sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Luiz Carlos Azedo - Onze teses negacionistas

Correio Braziliense

O negacionismo utiliza os preconceitos e o senso comum para construir teorias conspiratórias. A manipulação da informação explora a boa-fé e a ignorância

Por definição, negacionismo é o ato de negar uma informação estabelecida em bases científicas, ou seja, amplamente estudada e comprovada. Suas características são a manipulação de informações, a utilização de falsos especialistas e as teorias conspiratórias. O negacionista assume uma postura irracional e ideológica, prefere acreditar em informações falsas e sem comprovação, despreza ciência e refuga as verdades inconvenientes. Na ciência, destacam-se o negacionismo do aquecimento global e o da esfericidade terrestre; na História, o do Holocausto. O Brasil vive uma onda negacionista, liderada pelo presidente Jair Bolsonaro e filhos.

O negacionismo utiliza os preconceitos e o senso comum para construir teorias conspiratórias. A manipulação da informação é fundamental, geralmente por falsos especialistas, que exploram a boa-fé e a ignorância. Com o advento das redes sociais, utiliza-se em larga escala das fake news, formando grandes correntes de propagação de mentiras. São teses negacionistas:

Vera Magalhães - Choro ainda é grátis, Guedes

O Globo

Para o ministro Paulo Guedes, a conta de luz vai aumentar mais, e não adianta nada ficar sentado chorando. Em tempos de inflação descontrolada, mortes aos borbotões e ataques sistemáticos à democracia e ao bom senso, chorar é uma das poucas coisas de graça à disposição do brasileiro.

O resto todo ofertado pelo governo que Guedes insiste em servir tem cobrado um alto preço moral, mental, político e econômico.

É altamente oneroso ter de aguentar uma frase fora de esquadro do ministro da Economia cada vez que a vida real evidencia o descompasso entre o que foi prometido por ele desde 2018 e o que vemos todos os dias no Brasil.

A crise hídrica de agora, que ameaça descambar para crise grave de fornecimento de energia e, consequentemente, para mais um entrave numa já não cumprida retomada econômica, não é uma inevitabilidade contra a qual não adianta chorar, como quer fazer crer o ministro.

Pode ser que, para alguém como ele, o aumento na conta de luz devido ao reajuste da bandeira tarifária não tenha nada demais. “Qual o problema?”, questiona — e o mais grave é que ele parece de fato não entender qual é!

Bernardo Mello Franco - Guedes, vá ao supermercado

O Globo

Depois de ofender as empregadas domésticas, os filhos de porteiros e os pobres em geral, Paulo Guedes resolveu debochar de quem sofre para pagar a conta de luz.

O ministro desdenhou do novo reajuste nas tarifas, que deve ser anunciado na próxima semana. “Qual o problema agora que a energia vai ficar um pouco mais cara porque choveu menos?”, questionou, na quarta-feira.

Guedes conhece a resposta para a pergunta que fez. O aumento da bandeira vermelha não pesa apenas nas tarifa residencial. Também eleva os custos de produção, o que deve resultar em mais inflação no varejo.

No mês passado, os preços já subiram 0,96%, na maior variação de julho nos últimos 19 anos. A alta foi puxada pelo custo da energia. Isso indica que o IPCA deve continuar a subir, apesar do baixo crescimento econômico.

No acumulado de 12 meses, o índice já encosta nos 9%. O mercado, que costumava embarcar nas promessas do ministro, acaba de elevar a estimativa de inflação pela 20ª semana consecutiva. Depois de atacar o IBGE por causa dos números do desemprego, Guedes terá de inventar outra desculpa para rebater o Boletim Focus.

Flávia Oliveira - Debate que apequena

O Globo

Democracia é essencialmente o regime do diálogo, da negociação, da busca do consenso, a partir da escolha do povo. É a política do debate. O problema é que há debates que engrandecem democracias e seus atores; outros apequenam. Muita gente acreditou que, ao fim da longa temporada de doença, luto e crises decorrentes da pandemia, o mundo e o Brasil, em particular, sairiam melhores, amadurecidos, fortalecidos. É verdade que organizações da sociedade civil se reaproximaram e assumiram o protagonismo em ações humanitárias de enfrentamento à Covid-19. Está claro que atribuições — à frente, saúde e assistência social — de um Estado intensamente demonizado em anos anteriores foram reconhecidas e, hoje, são cobradas. Mas, ao fim da jornada, sairemos mais exauridos que satisfeitos, mais esfarrapados que aprumados, mais famintos que saciados. Sairemos menores.

Pedro Doria - O que deseja Lula?

O Estado de S. Paulo / O Globo

Não faz sentido Lula trazer Chávez para uma conversa sobre imprensa

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou nesta semana ao debate sobre “regular a mídia”. Entrou no assunto, como de praxe, de forma ambígua, confusa, misturando temas. Lula é também o favorito a chegar ao segundo turno contra o atual presidente, Jair Bolsonaro. Como Bolsonaro é golpista e quer ver a democracia pelas costas, faria bem ao Brasil que Lula esclarecesse quais são seus planos, suas ideias, o que quer dizer exatamente por “regular a mídia”.

Na quarta-feira, em discurso no Rio Grande do Norte, deixou claro que essa regulação é uma de suas prioridades. Numa entrevista ao Jornal da Bahia, afirmou que deseja o modelo britânico, não o cubano ou o chinês. Tanto melhor — Cuba e China são ditaduras. “Vocês estão vendo o que fazem na internet? Espalham mentiras, receitam remédio para Covid que não funciona”, afirmou no Twitter, a modo de exemplificar onde há problema. Em São Luís, no Maranhão, deu outro exemplo: “Vi como a imprensa destruía o Chávez”.

Dora Kramer - Ilusão de ótica

Revista Veja

Lula é o primeiro a saber que a estrada para 2022 é longa e o caminho repleto de percalços

Quando Luiz Inácio da Silva diz, como disse dia desses, que não quer conversa com os militares e com eles só falará na condição de “chefe” quando (acrescente-se, e se) for eleito, não está sendo impertinente. Está sendo realista, pois quem não quer conversa com ele agora são os militares.

Pelo visto, o ex-presidente recebeu algum tipo de recado nesse sentido, pois até duas semanas atrás as Forças Armadas estavam na lista dos petistas como um obstáculo difícil, mas não de todo intransponível.

Do mesmo rol de resistências a serem vencidas constam — e a esses setores Lula não emitiu sinal algum de desistência — os evangélicos, boa parte do empresariado, o alto escalão dos negócios do campo e, claro, os adversários políticos; tanto os tradicionais quanto aqueles a serem resgatados da aliança firmada com Jair Bolsonaro em 2018.

As pesquisas de intenção de votos para 2022 mostram o petista com vantagens cujo retrato é de vitória antecipada. Nelas, Lula tem praticamente o dobro dos índices de Bolsonaro, chegando, em algumas, a obter dianteira suficiente para vencer no primeiro turno.

Eliane Cantanhêde - Tempo, senhor da razão

O Estado de S. Paulo

Condições de reeleição se deterioram e inflamar e botar bolsonaristas na rua não resolve

Diferentemente do que imaginavam o Planalto, assessores, aliados e bolsonaristas resilientes, o tempo não está contando a favor, mas contra a reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Quanto mais 2021 avança e 2022 se aproxima, mais as condições de Bolsonaro se deterioram na política, na economia, na confiança dos cidadãos. Se ele acha que basta incendiar a internet e botar sua turma na rua, pode estar redondamente enganado.

Na análise governista, o pior já teria passado até outubro de 2022. Fim da pandemia, maioria da população vacinada, mortos esquecidos e cada um se virando com suas sequelas. Economia reaquecida, PIB surpreendendo, investimentos a rodo, empresas produzindo, serviços voltando e empregos se multiplicando. Não é bem assim.

Bolsonaro jogou no lixo as bandeiras e o discurso de 2018 e não construiu nada sobre os escombros. Lá se foram o combate à corrupção, a defesa da Lava Jato, a “nova política” e a ojeriza ao Centrão, arrastando junto a balela de uma política econômica liberal, moderna e reformista. Nada foi colocado no lugar e, enquanto presidente, ele nunca deixou de ser candidato.

Almir Pazzianotto Pinto* - Os militares na política

O Estado de S. Paulo

O militarismo é o mais nocivo e cruel dos regimes, demonstram as experiências conhecidas

O título é tomado de empréstimo do livro escrito pelo brasilianista Alfred Stepan, cuja leitura é necessária para quem deseja começar a entender o papel desempenhado pelas Forças Armadas em nossa História (Artenova, SP, 1975). O Brasil não tem inimigos externos. Inexiste o perigo de sermos atacados e invadidos por algum vizinho, interessado em nos submeter pelas armas.

Por outro lado, o imperialismo colonialista das grandes potências arrefeceu, vencido por problemas internos, ou cedeu espaço a políticas de dominação de mercados secundários com pacíficos produtos industrializados. Nesse aspecto devemos temer a China, o Japão, a Coreia do Sul, Cingapura e Tailândia, que avançam sobre o Brasil, tirando vantagem do nosso atraso, fruto da corrupção, da incompetência e da indolência, que nos impedem de progredir nas esferas da educação, das pesquisas e do desenvolvimento.

Dentro desse cenário, qual o papel reservado pela Constituição federal às Forças Armadas? Excluídas malogradas tentativas de invasão pelos franceses e holandeses à época do Brasil colônia, uma única guerra travamos contra o pequeno Paraguai (18641870), cujos resultados são conhecidos. A campanha da Força Expedicionário Brasileira (FEB) na Itália, nos derradeiros meses da 2.ª Guerra Mundial (1939-1945), cobriu-se de heroísmo, mas revelou a deficiência de treinamento, de armamento e de preparo psicológico da reduzida força sob o comando do general Mascarenhas de Morais. Quem quiser saber mais, consultará A Verdade sobre a FEB, livro escrito pelo marechal Floriano de Lima Brayner, chefe do EstadoMaior no teatro italiano de operações (Civilização Brasileira, RJ, 1968).

Celso Ming - O que o governo não quer ver não existe

O Estado de S. Paulo

Na crise hídrica, a única política do governo é a tentativa de negar a gravidade da crise

Afinal, qual é a política do governo para enfrentar a pior crise hídrica dos últimos 91 anos? A julgar pelos fatos, o governo não sabe o que quer. A primeira providência foram apelos, e não mais que apelos, para evitar o desperdício de energia. Foi a linha adotada em junho pelo ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que convocou uma cadeia nacional de rádio e TV, prometeu declarações graves que, no entanto, não passaram de lero-lero. Em seguida, veio a sobretarifa da bandeira vermelha, sugerindo que a redução de consumo de quilowatts se faria por aumento de preços. Agora, o ministro avisa que vai fazer o contrário, vai cobrar menos de quem consumir menos energia, sem informar que economia espera desse procedimento.

A única política que se conclui das omissões do governo é a abordagem negacionista, são as tentativas de negar a gravidade da crise. Assim como a pandemia não passava de “uma gripezinha”, essa crise, além de passageira, é pouco importante. Não impõe nenhuma ação mais radical, como o racionamento de energia elétrica e de água tratada. E, no entanto, os meteorologistas têm avisado que, além do grau de secura que não se previa em junho, julho e agosto, as perspectivas continuam ruins para a temporada de chuvas que deve iniciar-se em meados de setembro ou começo de outubro.

Ricardo Noblat - A hora e a vez dos governadores para conter a fúria bolsonarista

Blog do Noblat / Metrópoles

Se houver baderna no 7 de setembro, Bolsonaro jogará a culpa nas costas deles

Ibaneis Rocha (MDB), governador do Distrito Federal, decretou feriado na segunda-feira, 6 de setembro. Quem não quiser participar da manifestação bolsonarista marcada para o dia seguinte desfrutará de um feriadão de quatro dias – boa ideia!

João Doria (PSDB), governador de São Paulo, negou à oposição a Bolsonaro qualquer espaço público para manifestações no dia 7 de setembro. Se concedesse e as manifestações a favor e contra o presidente resultassem em conflitos, a culpa seria sua.

Paulo Câmara (PSB), governador de Pernambuco, advertiu o comando da Polícia Militar para que não se repitam atos de violência como os que marcaram recentes manifestações no Recife. Não quer ver um só policial nas ruas travestido de manifestante.

Renan Calheiros Filho (MDB), governador de Alagoas, admitiu que “há uma clara tentativa de insurgência” de policiais militares bolsonaristas, e que está tomando providências para que isso não ocorra no seu Estado no próximo dia 7.

O promotor de Justiça Militar Sebastião Brasilino de Freitas Filho, do Ceará, recomendou aos comandantes-gerais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros o uso da força se necessário para impedir atos no dia 7 de setembro promovidos por militares estaduais.

Bolsonaro tem na ponta da língua a desculpa que dará se a violência manchar de vermelho o 7 de setembro dos seus sonhos: a segurança das manifestações cabia aos governadores. Ele e seus devotos só queriam expressar livremente o que pensam.

Reinaldo Azevedo - A pluralidade exclui o golpismo

Folha de S. Paulo

Os dias são anômalos; defender a democracia, as regras do jogo e as instituições passou a ser uma agenda antigovernista

Vivemos uma situação espetacularmente anômala. Se não tomarmos cuidado, nós, da imprensa, ainda acabaremos como porta-vozes involuntários do golpismo. Lamento ter de constatar que, aqui e ali, isso já acontece. Golpistas, sem nenhum pudor, expõem a sua agenda, que compreende, realizados seus intentos, calar um dia também o diligente entrevistador.

Notem que mal se veem, hoje em dia, estampados na imprensa, os embates que se tornaram corriqueiros desde a redemocratização. Privatiza ou não? Mais Estado ou menos? A legislação que protege o trabalho garante ou rouba os empregos? A elevação da taxa de juros certamente concorrerá para deprimir o crescimento no ano que vem, mas ela será eficaz para baixar a inflação? O debate sumiu.

Tudo se dilui na aparente unanimidade da imprensa profissional contra o governo Bolsonaro. E as exceções mal conseguem esconder uma militância a soldo: ou gozando já de privilégios oferecidos pelo poder ou de olho em concessões futuras. A questão é saber se essa unanimidade —reitero que é apenas aparente— tem mesmo de ser rompida e o que, então, se deve entender, dado o contexto, por pluralidade.

Bruno Boghossian - As lágrimas do ministro

Folha de S. Paulo

Ministro fala dos custos de vida da população como se fossem detalhes desprezíveis

Paulo Guedes tem um plano para enfrentar as incertezas que levantaram a ameaça de um apagão e fizeram disparar a conta de luz. As tarifas já pressionam o orçamento da população mais pobre, mas o ministro avisou que o preço vai subir ainda mais. "Temos de enfrentar a crise de frente", resumiu. "Não adianta ficar sentado chorando."

O chefe da equipe econômica fala dos custos de vida da população como se fossem detalhes desprezíveis. Guedes já afirmou que a alta do preço do arroz era só um efeito da melhora na vida dos brasileiros de baixa renda. Na semana passada, ele disse que uma inflação de 8% neste ano não seria nenhum descontrole e que o país estava "dentro do jogo".

Ruy Castro - A manobra continuísta

Folha de S. Paulo

Em 1945, o Exército não permitiu que Getulio usasse sua polícia para continuar no poder

O Exército Brasileiro já foi mais cioso de sua autoridade junto às forças subalternas —a PM, por exemplo. Afinal, embora circule por aí a bordo de jipes e com trabucos no cinto, ela não passa de uma, literalmente, segunda divisão, não? E seus comandantes não têm cacife para dar palpite em política, já que isso é vedado aos próprios oficiais das forças superiores. Entende-se que, se um PM puder convocar manifestações de rua em um 7 de Setembro, um vendedor de biscoito Globo também poderá ordenar o corneteiro do batalhão a tocar “Alá-Lá-Ô” em vez da alvorada.

Em 1945, o ditador Getulio Vargas, tramando melar as eleições presidenciais marcadas para aquele ano e continuar no trono, nomeou seu irmão Benjamim Vargas (1897-1973), o notório Bejo, para a Chefia de Polícia do Distrito Federal, então no Rio. Cargo equivalente, hoje, ao de um hipotético comandante nacional da PM, só abaixo do ministro da Guerra e do chefe do Estado-Maior.

Vinicius Torres Freire - O país à beira do apagão

Folha de S. Paulo

A situação ficou mais crítica do que se estimava até início de julho e tempos serão bicudos

Ainda é possível evitar um racionamento estrito de eletricidade, dizem entendidos no assunto, hoje no setor privado, mas que já tiveram altos cargos na administração do setor elétrico em vários governos, desde FHC. O racionamento no sentido mais geral, por meio de aumento de preços e mudanças de horário de consumo de grandes empresas, já começou.

Uma nova providência de racionamento menos duro deve ser adotada no começo de setembro, se Jair Bolsonaro deixar (o dito presidente da República não quer más notícias antes da pororoca que sua turma quer promover no 7 de Setembro).

Consumidores residenciais e, em geral, empresas menores podem receber um prêmio se reduzirem o consumo. Quem paga essa conta? Não há previsão orçamentária ou plano de crédito extraordinário para isso. Logo, algum outro consumidor vai pagar. Ainda está indefinida a meta de redução de consumo (há quem sugira 5% até o fim do período de chuvas no Centro-Sul do país, em março ou abril, a não ser que caia um dilúvio até lá).

Especialistas do setor elétrico ouvidos por este jornalista dizem, na maioria, o seguinte:

José de Souza Martins* - Viola quebrada

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Muita coisa vem quebrando em consequência de ações do governo para fragilizar nossa democracia e viabilizar uma ditadura pessoal e violadora dos direitos políticos dos brasileiros

Não só a viola de conhecido cantor sertanejo quebrou nestes últimos dias em consequência de bravatas antidemocráticas e de ameaças explícitas contra as instituições. Faz novo sentido a bela composição de Ary Kerner e do modernista Mário de Andrade “Viola Quebrada”. Um clássico da música brasileira, que nasceu num momento em que a música caipira era usurpada e transformada em música sertaneja, separada de suas raízes sociais e históricas. Como agora, em que o país vem sendo separado de si mesmo, de suas origens brasileiras e de suas possibilidades históricas.

Muita coisa vem quebrando em consequência de deliberadas ações no âmbito do governo e fora dele para fragilizar nossa democracia e viabilizar uma ditadura pessoal e violadora dos direitos políticos dos cidadãos brasileiros. Uma usurpação do que não pertence nem aos conspiradores nem aos seus bajuladores.

César Felício – Assombrações

Valor Econômico

Mesmo sem golpe, Bolsonaro pode receber dividendos

Golpe no Brasil quem dá é o Exército. Assim mostra a história em todas as interrupções da institucionalidade: 1889, 1930, 1937, 1945, 1955, 1964, 1969. Ainda que no caso da guerra civil de 1930 e do movimento de 1964 a participação de governadores e das classes médias tenha sido marcante, quem deu o tiro de misericórdia nos governantes de turno tinha estrelas nos ombros. Do mesmo modo o civil Getúlio Vargas não conseguiria dar o autogolpe do Estado Novo sem os marechais Dutra e Góes Monteiro.

Portanto, não é provável, para dizer o mínimo, que por si só policiais militares organizados em redes sociais, junto com caminhoneiros, pastores evangélicos e alguns magnatas do varejo derrubem o que chamam de “sistema”, ainda que insuflados pelo presidente da República.

As ditaduras do século 21, ou semiditaduras, ou “democracias iliberais”, como queiram chamá-las dependem de legitimidade advindas da aprovação popular, algo que Bolsonaro com sua rejeição acachapante não tem por agora.

Deste modo, a prova dos nove está no Exército. Ali é a fronteira entre o golpe ou não, sendo que, nas circunstâncias atuais, a ruptura institucional seria uma aventura fadada ao fracasso. “Está todo mundo com medo. Não tem lastro para isso no mercado brasileiro, no internacional, no empresariado real, na mídia, no Congresso, no governo dos Estados Unidos, no Judiciário e na maioria do eleitorado. Quebra o país e o governo cai em 30 dias”, projetou um alto executivo de um grande banco nacional, preocupado com a hipótese.

Claudia Safatle - Sem rumo e sem direção

Valor Econômico

“Estamos em um Estado caótico; sem direção, sem programa, sem projeto, uma estupidez geral”, diz Delfim Netto

O ministro Paulo Guedes está aborrecido com o fato de a crise institucional estar contaminando a economia, que começou a desandar. Ele assegura que isso nada tem a ver com os fundamentos. Segundo Guedes, o déficit primário neste ano deve ser de 1,7% do PIB, percentual e cai para 0,3% do PIB no ano que vem. Esses prognósticos, diz ele, garantem que não há descontrole nas contas públicas. “Hoje não há o menor fundamento, do ponto de vista estritamente econômico, para dizer que o Brasil está perdendo o controle. É exatamente o contrário, o Brasil atravessou a maior crise fiscal, a maior depressão dos tempos modernos, e se recuperou em tempo recorde”, tem dito o ministro nos encontros com empresários.

É importante que se diga que a crise entre os Poderes Executivo e Judiciário é obra do presidente Jair Bolsonaro, “que está obcecado com uma suposta conspiração contra a sua reeleição”, diz uma fonte oficial. A economia, que parecia estar reagindo e que poderia jogar a favor da reeleição, começou a fraquejar. Não exatamente por temor dos desdobramentos da briga de Bolsonaro com dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes e Luiz Roberto Barroso, e os riscos que isso traz para a democracia, mas porque está ficando claro a cada dia que nada mais vai andar, pois o presidente está ocupado com outros assuntos. Não vai haver reforma tributária nem administrativa, e é bastante provável que também não será votado o pacote do Imposto de Renda.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

É lamentável que juízes se prestem ao papel de censores

O Globo

Pela segunda vez em uma semana, uma decisão judicial obrigou O GLOBO a retirar do ar uma reportagem publicada em seu site. Uma desembargadora do Distrito Federal ordenou a derrubada da notícia que relatava dezenas de saques em espécie das contas da VTC Log, empresa investigada pela CPI da Covid. Na semana passada, um juiz do Amazonas determinara a exclusão de reportagens que levantavam suspeita de fraude em ensaios clínicos com uma droga sem eficácia comprovada contra a Covid-19, a proxalutamida.

É evidente o interesse público das informações publicadas pelo GLOBO. É em nome dele que a Constituição garante a jornalistas o direito de preservar o sigilo de suas fontes e que a lei os isenta de responsabilidade por publicar fatos e dados resultantes de vazamentos, mesmo que ilegais. O dever da imprensa é com o público, não com quem é atingido pelas reportagens.

Intenso debate sobre liberdade de expressão tomou conta do país como efeito da prisão do deputado Daniel Silveira e do ex-deputado Roberto Jefferson, do corte do financiamento à campanha mentirosa contra a urna eletrônica e das medidas das redes sociais para coibir a desinformação na pandemia. É espantoso que a censura judicial à imprensa não provoque reação tão veemente, embora se torne a cada dia mais frequente. A ponto de juízes do Rio Grande do Sul e do Rio terem ressuscitado a absurda censura prévia. Em Porto Alegre, um desembargador manteve o veto de uma juíza à veiculação, pela RBS TV, de informações sobre a delação premiada de um empresário. No Rio, outra juíza barrou a publicação de reportagem na revista Piauí sobre o humorista Marcius Melhem.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Amor é bicho instruído

Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.