de Moraes, ao que Bolsonaro respondeu: “Você é 10”. “Ou bota tudo ou fica no zero a zero”, referendou o senador. “Sou a favor de botar tudo para a frente”, afirmou o presidente.

O Senado tem hoje dez pedidos de investigação contra ministros do Supremo. Somente contra Alexandre de Moraes são seis. O ministro virou alvo após determinar a prisão de vários bolsonaristas investigados no inquérito das Fake News. Além dele, também há requerimentos para investigar Gilmar MendesEdson Fachin e Cármen Lúcia. Todos estão na gaveta do presidente da Casa.

No diálogo divulgado por Kajuru, o presidente fala mais de uma vez sobre a necessidade do contra-ataque ao STF. “Você pressionou o Supremo, né?”, disse. “Sim, claro. Entrei ontem, às 17h40”, responde o senador. E Bolsonaro conclui: “Parabéns para você”. Assim como o ministro Luís Roberto Barroso obrigou o Senado a instalar a CPI, o objetivo é forçá-lo a também determinar a análise dos pedidos de impeachment contra os ministros do STF. 

Em conversa com senador, Bolsonaro defende que CPI da Pandemia investigue também governadores e prefeitos


Presidente disse que, como está, comissão de inquérito irá "para cima" dele para fazer "relatório sacana" e cobrou do parlamentar pressão por impeachment de ministros do STF

Eliane Oliveira / O Globo

BRASÍLIA — Em conversa divulgada neste domingo pelo senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO), o presidente Jair Bolsonaro defende que a CPI da Pandemia no Senado investigue também governadores e prefeitos. O objetivo da comissão, que teve a instalação determinada pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), é investigar as eventuais omissões do governo federal no combate ao coronavírus. Um requerimento que pede a extensão da apuração para gestores estaduais e municipais já foi apresentado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).

— Se não mudar o objetivo da CPI, ela vai vir para cima de mim. O que tem que fazer para ser uma CPI útil para o Brasil: mudar a amplitude dela, bota presidente da República, governadores e prefeitos — diz Bolsonaro, que afirmou não ter "nada a esconder".

Em outro trecho, reafirma:

— Se não mudar (a amplitude), a CPI vai simplesmente ouvir o (ex-ministro Eduardo) Pazuello, ouvir gente nossa, para fazer um relatório sacana.

Bolsonaro também disse a Kajuru que é preciso pressionar o STF para que determine ao Senado Federal que analise pedidos de impeachment de ministros da Corte.

— Uma coisa importante. Vamos lá: você tem que fazer do limão uma limonada. Por enquanto é um limão que está aí, dá para ser uma limonada. Tem que que peticionar o Supremo para botar em pauta o impeachment [dos ministros do STF].

O senador respondeu que já fez. E Bolsonaro perguntou:

— Você fez para investigar quem?

— O Alexandre de Moraes — afirmou Kajuru, dizendo que já existe um pedido contra o ministro que está "engavetado" pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.

— Parabéns para você — elogiou Bolsonaro.

— Se ele (ministro Roberto Barroso) fez com a CPI (da Covid-19), tem que fazer com o ministro (pedido de impeachment) — completou Kajuru.

Entrevista | Alexandre Vieira/Senador: ‘Por coerência, é preciso apurar fatos conexos’

Em entrevista, Alessandro Vieira (Cidadania-SE) diz que comissão precisa ter 'repercussões estaduais e municipais'

Bruno Góes / Globo

BRASÍLIA - O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que apresentou um requerimento pedindo que a CPI da Pandemia estenda a investigação também para estados e  municípios, defende que a ampliação é uma questão de "coerên cia".

Nesta terça-feira, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), vai ler o requerimento de instalação da comissão. O possível aumento no escopo dos trabalhos ainda será tema de análise pelos senadores.

Como foi a reação ao pedido de ampliação do escopo da CPI da Pandemia?

Levando em consideração a manifestação de vários colegas, imagino que não haja qualquer dificuldade em fazer a ampliação do escopo. Muita gente gritou alegando que não concordava com uma CPI que iria apurar apenas a esfera federal. Eu acho, por uma questão de coerência, que é preciso ter uma oportunidade de apurar fatos conexos com o inicial, que tenham repercussões estaduais e municipais, uma vez que as responsabilidades são compartilhadas no Sistema Único de Saúde.

Essa ampliação pode suscitar o questionamento de que não há mais fato determinado? Isso pode inviabilizar a CPI?

Não faz o menor sentido, porque a leitura e a instalação da CPI ocorrerão com base do requerimento original. Tem muita gente que trabalha hoje num nível de sectarismo tão grande, em que só vale qualquer iniciativa se for contra o adversário do momento. Eu não trabalho assim. Em investigações, você não trabalha focado numa pessoa, num alvo político. Investigações têm que ser feitas sobre fatos. Eu não tenho dúvida de que vai haver potencial responsabilização na esfera federal. Os fatos apontam neste sentido.

Há críticos, como o senador Randolfe Rodrigues, que dizem que essa ampliação servirá para que não se investigue nada. Como vê isso?

Digamos que eu tenha uma experiência a mais do que o Randolfe no tocante a investigações. E a questão da ampliação foi debatida no momento da coleta de assinaturas, em plenário, meses atrás. Não tem problema, a gente faz a instalação e depois discute a ampliação de escopo, desde que sejam fatos conexos, porque é muito óbvia a conexão das esferas. Eu entendo a posição do Randolfe, respeito. Mas acho que temos que respeitar a sociedade, que quer a garantia de que a apuração seja isenta de cores ideológicas.

Malu Gaspar - Tucanos devem definir o rumo da CPI da Pandemia

- O Globo

Depois de fracassar na primeira tentativa de impedir a CPI da Covid-19, convencendo senadores a retirar assinaturas do requerimento por sua criação, o governo Bolsonaro agora tenta interferir na escolha dos integrantes, garantindo que a maioria seja a seu favor. Nesse xadrez, o bloco formado pelo PSDB e pelo Podemos é hoje o fiel da balança.

Pelas contas dos líderes partidários, o bloco indicará dois membros titulares da CPI. Como a oposição já tem garantidos hoje cinco dos 11 membros titulares (um do PT, um do bloco Rede-Cidadania e três do MDB) e o governo, quatro (um do PP, um do PL, um do PSD e um do DEM), os dois senadores do bloco (PSDB-Podemos) farão a diferença. A depender de quem for escolhido, a CPI poderá ser mais governista ou mais anti-governo. 

Tanto no Podemos como no PSDB há senadores mais críticos ao governo e outros mais alinhados ao bolsonarismo. Como o Podemos é uma incógnita para os articuladores de ambos os lados, a pressão no final de semana se concentrou sobre os tucanos. 

Três dos quatro tucanos que assinaram o pedido de CPI são oposicionistas — José Serra e Mara Gabrilli, de São Paulo, e Tasso Jereissati, do Ceará. Por isso, o bloco de oposição pediu ao governador de São Paulo, João Doria, que entrasse nas articulações para tentar garantir que Jereissati integrasse a CPI. 

Bela Megale - Mesmo com pressão de Bolsonaro, maioria do STF vai confirmar abertura de CPI da Pandemia

- O Globo

Sob forte pressão do presidente Jair Bolsonaro, a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) indica que manterá a decisão do colega Luís Roberto Barroso sobre a instalação da CPI da Pandemia. Magistrados ouvidos pela coluna avaliam que a conversa feita por telefone entre o presidente e o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO), a qual foi tornada pública ontem pelo parlamentar, deixou mais evidente o medo de Bolsonaro da investigação que será aberta para analisar omissões do governo federal no combate à Covid-19.

Na conversa, Bolsonaro sugeriu a Kajuru que entre com pedidos de impeachment contra ministros do STF. O presidente sugeriu ao senador que a abertura desses processos teria o poder de segurar a CPI da Pandemia, ou seja, de intimidar os ministros da suprema corte.

Apesar da pressão de Bolsonaro, os magistrados vão confirmar a liminar de Barroso durante sessão do plenário, marcada para quarta-feira, por videoconferência.

A avaliação de ministros ouvidos pela coluna é a de que a divulgação da conversa com o senador acabou por ter um efeito contrário ao que esperava Bolsonaro. Neste momento, qualquer recuo de ministros do STF significaria ceder à intimidação que o presidente tenta exercer sobre a corte.

Poesia | Mário de Sá-Carneiro - Das sete canções de declínio

Um frenesi
hialino arrepiou
Pra sempre a minha carne e a minha vida.
Foi um barco de vela que parou
Em súbita baía adormecida...

Baía embandeirada de miragem,
Dormente de ópio, de cristal e anil.
Na ideia de um país de gaze e Abril,
Em duvidosa e tremulante imagem...

Parou ali a barca – e, ou fosse encanto,
Ou preguiça, ou delírio, ou esquecimento,
Não mais aparelhou... – ou fosse o vento
Propício que faltasse: ágil e santo...

...Frente ao porto esboçara-se a cidade,
Descendo enlanguescida e preciosa:
As cúpulas de sombra cor de rosa
As torres de platina e de saudade.

Avenidas de seda deslizando,
Praças de honra libertas sobre o mar...
Jardins onde as flores fossem luar;
Lagos – carícias de âmbar flutuando...

Os palácios a rendas e escumalha,
De filigrana e cinza as catedrais –
Sobre a cidade a luz – esquiva poalha
Tingindo-se através longos vitrais...

Vitrais de sonho a debruá-la em volta,
A isolá-la em lenda marchetada:
Uma Veneza de capricho – solta,
Instável, dúbia, pressentida, alada...

Exílio branco – a sua atmosfera,
Murmúrio de aplausos – seu brou-há-há...
E na Praça mais larga, em frágil cera,
Eu – a estátua que nunca tombará...