segunda-feira, 10 de maio de 2021

Paulo Fábio Dantas Neto* - A política entre universos paralelos

Esta coluna é dedicada aos brasileiros assassinados na favela do Jacarezinho, Rio de Janeiro, na última quinta-feira, dia 6. Seus CPFs, ou suas “folhas corridas”, não são condições prévias para que se defenda seu direito à vida. No Brasil, nem a Justiça pode decretar pena de morte. Menos ainda uma operação policial, embora essa prática nefasta seja banal no mundo que existe fora da lei. Mundos paralelos, os dos justiceiros e o da lei, não se pode ignorar nem um nem outro, o primeiro, porque precisa ser identificado, para que possa virar passado, o segundo, porque precisa ser valorizado, como a única possibilidade de um futuro mais civilizado para o nosso país.

Voltando a Jacarezinho, se parte, ou mesmo a maioria das vítimas, cometera algum crime antes, essa mesma palavra é que exprime o que a polícia civil do Rio cometeu. Execução e massacre são crimes, em qualquer hipótese. E o são mais ainda no contexto de uma operação subversiva, como foi aquela, feita em flagrante desobediência a uma proibição do STF. O tom desafiador da operação, salientado por uma entrevista coletiva insolente de um delegado, é fato singular. Como tal precisa ser encarado, não como se fosse apenas “mais do mesmo”, parte da violência corriqueira de prepostos do Estado que, em nome do combate a criminosos, promovem terror contra cidadãos indefesos. Não é corriqueiro um funcionário público policial usar posição de comando numa operação letal para desafiar dessa forma um poder da República. Muito grave, tanto o que ele disse, como a situação que permitiu que dissesse. 

É inaceitável, do ponto de vista social, que quem, diariamente, em ônibus ou em trens de metrôs, se expõe à pandemia para ganhar a vida corra o risco de perdê-la por comportamento miliciano de uma corporação de Estado que tem como missão garantir o oposto. E inaceitável, também, do ponto de vista institucional, que o desafio verbalizado por esse delegado passe batido. Se instâncias administrativas da cúpula da segurança o acobertam, cabe ao ministério público e à sociedade civil provocar instâncias judiciárias e, a essas, agir com presteza, de modo especial o STF que, a rigor, tendo sido flagrantemente desafiado, nem precisa ser mais provocado.  Precisa ser apoiado, sem ressalvas, no seu esperado agir.

Inaceitável, por fim, do ponto de vista político, que autoridades eleitas não tomem providências que enquadrem as cúpulas policiais na linha da segurança pública, para que a população não se veja abandonada. E que, ao contrário, o governador do estado onde ocorreu o massacre adote, como adotou, o discurso policial, sendo nisso abertamente avalizado pelo vice-presidente da República. Aliás, o abandono, pelo General Mourão, ao falar dessa ação policial, da pele de cordeiro e das meias palavras que costuma usar sobre todos os demais assuntos, é politicamente pedagógico. Mostra o quão ilusório é o impeachment como solução estabilizadora, nas circunstâncias dramáticas do Brasil atual.

Fernando Gabeira - Morrendo pela boca

- O Globo

Pode ser que eu esteja maluco. Morreu há muitos anos o amigo Chico Nélson, que me socorria nesses momentos de dúvida e dizia: “Tranquilo, você está lúcido”.

Nada me impressiona mais na sequência de bobagens diárias de Bolsonaro do que esta pergunta: “Será que não estamos enfrentando uma nova guerra?”.

O presidente da República é, pela Constituição, o comandante das Forças Armadas. Se ele se volta para nós e pergunta se estamos enfrentando uma guerra, deixa-nos tão inseguros quanto os passageiros de um avião questionados por um piloto ao aterrissar: “Será que estamos com o trem de pouso acionado?”.

O contexto da pergunta é claro: o presidente duvida da origem do coronavírus. Essa é uma dúvida que circulou no ano passado, com inúmeras reportagens investigativas sobre o laboratório de Wuhan de onde o vírus poderia ter escapado.

Nenhuma delas foi convincente. A Austrália duvidou do papel da China e pediu oficialmente uma investigação. Você pode ou não concordar com a medida, mas é muito mais sério do que ficar reclamando pelos cantos, como faz a família Bolsonaro.

Irapuã Santana - Abolicionismo popular

- O Globo

No 13 de maio, muita reflexão é feita sobre o que representa essa data para a sociedade brasileira: afinal, deve ser um dia de festa ou de protestos?

O livro “Flores, votos e balas”, de Angela Alonso, pode nos ajudar nessa questão, tendo em vista que conta a trajetória dos movimentos sociais na conquista da Abolição.

Primeiramente, era preciso difundir o discurso pró-liberdade dos escravizados, a fim de que houvesse pressão popular sobre as autoridades. Para tanto, o movimento valeu-se de três pilares de argumentação: compaixão, direito e progresso.

Assim, segundo David Brion Davis, o antiescravismo bebeu de quatro fontes. A primeira era a tese de Montesquieu afirmando que a escravidão impede a felicidade humana. Logo após, vinha a oposição entre escravidão e progresso humano, de Adam Smith, acompanhado do romantismo e do protestantismo, que associou escravidão ao pecado.

Vale também mencionar que a obra traz luz a grandes figuras brasileiras, como Luiz Gama, José do Patrocínio, André Rebouças, Rui Barbosa e Joaquim Nabuco, todos integrantes do Partido Liberal à época, que se destacaram por atuar nas áreas jurídica, política, diplomática e social, levando a todo o Brasil a luta pela liberdade.

Na seara jurídica, Luiz Gama realizou a façanha de libertar mil escravizados.

Ricardo Noblat - Escândalo do orçamento secreto atinge em cheio governo Bolsonaro

- Blog do Noblat / Metrópoles

O presidente da República manda as leis às favas e usa parte do dinheiro destinado a pagar emendas parlamentares à compra de apoio político

Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) é pouca coisa para investigar o governo do presidente Jair Bolsonaro, que se apresenta como inatacável e sujeito apenas a erros comuns.

Outra CPI, em breve, será proposta para investigar um orçamento secreto de R$ 3 bilhões, boa parte dele destinado à compra de tratores e equipamentos agrícolas a preços superfaturados.

É nitroglicerina pura o que descobriu o jornal O Estado de S. Paulo. A origem do orçamento secreto está no discurso de Bolsonaro de não lotear cargos no primeiro escalão do governo.

De um jeito ou de outro, a moeda de troca se deu por meio da transferência do controle de bilhões de reais do orçamento ao Congresso, tudo longe do olhar dos eleitores, segundo o jornal.

O Estadão teve acesso a 101 ofícios enviados por deputados federais e senadores ao Ministério do Desenvolvimento Regional para indicar como eles preferiam usar esses recursos.

Por “contrariar o interesse público”, Bolsonaro havia vetado a tentativa do Congresso de impor o destino de um novo tipo de emenda ao orçamento chamada RP9.

Segurança Pública vira principal consenso para a oposição no Rio

- Caio Sartori / O Estado de S. Paulo

Após operação no Jacarezinho, forças políticas anti-Bolsonaro miram convergências em conversas que buscam criar aliança ampla no Estado

RIO - O tema da Segurança Pública deve ser o principal ponto de convergência das forças de oposição em 2022 no Rio de Janeiro, berço do bolsonarismo e comandado hoje pelo governador Cláudio Castro (PSC), aliado do presidente Jair Bolsonaro. A operação policial que resultou na morte de 28 pessoas na favela do Jacarezinho, zona norte da capital fluminense, na quinta-feira passada, reforçou a ideia entre participantes desses grupos.

Líderes partidários de diferentes campos ideológicos vão tentar se contrapor à tese de que “bandido bom é bandido morto”, discurso presente na eleição de 2018 do então governador Wilson Witzel e que tem força dentro do bolsonarismo. Acusado de corrupção na Saúde durante a pandemia, Witzel, que foi cassado, tinha como foco de seu discurso uma política de segurança calcada em duras operações policiais.

Dos nomes que fazem oposição ao bolsonarismo, participam das conversas quadros importantes da política fluminense, como os deputados federais Marcelo Freixo (PSOL), Alessandro Molon (PSB) e Rodrigo Maia (DEM), além do prefeito do Rio, Eduardo Paes (DEM, mas de saída para o PSD), do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)Felipe Santa Cruz, nomes do PT e outros partidos de esquerda.

Eles têm tem destacado a necessidade de construir uma política de Segurança que vá além das operações policiais – uma bandeira histórica de Freixo, que hoje é o principal nome colocado para o pleito.

Rosângela Bittar - ‘Tratoraço’ é um clássico da corrupção com recursos do Orçamento

- O Estado de S. Paulo

Reportagem do ‘Estadão’ desfaz um sofisma insistentemente repetido pelos apoiadores de Bolsonaro, o de não haver denúncias ou escândalos de corrupção no governo

Verbas secretas, superfaturamento, direcionamento de valores acima da referência para aquisição de determinados itens do cancioneiro parlamentar, como tratores e retroescavadeiras. Esta equação, apontada em ampla e minuciosa reportagem de Breno Pires, do Estadão, na edição deste domingo, é um clássico da corrupção com recursos do Orçamento Federal. Detalhada em valores, responsáveis e beneficiários, a matéria desfaz um sofisma insistentemente repetido pelos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.

Impressiona a forma veemente como os fanáticos do presidente enfatizam, ao aceitar piedosamente críticas aos erros e omissões da sua administração, o fato de não haver, no governo Bolsonaro, denúncias ou escândalos de corrupção. Para muitos indícios puderam fechar os olhos, não para este.

Denis Lerrer Rosenfield* - A política do ódio

- O Estado de S. Paulo

O que Bolsonaro quer? Alastrar ainda mais a morte, num contexto de fome e desemprego?

Apostar na moderação do presidente Bolsonaro e sua equipe é mais arriscado que apostar na loteria. As chances de sucesso são muito menores. Há uma questão estrutural em jogo, a saber: a política tal como o bolsonarismo a compreende está baseada na oposição amigo/inimigo, perpetuamente repetida. A sua ação se volta para a eliminação do outro, qualquer que seja, basta que seja definido como inimigo. Se é imaginário ou real, é algo secundário, contanto que a movimentação política se paute por esse parâmetro da ação.

Quem é amigo ou inimigo, isso é igualmente objeto de definições flutuantes, tudo depende das circunstâncias, dos humores presidenciais e da instabilidade emocional de sua equipe mais direta de assessores. Não sem razão, foi ela intitulada de “gabinete do ódio”, tendo em vista que a destruição a orienta, num tipo de pulsão de morte que por tudo se propaga. Para que opere, o inimigo deve sempre estar lá, independentemente de quem ele o seja em determinado momento. Os ex-ministros Gustavo Bebianno e Santos Cruz, entre outros, mostram a volatilidade daqueles que passam a ser considerados alguém a ser eliminado, e isso sem nenhuma consideração por amizades e afinidades passadas.

Marcus André Melo* - Trump, Bolsonaro e a pandemia

- Folha de S. Paulo

O protagonismo indesejado e suas consequências não intencionais

O jogo da responsabilização política na pandemia foi marcado pela recusa deliberada de protagonismo presidencial: ela foi encarada como questão "radioativa". Bolsonaro ativamente perseguiu uma estratégia de não envolvimento direto com a crise sanitária, buscando transferir a governadores e prefeitos a culpa pelo colapso das unidades de saúde, a escalada de óbitos e os lockdowns.

Buscava-se protagonismo apenas nas ações positivas que poderiam trazer dividendos políticos, como o auxílio emergencial e linhas de crédito.

Esse padrão caracterizou a ação do governo em relação a questões tóxicas, como a reforma da Previdência. Aqui havia um modelo a ser emulado no conteúdo e na forma: o governo Trump, que fez pouco caso da Covid após ser informado da tragédia em curso, ao tempo em que implementava um pacote de US$ 2,8 trilhões. "Quero minimizar a pandemia porque não quero criar pânico", confessou a Bob Woodward.

Celso Rocha de Barros - 'Consultório do Crime' tenta salvar Bolsonaro na CPI da Covid

- Folha de S. Paulo

Grupo de senadores busca tumultuar investigação mentindo sobre medicina

O Brasil deve atingir meio milhão de mortos por Covid-19 em junho. Supondo que nenhuma grande medida de isolamento social seja adotada de agora em diante, e mantendo-se o ritmo lento da vacinação, é praticamente certo que ultrapassaremos 600 mil mortos nos próximos meses.

Se os casos subnotificados forem 30% dos notificados, como estimou a organização Vital Strategies, é razoavelmente provável que terminemos o ano com um milhão de mortos (entre notificados e subnotificados), sem contar as pessoas que morreram de outras doenças, por falta de hospital etc.

Na estimativa do Institute for Health Metrics and Evaluation, da Universidade de Washington, se contarmos tudo isso já estamos com quase 600 mil mortos agora.

Se houver uma terceira onda de inverno agora que tudo reabriu, é perfeitamente possível que cheguemos ao milhão de mortos notificados antes do fim da pandemia.

Catarina Rochamonte - A Cloroquina de Bolsonaro e o Emplasto de Brás Cubas

- Folha de S. Paulo

Obsessões de baixa intensidade são rotineiras; algumas, porém, agravam de modo patológico

CPI da Covid vem comprovando o que já se sabia: os crimes de responsabilidade do presidente Bolsonaro no trato da crise sanitária foram muitos e graves; alguns decorrentes de suas obsessões. Uma delas, a cloroquina, conhecida até pelas emas do Palácio da Alvorada, está no centro das investigações.

Os depoimentos dos ex-ministros da Saúde, os médicos Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, deixaram claro que a resistência quanto à prescrição dessa droga concorreu para a demissão de ambos. Por sua vez, o depoimento do atual ministro, o médico Marcelo Queiroga, constrangeu pelo esforço em não corroborar o seu uso nem melindrar o cloroquinismo presidencial. Já o ex-ministro general Pazzuelo, que se submeteu sem restrições a todos os caprichos do presidente, esquivou-se de depor com desculpa pouco convincente.

Ana Cristina Rosa - ‘Escravidão fantasiada de liberdade'

- Folha de S. Paulo

Falta de remuneração, estudo e dignidade levou negros à condição de inferioridade pós-Abolição

Certas obras de ficção são capazes de auxiliar na compreensão da realidade. O premiado romance "Torto Arado", de Itamar Vieira Junior, é assim. Ajuda a entender nosso país, as bases em que foi fundado e como chegamos ao atual nível de injustiça social. A narrativa ambientada no passado, no sertão baiano, traz à tona algumas das causas que resultaram nas absurdas disparidades que marcam o presente da nação, 133 anos após a abolição formal da escravatura.

O cenário de preconceito e discriminação com negros e indígenas; a precariedade das moradias; o trabalho análogo à escravidão; a comida minguada; o analfabetismo; o difícil acesso dos pobres à saúde; a ausência de saneamento básico; o alto índice de mortalidade de crianças pretas. Tudo é de uma atualidade desconcertante.

Bruno Carazza* - A escuridão no fim do túnel

- Valor Econômico

Reforma Política na Câmara é tocada discretamente

Na noite do dia 28 de novembro de 2016, às 21h58 (horário de Brasília), a aeronave LMI2933, da companhia boliviana LaMia, caiu nos arredores do Cerro El Gordo enquanto se preparava para aterrissar no Aeroporto Internacional José Maria Córdova, localizado na cidade de Rionegro, região metropolitana de Medellín, na Colômbia.

A bordo estavam 77 pessoas, entre tripulantes, jornalistas, convidados, comissão técnica e atletas da Associação Chapecoense de Futebol, que disputaria no dia seguinte a primeira partida da final da Copa Sul-Americana contra o Atlético Nacional. Apenas seis passageiros sobreviveram.

A notícia foi divulgada na madrugada seguinte. A partir daí o país, atônito, acompanhava as buscas e tentava, em vão, encontrar alguma explicação para a tragédia. Um imenso luto coletivo tomou conta de todo o Brasil.

Às 13:55h daquele dia o plenário da Câmara dos Deputados iniciou seus trabalhos respeitando um minuto de silêncio pelas vítimas do acidente aéreo. Na sequência o presidente da sessão, deputado Carlos Manato (à época do Solidariedade, atualmente PSL-ES), declarou que as atividades legislativas não seriam suspensas. “Nós vamos continuar o trabalho normalmente”, anunciou.

Depois de dezenas de discursos feitos na tribuna, lamentando o ocorrido e prestando homenagens, às 18:55h iniciou-se uma Sessão Deliberativa Extraordinária, que tinha como pauta os projetos: PL nº 4.238/2012, que definia o piso salarial para a profissão de vigilante, e PL nº 4.850/2016, que tratava das famosas “Dez Medidas contra a Corrupção”.

Luiz Carlos Mendonça de Barros* - Muito barulho por nada

- Valor Econômico

Abordagem realista sobre teto de gastos, alta de juros e superávit comercial de US$ 70 bi invertem rota do dólar

No Brasil, acompanhar as cotações do real em relação ao dólar é um instrumento muito eficiente para medir as pulsações do ambiente político e dos mercados financeiros. Há mais de um ano, quando uma segunda onda da pandemia nos atingiu, os operadores financeiros avaliaram que estávamos despreparados para enfrentar as turbulências que viriam à frente.

A razão principal desta leitura é que o governo Bolsonaro não teria as condições necessárias para enfrentar os desafios econômicos e sociais que se seguiriam. Acertaram e realmente entramos em um longo período de instabilidade política.

A partir deste cenário quase unânime, o real brasileiro virou a Geni das moedas emergentes, chamando especuladores do mundo todo para participar de uma festa na B3. Muito contribuiu para esta situação um erro na gestão da política de juros por parte do BC, como descrevi em coluna recente para o Valor. Juros muito baixos, para um mercado habituado a taxas reais elevadas como um freio financeiro à ação do especulador, criaram uma tempestade perfeita para nossa moeda.

Depois de um período de calma no início de 2021, a insegurança em relação ao chamado “Teto dos Gastos Primários” em 2021 trouxe um novo fôlego aos especuladores. Entre os dias 26 de fevereiro e 14 de março o real perdeu mais de 8% de seu valor em relação ao dólar, com o mercado especulando com um dólar valendo mais de R$ 6 em futuro muito próximo.

Alex Ribeiro - BC amplia liberdade para reação nos juros

-Valor Econômico

Único compromisso da entidade monetária será cumprir as metas de inflação

Parte dos analistas econômicos acredita que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central telegrafou que caminha para o ajuste total dos juros, o que significa retirar todos os estímulos na economia ainda neste ano. Outros acham que o BC segue agarrado com a estratégia de ajuste parcial dos juros, ou seja, de manter pelo menos um pouco do combustível monetário para evitar uma inflação muito baixa no ano que vem.

Aparentemente, porém, o Banco Central não tem nenhum plano de voo tão fechado. Talvez o que define melhor o espírito do comitê atualmente é a preocupação em assegurar flexibilidade suficiente para reagir conforme a evolução das circunstâncias, reservando-se a liberdade para cumprir as metas de inflação.

Em março, o Copom começou com força um ciclo de alta de juros, anunciando duas altas de 0,75 ponto percentual na taxa básica, que terão seguimento com uma terceira alta da mesma intensidade em junho. Mas a comunicação de política monetária tinha algumas amarras que, embora não representassem nenhum constrangimento efetivo para uma eventual ação mais incisiva se a coisa caminhasse para o lado mais negativo, foram entendidas por participantes do mercado como um certo apego a cenários mais positivos.

Fernando Henrique Cardoso* - Homenagem a um amigo

- Folha de S. Paulo / Ilustríssima

[RESUMOFernando Henrique Cardoso relembra a trajetória do cientista político Leôncio Martins Rodrigues, que morreu na segunda (3) aos 87, de quem foi amigo por mais de meio século. Professor exemplar, realista e lúcido, um dos principais estudiosos dos sindicatos e dos trabalhadores industriais no Brasil, deixou ainda um exemplo de coragem e lealdade na defesa de amigos perseguidos durante a ditadura, diz ex-presidente.

Conheci Leôncio Martins Rodrigues há muito tempo. Há mais de 50 anos, quase 70... Digo de que maneira: Ruth Villaça Corrêa Leite e eu, ainda alunos da FFCL (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP), começamos a nos treinar como professores na Escola Fernão Dias Paes, em Pinheiros, um bairro de São Paulo.

Um senhor, Fued Boueri, casara-se com uma tia de Ruth e fora nomeado secretário de Educação: ofereceu-nos a oportunidade de ensinar no curso colegial, no turno da noite, quando ainda éramos alunos, em 1952, no final de nosso terceiro ano da faculdade. Um dava história do Brasil; o outro, história geral (não me lembro mais qual de nós dois dava cada curso).

Pois bem, Leôncio, que fizera um curso chamado de madureza (similar ao que hoje chamamos de supletivo), foi aluno da Ruth no secundário, no Fernão Dias. Nós éramos mais velhos, mas não tanto assim.

Na ocasião eu pertencia ao conselho editorial da Revista Brasiliense, de Caio Prado Júnior. A revista não pertencia ao Partido Comunista, mas era-lhe próxima. Logo depois nela se concentrariam os que nos opúnhamos à linha partidária.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Com todas as letras

O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro diz que não haverá eleição sem votos impressos e chamou País de “republiqueta”. Difícil imaginá-lo passando a faixa presidencial a quem quer que seja

O presidente Jair Bolsonaro classificou o Brasil como “republiqueta”. É espantoso que o político a quem foi conferida pelos eleitores a nobre tarefa de governar o Brasil tenha uma opinião tão desairosa sobre o País. A República brasileira tem muitos problemas – e em vários momentos, graças, sobretudo, a Bolsonaro, de fato se parece muito com uma republiqueta –, mas aqui ainda há uma Constituição, há instituições democráticas e há liberdade. E é justamente por ter esse sólido arcabouço democrático que os reptos autoritários de Bolsonaro, por mais tumulto que causem, serão, como têm sido, serenamente repelidos.

Isso não significa que o presidente se sinta dissuadido e afinal pare de desafiar a ordem constitucional que jurou respeitar ao tomar posse. Na mesma ocasião em que demonstrou seu desprezo pela República, Bolsonaro avisou que, se não for aprovado o “voto impresso” em lugar da urna eletrônica, “não vai ter eleição” no ano que vem.

“Ninguém mais aceita esse voto que está aí. Como é que vai falar que esse voto é preciso, legal, justo e não fraudado? A única republiqueta do mundo é a nossa, que aceita essa porcaria de voto eletrônico. Tem que ser mudado. E digo mais: se o Parlamento aprovar e promulgar, vai ter voto impresso em 2022, e ponto final. Não vou nem falar mais nada. Vai ter voto impresso. Se não tiver voto impresso, é sinal de que não vai ter eleição. Acho que o recado está dado”, disse Bolsonaro.

Poesia | Mario Quintana - Emergência

Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo —
para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.