sexta-feira, 14 de maio de 2021

Fernando Gabeira* - Anatomia da política de negação

- O Estado de S. Paulo

Urge buscar medidas que possam salvar vidas enquanto transcorre o trabalho da CPI

Pode ser que a CPI da pandemia descubra fatos novos, que revolucionem nossa visão do problema. Caso isso não aconteça, e é provável que não aconteça, já é possível, pelo menos, escrever o argumento desse filme, abstraindo os lances e peripécias de um roteiro.

Na base de tudo está a negação da pandemia por Bolsonaro. Esse conceito de negação foi lançado por Freud em 1923. E numa carta de 1937, escrita para um colega, ele cita o rei Boabdil, que ao receber a notícia de que a capital de seu reino, Alhambra, estava sitiada mandou queimar a carta e decapitar o mensageiro.

Bolsonaro não poderia aceitar a pandemia com os problemas econômicos que trazia e, sobretudo, a ameaça de sua reeleição. De certa forma, ele queimou a carta enviada pelos cientistas e decapitou os ministros que insistiam no tema.

Sua tese era de que a economia precisava seguir seu curso. Para fundamentá-la era preciso buscar algo aparentemente científico. A tese da imunização de rebanho foi a tábua de salvação. Todos se contaminariam de um modo ou de outro, pensava Bolsonaro, então que se contaminassem logo para voltarmos à normalidade.

Ele abstraiu o número de mortes implícito nessa escolha. Na verdade, era preciso trazer também a esperança de cura, uma espécie de bala de prata contra a covid-19: a hidroxicloroquina. O remédio era uma resposta simples para um problema complexo. Todos se contaminam, todos se salvam pela hidroxicloroquina

Eliane Cantanhêde - Bateu o desespero

- O Estado de S. Paulo

Bolsonaro não negociou a Pfizer no tempo certo e continua boicotando a Coronavac. E daí?

Encurralado por 430 mil mortes, a CPI da Covid, as condições da economia, o recorde de desemprego, o derretimento da sua popularidade e a revelação do “tratoraço” pelo Estadão, ufa!, o presidente Jair Bolsonaro demonstra descontrole e atira contra seu novo alvo prioritário: o relator da CPI, senador Renan Calheiros. Sem defesa, ataca. Mas atacar Renan não o salva nem resolve nada.

Ao entrar no plenário da CPI gritando contra Renan, o senador Flávio Bolsonaro se expôs e expôs o desespero da família presidencial. No dia seguinte, o pai foi a Alagoas e contrapôs o alagoano Renan a “pessoas do bem”: “Se Jesus teve um traidor, temos um vagabundo inquirindo pessoas de bem no nosso País”, disse o presidente, enquanto circulava com Fernando Collor, que sofreu impeachment, e Arthur Lira, presidente da Câmara enrolado no Supremo.

Há ainda muitas frentes a explorar, mas, se a CPI acabasse hoje, já teria mostrado o quanto Bolsonaro e o governo erraram no combate à pandemia. Sejam aliados, adversários ou independentes, os depoentes, um a um, dão provas e confirmam que ele não só fala como trabalha contra todas as formas de conter o vírus e salvar vidas. E em nome de uma crença, a imunidade de rebanho (deixa todo mundo pegar, quem tiver de morrer que morra).

Simon Schwartzman* - Vencer o populismo

- O Estado de S. Paulo

Pode ser pelo cansaço da beligerância, pela visibilidade da corrupção e ineficiência

A campanha eleitoral de 2022 já começou e uma das preocupações dos que buscam uma saída para a crise política iniciada com o impeachment de 2016 e a crise econômica que veio junto é como evitar que a próxima eleição seja dominada pelo populismo. Mas o que é o populismo e por que é preciso evitá-lo?

O termo “populismo” surgiu no século 19 para designar tanto o movimento político de intelectuais russos de estimular a mobilização dos camponeses contra os czares quanto o antigo Partido Populista americano, precursor do Partido Democrata, que buscava os votos dos agricultores contra os grupos e instituições consideradas de elite. No século 20, na América Latina, foi usado para descrever a atuação de políticos como Juan Perón, na Argentina, Getúlio Vargas e Ademar de Barros, no Brasil, e Haya de la Torre, no Peru, e é usado hoje para se referir a políticos como Hugo Chávez e Evo Morales, na América Latina, e Donald Trump, Viktor Orbán e Tayyip Erdogan em outras partes.

Existe muita controvérsia sobre o que é e como interpretar o populismo, mas sua característica principal é a existência de líderes políticos que estabelecem uma relação forte e personalizada com setores importantes da sociedade, passando por cima das instituições e dos partidos políticos tradicionais.

Vera Magalhães - O fator Aras de sucesso da CPI

- O Globo

O governo Bolsonaro parece ter se animado com o entrevero entre Omar Aziz e Renan Calheiros em razão do pedido de prisão, negado pelo presidente da CPI da Covid, do ex-assessor Fabio Wajngarten. Não parece um caminho próspero apostar em rachar o grupo de senadores que vem sendo chamado de G7. Ao menos, não agora. Mais promissora é uma aposta no fator Aras de empastelamento da CPI. Mas ele depende de outra equação, bastante complexa.

Na configuração atual, a CPI tem sete votos seguros pela aprovação do relatório do senador alagoano, agora mais “revigorado”, para usar o adjetivo da moda, para responsabilizar Bolsonaro depois que o presidente resolveu declarar guerra pública a ele, em sua base eleitoral.

O PSD de Gilberto Kassab, que poderia ser o partido “pêndulo” no placar da CPI, tem atuado bem fechado. Além de Aziz, que tem sido bastante duro com as tentativas de manobra dos governistas, e eloquente ao apontar graves erros por parte do governo, o outro senador do partido, Otto Alencar (BA), que é médico, tem sido responsável por algumas das inquisições mais duras no colegiado.

Quebrar esse alinhamento do PSD com a oposição poderia até funcionar, mas fica difícil num cenário de desgaste de Bolsonaro nas pesquisas e de negociações avançadas de Kassab para dar outro destino ao partido nas urnas em 2022, que não o palanque reeleitoral do presidente.

Bernardo Mello Franco - Bolsonaro derrete

- O Globo

O Datafolha trouxe duas notícias preocupantes para Jair Bolsonaro. A ruim: seu governo nunca foi tão mal avaliado pelos brasileiros. A péssima: Lula largou bem na frente na corrida presidencial de 2022.

A aprovação a Bolsonaro despencou para 24%, menor índice desde a posse. A reprovação alcançou o patamar inédito de 45%. Reabilitado pelo Supremo, Lula desponta como favorito na simulação eleitoral. No segundo turno, ele venceria o atual presidente com folga: 55% a 32%.

Além de comer poeira na disputa com o petista, Bolsonaro amarga a maior taxa de rejeição entre todos os candidatos: 54% dizem que não votariam nele de jeito nenhum. Se a eleição fosse hoje, o capitão seria presa fácil para qualquer adversário. Pode ser a chance de Eymael, o eterno lanterninha das disputas presidenciais.

Como falta um ano e cinco meses para as urnas, o derretimento de Bolsonaro está longe de ser um fenômeno irreversível. Mas nada indica que o capitão vá se recuperar no médio prazo.

Rogério Werneck* - Entre Lula e Bolsonaro

- O Globo / O Estado de S. Paulo

Ambos têm feito e farão o que lhes for possível para cercear o surgimento de outras candidaturas que possam ter viabilidade eleitoral

Falta de horizonte talvez seja a dificuldade mais séria do precário quadro econômico que hoje enfrenta o País. A esta altura, o mais importante passou a ser vislumbrar, em meio ao denso nevoeiro de incerteza, o que esperar de 2023, findo o mandato de Bolsonaro. Mas, para isso, é crucial tentar entender o que condicionará a travessia dos 16 meses e meio que nos separam das eleições.

A volta de Lula ao jogo político, como candidato a presidente já muito bem posicionado nas pesquisas de intenção de voto, estreita em grande medida o espaço de manobra com que esperava contar o Planalto, ao longo dessa travessia. A pesada aposta de Bolsonaro no Centrão pode acabar se revelando bem menos promissora do que de início lhe parecia.

É bom lembrar que boa parte dos integrantes do Centrão já esteve confortavelmente aninhada nos governos Lula e Dilma. E que, para muitos deles, a perspectiva de poder associada à candidatura de Lula pode se afigurar bem mais atraente que o compromisso com o projeto de reeleição de Bolsonaro. Especialmente, quando tudo indica que, na campanha de 2022, Lula pretende evitar erros crassos cometidos em 2018, movendo-se para o centro e apresentando-se ao eleitorado com discurso moderado.

Flávia Oliveira - Ainda marchando por igualdade

- O Globo

Trinta e três anos atrás, organizações do movimento negro brasileiro fizeram história no centenário da Lei Áurea. O Brasil caminhava para a redemocratização, os ativistas marchavam contra a farsa da abolição. Fazia cem anos que o país decretara o fim da escravidão, mas a liberdade tardava. Ontem, momento agudo da pandemia, do retrocesso em direitos e da brutalidade pelo Estado, mobilizados pela Coalizão Negra por Direitos, manifestantes voltaram às ruas contra a violência policial, a fome, a letalidade da Covid-19. De 1888 até hoje, pretos e pardos ainda padecem das mazelas nacionais, evidência de que o tempo passa, o racismo, não.

Ainda ontem, os repórteres Nicolás Satriano e Henrique Coelho, do portal G1, revelaram boletins de atendimento de cinco dos 27 mortos na mais letal operação policial da História do Rio de Janeiro, há uma semana, na comunidade do Jacarezinho — a 28ª vítima foi o inspetor André Leonardo de Mello Frias. A emergência do Hospital Evandro Freire, na Ilha do Governador, atestou faces dilaceradas, ferimentos por arma de fogo em membros inferiores, desvios ósseos em membros superiores. Sem identificação, os cadáveres foram descritos como homem negro I, II e III, homem pardo I e II.

Todos os mortos pela polícia fluminense no Jacarezinho eram pretos ou pardos. “Pode ser a prova mais evidente do racismo institucional da história contemporânea”, comentou o advogado Daniel Sarmento, que assina pelo PSB a ADPF 635, ação que levou o Supremo Tribunal Federal a proibir, em junho de 2020, operações policiais em favelas do Rio durante a pandemia. No estado, em 2019, 86% dos mortos por intervenção de agentes da lei eram negros, apurou a Rede de Observatórios de Segurança no relatório “A cor da violência policial”. Em Pernambuco, a proporção bateu 93%, na Bahia, 97%.

Vinicius Torres Freire - Bonde do Lira puxa van bolsonarista

- Folha de S. Paulo

Presidente da Câmara toca prioridades do governo e seu plano de agradar ao baixo clero

No dia do “teje preso” na CPI da Covid, Arthur Lira conduziu a aprovação da lei de licenciamento ambiental, colocou para andar a comissão do voto impresso e arranjou a votação de regras que limitam o poder da oposição na Câmara.

O presidente da Câmara e líder-mor de Jair Bolsonaro no Congresso também criara um grupo de trabalho e, neste maio, uma comissão para mudar a lei eleitoral. Ainda no programa prioritário do governo, negocia a votação da lei da grilagem. Mais adiante e mais difícil, vai tentar tocar a lei de mineração em terras indígenas, se o estouro final da boiada ambiental não fizer muito escândalo.

Em parte, o bonde do Lira puxa a van atolada da pauta reacionária do bolsonarismo. Se tiver sucesso, pode se transformar de fato no novo primeiro-ministro do mafuá. Seu antecessor no comando da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também ocupava esse cargo de regência da avacalhação nacional, mas em regime de coabitação, em oposição moderada a Bolsonaro e na retranca quanto a medidas mais autoritárias ou degradantes do bolsonarismo.

Reinaldo Azevedo - Ataque a Toffoli alveja a democracia

- Folha de S. Paulo

Quando um ministro do STF está sujeito ao arbítrio, então é certo que o problema é de 'Todo Mundo'

É grande a tentação de tecer considerações sobre o depoimento de Fabio Wajngarten na CPI da Covid. Ou de nominar os vagabundos com uma arma na mão e ideias genocidas na cabeça. Mas, a esta altura, nada há de tão contundente a dizer sobre o desgoverno que seus próceres não digam com mais eficiência.

A mim me interessa saber como chegamos aqui. Mais importante para o futuro do país é o pedido de abertura de inquérito contra o ministro Dias Toffoli, feito por Bernardo Guidali Amaral, delegado morista da PF.

Ou bem nos afinamos com o devido processo legal ou estamos condenados à crise permanente. Jair Bolsonaro não caiu da árvore dos acontecimentos rotineiros. É o mal que brotou na terra devastada, em que se conjuraram todos os ódios contra a institucionalidade. Aqui e ali, vejo até jornalistas de boa-fé a indagar: "Mas, afinal, aquilo que Sérgio Cabral delatou não tem de ser investigado?". A simples pergunta já carrega a semente da destruição do Estado de Direito e da própria democracia. O ato de Guidali afronta fundamentos da já amalucada lei de delações.

Até a Lava Jato do Rio havia se negado a celebrar um acordo com Cabral, assim como a de Curitiba recusara a proposta de Antonio Palocci. A PF tomou para a si a empreitada. Contra a manifestação da Procuradoria-Geral da República, Edson Fachin homologou o acordo. Inquéritos foram abertos e encerrados após nova manifestação da PGR. E havia o tal anexo contra Toffoli, anteriormente recusado pelo próprio MPF.

Bruno Boghossian - Vandalismo político

- Folha de S. Paulo

Com medo da CPI e com medo de perder a eleição, presidente investe na confusão

Jair Bolsonaro pagou caro pelo apoio do centrão, mas não conseguiu formar maioria na CPI da Covid para se defender. O governo levou um baile tão grande nas primeiras semanas de investigação que o presidente precisou despachar o filho até a comissão para tumultuar o ambiente e chamar o relator Renan Calheiros (MDB) de "vagabundo".

Essa é a arma mais usada pelo bolsonarismo quando se vê acuado: em vez de trabalhar, recorre ao vandalismo político. Com a negligência federal exposta de maneira indefensável, a única saída para o presidente é agitar suas bases e depredar as instituições que o incomodam.

Bolsonaro patrocinou a primeira tentativa de balbúrdia na CPI ao estimular o desvio do foco das investigações para estados e municípios. Agora, ele fabrica animosidade com os integrantes da comissão para desqualificar o relatório que deve incriminá-lo. "Temos um vagabundo inquirindo pessoas de bem no nosso país", disse, em referência a Renan.

Hélio Schwartsman - Alucinação coletiva

- Folha de S. Paulo

Reação da opinião pública vista na pesquisa Datafolha é tardia e insuficiente

Organismos vivos desenvolveram sentidos como visão, audição, propriocepção, ecolocação para captar instâncias daquilo que chamamos de realidade e se posicionar de forma mais adequada para sobreviver e deixar descendência. Mas é claro que nada é tão simples.

As informações que chegam pelos sentidos nem sempre permitem interpretações unívocas; por vezes, estão em contradição umas com as outras. O cérebro, que não pode se dar ao luxo de esperar até que só existam certezas, se vale de uma miríade de elementos extrassensoriais, como expectativas, preferências e até manias, para dar sentido à profusão de dados que lhe chegam a cada instante. É nesse contexto que alguns neurocientistas descrevem a percepção como uma alucinação controlada.

Ruy Castro - Todos os Bolsonaros da CPI

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro não está em pessoa no banco da comissão. Simbolicamente, sim. Cada um de seus cúmplices é ele

Há quase um ano (20/5/2020), publiquei neste espaço uma coluna que começava assim: “No dia ainda incerto, mas infalível, em que Jair Bolsonaro se sentar no banco dos réus, veremos se usará a tática a que se habituou no poder para se impor numa discussão —silenciar seus interlocutores cortando-lhes a palavra e repetindo aos gritos seus bordões, como ‘Chance zero!’, ‘Ponto final!’, ‘Caso encerrado!’, ‘Próxima pergunta!’, ‘O recado está dado!’, ‘Cala a boca!’ e ‘E daí?’”. De lá para cá, Bolsonaro acrescentou várias ejaculações ao seu vomitório, como “Página virada!”, “Acabou, porra!” e o imortal “Enfia no cu!”.

Na coluna, eu dizia que a Justiça não se contentaria com uma argumentação tão lacônica. “Bolsonaro”, escrevi, “terá de responder extensivamente sobre os episódios em que violou a Constituição, estuprou as instituições, acusou sem provas, jogou o povo contra o Congresso e o STF, botou órgãos de Estado a seu serviço, encobriu sujeiras dos filhos e dos asseclas, mentiu compulsivamente, agrediu minorias e promoveu o desmoronamento da nação com seu ministério de celerados. O crime de mandar os humildes para a morte, exortando-os a sair de casa em plena pandemia, talvez tenha de ser julgado por um tribunal com sede na Holanda”.

César Felício - Quem de fato manda

- Valor Econômico

Bolsonaro chegou ao ponto de não retorno com o Congresso, com as concessões que fez em relação ao Orçamento

Para um candidato a autocrata, a dependência do presidente Jair Bolsonaro de sua base no Congresso é surpreendente, como ficou evidente na série de reportagens do jornal “O Estado de S. Paulo” sobre a apropriação de uma fatia do Orçamento pela cúpula parlamentar alinhada ao Planalto.

O presidente pode passar seu tempo chamando o relator da CPI da Covid de “vagabundo” e o vice-presidente do colegiado de “senador Dpvat”, mas ao promover um varejo de negociações em troca de apoio, ao criar uma gigantesca Codevasf e loteá-la entre caciques políticos, Bolsonaro indicou de que forma quer levar sua relação com o Legislativo. Um modelo nada inovador, que deve se amplificar no futuro próximo.

 “Cachorro quando morde galinha pela primeira vez, sente o gosto de sangue e vai querer morder sempre”, comentou um veterano da política, o ex-deputado e ex-ministro das Comunicações Miro Teixeira, que teve 11 mandatos na Câmara e hoje é um dos coordenadores da pré-campanha presidencial de Ciro Gomes. Em outras palavras, do ponto que se chegou não há retorno: o presidente perdeu sua autonomia para determinar a execução do Orçamento.

Claudia Safatle - Reforma do PIS-Cofins é positiva no pós pandemia

- Valor Econômico

Os dois impostos respondem por cerca de 90% das demandas judiciais da área tributária

É possível votar, neste ano, a proposta de unificação do PIS e da Cofins em um único imposto: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), conforme projeto de lei 3887/20 enviado pelo governo ao Congresso em meados do ano passado. O relatório apresentado anteontem pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), na última reunião da Comissão Mista Temporária da Reforma Tributária, é uma síntese de duas PEC (propostas de emenda constitucional), as de número 45 e 110. Nele, o relator acatou a sugestão de juntar cinco impostos - ICMS, IPI, PIS/Cofins e ISS - no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

A diferença entre contribuição e imposto é que, no primeiro caso, a União não reparte a receita com os Estados e municípios. Ribeiro, porém, cuidou para que o imposto arrecadado em operações que geram crédito não seja dividido com os entes da federação, para que a receita se destine à devolução dos créditos às empresas. O ponto central da CBS (ou IBS) é o crédito financeiro: tudo que a empresa comprar vai gerar crédito desde que esteja destacado em nota fiscal.

PIS e Cofins são os impostos mais complexos do já intrincado sistema tributário brasileiro, responsáveis por cerca de 90% da demanda judicial. O emaranhado de contenciosos chegou a tal ponto que a simplificação é boa tanto para o setor privado quanto para a Receita Federal.

Fernando Abrucio* - Bolsonarismo é inimigo da educação

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Bolsonaro toma medidas para colher no futuro um país atrasado e subserviente

Um dos principais pilares do governo Bolsonaro é a destruição das estruturas educacionais do país. O MEC é o epicentro desse processo. Desde a redemocratização, nunca suas políticas foram tão irrelevantes, o seu orçamento tem se reduzido nestes dois anos e meio de mandato e os recursos existentes não são gastos. A completa ausência do governo federal em meio à pandemia aumentou a desigualdade educacional e milhões de alunos pobres brasileiros terão negado o seu direito ao aprendizado. Agora o alvo da vez é o INEP, principal responsável pelas provas e indicadores nacionais, que passa por uma operação de desmonte. Mas por que o bolsonarismo quer destruir a educação? Quais os efeitos disso para o desenvolvimento brasileiro?

Três razões explicam a visão e a estratégia bolsonarista em relação à educação. A primeira é que o governo Bolsonaro prioriza a guerra cultural em detrimento das políticas públicas. Ou seja, o mais importante é defender um conjunto de valores, mais do que se preocupar com a garantia dos direitos e a qualidade dos serviços públicos. Além disso, como segundo fator, os atores educacionais são considerados inimigos fundamentais na batalha do bolsonarismo para conquistar e manter o poder, não só no plano político imediato, mas na busca da hegemonia social. Por fim, o enfraquecimento da política educacional significa reduzir informação, reflexão e debate, algo essencial para um presidente que busca reduzir ao máximo o controle sobre seu poder.

A predominância da guerra cultural como norteador do modelo bolsonarista de governo tem sido apontada por vários estudiosos, com destaque para o trabalho de João Cezar Rocha. Trata-se, na verdade, de um formato que se espalha internacionalmente entre os grupos populistas de extrema direita. No fundo, o embate dos valores ganha proeminência sobre a gestão das políticas públicas. O bolsonarismo ignora os consensos técnicos em cada setor e as evidências científicas, além de evitar o diálogo com os especialistas, quando não os confronta ou até os persegue.

Maria Cristina Fernandes - Memórias mostram um FHC para desarmar os espíritos

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Ex-presidente conta causos como se estivesse sentado ao sofá de sua casa e partilha reflexões ante a finitude da vida

Na tentativa de entrar na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, bombou em latim; no curso de ciências sociais, bombou em matemática; já doutor pela USP, claudicava no inglês; fez pesquisa de campo no Araguaia nos anos 1970 e só soube da guerrilha porque o dono da fazenda que o hospedava lhe contou; péssimo poeta e escritor sem imaginação literária, cometeu alguns textos pedantes.

Às vésperas de completar 90 anos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deixou a lendária vaidade ao desabrigo em “Um intelectual na política - memórias” (Companhia das Letras, 432 págs., R$ 69,90). Não abdica do lugar que imagina ter na história, o de quem buscou percorrer, da academia ao poder, a trajetória da institucionalização da democracia no país. Mas chega ao pé do ouvido do leitor, num tom confessional, para desfazer impressões preconcebidas. É generoso com aqueles que o antecederam e o sucederam no poder e a quem a crônica política atribui rixas históricas. Conta causos como se estivesse sentado ao sofá de sua casa e partilha reflexões ante a finitude da vida.

Não se trata de um acerto de contas. Fala das motivações dos atos, com franqueza às vezes surpreendente, para se fazer compreendido. Não se delonga com sua passagem pelo poder, tema dos quatro volumes de “Diários da Presidência” (Cia das Letras, 2015-19). Mas menciona um erro cometido, o de ter forçado a barra na reforma da previdência. Ao dizer que assustou as pessoas e pagou caro por ter querido salvar o sistema previdenciário, deixa implícito o incômodo com as repercussões duradouras do dia em que chamou de “vagabundos”, num país de pobres e miseráveis, aqueles que se aposentam antes dos 50 anos.

Passa ao largo da falsa modéstia. Ao reconstituir o pedigree familiar e acadêmico, mostra como se valeu de ambos sem se prender a um ou ao outro. O resultado é que o filho, neto, sobrinho-neto de generais e marechais protagonistas da proclamação da República ao gabinete de Guerra de Getúlio Vargas não parece, no livro, ter chegado à Presidência porque estava escrito nas estrelas, mas porque, a partir de sua ancestralidade, se reinventou.

Entrevista | Marina Silva: 'Os ganhos ambientais obtidos com décadas de trabalho de diferentes governos foram pisoteados'

Fundadora do partido Rede Sustentabilidade diz que texto aprovado na Câmara é inconstitucional e prejudicará economia brasileira no exterior

Renato Grandelle / O Globo

RIO — Marina Silva é taxativa: no projeto de lei aprovado nesta quinta, a Câmara não flexibilizou o licenciamento ambiental — ele, na verdade, foi erradicado. Para a ex-ministra do Meio Ambiente e ex-senadora pelo Acre, o Senado será pressionado a mudar o texto, mas a Casa é, em sua maioria, dominada pelo “que há de pior no ruralismo brasileiro”.

Ela destaca que muitos juristas já preveem uma chuva de processos contra os licenciamentos liberados com base na nova lei, caso ela seja aprovada pelos senadores e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro. O aval do Palácio motivaria um movimento em massa de flexibilização da legislação ambiental em estados e municípios, empenhados em atrair empreendimentos.

 Marina está entre os nove ex-ministros que publicaram uma carta alertando que o “projeto de Lei Geral do Não-Licenciamento Ambiental” poderia provocar, além de atritos em tribunais, o agravamento da crise econômica. A imagem do país no exterior ficaria ainda mais arranhada. Segundo ela, enquanto a comunidade internacional se esforça para acirrar as leis ambientais, o Brasil segue na contramão.

O projeto de licenciamento ambiental aprovado na Câmara foi elaborado sob a justificativa de que era necessário desburocratizar a legislação. A senhora concorda com esse argumento?

Não, é falacioso. Na verdade, a intenção é acabar com o licenciamento ambiental e favorecer empreendimentos sem cumprir regras de proteção ao meio ambiente e às comunidades. Há necessidade de modernizar a lei, mas isso não significa perder sua qualidade. Esse é um projeto complexo, que estava em debate há 17 anos, mas que foi aprovado sem audiências públicas com especialistas, cientistas, gestores públicos, ambientalistas e povos que serão potencialmente afetados, como ribeirinhos e indígenas. Os ganhos ambientais obtidos com décadas de trabalho de diferentes governos foram pisoteados.

Por que o projeto demorou tanto tempo para ser votado?

Porque é, de fato, muito polêmico. De um lado, há um grupo que tem um interesse legítimo em atualizar o licenciamento ambiental; do outro, há aqueles que querem acabar com ele, como aconteceu ontem. O Congresso passou a boiada porque sabe que a sociedade está com a atenção dividida, porque há um verdadeiro pugilato na CPI da Covid. O governo está aproveitando a pandemia, que já deixou mais de 400 mil mortos, para votar temas que não têm caráter de urgência urgentíssima.

Em carta, ex-ministros, inclusive a senhora, dizem que o projeto pode fulminar com o seu propósito principal, que é criar um ambiente de negócios. Por quê?

O empresariado será altamente prejudicado. Como o projeto é inconstitucional, haverá uma chuva de judicializações. O governo federal está dando a senha para que estados e municípios também mudem suas legislações, e haverá uma guerra ambiental entre eles, cada um querendo atrair investimentos a toque de caixa, acenando com o chapéu de todos nós, que é a destruição dos ecossistemas.

Entrevista | Fernando Henrique ‘Posso ter influência, mas não poder. E não sinto falta'

Ex-titular do Planalto lança livro de memórias, o último da lista, indica voto em Lula contra Bolsonaro e diz que atual ocupante do cargo ‘piora o país’

Vera Magalhães / O Globo

SÃO PAULO — “Este é meu último livro”, vaticina Fernando Henrique Cardoso logo no início da entrevista, por videoconferência, marcada em razão do lançamento de “Um Intelectual na Política”, volume de memórias em que o ex-presidente passa em revista sua formação acadêmica, ao mesmo tempo em que mostra como ela foi entrelaçada com a política.

A menos de um mês de completar 90 anos, FH mostra uma memória espantosa ao enfileirar datas, árvores genealógicas (de sua família e de outras), endereços, títulos acadêmicos, histórias dos tempos em que viveu em Paris e no Chile e a linha do tempo que o levou a construir em paralelo sólidas carreiras como professor e como político.

Também sobram críticas a Jair Bolsonaro, que ele considera “mal sentado” na cadeira da Presidência. E FH faz uma declaração de voto: se o segundo turno se der entre o atual presidente e Lula, o voto será no petista.

Este foi o livro em que o senhor colocou mais aspectos da sua vida pessoal? E de onde vem essa memória prodigiosa?

Do ponto de vista intelectual, sim. Embora eu me refira a processos sociais, do Brasil e de fora, estou mais preocupado ali em mostrar como eu apreendi as coisas, como foi minha formação. Isso fica entranhado na gente. Não é que custe grande esforço, não. Eu sempre tive facilidade em lembrar coisas, e mesmo para falar e escrever. Enquanto tiver memória, tem vida. Não consultei nada para escrever este livro. É tudo de cabeça. Eu guardo. Agora me vem a preocupação contrária: começo a esquecer as coisas. Não é que me esqueça, mas começo a confundir.

Quanto tempo demandou a escrita do livro?

Escrevi durante a pandemia. Se demorar a terminar a pandemia, terei de escrever outro (risos).

A forma como a vida familiar, acadêmica e política se mesclam na sua trajetória chama muito a atenção.

É, foi mais ou menos assim. Também por essas circunstâncias, acabei me mudando muito, viajando muito. Uma das coisas que sinto falta nessa pandemia é de viajar. Eu digo isso no livro: não basta ler, você tem de observar, viver as situações, experimentar. Quando está em um país estrangeiro, tem de absorver a vida, viver como se vive naquele país. Você tem de deixar o vento te levar. Eu me adapto. Você só tem uma alternativa: mergulhar na vida.

Em relação às ideias, o senhor participa dos primeiros círculos de leitura de Marx, ainda antes dos anos 1960. Depois, abraça a social-democracia e acaba sendo chamado de neoliberal. Como foi essa evolução?

Neoliberal nunca fui. Mas essa evolução também veio de forma natural. A gente tem de acompanhar as transformações do mundo. Nasci numa família que tinha participação política desde o Império. Meu bisavô já era senador no Império, e meu avô conspirou contra o imperador. Fui evoluindo, mudando sem dor.

O que sente quando olha para o Brasil de hoje, em que existe um certo elogio da ignorância, sucateamento da universidade, da educação da ciência?

Hoje existe um verdadeiro culto da violência. Veja o que houve no Rio de Janeiro. Violência sempre houve na História do Brasil. Mas hoje é um culto que vem da classe dirigente. Violência passou a ser virtude. Nunca assistimos a algo como vemos hoje, em que uma pessoa como Bolsonaro vira presidente da República. Ele está mal sentado ali. Dá pena. O Brasil merecia estar mais bem representado. Farei o que puder para que o Brasil supere isso. Veja os Estados Unidos: lá a barbárie não prevaleceu. O (Donald) Trump tentou, mas não conseguiu, porque lá os valores e as instituições são muito mais fortes.

J-AmLat - Não a uma guerra desnecessária !

A J-AmLat lamenta profundamente a perda de vidas humanas em uma renovada e inaceitável escalada de violência em Israel e Palestina.

A J-AmLat -Judeus Latino-americanos Progressistas pela Paz- se pronuncia, mais uma vez, a favor de uma via política que ponha um fim aos ciclos recorrentes de violência, priorizando uma saída que anteponha a segurança e os direitos humanos dos cidadãos de toda a população de Israel e da Palestina.

Esta não é uma nova guerra. É a continuação e inevitável consequência de um chamado “status quo” inoperante, que não oferece nem paz nem segurança a Israel. É o reflexo de um vazio de poder em Israel e na Palestina, ante o fracasso das diferentes lideranças políticas, preocupadas em se manter no poder a todo custo. E não no bem-estar das populações que dizem representar.  Igualmente está claro que a violência entre israelenses e palestinos se dá num marco assimétrico. É claro que a solução para o conflito entre Israel e Palestina será política e não através da violência.

Condenamos os ataques massivos com mísseis contra civis israelenses por parte do Hamas e a Jihad Islâmica a partir da Faixa de Gaza, que tem tirado vidas humanas. Bombardear centros de população civil é um crime de guerra.

Condenamos a operação militar que Israel move contra a Faixa de Gaza, território densamente povoado sob um bloqueio desumano, que não consegue cumprir seu objetivo de acabar com o regime do Hamas, ao contrário. Os ataques do exército israelense têm ceifado vidas humanas.  Bombardear centros de população civil é um crime de guerra.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

STF à prova

Folha de S. Paulo

Acusação contra Toffoli precisa de resposta que preserve credibilidade da corte

Ao pedir autorização para investigar acusações feitas pelo ex-governador Sérgio Cabral contra o ministro Dias Toffoli, a Polícia Federal colocou o Supremo Tribunal Federal sob inédita pressão.

Pela primeira vez em sua história, a corte precisará decidir se um dos seus integrantes deve ser investigado por suspeita de corrupção, ou se os indícios apresentados contra ele são tão frágeis que o caso merece ser arquivado.

Cabral diz que um dos seus operadores pagou R$ 4 milhões a Toffoli para que favorecesse dois prefeitos em processos no Tribunal Superior Eleitoral. Segundo ele, os pagamentos foram feitos por meio do escritório de advocacia da mulher do ministro. Toffoli nega tudo, assim como o suposto operador.

Condenado a mais de 300 anos de prisão por corrupção e outros crimes, Cabral mudou sua estratégia de defesa há dois anos e fechou um acordo de colaboração premiada com a PF, passando a fornecer informações na tentativa de obter algum alívio para suas penas.

O ministro Edson Fachin homologou o acordo e autorizou a abertura de vários inquéritos em 2020, mas Toffoli usou os poderes que tinha como presidente do tribunal na época para arquivar todos, argumentando que faltavam indícios mínimos para justificá-los.

Poesia | Joaquim Cardozo - Recordações de Tramataia

    

Eu vi nascer as luas fictícias
Que fazem surgir no espaço a curva das marés
Garças brancas voavam sobre os altos mangues
De Tramataia.
Bandos de jandaias passavam sobre os coqueiros
                                                     [ doidos
De Tramataia.
E havia um desejo de gente na casa de farinha e
                                   [ nos mocambos vazios
De Tramataia.
Todavia! Todavia!
Eu gostava de olhar as nuvens grandes, brancas
                                                    [e sólidas,
Eu tinha o encanto esportivo de nadar e de
                                                    [ dormir.

                         II

Se eu morresse agora,
Se eu morresse precisamente
Neste momento,
Duas boas lembranças levaria:
A visão do mar do alto da Misericórdia de Olinda
                                      [ ao nascer do verão.
E a saudade de Josefa,
A pequena namorada do meu amigo de
                                           [ Tramataia.