segunda-feira, 14 de junho de 2021

Entrevista | José Álvaro Moisés: 'Dois impeachments em 30 anos indicam que algo não está bem'

Para cientista político, a crise do sistema de representação provoca queda da qualidade da democracia brasileira

Marcelo Godoy, O Estado de S. Paulo

Qual o estado da democracia representativa hoje no Brasil?

Temos uma democracia que os cientistas políticos costumam designar como democracia eleitoral. Isso significa que ela garante os mecanismo de alternância de governo e engloba dois aspectos muito importantes que teóricos, como Robert Dahl, chamam a atenção: participação da grande maioria dos adultos e a possibilidade de contestação por meio da existência de partidos políticos e regras que permitam que o adversário de quem está no governo chegue ao poder. Nós temos isso.

Qual nosso problema então?

O problema com a democracia brasileira não é se ela existe ou não. O problema é a qualidade de democracia. E isso tem relação com a crise do sistema de representação. Temos um conjunto de regras que, em invés de introduzir o eleitor no sistema político, trabalha para desconectar representados e representantes. Isso transparece em pesquisas de opinião quando as pessoas não se sentem representadas ou acreditam não influir no sistema. O que a diferencia a democracia das alternativas autoritárias é que na democracia as pessoas comuns são os soberanos; não o rei, o príncipe ou o secretário-geral do partido. Mas essa soberania é delegada por meio do sistema de representação, em primeiro lugar, aos partidos políticos. Quando os partidos começam a falhar nessa função e já não recebem a delegação dos soberanos para passá-la à frente ao presidente ou ao prefeito, você tem uma queda na qualidade da democracia. A soberania dos eleitores não se expressa apenas no direito de escolher o representante, ela se expressa por meio das instituições de mediação para propor temas ao sistema político que correspondam aos interesses dos eleitores.

Existe algum aspecto novo nessa crise após 2018?

Há um aspecto para entender os limites dos avanços que tivemos. Este é o fato de que, nos 30 anos que antecedem 2018, os militares haviam voltado à caserna e estavam subordinados a líderes eleitos, exercendo, dentro dos limites constitucionais, suas funções. Mas em 2018 houve uma quebra grave desse quadro, que foi a intervenção do comandante do Exércitogeneral Villas Bôas, antes do julgamento do habeas corpus de Lula, o que pode ter interferido nas eleições. No Brasil, a democracia tem alguns condicionantes que ainda não estão resolvidos, e a questão militar é um desses.

Essa crise da representação abre caminho para a usurpação da soberania?

Abre perspectiva para que alguns atores imaginem que podem ser os portadores da soberania e já não mais estabelecer a conexão com os eleitores. Esse é um aspecto da crise dos partidos. Eles não têm só um conteúdo programático frágil; a conexão com os eleitores se perdeu. Aquilo que começou a existir logo depois da campanha das Diretas Já, com cinco partidos políticos que deram origem ao nosso sistema partidário, ao longo do tempo foi se perdendo. Essa crise está visível a partir das jornadas de 2013, que reuniram milhões de pessoas. Foi uma crítica severa ao modo das elites políticas da época fazerem política.

Onde a eleição de Bolsonaro se encaixa nessa história?

Alguns avanços de realização da democracia ocorreram. Temos alternância do poder, temos uma série de direitos dos cidadãos mais reconhecidos do que antes. Mesmo a imprensa funciona com ampla liberdade. Mas o que ocorreu foi que, a partir da crise de 2014, com o governo de Dilma Rousseff, em parte porque ela não foi capaz de coordenar a coalizão de apoio que conseguiu formar e criou divisões internas, a crise se degenerasse. O agravamento da crise também veio com as denúncias de corrupção. Quando ficou mais evidente que o esquema de corrupção era sistêmico, envolvendo dirigentes de partidos e executivos de grandes empresas, aumentaram todos os índices de desconfiança em relação às instituições, às elites, ao governo de Dilma Rousseff, mas também em relação aos partidos. As duas instituições que tiveram os índices mais altos de rejeição foram os partidos e o Congresso. A crise aumentou porque flagrou os principais partidos responsáveis pela democratização. E, quando chega nas eleições de 2018, nenhuma das elites desses partidos em crise foi capaz de dar uma resposta a um sentimento de rejeição e exclusão, que a maioria dos eleitores estava sentindo. Nenhum dos líderes democráticos fez menção ao tema da corrupção ou assumiu compromisso com os eleitores de que isso mudaria, que não seria mais uma componente naturalizado da política brasileira. Isso abriu o espaço que foi ocupado por Bolsonaro, que apareceu como campeão do combate à corrupção capaz de cuidar de outro tema importante: a Segurança Pública. É um contexto de fragilidade de algumas das principais instituições da democracia brasileira. E, embora na campanha não tenha dito uma palavra sobre o embate com as instituições, assim que começou seu mandato a lógica dele se organizou em torno do enfrentamento das instituições e da mobilização de apoiadores contra o Judiciário e o Legislativo e uma tentativa de controle dos mecanismo de fiscalização, como o CoafPolícia Federal e Receita. O vácuo deixado pelas lideranças democráticas foi ocupado por uma alternativa de mentalidade autoritária. Essa mentalidade tem se refletido em sucessivas políticas pública. A mais importante delas é o negacionismo em relação à pandemia, a incapacidade de perceber o papel do estado diante da crise sanitária. Houve ainda uma desconstrução grave da legislação do meio ambiente e da tentativa de dar uso de armas a setores da população sem nenhuma justificativa. Bolsonaro se inscreve na crise como organizador de um movimento político que se insurgiu contra todos os avanços que tinham ocorrido nos 30 anos anteriores. Ele deteriora as condições da democracia.

Entrevista | Francis Weffort: ‘Bolsonaro não obedece às regras de um sistema democrático’

Na avaliação do cientista político, é muito difícil um país com o espírito regional forte, como o Brasil, virar uma ditadura

Marcelo Godoy / O Estado de S. Paulo

Como a democratização por via autoritária se manifesta em nosso dias e, particularmente, no governo de Jair Bolsonaro?

Essa ideia da democratização por via autoritária é uma noção para cobrir todo o processo que vem dos anos 1930 para cá. Meu entendimento é que Jair Bolsonaro é um subcapítulo desse processo. Ele repete, provavelmente sem saber, os procedimentos já adotados pelo Getúlio (Vargas) em 1930. Não vejo Bolsonaro como agente da democratização, ele fala que é democrata e que a democracia está ameaçada, mas não o comparo a nenhum dos líderes autoritários democráticos que já tivemos.

O sr. quer dizer que a democracia para Bolsonaro teria um caráter meramente instrumental?

Eu creio que sim: instrumental e propagandístico, porque efetivamente ele fala de uma democracia que a gente não vê acontecer. A única medida que mais ou menos assemelha o governo Bolsonaro à essa tradição brasileira é o auxílio emergencial, algo típico da democracia autoritária. Claro que o Estado deve dar o auxílio, mas isso é um gesto democrático que vem de fonte autoritária.

O sr. trabalha a ideia de que a democratização por via autoritária torna difuso o conceito de que a política se realiza à parte da sociedade. E também dá como herança outra ideia, a de que a vontade do líder vale mais do que o respeito às leis, de que a política só se efetiva quando autoritária...

A política só se efetiva quando ela fala, se expressa pelo líder, pelo chefe, pelo comandante. Essa é a ideia básica. O Bolsonaro acredita que deve opinar sobre tudo como se pudesse entender de tudo. Estamos em uma pandemia e ele agora decide da cabeça dele que não é necessário usar máscara para quem já foi vacinado. Ou seja, não obedece às regras habituais de um sistema democrático. Nesse sentido é autoritário.

O sr. também descreve no livro surgimento de dissidências oligárquicas. Bolsonaro não é um dissidente. Como ele se situa dentro dessa tradição?

Ele é um caso à parte. Nesse sentido ele é um ponto fora da curva. Ele é ex-membro de uma organização de Estado. As dissidências oligárquicas têm relação com os chefes políticos regionais, da tradição oligárquica brasileiro. Ele é um ex-oficial que fala como ex-oficial.

Ele se insere dentro da tradição de uma parte da burocracia estatal, o Exército, de intervir na vida política da República?

Eu diria que ele quer relembrar tradição. Ele quer convocar essa tradição a favor dele, mas é muito diferente, como significado político, de toda essa tradição, pois ela é a tradição do tenentismo. É a que vem de antes do fim do Império, muito antiga, que fala dentro do Exército. Ele é excluído do Exército e fala da memória de ter sido. Ele não é bem esse personagem, mas quer lembrar essa tradição em nome dele. Então diz: ‘O meu Exército’.

Tenta reeditar a ideia de uma reforma institucional que passe pela moralização da política?

Exatamente. Isso sim. Se você lembrar bem, a Revolução de 1930 foi uma revolução em nome da moralidade pública, um grande movimento de opinião pública que passou pelas Forças Armadas e entrou na tradição militar. É verdadeiramente da tradição brasileira. É curioso, mas a Revolução de 1930 é uma luta pela democracia, pois a democracia que tínhamos era restrita, era oligárquica. Fica na tradição a lembrança da democracia vencendo. É parte do discurso oficial brasileiro, parte do sonho brasileiro – digamos assim –; o fantasma brasileiro, da ilusão brasileira da democracia. E parte das tradições de origem militar.

Fernando Gabeira - Para sair desta maré

- O Globo

 ‘É tudo um tecido de mentiras.’

Essa frase de um personagem de Ingmar Bergman às vezes me vem à cabeça quando tento sintetizar a política do governo Bolsonaro contra a pandemia.

Noutros momentos, procurei destacar a base dessa atitude devastadora, que é a negação de fatos. A negação como fenômeno psicológico foi teorizada por Freud em 1923. Sua filha Anna Freud ampliou os estudos do tema, sobretudo em crianças.

Não ver ou ouvir certos fatos às vezes é uma tentativa de evitar a dor ou o desafio que abale nossas convicções do mundo. Nas crianças indefesas, até que isso, em determinadas condições, tem um lado positivo e permite seguir adiante apesar de experiências traumáticas.

Em política, esse conceito de negação foi usado também para definir as teses que negam o Holocausto e as atrocidades do regime nazista.

Mas às vezes essa tendência se infiltra na sociedade. Michael Milburn e Sheree Conrad escreveram um livro sobre as principais políticas de negação na sociedade norte-americana.

Bolsonaro se recusou a aceitar a existência da pandemia. Da célebre comparação do vírus a uma gripezinha a todos os passos posteriores, sua atitude foi negar.

No auge da pandemia, já com 480 mil mortos, ele ainda fez uma tentativa desesperada de negar que todas essas mortes foram causadas pela Covid-19. Para isso, um auditor amigo produziu um relatório fake e o introduziu no sistema do Tribunal de Contas da União.

No entanto, na CPI da Covid, onde se apuram as responsabilidades, a tendência do governo é negar sua política de adesão à hidroxicloroquina e recusar a vacina. É a negação da negação.

Federações partidárias viram boia de salvação para 'nanicos' e abrem caminho para fusões

Projeto que tramita em regime de urgência na Câmara faz com que partidos 'driblem' cláusula de barreira, mas engessa alianças para 2022

Pedro Venceslau e Camila Turtelli / O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO E BRASÍLIA - O projeto de lei que cria o modelo de federações partidárias e tramita em regime de urgência na Câmara pode forçar a ação conjunta de partidos de oposição e abrir caminho para fusões partidárias. Segundo dirigentes e especialistas ouvidos pelo Estadão, a mudança, que é vista como uma tábua de salvação para as legendas pequenas, conta com o apoio “solidário” das siglas de esquerda, mas sofre resistência entre as médias e do Centrão.

Se for aprovado em plenário, o novo modelo também vai engessar as articulações em torno das eleições de 2022, já que os blocos que se formarem terão que apoiar o mesmo candidato presidencial e a governador em todos os Estados. O tema entrou em debate após o “endurecimento” da cláusula de desempenho ou de “barreira” – ela funciona com uma espécie de “filtro”.

A cláusula entrou em vigor antes do fim das coligações partidárias proporcionais (ou seja, nas eleições parlamentares), que começaram a valer em 2020. Ela estipula um patamar mínimo de votos para que uma legenda tenha acesso ao Fundo Partidário, tempo de rádio e TV no horário eleitoral e espaços de liderança no Congresso – e cresce progressivamente a cada eleição.

Nas eleições 2018, esse número foi de 1,5% dos votos válidos para deputado federal, distribuídos em pelo menos um terço dos Estados. Em 2022, esse piso pulará para 2% (o que equivale a eleger 11 deputados). O piso aumenta de forma progressiva até chegar a 3% na eleição de 2030.

O tema é complexo, mas, em resumo, o objetivo do fim das coligações combinado com a cláusula é justamente reduzir o número de partidos no Brasil. Hoje existem 35 registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sendo que 28 elegeram representantes há quatro anos.

Na quarta-feira passada, por 429 votos a favor e 18 contra, os parlamentares no plenário concordaram em dar prioridade ao texto do Senado, de autoria de Renan Calheiros (MDB-AL), que permite a dois ou mais partidos se reunir em uma federação para que ela atue como se fosse uma única sigla nas eleições.

Carlos Pereira* - Viés de otimismo dos bolsonaristas

- O Estado de S. Paulo

Conexões de conservadores com Bolsonaro diminuem a percepção de risco quanto à suscetibilidade e a gravidade da covid

Pessoas tendem a superestimar as chances de experimentar resultados favoráveis ou subestimar as chances de obter resultados desfavoráveis. Esse comportamento é conhecido como viés de otimismo e se manifesta em diversos contextos.

Por exemplo, indivíduos tendem a subestimar o risco de ganhar peso e contrair doenças cardíacas; mesmo quando fumantes, avaliam como baixo o risco de contrair câncer de pulmão; dirigem de forma arriscada quando consideram que são baixas as chances de se envolverem em acidentes.

O comportamento otimista sobre eventos futuros pode até gerar mais felicidade. Estudos apontam que otimismo estimula o sistema imunológico, diminui o risco de sofrer um AVC, propicia mais sucesso no trabalho, gera pessoas mais saudáveis etc. Mas o excesso de otimismo pode ser problemático, pois tende a induzir a comportamentos imprudentes e impedir a adoção de medidas de autoproteção.

Por outro lado, comportamentos de autoproteção podem afetar a própria percepção de risco. Por exemplo, ciclistas que fazem uso habitual de capacete tendem a dirigir suas bicicletas de uma forma mais aventureira.

Será que, no caso da pandemia da covid, medidas de autoproteção, como o uso de máscaras, estimulariam um otimismo irreal e, por consequência, um comportamento mais arriscado?

Para responder a essa pergunta, eu e meus coautores da FGV EBAPE (Yan Vieites, Guilherme Ramos, Eduardo Andrade e Amanda Medeiros) pesquisamos, a partir de dois surveys experimentais com o apoio do Estadão, se o uso de máscara durante a pandemia da covid poderia aumentar a propensão das pessoas a se sentirem mais seguras de não contrair a doença e/ou de desenvolvê-la na sua forma mais branda, e, com isso, se expor a mais riscos.

Bruno Carazza* - A arte de empurrar com a barriga

- Valor Econômico

Governo perde credibilidade ao reeditar Refis

E lá vamos nós novamente. A cada crise que sacode a economia brasileira, o governo e o Congresso Nacional logo tiram da cartola uma proposta para socorrer as empresas nacionais. Não importa a natureza da recessão, se política ou econômica, externa ou doméstica, a solução imaginada passa sempre por uma palavra mágica: Refis.

São 2,5 trilhões de reais. Esse é o valor da dívida que 4,7 milhões de cidadãos e empresas possuem junto ao Fisco federal, segundo a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), órgão do Ministério da Economia responsável pela gestão e execução de tributos, contribuições e outras obrigações não pagas na data ou no valor considerados devidos.

Marcus André Melo* - Pluralismo polarizado

- Folha de S. Paulo

A lógica da polarização centrífuga é muito mais complexa do que se pensa

nova onda populista causou certa perplexidade porque havia certo consenso que posições radicalizadas seriam derrotadas nas urnas por posições menos radicalizadas e mais “centristas”.

A lógica era cristalina: estas últimas contariam não só com o apoio de seu próprio campo mas também de rivais do polo oposto. O partido ou o candidato que expresse a preferência do eleitor mediano (que não se confunde com o ponto médio da escala ideológica), em disputa majoritária terá o apoio de uma maioria.

Mas como mostrou Sartori (1924-2017) na análise do que chamou “pluralismo polarizado” da Alemanha de Weimar, Chile de Allende, Itália do pós- guerra, a França da 4ª República, outros fatores importam. Neles não havia uma competição centrípeta pelo centro mas uma tendência centrífuga de radicalização entre os partidos e no eleitorado. E isso, argumentava, não decorria da adoção da representação proporcional, como se argumentava.

Sartori identificava sete traços fundamentais no pluralismo polarizado, mas alguns nos interessam. O primeiro é a existência de partidos ou movimentos anti-sistema que tem efeitos deslegitimadores (ou devastadores quando chegam ao poder). O segundo é que, em reação, tais partidos levam o centro a ser “habitado”, impedindo o centrifugalismo moderador da competição entre dois polos.

Celso Rocha de Barros – A crise política de 2022

- Folha de S. Paulo

Alguém quer comemorar o fim da pandemia com uma guerra civil?

O Brasil tem uma grande crise política contratada para o futuro próximo. Não há nenhuma possibilidade de nossa vida democrática transcorrer tranquilamente enquanto esperamos por ela. Se quisermos algum vislumbre de normalidade institucional, é preciso matar a crise na origem.

O mundo político inteiro sabe que Bolsonaro sonha com um “6 de janeiro”, algo como a invasão do Capitólio americano por extremistas de direita, caso perca a eleição de 2022.

Todos também sabem que, se acontecer aqui, será pior. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo em 8 de março, Eduardo Bolsonaro disse que, se o 6 de janeiro americano “fosse organizado, teriam tomado o Capitólio e feito reivindicações que já estariam previamente estabelecidas pelo grupo invasor”.

“Eles teriam um poder bélico mínimo para não morrer ninguém, matar todos os policiais lá dentro ou os congressistas que eles tanto odeiam. No dia em que a direita for 10% da esquerda, a gente vai ter guerra civil em todos os países do ocidente.”

“Matar todos os policiais lá dentro”. Olha com quem vocês se meteram, meus amigos da Polícia do Senado.

Bolsonaro sempre foi golpista. Na campanha de 2018, deixou claro que não aceitaria uma derrota pacificamente.

Catarina Rochamonte - O cemitério moral do bolsonarismo

- Folha de S. Paulo

É urgente que o Brasil reaja com uma articulação de forças capaz de romper os extremos do populismo demagógico

O coronel Elcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, em seu depoimento à CPI da Covid, tentou justificar o atraso na aquisição da Coronavac, alegando que, à época das negociações, a referida vacina estava na fase 3 e que temia um “cemitério de vacinas”.

Tal depoimento reforça o cemitério moral que se tornou o bolsonarismo, por onde vagueiam a subserviência, o fanatismo, a mentira e a corrupção: há o esquema miúdo das rachadinhas e o esquema graúdo do Bolsolão; há ministro do Meio Ambiente investigado, líder do governo no Senado indiciado; há esquema de desinformação e destruição de reputações, há aparelhamento ideológico de órgãos públicos, tentativa de cooptação das Forças Armadas, do Congresso, da PGR; há documento falso plantado no TCU.

Há motivos de sobra para o derretimento do apoio a Bolsonaro. Mas há a eterna sedução do poder e há muita demagogia e oportunismo do outro lado, fazendo com que alguns ainda se agarrem ao péssimo para evitar o retorno do ruim.

Sergio Lamucci - Mais crescimento, mais inflação e mais juros

- Valor Econômico

Cenário para 2021 tem ainda relação dívida/PIB menor e real mais forte

A primeira metade de 2021 se aproxima do fim, e o cenário projetado para a economia brasileira mudou consideravelmente em relação ao começo do ano. O país caminha para ter mais crescimento, mais inflação e mais juros, além de um quadro fiscal menos preocupante no curto prazo do que grande parte dos especialistas em contas públicas pintava há alguns meses. A combinação de índices de preços mais elevados e uma atividade mais forte melhorou bastante as estimativas para a dívida bruta do governo. Há, porém, riscos não desprezíveis no horizonte, como a persistência de pressões inflacionárias, a ameaça de uma crise energética e a possibilidade de uma terceira onda da covid-19.

O ambiente econômico mais benigno contribui para a valorização do câmbio, que tem rondado a casa de R$ 5 nas últimas semanas. A percepção de uma situação fiscal menos grave, a alta dos juros e o aumento expressivo das exportações, impulsionado pelos preços de commodities, colaboram para a apreciação da moeda brasileira. Para o sócio e economista-chefe da ACE Capital, Ricardo Denadai, o dólar deve fechar o ano em R$ 4,70.

Luiz Carlos Mendonça de Barros* - Nunca tantos erraram tanto suas previsões

- Valor Econômico

Clima de pouca racionalidade e muita ideologia fez perderem de vista movimentos fora do ambiente fiscal

Tenho no meu computador pessoal um arquivo no qual guardo as previsões de analistas de mercado - inclusive as minhas - feitas em momentos críticos por que passa de tempos em tempos nossa volátil economia. Faço este exercício já há bastante tempo e ele tem servido como um protocolo de reflexão para me orientar no futuro.

A crise provocada pela pandemia da covid-19 está sendo o último capítulo desta viagem pelo tempo que registrei com uma certa disciplina e método por várias décadas. Mas acompanhar e registrar o que foi escrito a partir de maio do ano passado teve, desta vez, dois desafios inéditos para mim. O primeiro é que não estou mais na ativa como profissional de uma instituição financeira, pública ou privada como sempre foi no passado. O segundo - e certamente o mais importante - é que nunca havia vivido uma pandemia com as dimensões da que estamos vivendo.

Um dos ensinamentos que acumulei ao longo do tempo como observador da economia brasileira foi o de catalogar a crise que se vivia a cada momento em duas categorias: as provocadas por erros na gestão do ciclo econômico no Brasil e as criadas por fatos externos à nossa economia, mas que nos atinge duramente. Aprendi com o tempo que esta separação é Paramount para orientar minhas reflexões e foi o primeiro movimento que fiz agora.

A economia brasileira vinha - pela segunda vez desde 2014 - iniciando uma recuperação cíclica lenta depois de um período longo e profundo de recessão criada por erros e crises de natureza interna. Este período negro na nossa história teve sua origem nos dois últimos anos do segundo mandato do presidente Lula e, de maneira mais intensa, nos desastrosos anos Dilma Rousseff e sua equipe de economistas voluntaristas. Posteriormente a seu impeachment, com a posse de Michel Temer, vivemos o início de um ciclo de crescimento de curto prazo, mas que foi logo abortado pela crise política enfrentada pelo seu governo. Somente com a posse do governo Bolsonaro e sua equipe de economistas ortodoxos é que iniciamos mais uma vez um movimento de recuperação cíclica durante 2020.

Paulo Sotero* - Bolsonaro e Trump em ofensiva contra a democracia

- O Estado de S. Paulo

Proximidade de eleições de 2022 no Brasil e nos EUA favorece ações políticas de sabotagem

Os danos causados por Jair Bolsonaro e Donald Trump em seus países e alhures estarão no radar de Joe Biden durante sua primeira missão internacional: a visita que iniciou esta semana à Europa para, em suas palavras, “juntar as democracias do mundo” e renovar o compromisso dos Estados Unidos com seus aliados e parceiros, demonstrando “a capacidade das democracias de responder às ameaças” da nova era.

Se você duvidou que o negacionismo da ciência e a negligência de Bolsonaro e Trump ante a pandemia causariam ou contribuiriam para a morte de mais de 1 milhão de brasileiros e americanos, considere a possibilidade de o Brasil e os Estados Unidos encerrarem o ano que vem com suas democracias desfiguradas por ações deletérias dos mesmos líderes e do ex-chanceler Ernesto Araújo, ventríloquo dos dois líderes, instalado como cônsul-geral em Washington, como já esperado no Itamaraty. Não se trata de especulação, mas de probabilidade, se as forças políticas que apoiam Bolsonaro e Trump tiverem êxito em sua campanha em curso para desacreditar os sistemas de votação de seus países nas eleições que ambos realizarão no ano que vem.

Malu Gaspar - Eliziane Gama vira oitavo membro do G7 na CPI da Covid

- O Globo

“Podem contar com meu voto em tudo no que vocês decidirem. Ops, na verdade eu não voto”, brincou a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) ao se despedir dos colegas, depois de uma reunião do bloco de senadores independentes e de oposição na CPI da Covid na última segunda-feira.

Eliziane não é titular da CPI, mas foi incorporada pelo grupo que toma as decisões na comissão. É como se o grupo, chamado de G7 por reunir sete dos onze senadores que fazem parte da CPI, tivesse se transformado em G8. 

A presença de Eliziane ajuda os senadores a atenuarem a pressão que vinham sofrendo para incluir mulheres na CPI. Combativa, ela tem ajudado também a engrossar os ataques ao governistas nas sessões da comissão. 

Há duas semanas, Eliziane tem participado de reuniões e de informações estratégicas do G7. Até no grupo do WhatsApp, o "filhos de Otto e Tasso", ela foi incluída. Ainda assim, conseguir voto para Eliziane continua um desafio aparentemente intransponível.  

A pressão pela presença de uma mulher entre os titulares da CPI vem desde as primeiras sessões, e fez seu presidente, Omar Aziz, abrir espaço para que o primeiro discurso fosse sempre de uma mulher. Como houve protestos dos governistas, a regra passou a ser permitir que uma mulher sempre falasse junto com os titulares da comissão. 

Antes, quando ainda estavam discutindo quem comporiam a comissão, os líderes partidários chegaram a cogitar a indicação de mulheres - como Katia Abreu (PP-TO), ou Simone Tebet (MDB-MS). 

Mirtes Cordeiro* - Refletindo sobre a Escola Pública

- Falou e Disse

 “Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo.”(Paulo Freire)

A Escola Pública deveria ter o seu lugar especial no seio das políticas públicas, porque tem uma função social de grande importância para a sociedade, sendo responsável pela formação dos alunos, assegurando a todos os conhecimentos sistematizados e produzidos no decorrer do tempo de vida dos seres humanos, em que as relações sociais têm se manifestado ao longo de alguns séculos, no decorrer da história da humanidade.

A escola trabalha com o ser humano – o aluno -, com o conhecimento, os conteúdos e com uma prática permanente de reelaboração de suas ações para que se busque as transformações necessárias à sociedade, por meio de um currículo construído a partir do contexto histórico e social.

A escola desenvolve suas ações de forma coletiva, possibilitando a inclusão dos alunos ao processo de aprendizagem, acatando as suas experiências de vida na família e na comunidade e estimulando a compreensão sobre as dimensões pessoais, sociais e culturais de cada sujeito.

É o que muitos desejam, mas não é sempre o que acontece.

Pode-se afirmar que a diferença entre educação escolar e a educação que ocorre nos mais diversos espaços está na forma de sua organização. A escola cumpre um programa formal, específico e intencional, enquanto que as demais organizações cumprem um papel educacional de maneira informal. É o que aponta Vera Lúcia e Janaína Aparecida, in “A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA PÚBLICA: A ESPECIFICIDADE DO TRABALHO NA SALA DE AULA”.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

O ‘evangelho’ segundo Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

O oitavo Mandamento diz que não se deve dar falso testemunho. No “evangelho” do presidente Jair Bolsonaro, contudo, esse mandamento caducou.

Ao discursar numa igreja evangélica em Anápolis (GO), na quarta-feira passada, Bolsonaro fez um sermão repleto de mentiras, tão evidentes que nem era preciso ser onisciente para perceber.

Bolsonaro voltou a afirmar que houve “fraude” na eleição de 2018, que ele venceu. “Eu fui eleito no primeiro turno. Eu tenho provas materiais, mas o sistema, a fraude existiu sim, me jogou para o segundo turno”, disse Bolsonaro.

A primeira vez em que o presidente alegou ter sido vítima de fraude na eleição foi em março de 2020. Na ocasião, disse que tinha “provas” e que as mostraria “brevemente”. Bolsonaro nunca o fez, porque não existem. Mas isso não tem importância: no “evangelho” bolsonarista, a verdade não é aquilo que encontra correspondência na realidade, e sim aquilo que Bolsonaro enuncia como tal. É questão de fé.

No mesmo sermão, Bolsonaro tornou a acusar governadores e prefeitos de “utilizar politicamente o vírus” da covid-19. Sem qualquer respaldo nos fatos, o presidente disse que as medidas de isolamento social para conter a pandemia se prestam a derrubá-lo: “Vamos fechar tudo, lockdown, toque de recolher, que a gente pela economia tira esse cara daí”. Bolsonaro disse que o querem fora porque “fez com que as estatais não dessem mais prejuízo”, “está começando a arrumar a economia”, “acredita em Deus”, “respeita seus militares” e “acredita na família”.

Poesia | João Cabral de Melo Neto - A Joaquim Cardoso

Com teus sapatos de borracha
seguramente
é que os seres pisam
no fundo das águas.

Encontraste algum dia
sobre a terra
o fundo do mar,
o tempo marinho e calmo?

Tuas refeições de peixe;
teus nomes
femininos: Mariana; teu verso
medido pelas ondas;

a cidade que não consegues
esquecer
aflorada no mar: Recife,
arrecifes, marés, maresias;

e marinha ainda a qrquitetura
que calculaste:
tantos sinais da marítima nostalgia
que te fez lento e longo