- O Estado de S. Paulo, 7/6/21
Com a crise Pazuello, deu-se mais uma volta
no parafuso. Estreitaram-se os espaços e os atores precisam se reposicionar.
A impressão generalizada é de rendição e
cooptação. O Exército cedeu boa parte de sua autonomia funcional, de sua
altivez e de seu respeito à Constituição. Entregou-se a um projeto de poder
encampado por um movimento autoritário que jamais escondeu sua vocação para um
golpe contra as instituições.
Por que fez isso?
Uma hipótese salienta a intenção de não
agravar a crise e não dar ao presidente a opção de demitir, mais uma vez, os
comandos das Forças Armadas. O Exército preserva seus dispositivos internos de
disciplina e hierarquia, não estão a abrir mão deles e não querem dar pretextos
para que o Planalto os responsabilize pelos ruídos entre governo e militares. É
a hipótese sugerida pelo ex-ministro da Defesa Raul Jungmann,
para quem os militares não trairão suas tradições e seus compromissos
constitucionais. Cedem e recuam taticamente, manobrando para não aumentar a
fogueira que arde. Por enquanto, estão tentando resistir ao “modelo venezuelano
de Chávez” perseguido por Bolsonaro, que deseja “reduzir o comando dos
militares para transferi-lo para a política. Ou seja, para ele”. Estão correndo
o risco de “ver a Constituição destruída junto com a hierarquia e a
disciplina”.
Outra hipótese é que os militares já definiram um lado, aderiram ao projeto autoritário de Bolsonaro, passando de armas e bagagens para a sustentação do governo, indiferentes ao risco que isso traz para a democracia. É a hipótese formulada por Fernando Gabeira em O Globo de hoje: “o Exército brasileiro amarelou diante da pressão de Bolsonaro. No futuro, saberemos se amarelou por covardia ou se aderiu conscientemente a um projeto autoritário”. Para Gabeira, a capitulação do Exército no caso Pazuello é somente a ponta de um iceberg, que já emergiu e que impõe a organização de uma resistência democrática. “Estrategicamente, será preciso compreender como é vulnerável uma oposição dividida”. Míriam Leitão segue a mesma direção: “O erro fatal do comandante do Exército foi achar que ao ceder ele estancaria a crise. Na verdade, elevou seu patamar. Até porque, antes de decidir, ele ouviu o Alto Comando. O erro foi socializado com 15 outros generais. Passou a ser falha da instituição, ainda que alguns oficiais tenham discordado. O general Paulo Sérgio levou o Exército à rendição ao projeto político de um governo e, dessa forma, traiu o papel da Força como instituição do Estado”.