terça-feira, 25 de maio de 2021

Merval Pereira - Um mau soldado

- O Globo

Bolsonaro está levando os militares a uma situação limite, como, aliás, fez constantemente enquanto estava na ativa. Capitão, planejou atentados terroristas para reivindicar melhores salários, foi condenado por um conselho de justificação, mas absolvido pelo Superior Tribunal Militar (STM) em 1988, meses antes de ir para a reserva, num aparente acordo.

Antes, escrevera um artigo na revista “Veja”, em setembro de 1986, denunciando uma “situação crítica da tropa no que se refere aos vencimentos”. Pegou 15 dias de cadeia por indisciplina. “Um mau soldado”, como o classificou o general Ernesto Geisel. Na política, Bolsonaro fazia panfletagem na porta de quartéis nas eleições. Frequentemente era pedido que se afastasse do quartel para fazer sua campanha. Alguns dos generais hoje no governo fizeram essa intermediação com o então deputado Bolsonaro, que chegou à Presidência da República com o apoio e condescendência dos militares, convencidos de que somente ele poderia derrotar o PT em 2018. Hoje, a possibilidade de um novo confronto entre Lula e Bolsonaro em 2022 fortalece sua posição entre os militares.

Incentivado por Bolsonaro — que já quebrara a regra de ouro de não levar a política para dentro dos quartéis quando fez um comício em frente ao Quartel-General do Exército em Brasília —, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello rompeu com a máxima do Exército, de hierarquia e disciplina, ao participar de um ato político no domingo no Rio, sendo general de divisão da ativa.

Carlos Andreazza - Uh! É Pazuello!

- O Globo

 ‘Uh! É Pazuello!’ Assim gritavam — ante a chegada do ex-ministro da Saúde — os patriotas aglomerados no Aterro do Flamengo para ouvir a pregação de Bolsonaro. O general, também ele motoqueiro, não poderia perder a oportunidade de formar naquele bonde. E que esculacho então deu no Supremo Tribunal Federal, no Senado da República e no Exército de Caxias.

Sobre o carro de som, apostava num habeas corpus da acomodação. Um cálculo bastante fácil, a serviço que esteve — como militar — de um governo militar. Ora, cumprira a missão. Não o deixariam só. Esculacho no Exército de Caxias? Talvez não. Antes de subir à ribalta, decerto pensou no que se passara a Hamilton Mourão quando de seus discursos golpistas — nada, senão a fama que o levaria à Vice-Presidência. E não lhe terá escapado que o próprio Bolsonaro comandaria, em 2021, um governo de generais a seu inteiro dispor mesmo depois de haver conspirado — 34 anos antes, sem qualquer punição à vera — contra a Força.

Esculacho no Exército de Caxias? Não. Pazuello lançara-se ao microfone — sem o menor receio de rasgar os códigos militares — porque encorajado pela história e, mais recentemente, pela partidarização do Exército a partir de Villas Bôas. Aí está. O recado chega, chegou, no guarda da esquina; de modo que o menor dos perigos seria um general "penalizado" com a reserva e livre para se candidatar. É o que quer. Processo disciplinar a valer? Hum...

Ricardo Noblat - Ah, se não fosse o Supremo e o seu rigor com o governo…

- Blog do Noblat / Metrópoles

Deputado do PT reconhece que a situação do país poderia ficar pior se o Supremo Tribunal Federal se deixasse intimidar por Bolsonaro

Desabafo de um deputado federal quatro estrelas do PT que não dá Jair Bolsonaro como previamente derrotado nas eleições do ano que vem, e que acha que ele poderá se recuperar até lá:

– Se não fosse o Supremo Tribunal Federal, a situação do país estaria pior do que está.

Tem razão, e por isso Bolsonaro tanto pressiona o Supremo e orienta seus militantes a atacá-lo. Mexeu com o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, é mexer com o presidente.

E, em menos de uma semana, o Supremo mexeu duas vezes – a primeira quando o ministro Alexandre de Moraes autorizou a Polícia Federal a investigá-lo no caso de contrabando de madeira.

A segunda quando, por ordem do Supremo, o Ibama voltou a exigir documento de licença para exportação de madeiras de espécies nativas. Isso bateu forte em Bolsonaro e Salles.

A regra, de 2011, foi suspensa em fevereiro do ano passado pelo presidente do Ibama, Eduardo Bim, por sinal afastado do cargo na última quarta-feira por decisão de Alexandre de Moraes.

Na sexta-feira, a embaixada americana mandou um ofício à Polícia Federal sobre a apreensão de três carregamentos de madeira brasileira com destino aos portos de Nova Orleans e Seattle.

Foram 74 mil quilos de madeiras de espécies nativas da Amazônia, como angelim, jatobá e maçaranduba. Madeiras nobres, que no exterior são vendidas por alto preço.

No ofício, a embaixada diz que o governo americano vai “solicitar o compartilhamento das investigações e das evidências produzidas no Brasil e nos Estados Unidos” sobre esse tipo de crime.

É o primeiro passo para que autoridades norte-americanas comecem a investigar Salles e a sua turma. Da turma, ficará de fora Bolsonaro para não ameaçar as boas relações entre os dois países.

Renan Calheiros - A segunda cepa do negacionismo

- Folha de S. Paulo

Diante de tudo o que os fatos comprovam, rota de fuga é escárnio com o país

negacionismo, como se sabe, conduziu boa parte das decisões estratégicas cruciais do governo federal no combate à pandemia no Brasil, na contramão da ciência e das melhores práticas adotadas pelas civilizações mais avançadas do mundo.

Negou-se o que recomendavam os principais especialistas. Negou-se o uso de máscaras. Negou-se o distanciamento social. Negou-se o lockdown em momentos críticos como forma de conter a disseminação do contágio. Negaram-se, sobretudo, os mais elementares princípios do bom senso e adotou-se a pregação de “curas mágicas”, através do charlatanismo de medicações sem qualquer respaldo dos organismos internacionais de saúde.

Agora, perante o tribunal de escrutínio da opinião pública, no plenário da CPI, as mesmas autoridades que adotaram o negacionismo como linha de atuação no enfrentamento da pandemia, diante da absoluta impossibilidade de negar esse fato incontestável, vêm sistematicamente cumprindo um ritual pavloviano. É o que chamo de “segunda cepa” do negacionismo. Diante de tudo que os fatos comprovam, sua rota de fuga é o negacionismo do negacionismo, um escárnio com os brasileiros.

Negam que negaram tudo que negaram. São a versão canhestra do “avesso do avesso do avesso do avesso” que Caetano imortalizou nos versos de “Sampa” —a diferença é que os negacionistas não têm a poesia do mestre baiano.

Hélio Schwartsman - Decreto idiota

- Folha de S. Paulo

Antes da internet, duas formas combater ideias idiotas eram ignorá-las ou ridicularizá-las

"Censura" é uma palavra polissêmica. Não é incomum que alguém que tenha a sua opinião contestada, ridicularizada ou apenas ignorada proclame ser vítima de censura. Não sou fiscal de palavras, mas, se quisermos ser tecnicamente rigorosos, deveríamos reservar o termo "censura" para situações em que o poder do Estado é usado para calar um cidadão.

De modo análogo, "liberdade de expressão" designa o direito que as pessoas têm de dizer o que pensam sem sofrer consequências penais, não o acesso garantido a megafones. Jornais, rádios e TVs nunca tiveram a obrigação legal de dar espaço a todos os que desejassem aparecer.

Essas conceituações já bastam para mostrar que não faz sentido a proposta do governo Bolsonaro de baixar um decreto impedindo redes sociais de eliminar postagens em páginas que estejam ao alcance do público. A mesma noção de liberdade que respalda o direito do indivíduo de dizer o que pensa fundamenta o direito de empresas e editores de escolher as ideias às quais darão visibilidade.

Alvaro Costa e Silva - A tese do fantoche presidencial

- Folha de S. Paulo

Retorna a falácia de que Bolsonaro não governa; apenas interage com apoiadores na internet

Depois do lateral polivalente e do falso 9 no futebol, a política brasileira apresenta mais uma evolução tática: a "posição de internet", ocupada pelo presidente da República. Seria um jogador com função decorativa. Bolsonaro só agiria como animador de auditório, falando para seus fanáticos seguidores, enquanto as decisões sobre o destino do país estariam entregues aos verdadeiros eleitos —o grupinho com os ombros estrelados.

Na CPI, o general Pazuello sugeriu que não recebeu ordens durante sua condução do enfrentamento da pandemia. Bolsonaro não passaria, portanto, de um boneco do regime. Recuperada quando o presidente vê sua popularidade despencar, a falácia é semelhante àquela utilizada na campanha eleitoral: o candidato que atuava como um ogro miliciano seria, no futuro, moderado pelas instituições.

Joel Pinheiro da Fonseca – Onde está Guedes?

- Folha de S. Paulo

Surpreende ver quanto o ministro está disposto a abrir mão para seguir no poder

Estava eu lavando a louça depois do almoço de sábado quando me ocorreu a dúvida: “Por onde andará Paulo Guedes? Onde foi parar?” Eis que o encontrei na Folha de segunda, numa longa entrevista.

Nela, vemos o mesmo Guedes de sempre: ótimo com as palavras, otimista, ambicioso. O Brasil de seu discurso navega de vento em popa, faz reformas, cresce e é a inveja do mundo. Até a Amazônia vai bem.

 “Aí vem o terceiro ano [de governo], e vamos surpreender de novo.” Espera; por acaso alguém ficou surpreso com o desempenho do Brasil nos dois últimos anos? Corrijo-me: alguém ficou positivamente surpreso?

Eu entendo a situação difícil de Guedes. Dificilmente o liberalismo será uma ideologia de massas. É a sina de quem, em vez de prometer utopias, impõe limites —ao gasto, ao poder dos governantes, à vontade da maioria.

Por isso, a melhor aposta de liberais é trabalhar junto de diferentes governos, deixando um legado positivo. Collor, Itamar, FHC e Lula: todos tiveram contribuições decisivas de ministros ou secretários liberais. Abertura comercial, Plano Real, Lei da Responsabilidade Fiscal, Bolsa Família. Dilma, quando a crise apertou, chamou Joaquim Levy para tentar colocar ordem na casa, sem sucesso.

Juca Kfouri - O comunista com FHC e Lula

- Folha de S. Paulo

Vladimir Marques não sabe bem se é vermelho ou cristão, sabe que apoia a Frente Ampla

Vladimir Marques votou em Roberto Freire, então do PCB, em 1989, e em Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, em 1994. E em Lula, do PT, em 2002.

Devoto da ideia de “a cada um de acordo com suas necessidades, de cada um de acordo com suas possibilidades”, embora ateu fica confuso quando lhe dizem que a máxima é cristã, porque regime algum na história da humanidade a exerceu na prática com democracia.

Neste Brasil em que formadores de opiniões se dizem “liberais” ou “democratas radicais” —e são capazes de fazer listas para boicotar “comunistas” como Luiza Trajano ou Delfim Netto ou, ainda, apoiar presidente que idolatra torturadores—, Marques tem dúvida sobre que aspas cabem melhor nele.

2022: Cenário nacional trava sucessão nos estados

Ao menos 12 governadores que não tentarão se reeleger no ano que vem enfrentam dificuldades para manter unida sua base atual em torno de um candidato; polarização entre Bolsonaro e Lula é pano de fundo da maioria das fissuras locais

Bernardo Mello / O Globo

RIO — Sob influência do cenário nacional, governadores de 12 estados que não podem ou não pretendem ser candidatos à reeleição têm dificuldades para aglutinar sua base em um nome de consenso à sucessão. A polarização entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é o pano de fundo da maioria dessas fissuras locais, com pré-candidatos buscando assegurar o apoio de padrinhos nacionais para tomar a dianteira no cenário estadual.

Entre os governadores que defendem uma “terceira via” na eleição presidencial, a preocupação é que uma eventual insatisfação com a montagem de chapas estaduais leve partidos da base a esvaziarem seu palanque para negociar apoios a Bolsonaro ou Lula. Em alguns casos, a migração do vice para o partido do chefe do Executivo surgiu como alternativa para pacificar a base. Em outros estados, desavenças entre o titular e o vice-governador tendem a fragmentar o grupo da situação. Há casos ainda em que governantes cogitam cumprir o mandato até o fim, abrindo mão de disputar outro cargo em 2022, para abrir espaços a aliados.

Críticas a Doria

Embora estejam aptos à recondução, os governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, ambos do PSDB, têm manifestado interesse em disputar a Presidência e descartam concorrer novamente ao Executivo estadual. A convite de Doria, seu vice, Rodrigo Garcia, trocou o DEM pelo PSDB. Aliados de Leite costuram uma saída semelhante para o vice gaúcho, Ranolfo Vieira Jr., que deixou o PTB após romper publicamente com o ex-deputado Roberto Jefferson, presidente da legenda, e também tem convites de MDB e Podemos.

— Fizemos um convite ao Ranolfo para que ele concorra à sucessão pelo PSDB. É um candidato natural ao governo, em qualquer partido, por representar a continuidade da atual gestão — afirma o deputado federal Lucas Redecker, presidente do PSDB gaúcho e entusiasta da candidatura presidencial de Leite.

Eliane Cantanhêde – ‘Meu gordinho’

-  O Estado de S. Paulo

Bolsonaro usa Pazuello para impor à Defesa e ao Exército o ‘quem manda, quem obedece’

Quem está no foco é Eduardo Pazuello, mas o principal responsável pela presença de um general da ativa numa manifestação política é o presidente Jair Bolsonaro, que usa Pazuello para esfregar na cara das Forças Armadas quem manda e quem obedece, testar limites do novo ministro da Defesa e jogar o novo comandante do Exército contra a parede. Estrago feito, o presidente proibiu pessoalmente notas da Defesa e do Exército.

Pazuello é o novo ídolo das redes bolsonaristas e Bolsonaro, o “mito”, se referiu a ele como “meu gordinho” nos atos de motociclistas no domingo. A turma anda mal de mitos e ídolos, já que o “meu gordinho” entra para a história por cair de paraquedas no Ministério da Saúde com a “missão” de engolir sapo, deixando o caminho livre para o negacionismo do presidente e do “gabinete das trevas”.

Entrevista | Raul Jungmann: ‘Responsabilidade maior do que se passou com Pazuello é do presidente’, afirma ex-ministro da Defesa

Raul Jungmann diz ser ‘inaceitável’ que ex-ministro, que é general da ativa, tenha ido a um ato político e afirma que Bolsonaro ‘vem constrangendo as Forças há bastante tempo’

Marcelo Godoy / O Estado de S. Paulo

Ex-ministro da Defesa no governo Michel TemerRaul Jungmann enfrentou uma crise no Exército quando o general Hamilton Mourão, então secretário de Economia e Finanças do Exército, resolveu discorrer sobre “aproximações sucessivas” e criticar o governo. Acabou afastado. Na reserva, filiou-se ao PRTB e compôs a chapa vitoriosa com Jair Bolsonaro. Jungmann não vê paralelo entre esse episódio e o que envolveu o general Eduardo Pazuello ao comparecer a comício do presidente Jair Bolsonaro no fim de semana. “A responsabilidade maior do que se passou é do presidente da República, que é o comandante supremo das Forças Armadas.” Leia, a seguir, trechos de sua entrevista.

A ida do general Pazuello a um evento político-partidário pode ser comparada aos problemas que o senhor enfrentou na Defesa?

O caso do Mourão (general Hamilton Mourão, atual vice-presidente) aconteceu em uma palestra, em um evento que de forma nenhuma tinha caráter político-partidário. Eu tive a colaboração e participação do general Eduardo Villas Bôas e do general Etchegoyen (Sérgio, então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional) para encontrar uma solução, que foi dada pelo comandante Villas Bôas e teve o meu apoio. Ele (Mourão) era da Secretaria de Economia e Finanças, e Villas Bôas o colocou à disposição da secretaria-geral. Foi um caso diferente.

O senhor acredita, a exemplo de oficiais-generais que se manifestaram, que o Comando tem de tomar uma providência a respeito de Pazuello?

Não existe outro caminho, embora a responsabilidade maior do que se passou seja do presidente da República, que é o comandante supremo das Forças Armadas. Eu acho que se está fazendo uma cobrança que, aliás, é legítima e deve ser feita, porque o general Pazuello feriu o Regulamento Disciplinar do Exército e um dos fundamentos de qualquer força armada, que é a disciplina. Não se pode admitir que as Forças Armadas, por meio de seus membros, em sendo instituição de Estado, como se encontra no artigo 142 da Constituição, tenham atitudes políticas ou de governo. Diante disso é cabível uma sanção ao general. Mas eu acho que é preciso lembrar que esse ato e a convocação dele para que tomasse a palavra foram feitos pelo presidente da República, a quem cabe zelar pela hierarquia e disciplina das Forças Armadas.

Andrea Jubé - Agronegócio não teme o PT, diz Wagner

- Valor Econômico

Por votação, Fávaro elimina pontos polêmicos

Enquanto a CPI da Covid concentra os holofotes e tensiona o ambiente político, avançam nos bastidores as articulações em torno de outro ecossistema: o meio ambiente e a agenda fundiária.

O Senado pode retomar nos próximos dias a votação do projeto de regularização de terras públicas, retirado da pauta há um mês após pressão dos ambientalistas.

O mesmo grupo tenta impedir que o controvertido projeto que flexibiliza as regras de licenciamento ambiental aprovado há dez dias pelos deputados comece a tramitar no Senado.

Na semana passada, o presidente da Comissão de Meio Ambiente, senador Jaques Wagner (PT-BA), recomendou ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que não coloque a proposta em pauta.

Questionado se pretende promover audiências públicas sobre a matéria na comissão, Wagner respondeu à coluna que gostaria que o projeto nem tramitasse na Casa. “Aquilo é um absurdo, espero que não avance. É um direito do presidente não pautar, ele reúne o colégio de líderes, comunica que não vai pautar”, propõe o senador.

Pedro Cafardo - Uma visão não neoliberal para a fase pós-pandemia

- Valor Econômico

Para economista, país tem que pensar no longo prazo, inclusive do ponto de vista sanitário

O neoliberalismo está morto? Qual seria a política econômica mais adequada para o Brasil na pós-pandemia?

Claro que os neoliberais respondem “não” à primeira pergunta. À segunda sugerem continuar com as reformas para reduzir a interferência do Estado na economia e a manutenção da austeridade fiscal, condição essencial para que os agentes econômicos tomem decisões de investir no país e, com isso, promover desenvolvimento.

Sabemos de cor essa receita, dominante no país. Por isso, o articulista fez as duas perguntas e outras cinco a uma respeitada economista da academia, não ligada ao mercado financeiro, Rosa Maria Marques, professora titular da PUC de São Paulo.

 “Não, o neoliberalismo não está morto de forma alguma”, respondeu a economista. “O fato de diferentes governos, independentemente de seu viés político e ideológico, terem aumentado o gasto público durante a pandemia e terem se preocupado em manter a liquidez não implica o sepultamento. O momento da pandemia e seu impacto na atividade exigiram que governos assim procedessem. Na crise de 2007/2008, não foi diferente. Não há como enterrar o neoliberalismo e, ao mesmo tempo, manter a total dominância do chamado capital financeiro na determinação das relações econômicas e sociais.”

Sobre a política econômica pós-covid, Rosa Marques observa: “A pandemia, além de ter aumentado o número de brasileiros em situação de pobreza extrema, destruiu emprego formal e informal, fechou pequenas e médias empresas e afetou de maneira desigual as cadeias produtivas. Não há como desconsiderar a necessidade de apoiar os segmentos que foram mais afetados enquanto as marcas da pandemia estiverem presentes. É claro que a política econômica não deveria se restringir a isso. É preciso pensar no longo prazo, inclusive do ponto de vista sanitário, dado que nada nos assegura que essa será a última pandemia que vai provocar tal nível de letalidade, exigindo a paralisação das atividades socioeconômicas. A extrema dependência do país à especialização da China e da Índia revela quão importante seria investir na recuperação da capacidade do país em pesquisa, desenvolvimento e na fabricação na área da saúde”.

Felipe Salto - A volta da carestia

- O Estado de S. Paulo

O Estado não pode assistir a isso calado. A população pobre é a que sofre mais

A inflação de alimentos, o aumento do número de pessoas sem emprego ou fora da força de trabalho e a evolução da renda preocupam. A população pobre sofre mais. O Estado tem o dever de dirimir essas mazelas por meio de políticas adequadas. Não pode assistir calado à volta da carestia.

A inflação foi impulsionada pela alta do dólar, que afetou os preços dos insumos e dos bens finais importados. O repasse para a inflação geral acabou ocorrendo à medida que essa pressão da taxa de câmbio resistia. Em paralelo, a alta das commodities tem afetado os preços internos. A Instituição Fiscal Independente (IFI) aponta que o IPCA totalizará alta de 7,4% no acumulado em 12 meses até junho.

O IPCA indicou inflação de 6,8% no acumulado em 12 meses até abril. Cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) mostram que o fardo é maior sobre as classes mais baixas. Na classificação do instituto, as pessoas com renda muito baixa enfrentaram alta de preços de 7,7% até abril, enquanto as de renda alta perceberam 5,2% de inflação.

A abertura do IPCA, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que os preços do grupo alimentação no domicílio cresceram 16%. Os preços de dois itens básicos, arroz e feijão, subiram 57% e 51%, respectivamente. O grupo das carnes no IPCA aumentou 35%. O patinho ficou 37% mais caro, o preço do músculo bovino aumentou 41% e os do acém e do peito cresceram 38% e 46%. Mesmo o frango em pedaços teve alta de 14%.

Entrevista| Paes de Barros vê falha de gestão e avanço da desigualdade

Debate sobre programas sociais deve migrar para reinclusão de desempregados, afirma economista

Por Lucianne Carneiro / Valor Econômico

Rio- Um dos idealizadores do Bolsa Família e hoje professor titular do Insper, Ricardo Paes de Barros afirma que a gestão da pandemia no Brasil transformou a crise numa situação crônica, que prejudica de forma mais intensa os mais pobres e contribui para o aumento da desigualdade. “Os pobres e as empresas iriam perder muito menos com um choque do que com a maneira agonizante com que a gente está fazendo, em que a coisa é arrastada, lenta”, diz.

Ele defende que o debate sobre programas sociais deve ser deixar de se concentrar no auxílio emergencial e incluir estratégias de reinclusão dos milhões de desempregados ao mercado de trabalho.

Seu alerta é de que a volta desses trabalhadores vai demorar tempo demais se ficar a cargo da “mão invisível [do mercado]”: “Precisamos de um programa poderoso de reinserção produtiva e não parece que isso está sendo pensado”.

Integrante da Comissão Consultiva do Censo, Paes de Barros critica a falta de diálogo do Congresso com o IBGE ao cortar o orçamento para o Censo Demográfico em 2021 e reconhece que ainda há risco de falta de recursos para sua realização em 2022, apesar da determinação do Supremo Tribunal Federal (STF).

Ele diz que a execução do Censo na pandemia era controversa - como se viu até pelas diferentes posições entre países europeus -, mas que é fundamental a decisão de uma data, para nortear o trabalho do IBGE. “Não se pode definir ano a ano”, argumenta. 

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: O STF determinou a realização do Censo em 2022? Ainda há riscos para a pesquisa? E a capacidade?

Ricardo Paes de Barros: O IBGE tem capacidade de sobra, está superpreparado para realizar o Censo. A questão é o jeito que o Orçamento foi definido. A decisão de adiar ou não adiar o Censo não é consensual. Só para ter uma ideia, a Inglaterra está fazendo o censo neste ano e a Escócia está deixando para o ano que vem. A Alemanha está deixando para 2022 e a República Tcheca faz neste ano. Não é surpreendente que haja opiniões nas duas direções no Brasil. Surpreendente é que a presidente do IBGE [Susana Cordeiro Guerra] na época foi a uma audiência no Congresso e ninguém questionou, o que dava a impressão de que era consenso de que íamos fazer, para dias depois ser cancelado. Se tinha um debate para ser feito, e parece ligado ao conflito do Censo na atual situação sanitária, era a hora de os parlamentares perguntarem. E não teve nada disso. Quando a gente toma decisões sem uma clara consulta ao IBGE e à Comissão Consultiva do Censo, tem um problema de governança que [sugere que] qualquer coisa pode acontecer. A possibilidade de chegar ano que vem e não ter orçamento [para o Censo] existe. Como a forma de decisão ser tomada foi meio obscura, acho que tem esse risco.

Valor: Há outras questões em risco?

Paes de Barros: Outra questão fundamental, que parece bem clara agora, é que o custo do censo será maior. A pandemia faz o Censo ficar mais caro. E, a cada ano que adia, esse custo aumenta. Se está construindo uma ponte e adia, ela começa a ficar mais cara. Isso porque há uma série de custos para atualizar as coisas que não seriam necessários antes. Um erro é acreditar que você pode ficar cortando o orçamento do Censo. Não pode. Você tem que aumentar. Ao contrário do que o Congresso brasileiro fez, o Departamento de Estatísticas das Nações Unidas tem um comitê de especialistas que acompanha o que ocorre no mundo, já que os censos de 2020 acontecem em vários países [nesta época]. E uma das questões que deixam muito claro é que o Censo ficará mais caro devido aos cuidados na realização e que porque terá que eventualmente ser feito em um período de tempo maior. A preocupação de adequar o censo à pandemia é uma questão mundial, que a presidente do IBGE levou ao Congresso. Mas não se escutou direito e se tomou uma decisão. Então, se a gente voltar a fazer isso no ano que vem, muita coisa no Brasil vai ter dificuldade de acontecer e não só o Censo.

Mirtes Cordeiro* - Com ensino de má qualidade… é malhar em ferro frio!

A luta por uma educação pública, universal, gratuita e de qualidade no Brasil vem de muitas décadas, com destaque para os pioneiros para o trabalho de Anísio Teixeira, que já na década de 40 do século passado propunha uma escola nova, sem vínculo com religião e que a rede de escola de ensino básico deveria ser municipalizada e de tempo integral.

O senador pelo PDT e ex-ministro da Educação Cristovam Buarque tem pautado em sua vida pública o debate sobre a educação, o combate ao analfabetismo e a má qualidade da educação nas escolas brasileiras. Em entrevista ao jornal Zero Hora, em 2015, assim se expressou: “Se a gente compara a educação brasileira de hoje com a de 30 anos atrás, melhorou. Se compara com o que se exige hoje da educação, nós pioramos. É como se nós avançássemos ficando para trás, porque as exigências educacionais crescem mais rapidamente do que a educação brasileira melhora. Há 30 anos, nem tinha escola para 30% das crianças. Agora, elas estão na escola, mas em escolas muito deficientes”.

Essa discussão vem atravessando décadas, quase um século, mas não tem conseguido tocar os sentimentos de quem governa, nem da sociedade, que têm a responsabilidade constitucional de prover a educação pública obrigatória, gratuita e de boa qualidade para todos.

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão* - Cercados de malas sem alça por todos os lados

“O fulando (...) não deve ser candidato à Presidência da República. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar”. Revolução?! Olha, quem fala!

Setenta anos depois, a política no País não saiu do lugar. Os espaços estão ocupados por dezenas desses “malas sem alça”. Incompetentes, até como ser humano. Não vale a pena acreditar neles. Compõem a máquina trituradora da oligarquia brasileira. Carlos Lacerda era um representante dela. Com lorotas, palavras afiadas e sem sentido conduziu Getúlio ao suicídio. Um precedente moral que ninguém tem coragem de assumir. Lacerda sobreviveu:  morreu de morte natural. Justiça Divina?!...

Hoje, “O que o Presidente fala, não se escreve”. Uma injustiça porque, no campo da política o que todos, sem distinção, falam não se escreve (scripta manente). A tal de CPI do Covid é uma enganação daqueles que sangram o Estado e trabalham sistematicamente para a derrubada de governos. Manter o caos. Querem o impeachment, e la se vai 2021.  É a única coisa que sabem fazer na política. Nossos representantes, líderes, governantes, nossos heróis, todos mentem. Até no Judiciário, à luz da lei.

A verdade dissolve-se em interpretações, chamadas, ironicamente, de jurisprudências, por meio das quais fluem vaidades e interesses escusos. É como tomar um copo de água com bicarbonato. Tudo se dissolve, tudo se resolve, com a chancela do “absoluto”, declarado, por quem não teve um voto sequer. Olha aí o fantasma que ronda a tomada do Poder pelas conveniências pessoais ou oligárquicas.  Sua coesão não são se resume mais só em laços familiares. Não. Elas se esticam fácil da direita para a esquerda.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Caso Pazuello reforça dilema das Forças Armadas

O Globo

As Forças Armadas enfrentam um dilema intratável, resultado de atitudes e políticas do presidente Jair Bolsonaro. De um lado, estão entre os mais privilegiados pelo atual governo. De outro, Bolsonaro insiste em desafiá-las para obter lealdade a seu projeto de poder. É nesse contexto que deve ser entendida a presença do general Eduardo Pazuello, sem máscara em plena pandemia, na manifestação de motocicletas que acompanhou Bolsonaro domingo no Rio.

Pazuello virou herói do bolsonarismo depois dos depoimentos repletos de contradições e mentiras semana passada na CPI da Covid. Sua presença no ato em que Bolsonaro desafiou abertamente as normas em vigor para prevenir o contágio abriu nova crise na cúpula das Forças Armadas. Militares da ativa — como Pazuello — são proibidos de participar de manifestações políticas. O Alto-Comando do Exército não poderá deixar o caso sem punição. O vice Hamilton Mourão afirmou que, antes, Pazuello deverá ir para a reserva.

Bolsonaro já entrara recentemente em choque com o Alto-Comando no episódio que resultou na demissão do então ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e dos comandantes das três forças. Naquela ocasião, a nomeação do general Paulo Sérgio Nogueira para o comando do Exército foi um recado, pois mostrou que Bolsonaro não tinha poder para violar as regras que regem a sucessão.

Nogueira fora o pivô da crise, ao destacar em entrevista que o êxito do Exército no combate à Covid-19 derivava de diretrizes antagônicas às que Bolsonaro pregava — e que Pazuello tentava implantar no Ministério da Saúde. O objetivo da entrevista era tentar limpar a imagem dos militares, contaminada pela presença de Pazuello no governo e pela gestão desastrosa da pandemia.

Depois da crise, Bolsonaro continuou falando em “meu Exército”. Suas declarações de teor golpista saíram há muito do terreno das insinuações. Aparecer ao lado de um general da ativa, que violou uma lei básica da caserna para lhe prestar lealdade, é outra forma de exercer pressão sobre a cúpula das Forças Armadas, mais um desafio a uma instituição basilar da democracia.

Ao mesmo tempo, as benesses concedidas aos militares desde que Bolsonaro tomou posse são inequívocas. Tratamento semelhante é dado apenas à polícia e às demais forças de segurança. Para tais carreiras, o Ministério da Economia não parece impor restrição fiscal de nenhuma natureza. Enquanto o gasto com servidores civis cresceu no ano passado 1,3% em relação a 2019, a despesa com militares subiu 7,3%.

Conto |Graziela Melo - Paisagem apagada

A paisagem morna, antipática e apática, não era uma paisagem de fato. Era apenas a sombra da janela que se projetava nos meus olhos, como algo gigantesco, assombroso!

A insônia se misturava a tudo. À perspectiva cinzenta do amanhã. Sonhos mórbidos, de olhos abertos para uma clara escuridão. Que sonho sonharia eu? Qual sonho seria melhor de sonhar naquela escura noite onde não moravam nem conviviam o sol ou a lua, só uma ou outra estrela insípida, preguiçosa?

Não! Nada de sonhos! Melhor os fantasmas. Qual? Qualquer um: D. Pedro, São Pedro ou até mesmo Zé Pedro, aquele nordestino morto a facadas pelo próprio irmão e que depois de um tempo, fugiu do cemitério e até hoje perambula por aí, assombrando as pessoas, nas noites de lua cheia!

Cruz! Credo!

Poesia | Fernando Pessoa -A Aranha

A aranha do meu destino

faz teias de eu não pensar.

Não soube do que era em menino.

Sou adulto sem o achar.

É que ateia, de espalhada

Apanhou-me o querer ir...

Sou uma vida baloiçada

Na consciência de existir.

A aranha da minha sorte

Faz teia de muro a muro...

Sou presa do meu suporte