sexta-feira, 30 de abril de 2021

Fernando Gabeira* - Uma CPI para a História

- O Estado de S. Paulo

Nesta já são conhecidos os fatos sobre a responsabilidade do governo e de Bolsonaro

A instalação da CPI da pandemia inaugura uma nova fase na política, embora não tenha efeito imediato sobre a crise sanitária em si. Acompanhei muitas CPIs no passado, mas esta tem características especiais. Não pede oposicionistas exaltados, muito menos documentos ou testemunhas bombásticos. A singularidade desta investigação é a de trabalhar com fatos conhecidos, que precisam apenas ser articulados e documentados para que a responsabilidade do governo, especificamente a de Jair Bolsonaro, fique muito clara.

Nesse sentido, a experiência dos senadores envolvidos é um dado positivo, porque, embora não se tenham destacado nesse gênero de trabalho, têm as condições necessárias para suprir lacunas que ainda existem na compreensão dessa tragédia humana.

Pela experiência passada, tendo a pensar que uma CPI nunca produz resultados jurídicos imediatos. De modo geral, seu impacto é político, as consequências jurídicas seguem um curso necessariamente mais lento.

Foi assim, por exemplo, com a CPI dos Sanguessugas. Ela derrotou a maioria dos envolvidos nas eleições de 2006, porém quase nenhum deles chegou a ser julgado nos anos que se seguiram.

Vera Magalhães - Para parar de contar cadáveres

- O Globo

Há 13 meses, nós, brasileiros, contamos cadáveres. Fazemos isso com as estatísticas dos mortos por Covid-19 e no seio de nossas famílias e círculos de amizade. Não precisava ser desta maneira. Muitos dos 400 mil “CPFs cancelados” na pandemia, no linguajar chulo e desrespeitoso chancelado pelo presidente da República, poderiam estar ativos se tivéssemos um governo decente. Não digo nem competente ou eficiente. É um mínimo de decência que falta a Jair Bolsonaro e a seu escrete mortífero.

O que fazer para atenuar essa rotina de empilhar corpos, retroceder em todas as áreas da vida nacional, adiar o futuro e colecionar traumas? É preciso agir imediatamente, em todas as frentes possíveis. É preciso responsabilizar Bolsonaro, Eduardo Pazuello e a cadeia de comando de ambos em todas as pastas que tenham contribuído, por ação e omissão, para atrasar nossa resposta ao vírus e desmontar nossa estratégia de enfrentamento.

Bernardo Mello Franco - Os valores de Guedes

- O Globo

Paulo Guedes perdeu a aura de superministro, mas continua a ser o homem certo para o cargo que ocupa. Nenhum outro economista espelharia tão bem os valores e princípios do bolsonarismo. Ou a ausência deles.

Em dois anos e quatro meses no poder, Guedes já ofendeu mulheres, servidores públicos e pobres em geral. A lista de insultos voltou a crescer na terça-feira, em reunião do Conselho de Saúde Complementar.

Sem saber que estava sendo gravado, o ministro disse que “o chinês inventou o vírus, e a vacina dele é menos efetiva do que a americana”. A frase criou um novo atrito diplomático com o maior parceiro comercial do Brasil.

Eliane Cantanhêde - 400 mil CPFs cancelados

- O Estado de S. Paulo

Pergunta de milhões de idiotas a Bolsonaro: por que rir dos “CPFs cancelados”?

Nosso Brasil, tão brasileiro, atingiu a marca de 400 mil mortos por covid-19 com um rastro de dor e tristeza e um horizonte de dúvidas e disputas políticas. “São só 400 mil CPFs cancelados, e daí?”, diria o presidente Jair Bolsonaro. Mas, por trás de cada um desses CPFs há uma vida perdida, uma família despedaçada e tantos amores desesperados.

Dos 5.570 municípios brasileiros, só 65 têm mais de 400 mil habitantes (IBGE, 2020). Logo, é como se a população inteira tivesse desaparecido em 5.505 cidades do País. Como se aquela cidade, porventura a sua, tivesse sumido do mapa, virado fantasma, em um ano de pandemia.

Luiz Carlos Azedo - Os 100 dias de Biden

- Correio Braziliense

O maior impacto da mudança na Casa Branca está por vir: será na política econômica. O projeto ultraliberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, foi para o espaço

Segundo o BEA (Bureau of Economic Analysis), do Departamento de Comércio dos Estados Unidos, o PIB (Produto Interno Bruto) norte-americano cresceu à taxa anualizada 6,4% no 1o trimestre em relação aos três meses anteriores. Esse resultado foi superior ao registrado no trimestre anterior, de 4,3%, e está sendo comemorado pelo presidente democrata Joe Biden, que hoje completa 100 dias de governo. Emblematicamente, a avaliação desses 100 dias é uma tradição iniciada em 1933, no primeiro mandato de Franklin Roosevelt, no qual o novo presidente norte-americano se espelha.

Roosevelt fez um governo revolucionário ao seu tempo. À época, a crise do liberalismo econômico levou à maior intervenção do Estado sobre a economia e à reestruturação das práticas capitalistas do século passado. O crash da Bolsa de Nova York, em 1929, havia posto em xeque os princípios da economia clássica, ao deflagrar uma das maiores crises da história do capitalismo. Eleito em 1932, o desafio de Roosevelt fora reerguer a economia. Para isso, recorreu às ideias do economista John Maynard Keynes. O New Deal foi sua alternativa de desenvolvimento econômico.

Ricardo Noblat - Quatrocentos mil cadáveres revelam parte do que somos

- Blog do Noblat / Veja

Pensar não dói

Doze meses e 401 mil mortos depois do início da pandemia no Brasil, passou da hora de refletir por que nos comportamos de maneira tão conformada e indiferente diante do maior cataclismo que se abateu sobre o país em pouco mais de um século. Porque é disso que se trata e que, aparentemente, nos recusamos a ver.

Um em cada cinco óbitos notificados desde março de 2020 se deve à doença. Foram 76 dias para ir de 200 mil a 300 mil mortos, e apenas 36 dias para chegar aos 400 mil. O Brasil é o segundo país do mundo com maior número de mortos. Em uma lista de 52, é o 22º em doses de vacinas aplicadas a cada 100 habitantes. 

O governo do presidente Jair  Bolsonaro, e dos militares paraquedistas que ocupam cargos estratégicos, tem a maior parcela de culpa por tantas mortes, só abaixo da do vírus letal. Deu passe livre à Covid-19 para que ela circulasse sem barreiras, matando os que estivessem marcados para morrer (e daí?).

Monica de Bolle - Cem dias

- Revista Época

Biden está resgatando o Estado indutor, mas com inovações interessantes e em sintonia com as necessidades do mundo pós-pandemia

Prestes a completar 100 dias — espécie de marco estabelecido na política americana que o Brasil recentemente decidiu importar —, há muito o que dizer sobre o governo de Joe Biden, e quero fazê-lo com lentes próprias, escrevendo a partir de minha própria experiência, como alguém que passou a maior parte da vida em Washington, D.C. Em particular, escrevo da ótica de quem viveu intensamente os anos disruptivos de Trump e tem convivido com a ruptura que tem se mostrado ser Joe Biden. Já não há estridência, tampouco a ansiedade causada pelo próximo terrível tuíte, ou mesmo os descalabros e suas relativizações. Talvez seja difícil para leitores brasileiros imaginarem o que é viver na paz relativa das democracias maduras, com desavenças, claro, mas sem balbúrdia e absurdos.

Dora Kramer - O nome do jogo

- Revista Veja

Não é possível dissociar os atos de investigação da CPI da Pandemia da natureza política da atividade inerente ao Parlamento

Nada mais falso, incongruente e inconsistente que ouvir políticos falando contra a politização disso ou daquilo. No caso de uma CPI, como agora a que apura ações e omissões do poder público na gestão da pandemia, soa a uma contradição em termos. O nome diz tudo: é uma comissão parlamentar de inquérito. Portanto, não é possível dissociar os atos de investigação da natureza política da atividade inerente ao Parlamento.

Nas tentativas de separar uma coisa da outra se evidencia o caráter de falsidade, incongruência e inconsistência com que suas excelências de governo e oposição se dirigem à sociedade. Além disso, incorrem em autoincriminação ao atribuir à política um sentido nefasto de contaminação virulenta.

Quando fazem isso, já se colocam no banco dos réus diante do tribunal da opinião pública, reforçando a ideia de que a política é um ofício de aproveitadores, terreno por onde só transitam más intenções e ações deletérias.

Murillo de Aragão - Descartes e a reforma tributária

- Revista Veja

O primeiro ponto é que tudo deve ser questionado

A reforma tributária deverá ganhar novo impulso no Congresso, já que está prevista para os próximos dias a apresentação de um relatório sobre o tema. O que devemos esperar desse movimento? Podemos ter sérias expectativas sobre a aprovação da proposta?

Em primeiro lugar, o consenso em torno da questão está longe de ser alcançado. Existem muitos atores relevantes com posições divergentes. Por exemplo, o setor de serviços não concorda com a taxação proposta. O governo federal não quer perder a receita obtida por contribuições não partilhadas com estados e municípios.

Estados que ganham com o atual ICMS não querem perder com o novo imposto sobre valor agregado (IVA). Governadores querem compensar as perdas decorrentes das eventuais mudanças, mas a União não quer bancar essas perdas.

César Felício - Voando por instrumentos

- Valor Econômico

Falta de censo proporciona escuridão desejada

 “Porque no acúmulo de sabedoria, acumula-se tristeza, e quem aumenta a ciência, aumenta a dor.” A julgar pelas ações do governo Bolsonaro e pela sua devoção ao Livro Sagrado, o lema de sua administração deveria ser esta constatação que está em Eclesiastes 1:18, e não o sempre citado João 8:32 (“Conhecereis a verdade e ela vos libertará”). O aumento do conhecimento, com suas incômodas revelações, parece torturar a administração federal, em que desde seu início declarou guerra aos radares, questionou o mapeamento da devastação na Amazônia, lançou suspeitas sobre as estatísticas de desemprego, tentou interferir na contagem de mortos da pandemia de covid-19 e por fim sabotou o censo demográfico que deveria ter sido feito em 2020 e talvez só ocorra em 2023.

Vivemos tempos estranhos, como gosta de dizer o ministro Marco Aurélio Mello, que no Supremo Tribunal Federal acatou anteontem um pedido de liminar do governo do Maranhão para obrigar a realização do censo ainda este ano. Não dá para arriscar prognóstico sobre o que o plenário do STF fará em relação a essa liminar, já na próxima semana.

Claudia Safatle - A política fiscal pós-pandemia

- Valor Econômico

“Precisamos parar com mitos, panaceias, simplismos”, defende o economista

No debate sobre política fiscal pós-pandemia surge alternativa à lei do teto do gasto público. Trata-se de uma proposta de substituição do teto por limites para o crescimento da dívida pública, defendida pelo economista e especialista em contas públicas Jose Roberto Afonso, em seminário virtual patrocinado pela Instituição Fiscal Independente (IFI) e pelo Tribunal de Contas da União, na terça-feira. Tal mudança alinharia o Brasil ao que está ocorrendo em vários outros países, no mundo pós covid-19, a exemplo da Nova Zelândia.

“Gasto só pode ser âncora para estabilidade supondo que a receita está garantida e será crescente. Com recessão, inflação baixa e a receita indo ladeira abaixo, essa variável perde eficácia”, segundo Afonso. Nesse caso, defende, “a âncora tem que ser a dívida, por teoria e pela experiência internacional. É só ver a literatura, inclusive a recente, reforça isso ainda mais”, diz ele. Afonso cita textos de Vitor Gaspar, diretor do Departamento de Assuntos Fiscais do Fundo Monetário Internacional (FMI), que trata da meta para a dívida, e de Olivier Blanchard e Leandro Zettelmeyer, que advogam uma política fiscal para a União Europeia mais baseada em padrões (“fiscal standards”) que em regras (“fiscal rules”), e em prescrições qualitativas. Este é o chamado Novo Consenso Fiscal, concebido após a pandemia.

Fernando Abrucio* - Como evitar o maior erro de 2018

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

É preciso que haja mais debates. Não importa quais serão os candidatos, eles precisam falar mais sobre suas propostas

As principais políticas públicas do país estão no caminho errado. O desempenho do Ministério da Saúde no combate à covid-19 foi um dos piores do mundo. A área ambiental foi destruída pelo antiministro e, enquanto ele continuar no cargo, o mundo não vai acreditar nas promessas feitas pelo governo brasileiro. O MEC abandonou os governos subnacionais e as escolas na pandemia, o que vai aumentar a desigualdade entre os alunos, no curto e no longo prazo. A lista de equívocos é longa e assustadora, e sua origem inicial está no processo eleitoral de 2018. Como evitar a repetição desse erro é uma das tarefas fundamentais para sair das trevas atuais.

Várias razões explicam as origens desse erro eleitoral, mas uma delas foi estratégica: a campanha foi muito curta e, sobretudo, houve poucos debates públicos com os principais candidatos, o que ficou ainda pior por causa da ausência do vencedor da eleição na controvérsia direta contra seus oponentes. Em defesa do presidente eleito pode-se dizer que ele sofrera um terrível atentado, o que é verdade. Mas no segundo turno Bolsonaro foi a inúmeros eventos públicos e deu entrevistas ao “jornalismo-amigo”, de modo que poderia ter ido aos debates contra seu adversário, mas preferiu fugir.

José de Souza Martins* - Pelo verde, um discurso amarelo

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

O governo Bolsonaro não percebeu que a cúpula do clima já é episódio decisivo da nova geopolítica que reordena o mapa do mundo

O discurso que o presidente Bolsonaro fez na cúpula sobre o clima, convocada pelo presidente americano, Joe Biden, não foi um discurso autoexplicativo. É desmentido por tudo o que o governo é, faz e deixa de fazer em relação à questão ambiental e aos problemas sociais nela contidos.

O problema é saber quem manda na Amazônia e, portanto, quem vai decidir o que fazer com ela. As anomalias relativas à questão ambiental têm raízes profundas e são persistentes. Têm sua base no direito fundiário brasileiro, que nasceu com a Lei de Terras de 1850, e no modo e no formato de sua origem.

Com ela, instituiu-se a propriedade absoluta da terra, que, artificialmente, tornou-se equivalente do que era o escravo como garantia de empréstimos hipotecários aos fazendeiros. Com essa lei, o Estado abriu mão do domínio sobre o território e, portanto, da imposição de limites e limitações ao uso da terra e ao que nela havia, rios e florestas. O oposto do que fora o regime de sesmarias da época colonial.

Ruy Castro - Estão gostando do palhaço?

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro tem razão em não ligar para livros

Paulo Guedes, ministro-bufo de Jair Bolsonaro encarregado dos esquetes sobre economia, disse que "livro é coisa de rico". E, como sempre, desafinou. Bolsonaro, por exemplo, é rico e não gosta de livros. O último que teve em mãos foi no dia de sua posse —um exemplar da Constituição, que ele jurou defender, mas nunca abriu e na qual cospe com regularidade.

Bolsonaro tem razão em não ligar para livros. Não só porque lê com dificuldade, acompanhando as linhas com a cabeça e tropeçando nas palavras quebradas, mas porque construiu seu patrimônio sem precisar deles, valendo-se apenas do salário de deputado e, dizem, do de seus servidores. A estante ao fundo em seus pronunciamentos no Planalto é cenográfica, com livros comprados a metro. Às vezes variam a cor das lombadas para combinar com sua gravata. Um brincalhão poderia rechear as prateleiras com as obras completas de Karl Marx e Bolsonaro não perceberia.

Hélio Schwartsman - Viés de imunidade

- Folha de S. Paulo

O melhor modo de escapar ao excesso de otimismo é incorporar o princípio da mediocridade

Contra os vieses lutam os próprios deuses em vão. Uma das ilusões cognitivas mais danosas e esquisitas de que se tem notícia é a falácia do planejamento, que pode ser definida como a tendência de pessoas e instituições de subestimar o tempo e os recursos necessários para a realização de um projeto.

Ela é danosa porque leva governos, empresas e indivíduos a comprometer-se com orçamentos e cronogramas que não conseguirão cumprir, incorrendo em custos adicionais. E é esquisita porque, mesmo sabendo que o viés existe —qual governo ignora que orçamentos estouram e obras atrasam?—, temos enorme dificuldade para compensá-lo —e é por isso que orçamentos continuam estourando e obras atrasando.

Reinaldo Azevedo - Bolsonaro oferece 400 mil mortos ao lúmpen-milicianato

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro deu voz aos que viviam nas sombras, esgueirando-se nos escuros da história nunca visitados pela teoria política

A instalação da CPI da Covid mexe com os bofes de Jair Bolsonaro. Agride o seu senso de onipotência —injustificado segundo um crivo objetivo, mas compreensível se visto por lentes clínicas. O golpista de primeira hora, que nunca precisou de comissão de inquérito ou de oposição organizada para pregar o rompimento da ordem —como provam os atos antidemocráticos que patrocinou já em 2019—, não aceita que sua obra seja questionada. Os, até agora, mais de 400 mil mortos são o seu grande legado ao lúmpen-milicianato que o aplaude.

A política sempre deve ter precedência na análise da vida pública, embora os dados de personalidade não possam jamais ser ignorados. Uma leitura mais aberta de Maquiavel sugere que a “fortuna” e a “virtù” —a história herdada que condiciona alternativas e as escolhas ditadas pela personalidade— também podem ter um enlace negativo. Em vez de surgir o Príncipe, eis que aparece o ogro, que a democracia tem de esconjurar. Ou morreremos todos.

Vinicius Torres Freire - Biden dá medo no Brasil conservador

- Folha de S. Paulo

Presidente não é estatista nem Roosevelt e segue certa tradição econômica dos EUA

Joe Biden quer o “Estado máximo”. Seria um Franklin Roosevelt. A gente lê essas tolices sobre os planos do presidente americano e seu primeiro discurso para o Congresso, nesta semana. Anos de mercadismo tosco e a degradação geral da inteligência no país talvez expliquem a incapacidade de apenas ler ou ouvir o que disse Biden. Quem sabe a tolice na verdade seja contrapropaganda prévia, receio de que mesmo a brisa de conversa mais progressista sopre por aqui.

“Wall Street não construiu este país. A classe média construiu este país. E os sindicatos constroem a classe média. E por isso que estou pedindo ao Congresso que aprove a Lei de Proteção ao Direito de se Organizar... Por falar nisso, vamos aprovar o salário mínimo de US$ 15 [por hora]. Ninguém deveria trabalhar 40 horas por semana e ainda viver abaixo da linha de pobreza. E precisamos garantir mais igualdade e oportunidade para as mulheres”, discursou o presidente.

Biden quer gastar mais? Quer. Se todos os seus planos forem aprovados, o aumento de gasto deve ficar em 1,5% a 2% do PIB americano, por ano, em parte coberto por aumentos de arrecadação e de impostos sobre ricos e empresas (que estão em baixa histórica, de oito décadas). Nem de longe há o “risco” de que os EUA comecem a se parecer com a Escandinávia, com o Canadá ou, “pior”, menos ainda com a França.

Biden propôs alguma mudança econômica institucional maior? Ainda não. Talvez o faça na regulação ambiental, que terá vida dura no Senado.

Rogério Furquim Werneck - Tensão política e reformas

- O Globo

É pouco provável que haja tranquilidade política para a aprovação de projetos complexos, como as reformas

Não falta quem nutra a fantasia de que, nos próximos meses, antes da completa mobilização de Brasília com as eleições de 2022, ainda haverá uma janela de tranquilidade política que permitirá engajamento efetivo do Congresso no avanço do programa de reformas. O mais provável, contudo, é que o paralisante clima de alta tensão política que hoje se vê no País perdure por muitos meses mais.

Com base em longo histórico de CPIs criadas com grande estardalhaço e que acabaram dando em nada, vem sendo arguido, agora, que a recém-instalada CPI da Pandemia pode perfeitamente se revelar um completo fiasco. Mas a verdade é que as peculiaridades dessa CPI tornam pouco crível o prognóstico de que, mais uma vez, a montanha acabará por parir um rato.

Flávia Oliveira - Vade-retro, malévola trindade

- O Globo

Deveria escrever sobre a polícia fluminense ter multiplicado o número de operações e pessoas mortas em favelas em 2021, apesar de proibidas pelo Supremo Tribunal Federal. Desde o início do ano, segundo a plataforma Fogo Cruzado, a Região Metropolitana do Rio registrou 1.415 tiroteios, que deixaram 305 mortos e 313 feridos. Em 454 ocorrências havia agentes do estado, 22 morreram, 27 foram feridos. Houve 21 chacinas, quando uma só situação deixa pelo menos três vítimas fatais. A Rede de Observatórios de Segurança contabilizou 257 operações policiais com 69 mortes no primeiro trimestre deste ano, respectivamente, 55% e 33% a mais que no mesmo período de 2020.

Pensei em festejar o tombamento do terreiro de Joãozinho da Gomeia, espaço de memória e resistência dos cultos afro-brasieiros, agora preservado, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, epicentro da intolerância religiosa no estado. Ou a transformação do 27 de março, data de nascimento do pai de santo mais famoso do Rio, no Dia Estadual de Conscientização contra o Racismo Religioso. Ou o plano de investimentos do presidente Joe Biden, que pretende apresentar aos EUA o Estado de bem-estar social estabelecido na Constituição brasileira, mas nunca inteiramente aplicado.

Jorge Henrique Cartaxo* - Sobre os meios e os modos

Bolsonaro, desde a sua posse na presidência da República, vem ofendendo a vida, a dignidade humana, a razão, a ciência, a decência, as instituições, a democracia, a Nação e a República.

Parece não haver lugar para a decência no Brasil. Além dos desencontros diários do presidente Bolsonaro com a língua portuguesa, o bom senso e a empatia, não raro seus ministros inundam a República com persecutórias aleivosias. O camelô da 25 de março que faz as vezes de ministro da Economia, o personagem de Dante, Paulo Guedes, durante uma reunião do Conselho de Saúde Suplementar na última terça-feira – que ele não sabia que estava sendo gravada – expressou, sem receios, todo o seu olhar sinistro sobre o Brasil, os brasileiros e o nosso tenebroso tempo. “Nas universidades públicas ensinam Paulo Freire, sexo para crianças de 5 anos e há maconha e bebidas nas unidades de ensino mantidas pelo governo”, professorou Paulo Guedes emulando as mais “eruditas” teses bolsonaristas. E num araujiano assombro diplomático acusou os chineses de terem inventado o coronavírus e uma vacina menos efetiva do que a vacina americana. “Os americanos têm 100 anos de investimento em pesquisa. Os caras falam: qual é o vírus? É esse? Tá bom. Decodifica. Tá aqui a vacina da Pfizer. É melhor que as outras. Então, vamos acreditar no setor privado”, vociferou Guedes, bolsonaristicamente, emporcalhando os fatos e a inteligência. Outras aberrações animaram a confraria palaciana que contou com a presença, dentre outros, dos ministros Luiz Eduardo Ramos, Marcelo Queiroga e Anderson Torres.

As insanidades dessa reunião foram tamanhas que se acredita que as ofensas primitivas do ministro Paulo Guedes, vazadas deliberadamente, cumprem uma estratégia no sentido de construir uma nova crise diante dos prováveis avanços da CPI da Covid instalada no início da semana no Senado. “Olha aí uma estratégia já até desbotada no governo federal. Sempre que um ministro não consegue cumprir o prometido ao povo brasileiro, para desviar a atenção do seu fracasso, copia uma das narrativas cretinas dos bolsonaristas ‘terraplanistas’ e soltam na mídia como se fosse uma ‘pérola’,” disse o deputado Fausto Pinto, presidente da Frente Parlamentar Brasil-China, formada por cerca de 270 deputados e senadores.

Nelson Motta - Romances fortes, verdades rudes

- O Globo

Não existe boa história sem ser bem contada, e nisso Marçal Aquino é mestre, com seu passado de repórter policial

Esperei 16 anos mas valeu a pena. “Baixo esplendor”, de Marçal Aquino, é sua volta triunfal ao livro depois de uma longa temporada como roteirista de séries barra pesada na televisão, como “Força tarefa” e “Supermax”, e de filmes como “O invasor” e “Eu receberia as piores notícias dos teus lindos lábios” (os dois inspirados em livros seus). Li todos os seus livros e vi seus filmes. Sou fã. Mas não perco o espírito crítico, nem meus critérios de qualidade da escrita e da trama, sou leitor exigente.

Com uma narração fluente e econômica, a história é ambientada no período mais violento da ditadura militar, com um policial que se infiltra em uma grande quadrilha de roubos de carga, se torna amigo de fé do chefe e se apaixona pela irmã dele, uma bela mulher de temperamento e sexualidade intensos. E tem que denunciá-los à polícia e decepcioná-los com a sua traição. Daí para diante tudo é spoiler em uma história eletrizante de crime, ética, amizade e amor.

Ruth de Aquino - "Nomadland" ensina a amar

- O Globo

O filme vencedor do Oscar desperta sentimentos contraditórios. Desalento e esperança. Tristeza e otimismo. Solidão e amizade. Medo e coragem. Luto e cura. É muito mais existencial do que político, embora critique o capitalismo selvagem. É sobre o sentido da vida e da morte. Por isso mesmo, ao receber o prêmio de melhor direção, a chinesa Zhao honrou os atores e atrizes, quase todos nômades reais, que buscaram a estrada para superar perdas pessoais ou financeiras. 

“Tenho pensado muito sobre como continuo a seguir quando as coisas ficam difíceis. Quando eu era criança na China, meu pai e eu costumávamos memorizar textos e poemas clássicos chineses e recitar juntos”, disse. “Eu me lembro de um que dizia: 'As pessoas, ao nascer, são boas'. Ainda acredito nisso. Sempre encontrei bondade nas pessoas que conheci. Em todos os lugares do mundo. Este Oscar é para qualquer pessoa que tem a coragem de se manter boa e ver o que há de bom nos outros.”

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Os carnavalescos da CPI

O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro acusa a CPI de promover um “carnaval fora de época”. Depoimento de Pazuello pode ser a Quarta-Feira de Cinzas.

Opresidente Jair Bolsonaro acusou a CPI da Pandemia de promover um “carnaval fora de época”. A folia, em sua concepção, é protagonizada pelo bloco de independentes e oposicionistas, maioria na comissão. Para o presidente, esses desafetos exploram politicamente a CPI para prejudicá-lo, poupando governadores e prefeitos que, segundo ele, são os verdadeiros responsáveis pela tragédia da pandemia por terem “roubado” o dinheiro que o governo federal lhes repassou para enfrentar a crise.

“A CPI vai investigar o quê? Eu dei dinheiro para os caras (governadores e prefeitos). O total foi mais de R$ 700 bilhões, auxílio emergencial no meio. Muitos roubaram dinheiro, desviaram. Agora vem uma CPI investigar conduta minha?”, declarou o presidente.

Poesia | Joaquim Cardozo - Recife Morto

Recife. Pontes e canais.
Alvarengas, açúcar, água rude, água negra.
Torres da tradição desvairadas, aflitas,
Apontam para o abismo negro-azul das estrelas.
Pátio do Paraíso. Praça de São Pedro.
Lages carcomidas, decrépitas calçadas.
Falam baixo na pedra as vozes da alma antiga.
Gotas de som sobre a cidade,
Gritos de metal
Que o silêncio da treva condensa em harmonia.
As horas caem dos relógios do Diário,
Da Faculdade de Direito e do Convento de São Francisco:
Duas, três, quatro... a alvorada se anuncia.
Agora ao ouvir as horas que as torres apregoam
Vou navegando o mar de sombra das vielas
E o meu olhar penetra o reflexo, o prodígio,
A humilde proteção dos telhados sombrios,
O equilíbrio burguês dos postes e dos mastros,
A ironia curiosa das sacadas.
As janelas das velhas casas negras,
Bocas abertas desdentadas, dizem versos
Para a mudez imbecil dos espaços imóveis.
Vagam fantasmas pelas velhas ruas
Ao passo que em falsete a voz fina do vento
Faz rir os cartazes.
Asas imponderáveis, úmidos véus enormes.
Figuras amplas dilatadas no tempo,
Vultos brancos de aparições estranhas.
Vindos do mar, do céu... sonhos!... evocações!...
A invasão! Caravelas no horizonte!
Holandeses! Vryburg!
Motins. Procissões. Ruído de soldados em marcha.

Os andaimes parecem patíbulos erguidos.

Vão pela noite na alva do suplício
Os mártires
Dos grandes sonhos lapidados.

Duendes!
Manhã vindoura. No ar prenúncio dos sinos.
Recife,
Ao clamor desta hora noturna e mágica,
Vejo-te morto, mutilado, grande,
Pregado à cruz das novas avenidas.
E as mãos longas e verdes
Da madrugada
Te acariciam.