quinta-feira, 1 de julho de 2021

Merval Pereira - Os rastros

O Globo

O superpedido de impeachment, entregue ontem por um grupo suprapartidário de parlamentares, não terá o condão de convencer o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), mas coloca mais pressão sobre o presidente Jair Bolsonaro. As manifestações de rua devem recrudescer à medida que a CPI da Covid for evoluindo.

O silêncio comprometedor do empresário Carlos Wizard ontem na CPI demonstra que ele tem muito o que esconder. A permissão do Supremo para que ficasse calado se referia às perguntas que pudessem fazê-lo incriminar-se. Como se recusou a responder a todas as perguntas, vê-se que qualquer passo em falso poderia tê-lo prejudicado.

(Um parêntese para chamar a atenção, mais uma vez, para a atitude arrogante e prepotente do senador Otto Alencar, que exorbita de seus poderes de xerife na CPI. A possibilidade, embora remota, de vir a ser aventado como candidato à Presidência da República por seu sucesso midiático parece que lhe subiu à cabeça).

Voltando ao caso em si, a narrativa desconexa do governo sobre a compra da vacina Covaxin, cujo contrato foi suspenso três meses depois da primeira denúncia de irregularidade (que, segundo a primeira versão, não existia), é a prova evidente de que não há caminho fácil para demonstrar a lisura dos contratos do Ministério da Saúde.

Malu Gaspar - Não fica um, meu irmão

O Globo

Foi o general Augusto Heleno quem aplicou ao Centrão a trilha sonora celebrizada pelo Exporta Samba na convenção que escolheu Jair Bolsonaro candidato a presidente da República pelo PSL. “Se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão”, cantou o general, todo animadinho, ao microfone. A plateia veio abaixo. Eu estava lá para fazer uma reportagem e vi, mas não seria preciso ter testemunhado para citar a cena de memória. Está no YouTube para quem quiser conferir.

É uma lembrança do tempo em que os bolsonaristas se sentiam no direito de gritar “eu vim de graça” num centro de convenções lotado, promovendo a arauto da verdade e da ética um grupo de militares que louvava a ditadura e hostilizava a imprensa, as minorias e os adversários. 

No meio do povo, muitos dos que entrevistei se diziam arrependidos de ter votado em Lula e Dilma, sentindo-se traídos pelos escândalos de corrupção dos governos petistas. Achavam, então, que votando em Bolsonaro acertariam a mão.

Esses arrependidos estavam entre os que mais aplaudiam Heleno quando ele disse: “O Centrão é a materialização da impunidade. O primeiro ato do presidente que for eleito carimbado de Centrão vai ser uma anistia ampla, geral e irrestrita”.

E eis que chegamos a 2021 no seguinte cenário: o maior líder do Centrão, Arthur Lira (PP-AL), é presidente da Câmara dos Deputados com o apoio empenhado de Bolsonaro, que liberou bilhões em emendas parlamentares para elegê-lo. Há poucos dias, Lira comandou na Câmara a votação de mudanças que restringem o alcance da Lei de Improbidade Administrativa ao ponto de ela ter sido apelidada de “lei da impunidade”.

Míriam Leitão - O governo que sequestrou o país

O Globo

Acabou. É uma questão de tempo e de processo. O governo Bolsonaro terminará pela soma imensa dos seus erros. Não foram erros de gestão, apenas. Foram crimes. E eles foram tantos, tantos que atravessam os códigos legais, a Lei 1079 do impeachment, a Constituição. Ele feriu o primeiro direito. O da vida. Quanto tempo Arthur Lira pode ignorar o superpedido de impeachment protocolado ontem? Ele tem o poder de fazer um pedido, mesmo substantivo e plural, ficar parado na gaveta, mas há forças demais se movendo na mesma direção. Um governo que quer US$ 1,00 de propina por dose de vacina está, na verdade, sequestrando o país e pedindo resgate.

Publiquei neste espaço, em 3 de maio de 2020, uma coluna com o título “Sem medo do impedimento”. Eram 7.051 mortes. Bolsonaro persistiu na mesma atitude e isso nos trouxe aos atuais 518 mil mortos. É completamente equivocada a ideia de que o Brasil “naturalizou” o impeachment e por isso ele deveria ser evitado. Esse argumento é de corar um estudante de Direito. Equivale a propor que um instrumento jurídico não seja usado porque já o foi no passado. É o mesmo que dizer que a lei não pode ser aplicada para não gastar.

Maria Cristina Fernandes - A verdadeira terceira via

Valor Econômico

Purgatório de Bolsonaro na CPI e seu derretimento nas pesquisas de opinião alimentam a cajadada do semipresidencialismo

A ameaça de explosão da propinolândia do Ministério da Saúde e o purgatório do presidente Jair Bolsonaro com seu derretimento nas pesquisas de opinião alimentam a cajadada do semipresidencialismo.

Seus maiores defensores são o ex-presidente da República Michel Temer e o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que chegaram a escrever uma proposta de emenda constitucional juntos. Uma congênere desta proposta, com mais poderes para o presidente do que a da dupla, já tramita no Senado com a assinatura de representantes de todos os partidos da Casa.

Duas mitigações do presidencialismo já foram derrubadas em consultas populares em 1963 e em 1993. Se vingar, desta vez, terá sido por obra e graça do vice-presidente Hamilton Mourão e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O primeiro por ser tão indesejável, pelo Congresso, quanto Bolsonaro o é no país e o segundo por aparecer, a cada pesquisa, mais bem posicionado para derrotar o presidente. Além de ponto de fuga para um Congresso que rejeita o impeachment, o semipresidencialismo resolveria o problema de uma terceira via sem voto.

Vigente em mais de 50 países, o modelo que inspira Temer e Gilmar aproxima-se daquele vigente em Portugal e na França, onde o presidente é eleito pelo voto direto, escolhe, a partir da maioria congressual, o primeiro-ministro, e, por indicação deste, os integrantes do governo. Ainda chefia as Forças Armadas, conduz a diplomacia, escolhe ministros de tribunais superiores e embaixadores, tem direito de veto e sanção e dissolve o gabinete em situação de crise. Temer rifou a figura do ministro-coordenador que, na proposta original, não precisaria ser originário do Congresso.

Cristovam Buarque* - Foto da história

Correio Braziliense

O livro “Correspondência Intelectual: 1949-2004” mostra a grandiosidade de Celso Furtado ao escrever, reunir, guardar e transportar 15.000 cartas, através do mundo. Quase 300 delas reunidas neste livro editado pela jornalista Rosa Freire D’Aguiar, sua viúva. Nelas percebe-se a força intelectual, ideológica, política e moral de uma geração da qual ele foi um expoente entre pares. Ao ler as cartas, nos sentimos em uma mesa rodeada por dezenas de personagens conversando entre eles sobre temas variados.

Os textos deslumbram ao transmitir pedaços das biografias de grandes personalidades; instruem ao mostrar as ideias que desenvolviam na busca de entender o Brasil, enfrentar a tragédia política da ditadura e encontrar caminhos para o desenvolvimento no futuro. Fascina ler as cartas entre Celso Furtado e Roberto Campos, dois notáveis de polos diferentes da política, trocando simpatia e respeito mútuos, descrevendo o nascimento do BNDES e do desenvolvimento brasileiro; outras entristecem ao penetrarmos no dia a dia de personagens históricos falando das dificuldades materiais e psicológicas, da solidão, frustração e esperanças no exílio. Emocionam ao percebermos a solidariedade entre eles na busca ou na oferta de apoio para garantir a sobrevivência, em países e climas distintos, culturas diferentes, idiomas incompreensíveis.

Luiz Carlos Azedo - O impeachment de cada um

Correio Braziliense

Duas condições para afastar Bolsonaro: grandes manifestações populares e um acordo com o Centrão e os militares para que o general Mourão assuma o poder

Com 46 signatários de um amplo espectro político-ideológico, partidos políticos, parlamentares, movimentos sociais e entidades da sociedade civil protocolaram, ontem, na Câmara dos Deputados, o chamado superpedido de impeachment de Jair Bolsonaro. É uma síntese de todos os pedidos que foram apresentados até agora, com a inclusão do fato novo revelado pela CPI da Covid do Senado, ao investigar negociações suspeitas para a compra da vacina indiana Covaxin pelo Ministério da Saúde: a prevaricação do presidente da República.

O que não falta para o impeachment de Bolsonaro, sabe-se desde o primeiro ano de seu governo, são crimes de responsabilidade. Organizado por juristas, o texto do superpedido listou 23 crimes, organizados em sete categorias: crimes contra a existência da União; crimes contra o livre exercício dos poderes legislativo e judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados; crimes contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; crimes contra a segurança interna; crimes contra a probidade na administração; crimes contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos; e crimes contra o cumpri- mento de decisões judiciárias.

Ricardo Noblat - Sete perguntas que senadores gostariam de fazer a Bolsonaro

Blog do Noblat / Metrópoles

A resposta é o silêncio

Depois de ouvirem o presidente Jair Bolsonaro dizer que a CPI da Covid-19 é integrada por sete bandidos, e que não será à base de mentiras que perderá o cargo, um grupo de quatro senadores, a pedido deste blog, elaborou uma lista de perguntas que gostariam de fazer a ele.

É mentira que recebeu os irmãos Miranda no dia 20 de março último no Palácio da Alvorada, um sábado?

É mentira que citou o nome de Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, como o de quem estaria por trás dos rolos de corrupção no Ministério da Saúde?

É mentira que prometeu aos irmãos Miranda acionar a Polícia Federal para apurar tudo o que eles lhe contaram?

É mentira que preferiu não acionar,  uma vez que não há registro por escrito, nem no Palácio do Planalto, nem na Polícia Federal, que isso tenha acontecido?

É mentira que, em seguida ao encontro, fez chegar rapidamente a Barros o que ouviu dos irmãos Miranda?

É mentira que, em outubro de 2020, vetou a demissão do diretor de logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, pedida pelo general Eduardo Pazuello, então ministro?

É mentira que pelo menos um dos seus filhos zero participou de reuniões sobre a compra de vacinas?

William Waack - A impotência do Jair

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro declarou-se incapaz frente ao esquema patrimonialista, que ele fortaleceu

Bolsonaro é impotente diante do esquema patrimonialista pelo qual permanece no Planalto.

Não deve ser fácil para o tipo de autoestima que Jair Bolsonaro exibe ter de admitir-se impotente. Foi o que aconteceu em relação ao “rolo” no Ministério da Saúde de cuja existência aparentemente tinha conhecimento. E que deixou rolar, pois se considerava impotente para fazer qualquer coisa.

Na verdade, Bolsonaro é impotente diante do mais velho esquema patrimonialista brasileiro, graças ao qual ele sobrevive no Planalto enquanto ajuda a promover o retrocesso que esse esquema representa. É tudo tão arcaico quanto a política de clientelismo brasileira: um bem escasso (vacinas) é controlado por órgão público (Ministério da Saúde) que é feudo de algum partido. Ao deter parte da máquina pública, o político dono do feudo distribui ou canaliza recursos para atender aos seus interesses (de toda ordem) ou os de empresas privadas, das quais também cobra alguma vantagem.

O que a CPI da pandemia ainda não descobriu é quanto custou esse “serviço de influência” política que garantiria a uma empresa privada mercadoria que iria revender com lucro excepcional (na Rússia e na China muitos se tornaram bilionários exatamente assim). As coisas pareciam muito promissoras, pois a empresa em questão já estava recebendo pagamentos antes mesmo da chegada de uma só dose da vacina que se propunha comprar na Índia – tal é a certeza, na ponta da compra e na ponta da venda, de como funcionam negócios via influência política em órgãos públicos.

Eugênio Bucci* - Tirar máscara de criança (ou a tirania do egoísmo)

O Estado de S. Paulo

A mísera dimensão individualista não dá conta da grandeza da liberdade

Na quinta-feira passada, numa aglomeração eleitoreira que promoveu no Rio Grande do Norte, o presidente da República segurou um garotinho no colo e, num gesto obsceno, abaixou-lhe a máscara. A cena estarrece pelo que tem de imoral e abusivo. A mão do poder, com a displicência de um aceno, expõe um inocente ao contágio. Nota-se um quê de pouco-caso. O chefe de Estado parece à vontade para desnudar o rosto infantil, sem sinal de respeito, sem a menor cerimônia; simplesmente puxa para baixo peça que cobre a boca e o nariz da criança.

O menino, que, vestindo uma camisa amarela, saiu por aí para acabar num abraço genocida do governante, representa o Brasil inteiro. O vídeo é o atestado definitivo da miséria ética em que a Nação se deixou encarcerar. Aquilo somos nós. O País foi sujeitado pelo egoísmo autoritário – o egoísmo de quem manda. O único valor moral que esse autoritarismo reconhece é uma noção bastante primária de “liberdade”: a liberdade dos outros não existe, só o que importa é a “minha” liberdade. Os outros serão livres apenas para concordar comigo e, caso se atrevam a discordar, serão declarados “inimigos”: maus brasileiros, impatriotas, mesmo que não tenham mais do que 6 ou 7 anos de idade.

Adriana Fernandes - A revolta do Pibão

O Estado de S. Paulo

Reforma tributária se transformou numa guerra de narrativas

Definitivamente, o governo não esperava a saraivada de críticas que a proposta de reformulação no Imposto de Renda – uma segunda fase da reforma tributária – causou desde que foi divulgada na sexta-feira passada. O clima é de completa revolta entre os empresários que têm feito seguidos manifestos de protestos.

A reforma se transformou numa guerra de narrativas. Cada um tem o seu ponto de vista, reforçando a premissa que vem impedindo até agora avanços nos últimos 20 anos: todo mundo é a favor da reforma desde que ela não bata no seu bolso.

Os principais pontos da proposta – a volta da taxação de lucros e dividendos com alíquota de 20% e o fim dos Juros sobre Capital Próprio (usado pelas empresas para distribuir lucros a seus acionistas) – já eram conhecidos pelas informações divulgadas pela imprensa nas últimas semanas.

Everardo Maciel* - O Inferno Fiscal (Parte I)

O Estado de S. Paulo

Neste artigo examino alguns pontos da extensa proposta de reforma da tributação da renda (68 artigos e algumas centenas de outras normas, incluindo uma mixórdia de sibilinas revogações), encaminhada ao Congresso Nacional.

Em linhas gerais, o projeto de lei é uma requintada combinação de ressentimentos, desinformação e demagogia, resultando na mais ousada pretensão de aumento da carga tributária nos tempos recentes. Faz lembrar a descrição do inferno feita por Dante, em A Divina Comédia: é o caos impiedosamente ordenado.

A vitrine do projeto, consistindo na elevação do limite da isenção do Imposto de Renda das Pessoas Físicas

(IRPF) para R$ 2.500,00 mensais, tem motivação declaradamente eleitoral, o que não pode ser tomado como pretexto para desqualificar a iniciativa, mas a macula.

Mais importante, entretanto, é aquilatar os efeitos dessa elevação, minimamente em relação ao universo, certamente grande, de contribuintes que ficarão isentos de declarar. Esses contribuintes terão, no máximo, um modestíssimo ganho mensal de R$ 7,50, o que não dá sequer para comprar um quilo de pão francês.

Bruno Boghossian – É do centrão

Folha de S. Paulo

Sem apoio, impeachment reflete dependência de Bolsonaro do centrão

Em 2018, Joice Hasselmann disse que queria ser "o Bolsonaro de saias". "A gente tem almas parecidas", afirmou, entre o primeiro e o segundo turno daquela eleição. Na mesma época, o ativista Kim Kataguiri declarou voto no candidato do PSL para derrotar a "ameaça à democracia" que enxergava no PT.

A dupla se juntou a petistas, movimentos estudantis e outros oposicionistas para pedir o impeachment do presidente nesta quarta (30). Joice disse que não votaria em Bolsonaro "nem com uma arma na cabeça", e Kataguiri afirmou que era preciso derrubar "um dos presidentes mais criminosos da história".

Thiago Amparo - O impeachment do Rei Lear

Folha de S. Paulo

A diferença entre o rei de Shakespeare e Bolsonaro é que um era insano e o outro sabe muito bem o que faz

 “A Pessoa do Imperador é inviolável, e sagrada: Ele não está sujeito à responsabilidade alguma”. Trata-se do artigo 99 da Constituição do Império do Brasil, de 1824. O que diferencia um presidente de um imperador é que aquele, diferente deste, é punível, seja por crime comum em função de seu cargo, seja por crime de responsabilidade. A Constituição de 1988 é clara ao mencionar os dois tipos de crimes.

Impeachment, nos ensina Rafael Mafei em seu delicioso livro “Como Remover um Presidente”, “é um mecanismo essencialmente republicano”. Foi uma das grandes inovações institucionais que separou o regime político dos EUA da monarquia britânica; que separou uma nascente democracia (com escravos) do absolutismo. Pense historicamente: à época, ser removido por impeachment soava imensamente melhor do que ser decapitado, como fora o rei da Inglaterra Charles 1º em 1649.

Ainda não houve impeachment por uma única razão: dismorfia institucional; nos olhamos no espelho e fingimos sermos uma democracia capaz de processar 516 mil mortes e seus responsáveis, mas não somos. Arthur Lira concentra poder ao ignorar 120 pedidos de impeachment, vejamos se será capaz de desprezar o último superpedido. Rodrigo Pacheco concentrava poder ao ignorar a CPI da Covid, que só existe porque o STF leu a Constituição. Augusto Aras concentra poder ao aplicar a Constituição do Império, e não a de 1988.

Ruy Castro - Bolsonaro banana

Folha de S. Paulo

Do "Quem manda sou eu!" ao mimimi de "Não tenho como saber o que se passa nos ministérios!"

Você se esbaldou com a notícia na semana passada. O bombado deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), ao ver a PF às suas portas para prendê-lo por várias e graves lambanças, tentou fugir pulando o muro de sua casa em Petrópolis. Mas, ao completar o salto, descobriu que os homens já o esperavam no outro lado do muro. Com agilidade quase circense, pulou-o de volta, sendo afinal abotoado. Uma sequência digna de comédia do cinema mudo, só faltando Sua Excelência ter voltado por um buraco no muro e passado por entre as pernas do policial.

A ideia de um deputado federal pulando muros como um ladrão de galinha deixa mal o Congresso e pior ainda o governo que ele defende —não por acaso, o de Jair Bolsonaro. Mas é perfeita para descrever o próprio governo, repetente em pular muros e pulá-los de volta diante das suspeitas, acusações e provas de suas sujeiras. Inúmeros pilantras que o compõem já tiveram oportunidade de fazer isso, dizendo e desdizendo-se ao se verem flagrados. O pulo de volta, nesses casos, é alegar um engano, atribuindo-o a um bagrinho escalado para o sacrifício.

Vinicius Torres Freire - Tragédia do emprego sem fim à vista

Folha de S. Paulo

Copo do emprego pode estar meio cheio ou meio vazio, mas está pingado de sangue

O número de pessoas com algum trabalho jamais foi tão baixo desde que o IBGE mudou a maneira de contar a população ocupada, em 2012. No trimestre encerrado em abril, havia 85,9 milhões de pessoas ocupadas. O pior resultado anterior era de 88,4 milhões, em 2012. Mas, nesse ano, o número de adultos era 20 milhões menor, por aí.

A situação despiora desde meados do ano passado. Os economistas do Itaú dizem mais, que os dados seriam melhores do que parecem, pelo menos no emprego formal e na taxa de desemprego. Baseiam-se em um indicador próprio da situação no mercado de trabalho, o Idat-Emprego, a partir de informações de folhas de pagamento processadas pelo banco. Haveria cerca de 4 milhões de empregados formais além daqueles estimados pelo IBGE. A taxa de desemprego seria de 13,8%, e não de 14,3%.

O pessoal do Itaú usa um número próprio por causa da divergência muito grande entre os números oficiais de emprego com carteira assinada, aqueles do Caged (registro administrativo do governo) e os da amostragem do IBGE, díspares talvez por causa da mudança metodológica no Caged e de dificuldades da pesquisa do IBGE durante a epidemia.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Corrupção na área da Saúde revive no governo Bolsonaro

O Globo

Não é de hoje que a Saúde sangra em esquemas insidiosos de corrupção que se aproveitam dos grandes volumes de recursos e da urgência nas decisões. Nas últimas décadas, não poucos escândalos desmascararam o avanço inominável de quadrilhas sobre recursos públicos. Em 2004, vieram à tona as ações nefastas da “máfia dos vampiros”, que fraudou licitações para compra de remédios e hemoderivados. Em 2006, a Operação Sanguessuga, da PF, desarticulou um bando que desviava dinheiro da compra de ambulâncias. Nos anos recentes, a Lava-Jato revelou a roubalheira desenfreada na Saúde do Rio.

Eleito em 2018, o presidente Jair Bolsonaro empunhou como uma de suas principais bandeiras o combate à corrupção. Continua batendo na mesma tecla, ainda que, agora, o governo esteja no centro de graves denúncias que precisam ser investigadas. Na terça-feira, Bolsonaro repetiu a cantilena em vídeo postado numa rede social: “Querem o quê? A volta de quê? Daquela cambada que tinha no passado? É o que eu digo sempre. Analisem nossos ministros com os que os antecederam”. Ontem, partiu para o ataque: “Não vai ser com mentiras ou com CPI integrada por sete bandidos que vão nos tirar daqui”. E nada de respostas.

Não se trata de competição para medir quem é mais corrupto. De qualquer governo, espera-se tolerância zero com corrupção. Quando surge uma denúncia, o mínimo a fazer é mandar afastar os envolvidos e apurá-la. Nisso, o governo Bolsonaro continua devendo.

Não são denúncias banais. O servidor Luis Ricardo Miranda e seu irmão, o deputado Luis Claudio Miranda, afirmam ter alertado o presidente em março sobre pressões para apressar a importação da vacina indiana Covaxin. Segundo eles, Bolsonaro citou o nome do deputado Ricardo Barros (PP-PR) como responsável pelo “rolo” e prometeu levar as denúncias à PF, que só agora entrou no caso. Até o momento, Barros continua líder do governo na Câmara, como se nada tivesse ocorrido.