quinta-feira, 22 de julho de 2021

Merval Pereira - O roteirista bêbado

O Globo

O enredo do governo do presidente Bolsonaro parece ter sido escrito por um roteirista bêbado que, farto de ganhar a vida com trabalhos medíocres, resolveu, no meio do caminho, ter um ataque de sincericídio e reescrever a história como ela é, e não como a encomendaram.

Quando colocou com destaque aquele que seria um dos principais ministros do governo, o general Augusto Heleno, cantando “se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão”, sabia que era mentira, mas engoliu. Do meio para o fim, contou a verdade, e o senador Ciro Nogueira acabou nomeado ministro-chefe da Casa Civil, o ponto nevrálgico de um governo.

O general desapareceu do mapa, talvez envergonhado pelo papel que desempenhou na campanha presidencial. A Casa Civil, aliás, já era ocupada por um general da reserva, Luiz Eduardo Ramos, que também assumiu o governo para acabar com as negociatas políticas e terminou sendo responsável por elas.

Não devia ser tão flexível quanto a relação com o Centrão exige, pois não seria desembarcado do governo sem a menor complacência por Bolsonaro. Soube pelos jornais que sairia da Casa Civil e sentiu-se “atropelado por um trem”. Mas, como “um manda, e o outro obedece”, deve se satisfazer com uma sobra qualquer no governo.

Malu Gaspar – A história se repete

O Globo

Era maio de 2015, e a presidente Dilma Rousseff tinha um problemão no Senado: a indicação do advogado Edson Fachin para ministro do Supremo Tribunal Federal seria votada em alguns dias e corria o risco de ser rejeitada. Fachin tinha um opositor de peso: Renan Calheiros, então presidente do Senado, que apoiava outro candidato. Não só articulava nos bastidores contra Fachin, como também ameaçava atrapalhar a aprovação de uma medida provisória de ajuste fiscal.

A solução encontrada por Dilma foi recorrer ao bom e velho toma lá dá cá, distribuindo mais de cem cargos e muito dinheiro em emendas ao Orçamento para conseguir o que queria. No comando das articulações, estava um velho aliado dos petistas: o senador Ciro Nogueira, já então uma liderança do Centrão, que ganhou o controle da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) e vários outros mimos.

Saldo final: a nomeação de Fachin passou com folga no Senado na semana seguinte. Dias depois, a medida provisória também foi chancelada. Já se falava então no impeachment de Dilma, mas ainda como hipótese improvável.

O mesmo Ciro Nogueira entra em campo agora para desatar alguns nós igualmente complicados para Jair Bolsonaro. Seu cacife subiu bastante: Nogueira, que continua mandando na Codevasf, agora ocupará ele mesmo a Casa Civil. E, além de cuidar da aprovação de André Mendonça para o STF, tem a missão de organizar a distribuição de emendas no Senado para garantir a vitória do governo em votações fundamentais.

Míriam Leitão - Ensaio de reforma é retrato do governo

O Globo

Era previsível. Tão logo o nome do senador Ciro Nogueira (PP-PI) surgiu como cotado para o cargo de ministro-chefe da Casa Civil, começaram a circular na internet vídeos recuperados de outras fidelidades do senador. Em 2017, ele definiu Bolsonaro como “fascista e preconceituoso” e disse que o melhor presidente do Brasil foi Lula. Quem não se lembra de como ele seguia de forma canina os governos petistas? O senador Ciro Nogueira é um camaleão, um político leal ao governo. Qualquer governo.

Há outros invertebrados assim no centrão, grupo ao qual Bolsonaro sempre pertenceu. E o presidente pode até trocar seu escolhido, buscando o mesmo objetivo. O que ele quer ao preparar mudanças no Ministério? Bolsonaro quer se blindar, porque seu governo está ficando mais frágil pela queda da aprovação em todas as pesquisas de opinião, pelos erros que cometeu, pelo que vem sendo revelado na CPI de criminosas ações e omissões e indícios de corrupção. Por isso ele está aprofundando ainda mais a entrega do governo ao centrão, principalmente ao PP, partido ao qual pertenceu.

Vamos lembrar, Bolsonaro está sem partido há tempo demais e enfrenta resistências até em pequenas legendas. Precisará de um partido para disputar a reeleição. Quem sabe volta à velha casa? O movimento em direção ao PP também serve para bajular mais um pouco o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), dono da chave da gaveta onde aguardam 126 pedidos de impeachment.

William Waack - Bolsonaro e o trem da alegria

O Estado de S. Paulo

Na questão do fundão eleitoral, a sinuca de bico foi criada pela própria sociedade brasileira

Descrito como dilema de Bolsonaro, o veto do fundão eleitoral é, na verdade, um dilema da sociedade brasileira. Que Bolsonaro não tem condições de resolver, mesmo que tivesse qualquer pretensão nesse sentido – basicamente por não ser um líder e por se comportar como chefe de facção.

O dilema já existia antes da Operação Lava Jato, mas acabou sendo um de seus legados mais destacados. É o de como financiar campanhas eleitorais, e é gritantemente óbvio. Ninguém gosta da ideia de fundos públicos – o dinheiro de impostos – sendo destinado a campanhas de políticos dos quais, em geral, também ninguém gosta.

Ocorre que a contribuição privada via CNPJ passou a ser vista nos últimos dez anos como corrupção da democracia em sentido amplo e, com a Lava Jato, em sentido estrito. Já quase caiu no esquecimento do público a maneira como os expoentes da campanha anticorrupção consideravam lavagem de dinheiro a doação – legal e declarada – de empresas para candidatos e partidos, pois desconfiava-se que o dinheiro legal e declarado tinha como origem contratos sob suspeita com órgãos públicos.

Então vamos financiar como? Até aqui não há uma resposta de consenso, a não ser que doação de CNPJ é uma coisa abjeta e utilizar fundos públicos para campanha também. Essa farra com dinheiro do contribuinte tem como causa principal o fato de campanhas serem muito caras, começando pelas campanhas para deputado federal. E elas são importantíssimas para os partidos, hoje empenhados em primeira linha na formação de bancadas numerosas – qualquer que seja o próximo presidente, ele terá de se curvar ao Legislativo, que agora manda também no Orçamento.

Carlos Melo* – Presidente é refém de sistema que não soube controlar

O Estado de S. Paulo

Reformas ministeriais fazem parte do processo político. Em tese, visam aprimorar a eficiência geral do Executivo: desempenho administrativo, representatividade e prestígio social do Ministério, governabilidade e vínculos, no Congresso, por meio do compartilhamento de espaços de poder. São pensadas no contexto de amplos projetos de poder, de desenvolvimento econômico e social. No caso concreto do Brasil, porém, tese e realidade se desencontram frequentemente. Sob as circunstâncias que abraçam Jair Bolsonaro esse desencontro parece ainda mais dramático.

É fato que a maioria das reformas ministeriais, no País, é feita sob a pressão dos riscos da fragilidade de vínculos entre governo e Parlamento. Dão-se quando o sistema de barganhas entra em colapso e precisa ser repactuado a preços crescentes para o Executivo. Sob Bolsonaro, os valores estão hiperinflacionados. A presente reforma se dá à sombra de mais de 100 pedidos de impeachment, do quase total descrédito diante da opinião pública, fruto dos múltiplos colapsos, da economia à saúde pública, revelados no cotidiano das pessoas e no dia a dia das sessões da CPI da Covid. As perspectivas eleitorais são desalentadoras para a base governista, como demonstram pesquisas de opinião. O “custo Bolsonaro” aumenta em cada rincão do País; natural que os preços disparem e atinjam espaços centrais de poder.

Chame o Centrão - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Ciro Nogueira está entre os camaleões do Congresso. Na internet, circula um velho vídeo no qual o presidente do PP elogia Lula e chama o presidente Bolsonaro de fascista

Pressionado por uma conjuntura desfavorável — inflação em alta, desemprego em massa, denúncias de corrupção na Saúde, desgaste político por causa do número de mortos por covid-19 e crescimento dos protestos de rua contra o governo —, o presidente Jair Bolsonaro decidiu reestruturar seu estado-maior e convidou para assumir a chefia da Casa Civil o senador Ciro Nogueira(PI), presidente do PP, o principal partido do Centrão. Ocupará o lugar do general Luiz Ramos, que será transferido para a Secretaria-Geral da Presidência. Bolsonaro teme perder a maioria no Senado, onde a CPI da Covid devassa a atuação do governo no combate à pandemia do novo coronavírus.

Nogueira está entre os camaleões do Congresso, mantendo-se sempre na base dos governos, qualquer governo. No mesmo dia em que Bolsonaro anunciou que pretende mexer na sua equipe, circulou na internet um vídeo no qual o senador piauiense faz os maiores elogios ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e chama Bolsonaro de fascista. Entretanto, em 2018, aliou-se a Bolsonaro e, desde então, trabalha intensamente para que o presidente da República se filie ao PP e concorra à reeleição pela legenda. O Progressistas é hoje um dos principais partidos do Congresso, com sete senadores e 44 deputados federais, entre os quais o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Ricardo Noblat - É hora de o general Heleno atualizar o que cantou sobre o Centrão

Blog do Noblat / Metrópoles

“Se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão...”

Uma vez que o Centrão arrombou a porta para se instalar de vez no Palácio do Planalto sob a batuta do senador Ciro Nogueira (PP-PI), novo chefe da Casa Civil, seria o caso de o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, atualizar a gravação que fez de uma paródia do samba “Gente Bacana”, cujo refrão diz: “Se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão”.

Na convenção do PSL que em 2018 indicou Jair Bolsonaro como candidato a presidente da República, o general, para demonstrar todo o seu e o desprezo do candidato ao fisiologismo político, ao “dando é que se recebe”, marca registrada do Centrão, cantou desafinado e mesmo assim arrancou aplausos dos devotos:

“Se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão; se gritar pega Centrão, não fica um…”

Em maio último, ao render-se às evidências de que Bolsonaro e o Centrão estavam de casamento marcado, o general foi ao Congresso depor e disse com a cara mais deslavada do mundo:

“Eu não tenho hoje essa opinião e nem reconheço hoje a existência desse Centrão. A evolução de opinião faz parte da vida do ser humano. Faz parte do show, do show político”.

Bruno Boghossian - Comitê da reeleição

Folha de S. Paulo

Jogada reduz risco de impeachment e cria estrutura para fortalecer candidatura

Jair Bolsonaro fez uma jogada completa para garantir sua sobrevivência até o ano que vem e organizar uma estrutura para a reeleição. A instalação de um expoente do centrão no coração do governo reduz o risco de impeachment, estreita os laços do presidente com um partido que pode abrigá-lo para a disputa e instala um comitê de campanha dentro do Palácio do Planalto.

A decisão de Bolsonaro de desalojar o amigo Luiz Eduardo Ramos e entregar a Casa Civil ao senador Ciro Nogueira, chefe do PP, é um sinal claro de fragilidade do governo. Mas enquanto a oposição esperava que o centrão se divorciasse de um presidente fraco, os termos da união acabaram se tornando mais vantajosos.

A nomeação de Nogueira reforça a proteção que políticos governistas dão a Bolsonaro para bloquear o impeachment. Na Casa Civil, o presidente do PP vai trabalhar para ampliar a fidelidade dessa base, podendo destravar nomeações de interesse dos parlamentares e facilitar a destinação de verba para os redutos eleitorais dos aliados de Bolsonaro.

Maria Hermínia Tavares* - Hora de dar adeus a Cuba

Folha de S. Paulo

Pobre, isolada, embargada e sem a influência de outrora, a ilha não passa de um anacronismo

Em 1960, Jean-Paul Sartre visitou o país com a sua companheira, a escritora Simone de Beauvoir.

Os mais cultivados entre os seus admiradores brasileiros esperavam que ele falasse do existencialismo, ou de seu polêmico livro "Crítica da Razão Dialética" —aqui lido por poucos. Mas, vindo de Havana, seu assunto foi a Revolução Cubana: a seu ver, a promessa de um socialismo libertário, a léguas do modelo soviético, e o fato presente de que a vitória dos guerrilheiros de Sierra Maestra atingia os interesses americanos no seu quintal, subvertendo a geopolítica da Guerra Fria. O fim da ditadura de Batista fez mais do que aquecer os corações da juventude rebelde e de intelectuais progressistas em muitos países: mudou a história da esquerda.

Só que o grande pensador francês estava errado. Não passou uma década para que Cuba se amoldasse ao "socialismo real", confirmando que não há espaço para a democracia e as liberdades quando as empresas são do estado e o regime é de partido único.

Sua estrela política só se apagou com a derrota dos movimentos de oposição armada aos governos militares que fizeram da América Latina dos anos 1970 uma usina de autoritarismo. Inspirados pela experiência cubana e apoiados pelo governo de Fidel, multiplicaram-se pela região focos de luta armada —de esquerda, mas também autoritários e incapazes de vencer as ditaduras de direita.

Elas, finalmente, cederam à força de ampla movimentação democrática, à qual se somavam lideranças e organizações de diferentes colorações políticas. Os partidos e agrupamentos de esquerda que dela participaram nada tinham a ver com Cuba e seu modelo socialista, ainda que contassem com a participação de ex-guerrilheiros convertidos aos valores democráticos. O chileno Partido pela Democracia (PPD), as organizações uruguaias que se reuniram na Frente Ampla e o Partido dos Trabalhadores, no Brasil, são os exemplos mais destacados dessa esquerda com inequívoco compromisso com a democracia, as garantias individuais e o reformismo social. Compromissos mais do que provados quando governaram seus países com pleno respeito pelas liberdades públicas.

Ricardo Mendonça - As alegadas fraudes nas urnas eletrônicas

Valor Econômico

Argumentação presidencial de que existiria fraude no sistema de votação é inconsistente

A urna eletrônica, que rivaliza com a cloroquina, o nióbio e o grafeno no ranking das obsessões de Bolsonaro, é usada no Brasil desde 1996. Nesse um quarto de século, cada eleitor foi chamado a votar em seis disputas para presidente, seis para governador, nove para senador, seis para deputado federal, seis para deputado estadual, sete para prefeito e sete para vereador.

Muitas dessas corridas tiveram segundo turno. Teve ainda um punhado de eleições suplementares. E, em 2005, um referendo nacional sobre proibição do comércio de armas de fogo e munições.

Um eleitor paulistano nascido em 1980 ou antes e que tenha tido a oportunidade de participar de todos esses pleitos compareceu 26 vezes à seção eleitoral desde 1996 e votou 62 vezes em urnas eletrônicas.

Fiz a conta por curiosidade matemática. Somando todas as idas de eleitores às milhares de seções dos 5.570 municípios em todas as disputas, constata-se que as urnas eletrônicas computaram cerca de 5,4 bilhões de votos nesses 25 anos.

Em toda eleição há um número residual de urnas que quebram e são substituídas. Mas é raro. E quando ocorre, não altera o voto de ninguém.

Até hoje, após 5,4 bilhões de votos, não há registro consistente de nem um caso de urna eletrônica fraudada, hackeada ou viciada na forma como vem sendo alardeado por Bolsonaro. Vale repetir: 5,4 bilhões de votos, zero registro fundamentado de fraude.

Alguém pode alegar que não há notícia de trapaças porque a urna eletrônica não é “auditável”. Falso. A Justiça Eleitoral, a cada eleição, chama uma série de instituições e entidades para acompanhar e fiscalizar as diversas etapas de desenvolvimento do sistema eleitoral. Entre elas estão o Ministério Público, a Polícia Federal, as Forças Armadas, o Tribunal de Contas da União, a OAB, universidades e todos os partidos políticos.

Cristiano Romero - No Brasil, Robin Hood trabalha para os ricos

Valor Econômico

Gasto social cresceu desde 88, mas Estado ainda dá mais para ricos

No país a que chamamos de Brasil, levou-se muito tempo, séculos, para os governantes se preocuparem minimamente com o desenvolvimento de seu próprio povo, particularmente com a maioria pobre e majoritariamente negra. No império, os negros eram proibidos de estudar. Depois da abolição da escravidão, em 1888, a proibição acabou, mas as poucas escolas construídas localizavam-se longe, muito longe, de onde viviam os negros dos grandes centros urbanos _ dificultar a mobilidade foi, aliás, um dos principais expedientes do apartheid sul-africano que tanto chocou o mundo de 1948 a 1991.

Na Ilha de Vera Cruz, o fim da escravidão como fator de acumulação de capital jamais foi aceito pelos “proprietários” de escravos. Barões do café e outros representantes das oligarquias rurais que detinham o poder econômico naquela época exigiram indenização pelo “prejuízo financeiro” imposto a eles pelo imperador Dom Pedro II. Insatisfeitos, ajudaram a acabar com a monarquia m 1889, pouco mais de um ano após a abolição, a fundar, por meio de golpe militar, uma República de araque (porque dominada por duas oligarquias de dois Estados), e a pressionar os presidentes do novo regime a importar mão-de-obra da Europa para embranquecer nossa classe trabalhadora.

Tanto ódio por outro ser humano condenou este país ao fracasso, à construção de uma sociedade profundamente injusta, desigual, racista, violenta com os mais pobres e com a maioria negra, irreconciliável. Um leitor indignado fez certa vez paralelo com os Estados Unidos para contestar a ideia de que o racismo, e não a taxa de juros, a péssima infraestrutura e o sistema tributário caótico, é o maior entrave ao desenvolvimento do Brasil. Ocorre que, nos EUA, os negros representam 12% da população; aqui, 56%, numa contagem subestimada.

Brasil perde quase 30 mil indústrias desde 2013

Redução no número de empresas ocorreu antes da pandemia, até 2019, diz IBGE

Leonardo Vieceli / Folha de S. Paulo

RIO DE JANEIRO - O setor industrial brasileiro perdeu 28,6 mil empresas no intervalo de seis anos, indicam dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O resultado, divulgado nesta quarta-feira (21), integra a Pesquisa Industrial Anual (PIA) 2019. O estudo não reflete ainda os impactos da pandemia de coronavírus, que prejudicou a atividade econômica a partir de 2020.

Conforme o levantamento, o Brasil tinha 334,9 mil indústrias em 2013, maior nível da série histórica, com dados desde 2007. O montante passou a encolher a partir de 2014, quando a economia começou a registrar sinais de fragilidade. Houve seis quedas consecutivas até o número de empresas recuar para 306,3 mil em 2019 —dado mais recente à disposição.

A perda de 28,6 mil operações (baixa de 8,5%) vem da comparação entre os resultados de 2019 e 2013.

Synthia Santana, gerente de análise e disseminação de pesquisas estruturais do IBGE, afirma que a redução pode ser atribuída a pelo menos dois fatores.

O primeiro é a recessão que afetou a economia brasileira em 2015 e 2016. À época, a crise abalou a atividade de fábricas diversas.

Além do período de dificuldades, parte dos grupos industriais pode ter optado por concentrar empresas em regiões estratégicas, conforme Synthia. Essa busca por diminuição de custos logísticos tende a resultar em número menor de plantas produtivas.

Desemprego deve continuar alto apesar de recuperação, dizem economistas

Inflação, risco fiscal e reformas são outros pontos de atenção, alertam

Paula Soprana / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O crescimento econômico no Brasil após a crise sanitária de 2020 deve se sustentar no curto prazo, mas seu desempenho dependerá diretamente da geração de emprego, da pressão inflacionária, do risco fiscal e da manutenção das reformas, avaliaram economistas nesta quarta-feira (21) em webinar da Folha e do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas.

Após o PIB (Produto Interno Bruto) favorável do primeiro trimestre, que zerou as perdas da pandemia, a perspectiva se mantém otimista, com previsão de crescimento próximo a 5% no ano, segundo Silvia Matos, pesquisadora do Ibre/FGV.

Para a economista, o desemprego impede uma projeção mais otimista para o desempenho econômico. A ampliação do Bolsa Família, prometida pelo governo Jair Bolsonaro (sem partido), não será suficiente para compensar as perdas do mercado de trabalho na crise de Covid-19.

"A taxa de desemprego deve ficar ainda alta, apesar de a gente observar uma melhora neste ano e no ano que vem. A geração de emprego ainda é um desafio porque muitas pessoas ficaram de fora do mercado de trabalho", afirma.

O risco fiscal aparece como mais um obstáculo diante do limite imposto pelo teto de gastos e da necessidade de aumento da despesa pública para a recuperação. Esse desafio não se limita ao Brasil e vem atrelado ao risco de inflação, um fator que dificulta em especial a retomada dos países emergentes, avaliam os economistas.

Um cenário de inflação preocupa mais do que um de baixo crescimento, afirma José Márcio Camargo, professor da PUC-Rio e economista-chefe da Genial Investimentos. Ele diz que a alta dos preços era óbvia, apesar de não foi antecipada por economistas, e que deve perdurar.

Parte da pressão inflacionária é atribuída às políticas fiscais de transferência de renda adotadas nos países, como o auxílio emergencial no Brasil. Com a paralisação da atividade econômica no segundo trimestre do ano passado e a consequente onda de demissões e falências, governos estimularam a economia com transferência de renda, impulsionando o consumo.

"A demanda volta rápido. O problema é que as empresas têm que refazer o processo produtivo, recontratar os trabalhadores, buscar novas fontes de matéria-prima, novos fornecedores, e isso demora. Parte da pressão inflacionária é essa e ainda vai durar", diz Camargo.

Adriana Fernandes - Arrecadação milagrosa

O Estado de S. Paulo

O anúncio presidencial da reforma ministerial veio acompanhado justamente da boa nova do desbloqueio orçamentário. Não é pura coincidência

A arrecadação do governo com impostos e contribuições federais tem feito milagres em Brasília. É um dos assuntos mais comentados nas rodas brasilienses e razão apontada a toda hora quando se quer negociar apoio político a uma ou outra medida no Congresso.

Já são R$ 200 bilhões a mais de receitas projetadas para o ano, como antecipou o próprio ministro Paulo Guedes, pouco depois de o presidente Jair Bolsonaro confirmar que fará uma reforma ministerial para reforçar o apoio político no Senado. Em junho, a alta acima da inflação chegou a quase 50%. 

No estilo Bolsonaro de falar, o presidente contou que estava “até preocupado positivamente” porque a arrecadação subiu “assustadoramente” e iria desbloquear todos os recursos previstos no orçamento dos ministérios.

O anúncio presidencial da reforma ministerial veio acompanhado justamente da boa nova do desbloqueio orçamentário. Não é pura coincidência. Mas recado mesmo do presidente para o seu público político: olhem, o caixa está cheio!

José Serra* - O petróleo e a retomada da economia

 

O Estado de S. Paulo

É fundamental dispor de um ambiente legal e regulatório que propicie leilões competitivos

Estimular a atração de capital estrangeiro é um passo importante rumo à recuperação da economia brasileira. O ano de 2020 foi atípico e causou muitos danos à atividade econômica. No setor petrolífero, a retomada dos leilões é fundamental, mas a modernização regulatória é condição insubstituível para atrair empresas e concorrência. Por isso o Congresso Nacional deveria tornar viáveis propostas capazes de atrair esses investimentos.

Nesse sentido, o Projeto de Lei 3.178/2019 flexibiliza a adoção dos regimes jurídicos no pré-sal, autorizando o governo a escolher o regime de exploração mais atrativo do ponto de vista econômico e social.

O isolamento social imposto pela pandemia provocou uma queda drástica na demanda global de petróleo. O preço do barril, que já estava pressionado pelo excesso de oferta, caiu ainda mais. As grandes empresas do setor viram seus ganhos despencar em 2020. O lucro da francesa Total caiu 66%. A britânica BP relatou seu primeiro prejuízo líquido anual em uma década: US$ 20,3 bilhões. Nos EUA, a gigante Exxon Mobil fechou o ano com prejuízo líquido de US$ 22,44 bilhões. As fortes perdas, somadas ao cenário adverso, frearam o apetite das petroleiras para investir em novas áreas exploratórias, tornando-as mais seletivas e avessas a risco de curto e longo prazos.

A pandemia também acelerou a velocidade da transição energética, encolhendo a importância dos combustíveis fósseis na matriz energética mundial. No fim do ano passado, oito das maiores empresas globais de energia acordaram em seguir princípios comuns para a transição energética e se comprometeram a apoiar os objetivos do Acordo de Paris. As gigantes do petróleo já apresentam agendas verdes e se comprometeram a reduzir a intensidade de carbono nos produtos relacionados a energia, bem como a aumentar seus investimentos em energias renováveis, além de investirem mais em novas tecnologias. Mas o petróleo ainda tem caminho pela frente.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

O poder das saúvas

O Estado de S. Paulo

Enquanto Jair Bolsonaro entretém a plateia com ameaças de golpe, parlamentares manipulam o Orçamento conforme seus objetivos eleitorais

Não é possível imaginar que a aprovação do escandaloso fundo eleitoral de R$ 5,7 bilhões, embutido no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), tenha ocorrido sem que o governo no mínimo soubesse da urdidura.

Na hipótese benevolente, o governo se omitiu. Nesse caso, as declarações indignadas de Jair Bolsonaro sobre o chamado “fundão”, supondo-se que sejam autênticas, indicam que o presidente ou não tem nenhuma autoridade sobre seus articuladores políticos ou escolheu nada saber, deixando o poder de fato para as saúvas que hoje corroem seu governo.

Em se tratando de Bolsonaro, contudo, é difícil ser benevolente. Outras hipóteses soam mais plausíveis. Uma delas é a de que o processo de aprovação do fundão eleitoral no Congresso foi articulado de modo a diluir as digitais do governo e de seus suseranos do Centrão na manobra, diante da previsível reação popular negativa.

De quebra, Bolsonaro pode faturar eleitoralmente com seu poder de vetar o impopular fundão – sem, contudo, fazer sua base trabalhar para que o veto seja sustentado no Congresso, como já aconteceu inúmeras vezes. Ou seja, o veto de Bolsonaro é apenas cenográfico.

“O acordo para incluir os R$ 5,7 bilhões para o fundo no Orçamento foi costurado numa reunião de líderes da base dele (Bolsonaro), na casa do presidente da Câmara (Arthur Lira), aliado dele, sob coordenação dos líderes do governo no Congresso e na Câmara. Então, se não fosse o governo Bolsonaro, não existiria o fundão”, disse ao Estado o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), que presidiu a sessão em que o fundão foi aprovado.

Ramos foi atacado por Bolsonaro como se fosse o culpado pela manobra, mas está cada vez mais claro que a responsabilidade, desde sempre, é dos governistas. É o padrão bolsonarista, ditado por um presidente especialista em se livrar de suas responsabilidades, sempre tendo em vista a campanha eleitoral.