*Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, ex-presidente da República. “Um intelectual na política” p. 246. Companhia das Letras, 2021
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
*Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, ex-presidente da República. “Um intelectual na política” p. 246. Companhia das Letras, 2021
- O Globo
A decisão do Exército de não punir o
general Eduardo Pazuello é dessas notícias que anunciam uma época.
Já tinha escrito que saberíamos por ela se
há luz no fim do túnel ou se nos espera uma longa escuridão. Infelizmente, o
Exército brasileiro amarelou diante da pressão de Bolsonaro. No futuro,
saberemos se amarelou por covardia ou se aderiu conscientemente a um projeto
autoritário.
Isso já não importa tanto. Ele já tomou o
seu lado. O que importa agora é uma leitura correta do fato e uma preparação
adequada para as consequências.
Sempre me exponho à acusação de exagero,
mas, com tantos golpes na trajetória, minha tendência é avisar: quanto mais
preparados estivermos, melhores condições teremos de resistir.
A primeira consequência tem de ser o
estreitamento de laços entre todas as forças democráticas. Como assim, se elas
se preparam para disputar uma eleição com candidatos diferentes?
É preciso ser ingênuo para supor que o processo eleitoral não contenha uma armadilha. Bolsonaro já afirmou que não aceitará resultados de urnas eletrônicas. Ele é defensor de rebelião armada, chegou a falar dessa possibilidade contra as restrições sanitárias na pandemia.
Ao GLOBO, senador do PSDB e titular da comissão avalia que erros do governo tiveram Bolsonaro como ‘ordenador’, e que demora por vacinas foi 'deliberada'
Julia Lindner / O Globo
BRASÍLIA - O senador Tasso Jereissati
(PSDB-CE), membro titular da CPI da Covid, considera que o presidente Jair
Bolsonaro será responsabilizado ao final dos trabalhos do colegiado como o
“grande chefe” de uma política desastrosa no enfrentamento à pandemia. Para o
senador, todas as linhas de investigação levam ao presidente da República,
entre elas o atraso na compra de vacinas.
Ele considera que Bolsonaro tenta
desestabilizar o país e que a situação do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello
com o Exército torna o retorno do general à comissão ainda mais delicado.
Já existem indícios na CPI da
Covid contra o presidente Jair Bolsonaro?
Na verdade, há vários indícios em várias
linhas de investigação, e todas têm uma coisa em comum, que é o Bolsonaro. O
problema leva ao Bolsonaro. Se você for falar de vacina, onde parou o processo
de compra, a lentidão, você vai no Pazuello, vai no outro, e acaba no
Bolsonaro. Se você fala em críticas e obstáculos ao afastamento social e ao uso
de máscara... Bolsonaro. Pode criticar o ministro da Saúde, mas acaba no
Bolsonaro. Sobre a cloroquina, por que essa prescrição de um remédio sem
comprovação científica, quem fez, quem não fez, segue a linha e acaba no
Bolsonaro. E agora estamos vivendo esse problema de aglomeração, com uma
ameaça, se já não uma realidade, de terceira onda. E o Ministério da Saúde
praticamente imobilizado, não se pronuncia sobre essa aglomeração, se promove
uma Copa América. E o que tem por trás disso? Bolsonaro. Então, todos os
indícios levam ao grande chefe disso tudo, o grande chefe dessas falhas todas é
sem dúvida nenhuma o Bolsonaro, cercado por maus conselheiros.
Então já é possível falar em
algum tipo de responsabilização em relação ao presidente?
A responsabilização, com certeza, vai
chegar ao presidente Bolsonaro. Evidentemente. Porque todas as declarações
(dadas à CPI) que coincidem, em todos os aspectos, levam ao grande mentor, não
como um grande mentor intelectual, mas o grande ordenador. E aconselhado por
uma equipe paralela ao governo oficial, que o levou a esse negacionismo e a
essa política desastrosa.
O que o senhor acha do perfil
do presidente, que mesmo com a CPI funcionando, com novas evidências surgindo,
mantém a direção e continua fazendo provocações aos membros da comissão?
A postura dele é provocadora. Parece-me que ele já passou do limite de fazer algum tipo de enfrentamento racional às coisas que estão sendo obtidas na CPI e passou a uma provocação não só à CPI, mas ao país inteiro. O máximo da provocação foi quando o ex-ministro Pazuello esteve na CPI e jurou perante a Deus e a Constituição Brasileira, como um militar, um general, de quem se espera uma palavra altiva e corajosa, que era a favor do afastamento e rigoroso em relação a uso de máscara. E dois dias depois ele estava fazendo em cima de um palanque, ao lado do presidente, uma manifestação justamente pelo contrário. Eu acho que o presidente hoje está claramente buscando desestabilizar o país.
Em memória do meu filho Ricardo Góes Magalhães Marinho (1988-2017), vítima de outra pandemia
Cólera, a despeito de algumas discussões
entre nós historiadores, é geralmente aceita como uma doença inteiramente nova
no século XIX, pelo menos para a Europa e a América. Tendo sida identificada em
Bengala desde a Antiguidade e observada nas campanhas de Alexandre, o Grande, e
depois por outros viajantes para a Índia, só veio para a Europa como resultado
da abertura de novas rotas comerciais através do Afeganistão e da Pérsia após a
conquista britânica do norte da Índia, saindo assim de Bengala em 1817.
Em meados da década de 1820, foi
interrompido o suposto cordão sanitário militar estabelecido pelos russos, mas
o comércio seguiu crescendo na região e, em 1827, a cólera estava movendo-se ao
longo do Volga e chegando a São Petersburgo; daí para Alemanha em 1831 e
Grã-Bretanha e França em 1832.
Assim que chegou à Europa, a cólera
rapidamente se alicerçou em outro aspecto decisivo da sua expansão no século
XIX. A industrialização ajudou a mover a cólera rapidamente de um lugar para
outro, primeiro ao longo dos rios e canais que eram as principais artérias de
transporte nas décadas de 1820 e 1830, e, em seguida, ainda mais rapidamente ao
longo das linhas ferroviárias que começaram a ser construídas em toda a Europa
a partir da década de 1840. Um processo que seria brilhantemente sintetizado
num famoso texto de 1848 que expressou o sentimento de que “tudo que era sólido
desmanchava no ar”.
A coincidência dessas grandes epidemias de cólera com períodos de guerra, agitação e revolução é muito óbvia para ser ignorada e foi observada em uma variedade de maneiras pelos contemporâneos. Em 1848-1849, ela seguiu as forças da ordem, incluindo mais uma vez as tropas russas, que ajudaram a derrotar a Primavera dos Povos. A coincidência não passou despercebida aos contemporâneos, que compararam a grande limpeza da Europa após a epidemia com o retrocesso da maré revolucionária pelas forças da reação, lideradas pela Prússia e pela Áustria.
- Falei & Disse
A diferença é compreendida quando a família se senta à mesa, nos horários das refeições, quando tem mesa posta.
Ao ter que comprar um quilo de feijão por
R$ 14,00 ou uma bandeja de ovos por R$ 22,00, o preço atual cobrado nos supermercados,
minha mãe diria que a “carestia está muito alta” e que a comida dos pobres está
custando os olhos da
cara.
Custar os olhos da cara, um dito popular, é
referência à cegueira dos poetas da Grécia antiga, que tinham seus olhos
danificados pelos reis gregos, por inveja. Ou seja, custar os alimentos os
olhos da cara é tornar inacessível a alimentação básica do brasileiro,
assim como os poetas gregos da antiguidade, que não tinham como enxergar sem os
seus olhos.
Já não é possível esconder a carestia, uma
palavra quase esquecida desde a adoção do Plano Real, em 1994. Já se vão
27anos.
É quase impossível se viver hoje com um
salário mínimo em qualquer região do país. Em todos os lugares os preços
tomaram um rumo totalmente sem controle e até mesmo sem lógica. O óleo de soja
subiu 104%; o feijão, 81,4%; o arroz, 75,3%; e a batata inglesa, 67,3%. Já o
gás de cozinha subiu quase 22% no acumulado do ano, enquanto a gasolina teve
alta de 34,8% só nos primeiros meses de 2021. (Periferia em Movimento)
Os preços dos produtos que integram a cesta
básica do brasileiro ficaram mais caros. Segundo a última pesquisa feita pelo
IBGE, o preço das carnes em geral subiu 35% no país, nos 12 meses até abril.
Em 2020, a inflação oficial medida pelo
Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou em 4,5%, enquanto o preço dos
alimentos acumulou alta de 15,5%.
Qual cidadão, leigo nos assuntos da economia, entende como se processam os cálculos sobre a relação entre os indicadores publicados e os preços praticados na vida real do brasileiro?
- Folha de S. Paulo
O Brasil no espelho da The Economist
O Brasil gosta de se ver no espelho
internacional; se no passado eram as narrativas dos viajantes que atraiam a
atenção, agora é a mídia. As semelhanças entre o novo dossiê da The Economist e
o editorial
do New York Times publicado quando o Brasil promulgou sua nova
Constituição são espantosas. O editorial apontava para o desafio de “como pôr a
Constituição em operação em um país com corrupção desenfreada, inflação sem
controle e vastas desigualdades sociais”.
Substitua inflação por desequilíbrio fiscal
(que é causa do primeiro) e mantenha corrupção e desigualdade, e a conclusão é
que há mais de três décadas lidamos com os mesmos problemas.
A crise atual é, para a revista, produto de
três falhas: a ausência e/ou protelação de reformas e “curto-prazismo” (e “aqui
a culpa é fundamentalmente do PT, partido no poder de 2002 a 2016”); a brutal
reversão da luta anticorrupção; e a frustração coletiva frente a um sistema
ancorado em patronagem e que garante à “classe política” recursos e imunidade
em relação a seus desmandos.
O desafio agora, segundo a revista, é livrar-se de um presidente autoritário e da frustração coletiva que levou à sua ascensão, enfrentando o baixo crescimento crônico do país e a desigualdade, o que exigirá reformas dramáticas. Ela alerta que a saída pode ser para o passado, e não o futuro, citando declarações de Lula como: “os procuradores dos EUA colaboraram com a Lava Jato porque tinham interesse em nossa Petrobras” e “nossos erros não foram éticos, mas econômicos”.
- Folha de S. Paulo
Lula não teve apenas sorte; fez o dever de
casa no país pobre e desigual
A economia brasileira cresceu
um pouco mais do que o esperado no primeiro trimestre (1,2%), em boa
parte porque os produtos que o Brasil exporta subiram de preço. Isso aconteceu
porque Estados Unidos e China se
recuperam bem da pandemia e voltaram a comprar.
A última vez em que as commodities
(minérios, produtos agrícolas, etc.) subiram bastante de preço foi durante o governo Lula. A
coisa durou vários anos, o governo aproveitou a bonança para distribuir renda
sem sacrificar os ricos ou o equilíbrio fiscal, 30 milhões de brasileiros
saíram da miséria, pobres e negros chegaram à universidade, foi bacana.
Ao que tudo indica, dessa vez durará bem
menos. Há quem ache que um novo superciclo das commodities pode acontecer, mas
a aposta mais segura é que a alta atual acabará quando a recuperação mundial
tiver terminado em mais ou menos dois anos.
Aí você vai dizer: mas se está acontecendo a mesma coisa que aconteceu no governo Lula, por que eu não estou com tanto dinheiro no bolso quanto estava, digamos, em 2007?
- Folha de S. Paulo
O depoimento da médica na CPI causou
impacto por ter sido lufada de bom senso no caos sanitário potencializado pelo
fanatismo e pela baixa política
Descartes inicia o seu famoso “Discurso do
Método” com uma ironia ao afirmar que o bom senso é a coisa mais bem distribuída
do mundo já que todos estão convencidos de que o têm de sobra. Bom senso,
explica Descartes, é o poder de bem julgar e de distinguir o verdadeiro do
falso. A diversidade de opiniões não decorre de uns serem mais bem dotados do
que outros, mas do fato de conduzirem os pensamentos por vias diversas e não
considerarem as mesmas coisas.
O que aconteceria, então, se, em um
contexto de pandemia, o líder de uma nação e seus seguidores não se limitassem
a mal conduzir seus próprios pensamentos acerca do problema, mas tentassem
impor políticas públicas baseadas em seus equívocos e tivessem a força das
redes sociais para fazer o erro parecer verdade? O resultado seria cerca de
meio milhão de mortos.
Vivenciamos no Brasil um caos sanitário potencializado pelo fanatismo e pela baixa política. O depoimento da dra. Luana Araújo na CPI da Covid causou impacto por ter sido uma lufada de bom senso em meio a tudo isso. E o bom senso dela mostrou-se, inclusive, nos princípios epistemológicos antidogmáticos que balizaram seu apelo científico: a ciência trabalha com “verdades relativas de ponta”, não com verdades absolutas.
- Blog do Noblat / Metrópoles
Convocados, eles alegam que não são
obrigados a depor, mas que, se apenas convidados, irão. O caso está nas mãos da
ministra Rosa Weber
Na próxima quinta-feira (10/6), a
respeitar-se o calendário de depoimentos divulgado pela CPI da
Covid-19 no último fim de semana, Wilson Lima, governador do Amazonas, será o primeiro
governador a ser ouvido sobre a suspeita de desvio de verbas federais
destinadas ao combate à doença. A não ser que…
A não ser que a ministra Rosa Weber,
do Supremo Tribunal
Federal, acate o pedido de governadores de 18 Estados, e do Distrito
Federal, barrando assim a convocação de nove deles sugerida por senadores
bolsonaristas e aprovada pelo plenário da CPI. Há precedente para isso, e Rosa
o levará em conta.
Diz o pedido: “O pacto federativo impõe limites aos poderes das CPIs instauradas
no âmbito do Congresso Nacional. Via de regra, as autoridades e gestores
estaduais e municipais somente podem ser investigadas por CPIs promovidas pelo
legislativo correspondente”.
E prossegue: “Os poderes são independentes e harmônicos entre si, não havendo
qualquer tipo de subordinação. Tal lógica também se estende aos membros do
Poder Judiciário, que não podem ser convocados para depor em CPI sobre a sua
atividade judicante”.
Foi com base em tais argumentos que, em 2012, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, autorizou o então governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), a não comparecer à CPI que na Câmara dos Deputados investigava as atividades do banqueiro do jogo de bicho Carlinhos Cachoeira.
- O Estado de S. Paulo
Eles simbolizam o governo Bolsonaro: a
política anticientífica, o arbítrio e a anarquia
A ema, o policial e o intendente são três
símbolos que talvez melhor caracterizem o governo Bolsonaro: a política
anticientífica, o arbítrio e a anarquia.
A ema foi sábia. Ao ver o presidente com a
caixinha de cloroquina, dele fugiu, mostrando ter melhor discernimento do que
boa parte dos brasileiros, que aderem a poções mágicas. Deve ter ela pensado:
será que perdeu o juízo? Perguntou-se, mesmo, pelo tipo de humano que ele
representa ao negar a ciência, pregar a morte e impor a desordem sanitária. No
reino dito animal, isso não seria possível, quanto mais não seja, porque sempre
procuram instintivamente a própria sobrevivência. Ora, se os humanos foram
agraciados com a razão, eles obtiveram o uso da liberdade de escolha para, em
princípio, melhor organizarem suas relações, progredindo no conhecimento.
Vacinas seriam um dos melhores exemplos disso.
Contudo uma porção dos humanos, continuava
ela a pensar, prefere empregar a liberdade de escolha para o mal e o ódio ao
próximo. Em vez da escolha pela vida, optam pela morte. A ema, em seu bom
senso, preferiu afastar-se, correndo, para ter maior segurança. Será que os
humanos brasileiros não deveriam fazer a mesma coisa? Em todo caso, impeachment
e eleições foram instrumentos criados constitucionalmente por eles para darem
conta de tais anormalidades.
O policial que ameaçou prender um cidadão por se negar a tirar de seu carro um adesivo antibolsonarista expôs o arbítrio da extrema direita em ação. Um indivíduo fardado se acredita dotado da missão de aplicar por ele mesmo a Lei de Segurança Nacional, como se fosse a encarnação de um tribunal, do Poder Judiciário e do Ministério Público. Quando isso chega a acontecer, é porque todos os limites estão sendo ultrapassados, o que significa dizer que doravante reinarão a desordem e políticas liberticidas. Qualquer pessoa passará a ficar temerosa de expor suas opiniões, expressar seus pensamentos e criticar o presidente e suas políticas. É o medo pairando sobre todos. Eis por que a ideologia bolsonarista tem como norte de suas ações o domínio das Polícias Militares, Civis e Federal. Elas passariam a ser uma força auxiliar do grupo encastelado no poder, aplicando seus próprios objetivos, na mais completa violação da lei e da Constituição.
- O Estado de S. Paulo
Urge lançar uma frente política pela adoção
imediata do sistema parlamentar de governo
O povo brasileiro está sendo levado a cair
na mesma armadilha que transformou a Constituição cidadã de 1988, pensada, e
não consumada, para o sistema parlamentarista de governo, em mais uma crise do
sistema presidencialista. A polarização política, que já impediu o País de
consolidar o Estado Democrático de Direito nos dois últimos períodos
democráticos, de 1946 e 1988, hoje pretendida pelo presidente Jair Bolsonaro e
do interesse do ex-presidente Lula da Silva, poderá resultar em ruptura
institucional, que não interessa ao povo brasileiro.
É preciso retomar os fundamentos do maior
movimento cívico que levou o Brasil à Assembleia Nacional Constituinte de
1987-1988 e ao mais longo período das liberdades democráticas. Os dois
pré-candidatos, vencendo ou perdendo, afastarão mais ainda a possibilidade
política de engendrar uma solução de progresso institucional, econômico,
ambiental e social para o País. Basta relembrar o passado para essa
constatação.
Em 1964, depois de um interregno
parlamentarista que salvou o País da crise institucional, com os
primeiros-ministros Tancredo Neves, Brochado da Rocha e Hermes Lima, o
plebiscito vencido pelo presidencialismo do vice-presidente João Goulart levou
o País à ruptura institucional, que perdurou por longos 21 anos, com os
retrocessos que até hoje remanescem e aprofundaram as distorções do principal
princípio da democracia representativa, o de um eleitor, um voto. Até hoje há
brasileiros cujo voto vale mais ou menos por estarem em um ou outro Estado da
Federação, assim como outros retrocessos indesejáveis do famigerado “pacote de
Abril” da ditadura militar.
A polarização política, mesmo após a reconquista do Estado Democrático de Direito, com a Constituição cidadã, resultou na criação de maiorias eventuais com deputados federais sem princípios e compromissos com o povo e apenas com chicanas parlamentares que envergonham os próprios eleitores e afastam a soberania popular do exercício do poder para a solução dos problemas da Nação. Enquanto isso, estão prontos a apoiar qualquer um que vença o embate polarizado para se manterem com o poder de emendas em orçamento secreto e outras artimanhas.
- O Estado de S. Paulo / The Washington Post
Esquerda tem vitórias em Israel e nos EUA,
mas precisa de atenção para não voltar a dar espaço a oportunistas.
Em 2017, um ex-banqueiro do Goldman Sachs
lançou um aplicativo de namoro chamado Hater, projetado para conectar pessoas
de acordo com ódios que compartilham. Não durou.
Isso não é um bom presságio para a coalizão
estabelecida para formar um novo governo em Israel, já que o fator de unificação
da aliança vai pouco além do ódio que os integrantes compartilham em relação ao
primeiro-ministro Binyamin Netanyahu. Com certeza trata-se da mais estranha
coalizão da história da política moderna, reunindo partidos à direita de
Netanyahu, o centro e até, pela primeira vez, uma legenda que representa
árabes-israelenses. Um grupo tão heterogêneo seria capaz de se manter unido?
Efetivamente, isso é possível. Na verdade,
os partidos foram unidos por mais do que apenas aversões pessoais a Netanyahu.
Eles parecem estar genuinamente preocupados a respeito dos abusos de poder e da
deterioração da democracia israelense durante seu governo. Lembre-se de que o
primeiroministro é indiciado por três casos de corrupção, processado pelo
próprio procurador-geral que escolheu a dedo. Elementos da direita que eram
aliados de longa data romperam com Netanyahu por achar que ele estava
subjugando a democracia de Israel.
Mas isso não significa que essas pessoas
estejam dispostas a romper com a maioria das políticas de Netanyahu. A esquerda
não tem força suficiente na coalizão e, de maneira geral, as mais recentes
eleições aumentaram a força da extrema direita. Fundamentalistas religiosos e
colonos israelenses estão agora com a maior representação na Knesset que já
tiveram.
Há um paralelo aqui com a eleição de 2020
nos Estados Unidos. Mesmo que a votação tenha representado um repúdio a Donald
Trump – a maioria dos presidentes consegue se reeleger – o processo eleitoral
não representou um repúdio ao trumpismo. O Partido Republicano, agora
totalmente sob influência do populismo trumpista, ganhou assentos na Câmara dos
Deputados. A revista Politico descreveu o desempenho dos democratas nas
disputas estaduais como “abismal”. Apesar dos milhões de dólares que gastaram
para vencer nas assembleias estaduais do Arizona, Flórida, Carolina do Norte e
Texas, essas legislaturas permaneceram firmemente sob controle republicano.
Como resultado, os republicanos conseguiram uma vantagem desproporcional na
reformulação dos distritos eleitorais, o que ajudará seu partido a manter o
poder durante a próxima década.
Populistas têm governado mal quase todos os países em que chegaram ao poder, mas seus movimentos, apesar disso, não sofreram derrotas contundentes. A Itália tem um novo governo liderado pelo impressionante tecnocrata Mario Draghi, mas ele não foi legitimado pelos eleitores. Justin Trudeau e Emmanuel Macron, dois políticos antipopulistas que pareciam estar prosperando, tomaram surras políticas. O índice de aprovação de Trudeau caiu para 41%, e sua desaprovação está em 55%. Pesquisas na França mostram uma disputa apertada entre Macron e a candidata da extrema direita, Marine Le Pen, na próxima eleição.
- O Globo
No dia 13 de maio de 2021, a urna
eletrônica fez bodas de prata. Completou 25 anos de casada com as eleições
brasileiras. Esse casamento, celebrado nas eleições municipais de 1996, rendeu
bons frutos.
Com o passar do tempo, os componentes de
software e hardware foram aprimorados, em nenhuma eleição aconteceu qualquer
indício de fraude, a confiabilidade na coleta e apuração dos votos aumentou, e
a agilidade no anúncio dos resultados cresceu. Provando assim que o sistema
digital é superior ao sistema impresso.
Estranhamente, nos últimos tempos, o
governo federal iniciou uma forte campanha pelo retorno do voto impresso.
Os especialistas em política dizem que essa
campanha acontece porque os votos no papel, depositados nas primitivas urnas de
madeira, permitem contestar os resultados, alegando fraudes, como fez nas
últimas eleições americanas Donald Trump, ídolo do presidente Jair Bolsonaro.
Alguns presidentes de partidos, como Carlos
Lupi, do PDT, e Carlos Siqueira, do PSB, aderiram a essa campanha. E a deputada
federal governista Bia Kicis (PSL-DF) contratou duas empresas, pagas com
dinheiro público, para a missão de provar imperfeições nas urnas digitais.
Tomara que essa postura retrô não se
concretize, mas, se ela ocorrer, dá pra imaginar uma porção de outros
retrocessos que os políticos brasileiros poderiam tentar promover nos próximos
tempos.
O ministro das Comunicações, Fábio Faria, poderia propor a proibição dos iPhones e a volta dos telefones pretos dentro das casas e nos estabelecimentos comerciais, assim como a instalação de alguns orelhões nas ruas.
- O Globo
Em pesquisa recente da Oxfam Brasil, o
brasileiro foi questionado sobre os aspectos que circundam a desigualdade no
país.
O relatório traz uma série de informações
valiosas. Exemplo: 80% dos brasileiros entendem que, sem a redução das
desigualdades, o país não prosperará. O que chama muito a atenção é que essa
impressão está correta. O economista Daniel Duque defende que é preciso haver
certo nível de desigualdade econômica na sociedade para que ela seja próspera.
Para ter ideia, os países nórdicos têm um índice Gini (que mede esse dado) de
0,25, enquanto os EUA giram em torno de 0,4, e o Brasil está com 0,52. O
consenso entre os especialistas é que o Gini acima de 0,5 gera um efeito
negativo para a economia.
Podemos levantar mais dois pontos que se relacionam com a desigualdade: a meritocracia e o impacto do machismo e do racismo na mobilidade social.
- O Globo
O psicanalista Wilhelm Reich acabou expulso
do Partido Comunista alemão depois de publicar seu “Psicologia de massas do
fascismo”. Entre outros, o conteúdo desagradara aos soviéticos. O ano era 1933,
Hitler chegara ao poder, e Mussolini já realizava suas “motociatas” por cidades
italianas. Ambos estimulavam a violência como arma política — ganham o poder
pelo incentivo ao ódio, disseminação do medo e construção de fake news. Como
Lênin.
A tese de Reich: os fascistas (e nazistas)
chegaram ao poder como sintoma da repressão sexual que, praticada desde a
infância, leva os adultos a abraçar o autoritarismo. Castrados em seus desejos,
reprimirão quem possui outro comportamento, mais libertário. O reprimido
precisa da ordem unida para acalmar sua ansiedade, fruto de suas vontades
abortadas. Daí clamarem sempre por uma ditadura e darem pouco valor à vida (com
a camisa da CBF).
Os cristãos adjetivam aqueles que vivem diferentes de seus conceitos como “pecadores”. Os fascistas, como “comunistas” e “depravados”. Os comunistas classificam seus opostos como… “fascistas”. Não à toa, o pobre Reich foge das tropas nazistas para a Noruega e depois se estabelece nos Estados Unidos, onde é encarcerado por suas ideias (como as narradas acima). Em 1954, o juiz ordena que seus livros sejam destruídos. Em plena Guerra Fria, ele conseguiu desagradar a russos e americanos.
EDITORIAIS
Entre a euforia e a fome
O Estado de S. Paulo
Com menos carne no prato e mais lucros na bolsa de valores, o tema dos “dois brasis” ganha uma versão atualizada. Já não se trata apenas da diferença entre regiões mais e menos desenvolvidas, mas do contraste agora acentuado entre duas populações, uma ainda bafejada pelos ventos da prosperidade e outra condenada a batalhar, no dia a dia, por uma sobrevivência muito difícil. Diante de recordes seguidos no mercado de ações, especialistas preveem o Ibovespa em 145 mil pontos até o fim do ano, com elevação de 22% em 12 meses. Enquanto isso, milhões dependem de campanhas de solidariedade para escapar da fome, embora as feiras e supermercados tenham comida mais que suficiente para alimentar todos os brasileiros.
A alimentação é o mais feio indicador dos problemas de milhões de famílias. O consumo de carne por habitante deve ficar em 26,4 quilos neste ano, segundo estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), vinculada ao Ministério da Agricultura. Será o menor volume da série iniciada em 1996. A queda fica mais impressionante quando se toma como referência a média de 2013, pico da série: 96,7 quilos por pessoa.