sábado, 28 de agosto de 2021

Marco Aurélio Nogueira* - Crise, caos e confusão

O Estado de S. Paulo

Paranoia, autoritarismo golpista e incompetência de Bolsonaro paralisam o Brasil

Agosto foi um típico mês do cachorro louco, como reza a tradição. A crise política e institucional se aprofundou.

A crise que enfrentamos não deriva do mau funcionamento das instituições ou de falhas sistêmicas na arquitetura estatal. É uma crise criada, artificial, provocada por desvios de conduta do presidente da República. Devem-se a ele tanto as colisões institucionais quanto a elevação da temperatura política, a um ponto de tensão que ameaça transbordar para o terreno social. Eleito com uma mensagem contrária ao “sistema”, Jair Bolsonaro permanece hostilizando as instituições e seus integrantes. A meta é produzir fumaça, estresse e confusão.

A opinião pública se distanciou do presidente, mas ainda há fogo no mato, graças à insistência presidencial em criar atritos, agredir adversários e conclamar seus seguidores a um sem-número de atos subversivos antidemocráticos. A conduta obstinada, doentia, espalha rastilhos de pólvora pela sociedade, e até agora não entrou em cena um ator capaz de desarmá-los.

A crise é, sobretudo, do Executivo e se apoia em dois pilares básicos. O primeiro é o comportamento enviesado do presidente da República, sobre o qual já se gastou tinta em demasia. Não há como esperar dele mudança atitudinal ou posturas cooperativas que desanuviem o ambiente. O segundo pilar é que, a rigor, não há governo no País, somente luta pela manutenção do poder, ação de quadrilhas que brigam entre si. Os ministérios não funcionam, os ministros primam pela mediocridade técnica e intelectual. Não há políticas, diretrizes que organizem a entrega de serviços e direitos aos cidadãos. Em nenhuma área estratégica há gestão qualificada.

Cristovam Buarque* - A pobreza da democracia

Blog do Noblat / Metrópoles

A terceira maior pobreza é que as lideranças democráticas se submetem a apelar aos generais para saber se eles respeitarão as eleições

A maior pobreza da democracia brasileira é não ter adotado uma estratégia para abolir a pobreza da população: não movemos a linha da pobreza nem aterramos o abismo da desigualdade. A segunda é a incerteza: se os portadores de armas aceitarão os resultados das urnas. A terceira maior pobreza é que as lideranças democráticas se submetem a apelar aos generais para saber se eles respeitarão as eleições. Foi o que vimos na semana passada, quando ex-presidentes, ex-ministros e líderes políticos procuraram militares para saber se os generais apoiariam golpe para impedir a derrota eleitoral do atual presidente.

Esta consulta demonstra a pobreza da democracia brasileira e das lideranças democráticas. Em uma democracia consolidada não haveria este temor aos militares. Eles estariam fora da política. Como estão em todos os outros países do continente, com exceção da Venezuela e do Brasil. Ao perceberem a fragilidade da democracia, os políticos deveriam unir as forças democráticas para enfrentar o risco de golpe. É a unidade nas urnas que dá força para vencer as armas. No lugar disto, nossos líderes se dividem, se antagonizam e, depois de ouvirem as manifestações legalistas dos generais, voltam tranquilos da conversa e continuam se digladiando entre si, confiantes de que o regime democrático sobreviverá, graças à boa vontade dos militares.

Bolívar Lamounier* - Dois degraus a mais na escala do horror

O Estado de S. Paulo

A sobrevivência da civilização dependerá de muita lucidez, tirocínio e poder militar

Não consigo conceber a humanidade convivendo com um país que submete as mulheres a rigorosa escravidão, impondo-lhes um tratamento atrocíssimo do nascimento à morte. Mas de agora em diante, com o Afeganistão dominado pelo Taleban e disputado pelo Estado Islâmico (EI), a realidade será essa.

O erro político do governo norte-americano foi deveras impressionante, pois não só deixou ao deus-dará um aliado que dele dependeu durante 20 anos, como saiu do país atabalhoadamente, entregando de mão beijada ao radicalismo islâmico grande quantidade de armas. É lógico que o Afeganistão, com sua população de apenas 39 milhões e sua enorme pobreza, não tem, sozinho, condições de se abalançar a uma aventura bélica. Mas aí, paradoxalmente, é que reside o perigo: uma teocracia totalitária, de inspiração claramente fundamentalista, poderá superestimar suas forças, agindo como uma faísca, tentando atiçar conflitos entre outros países, ou se engajando em alguma alucinação terrorista como a empreendida por Bin Laden 20 anos atrás. Nesse quadro, o Irã também precisa ser levado em conta, não obstante ser o seu poder também limitado.

João Gabriel de Lima - A estratégia de criar inimigos em modo ‘reels’

O Estado de S. Paulo

Seguindo o exemplo de Trump, Bolsonaro radicalizou a linha de Maduro, Duda e Modi

Criar inimigos é um clássico do arsenal dos políticos. Uma anedota conhecida sobre Jânio Quadros conta que, forçado a aumentar a gasolina, o ex-presidente inventou uma teoria conspiratória e colocou a culpa nos americanos – outro clássico. Mais tarde, em sua famosa carta de renúncia, que completou 60 anos nesta semana, Jânio invocou “forças terríveis”, esperando que parte da população se juntasse a ele no combate a tais entidades. Não houve clamor popular.

Jânio voltou para casa e amargou mais de 20 anos longe de cargos públicos.

Criar inimigos, em geral imaginários, tornou-se ainda mais fácil na era das redes sociais. “Diante do caos e da complexidade de um mundo em mudança frenética e acelerada, o populismo digital garante o repouso em certezas que não requerem provas”, escreveu Andrés Bruzzone em seu recém-lançado livro Ciberpopulismo. Bruzzone, consultor do Estadão e doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é o entrevistado do minipodcast da semana.

Adriana Fernandes - Brasil, um balaio de problemas

O Estado de S. Paulo

Com os preços dos alimentos e combustíveis em alta e o tarifaço da conta de luz mostrando a sua cara, o presidente Jair Bolsonaro achou por bem recomendar a todos os brasileiros que comprem fuzil, mesmo que seja caro.

Parece piada de mau gosto, mas não é. É o presidente falando: “Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado. Eu sei que custa caro. Aí tem um idiota: ‘Ah, tem que comprar é feijão’. Cara, se você não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar”, disse Bolsonaro numa fala odiosa e desrespeitosa com os brasileiros que estão penando com os efeitos da inflação.

É a última pérola de uma semana marcada por declarações de integrantes do governo que sintetizam o estado de desorganização na condução dos múltiplos problemas mais urgentes do País, como a inflação e a crise energética, temas que estão deixando o presidente e o governo ensandecidos.

“Qual o problema agora que a energia vai ficar um pouco mais cara?”, indagou o ministro Paulo Guedes. “Como gerar emprego com uma CLT tão rígida?”, questionou Bolsonaro.

“Cadê a grande deterioração fiscal?”, perguntou o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que na semana anterior dissera que era impossível controlar a inflação com o fiscal descontrolado. Perguntas cujas respostas teriam de ser dadas por aqueles que estão questionando.

Murillo de Aragão - O alto custo da instabilidade

Revista Veja

Setores radicais estão querendo tornar pior o que já não está bom

O semestre parecia positivo ao país. A vacinação seguia derrubando os índices de óbitos pela Covid-19 nos estados. A economia caminhava bem, e o câmbio em queda sinalizava que o cenário poderia se configurar para melhor. A arrecadação estava em alta e a dívida pública, em baixa. O Brasil, porém, é o Brasil. E, quando tudo poderia melhorar em meio à tragédia da pandemia, uma tormenta de tolices, equívocos e disputas frívolas arruinou a expectativa quando mais precisávamos dela.

Ainda que o Brasil seja melhor do que parece, setores radicais estão querendo que o que não está bom fique pior. Mesmo diante do risco de nova onda de Covid-19 e de uma crise hídrica que pode ser terrível, em especial em ambiente de inflação em alta e desemprego em nível assustador, há quem queira incendiar o parque institucional.

A instabilidade política trabalha contra o país. E quem a está incentivando não percebe isso. Cabe às instituições, inclusive o governo, conter os ânimos. Há tempos afirmei que o presidente Jair Bolsonaro tem em seus aliados mais radicais os seus principais adversários. Ao ser complacente com os delírios de seus apoiadores, para dizer o mínimo, Bolsonaro pode estar inviabilizando tanto o seu governo quanto o seu desejo de se reeleger.

Marco Antonio Villa - Precisamos salvar o Brasil do bolsonarismo

Revista IstoÉ

O presidente quer que a oposição vá para o pau-de-arara, seja torturada e morta. Só não o fez ainda graças à ação corajosa do STF

Os tambores das tropas de assalto bolsonaristas anunciam o golpe. Não há dia sem alguma notícia de ameaça ao Estado democrático de Direito. Jair Bolsonaro vocifera com ódio contra a democracia. A mesma democracia que abriu caminho para que chegasse à Presidência, isto após trinta anos de vida parlamentar. Houve um erro, grave erro, dos poderes constituídos que assistiram passivamente Bolsonaro atacar os fundamentos constitucionais, defendendo abertamente a supressão da Carta de 1988. Esta ação criminosa permitiu que numa conjuntura de enfraquecimento das instituições, em um momento de angústia e desespero frente aos sucessivos casos de corrupção, da falta de candidaturas que lessem a conjuntura e conseguissem entender o sentimento dos brasileiros cansados e frustrados com os presidentes recentemente eleitos, deu a Bolsonaro a chance de chegar ao posto de chefe do Executivo federal.

Oscar Vilhena Vieira* - Tiro ao alvo

Folha de S. Paulo

Judiciário representa o principal obstáculo ao projeto de Bolsonaro de subjugar a democracia brasileira

Ao transformar o Judiciário em alvo preferencial de seus ataques e conclamar seus apoiadores a comprar fuzis, o presidente aponta com clareza para a instituição que hoje representa o principal obstáculo ao seu projeto de subjugar a democracia constitucional brasileira.

A capacidade e disposição do sistema de justiça para controlar atos abusivos do Executivo constitui uma das mais importantes variáveis na prevenção de processos de erosão e ruptura de regimes democráticos. Esse é o resultado de pesquisa seminal produzida pelo V-Dem Institute, da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, que analisou nada menos que 96 episódios de erosão e ruptura democrática ocorridos entre 1900 e 2019.

O estudo testou as principais hipóteses, levantadas pela literatura da ciência política nas últimas décadas, referentes a fatores que contribuiriam para ampliar a resiliência dos regimes democráticos —como progresso econômico, adoção do sistema parlamentarista ou presidencialista, natureza do regime político de países vizinhos, ou, ainda, a quantidade de ciclos eleitorais não interrompidos e a disposição para respeitar a lei.

A conclusão da pesquisa sugere que “as democracias são mais resilientes quando o Judiciário é capaz de impor fortes limitações ao Executivo”, confirmando proposição de Alexander Hamilton —um dos pais fundadores da República americana— formulada há mais de duzentos anos, de que tribunais independentes são indispensáveis para a “defesa da Constituição e dos direitos contra os efeitos daquelas perturbações que, através das intrigas dos astuciosos ou da influência de determinadas conjunturas, algumas vezes envenenam o povo” (Federalista 78).

Cristina Serra - Progressistas, acordem!

Folha de S. Paulo

Em setores da oposição ao fascismo, prevalece aparente falta de estratégia e/ou predominância de projetos pessoais

Eleito no embalo do golpe de 2016, do lava-jatismo e da insânia bolsonarista, o Congresso atual é o pior do período pós-redemocratização. Exceção deve ser feita a uma minoria atuante, porém insuficiente para se contrapor às pautas que destroem o Estado brasileiro e aprofundam as desigualdades e injustiças na nossa sociedade.

A Câmara foi sequestrada pela perversa aliança do centrão com a extrema direita, o que garante a permanência do arruaceiro no Palácio do Planalto e rebaixa o Parlamento. Qualquer novo governo comprometido com princípios civilizatórios elementares terá muita dificuldade de reverter o dano sem uma maioria progressista de deputados e senadores.

Em setores da oposição ao fascismo, porém, prevalece aparente falta de estratégia e/ou predominância de projetos pessoais. Em que pese a legitimidade dessas ambições, é hora de reocupar o Congresso. Todos com potencial de puxar votos para eleger bancadas expressivas têm que ser chamados para ajudar a restabelecer a normalidade institucional.

Alvaro Costa e Silva - Dia da dependência

Folha de S. Paulo

O golpe, se ocorrer, será um dos únicos da história feito às claras, com conhecimento da população e das instituições

Como já havia acontecido com a camisa da seleção —um dos emblemas da “pátria em chuteiras”, na expressão de Nelson Rodrigues, e que hoje se transformou em símbolo do bolsonarismo—, o Sete de Setembro foi sequestrado. Não haverá o tradicional desfile cívico-militar, cujo ponto alto, ao menos para mim, eram as acrobacias da Esquadrilha da Fumaça. Não se exibirá pela enésima vez o filme “Independência ou Morte”, que de lambuja seria uma homenagem póstuma ao ator Tarcísio Meira com suas suíças à dom Pedro.

O Dia da Independência virou um ato de dependência. Bolsonaro convocou uma manifestação a seu favor com todas as características de um ensaio de golpe. Ou do golpe propriamente dito. O qual, se ocorrer, será um dos primeiros da história dado ao conhecimento geral da população e das instituições, com dia e hora marcados, nome e sobrenome dos conspiradores.

Não há o que festejar nas ações do governo, que despenca em popularidade e se agarra a mentiras divulgadas nas redes sociais. Então se prepara uma baderna, com aval dos generais que aceitaram fazer parte da aventura recebendo altos salários. Que tal invadir o STF? Fechar Senado e Câmara? Talvez assim as coisas melhorem e Bolsonaro possa assumir o cargo de generalíssimo. Eis a lógica de quem está bancando os “protestos”, sobretudo empresários ruralistas e varejistas e pastores evangélicos, além da máquina de ódio que funciona dentro do Palácio da Alvorada.

Demétrio Magnoli – Motim, Munique

Folha de S. Paulo

Triunfo eleitoral, cada vez mais distante, sempre foi o plano B de Bolsonaro

Munique tornou-se, desde setembro de 1938, um nome polissêmico. A capital da Baviera alemã passou a evocar “apaziguamento” e, ainda, “traição”. No Brasil de hoje, Munique é Brasília, desde que o comando do Exército recusou-se a punir Eduardo Pazuello. Dependendo da conclusão do caso do coronel Aleksander Lacerda, logo será São Paulo.

No Rio de Janeiro, em 23 de maio, Bolsonaro pronunciou um discurso subversivo, em ato de rua. Ao seu lado, no palanque, estava Pazuello, que também discursou. Duas semanas depois, uma nota do Exército comunicou o arquivamento do processo administrativo instaurado contra o general da ativa.

Munique: Neville Chamberlain e Édouard Daladier entregaram os Sudetos a Adolf Hitler. Brasília: Paulo Sérgio de Oliveira jogou à lata de lixo o Regulamento Disciplinar do Exército que proíbe manifestações públicas políticas de militares de ativa.

“chavismo de direita” de Bolsonaro, na precisa expressão de Rodrigo Maia, subverte a ordem democrática na tentativa de dissolver a fronteira legal que separa os homens em armas da atividade política. O triunfo eleitoral, horizonte cada vez mais distante, sempre foi o plano B do presidente. Seu plano A é um golpe de Estado: a submissão do Judiciário e do Congresso ao “meu Exército”.

“meu Exército” bolsonarista não é o Exército brasileiro, mas uma milícia nucleada por militares amotinados. A agitação subversiva no interior das Forças Armadas ainda não ganhou tração, apesar do espaço aberto pelo apaziguamento do comandante do Exército. Nas polícias militares, porém, ergue-se um Partido Bolsonarista cujos contornos delineiam-se com nitidez às vésperas dos atos golpistas de 7 de Setembro.

Ascânio Seleme - O poder político é civil

O Globo

Ideia dos governadores de se reunirem com os chefes das três Forças Armadas para medir a temperatura das manifestações do dia 7 de setembro é oferecer poder político a quem por direito constitucional não o tem

Não se deve oferecer poder político a quem por direito constitucional não o tem. A ideia dos governadores de se reunirem com os chefes das três Forças Armadas para medir a temperatura e tratar das manifestações do dia 7 de setembro é exatamente isso, dar força e poder político aos militares. O Brasil não precisa disso numa hora como esta. Conversar com os chefes militares pode até ocorrer, mas informalmente e nunca de maneira concertada e coletiva. No caso, os militares têm um dever constitucional e a ele devem se ater. Se ocorrer um badernaço de policiais militares armados no dia 7, caberá às Forças Armadas intervir para manter a lei e a ordem, como manda a Constituição. E ponto.

Generais só devem ser ouvidos sobre questões militares ou que envolvam atividades fora das definições constitucionais em que as Forças Armadas possam ser empregadas. Se um governador precisar da ajuda do Exército para abrir uma estrada ou construir uma ponte, por exemplo. Ou se um ministro precisar do serviço da Aeronáutica para transportar vacinas para um local que não é servido por linhas aéreas comerciais. Conversar com militares sobre suas atribuições constitucionais é chover no molhado. Sabem o que o general Paulo Sérgio, comandante do Exército, responderia aos governadores se estes lhes perguntassem como agiria em caso de baderna no 7 de setembro? Que agiria de acordo com o que determina a Constituição.

Aliás, o general Paulo Sérgio disse esta semana que o Exército respeitará sempre seus limites constitucionais. Falou isso no discurso que fez no dia do soldado. Foi claro diante do presidente da República, que ouviu calado. Mesmo que Jair Bolsonaro tente dar um golpe (e vai tentar), não será no dia 7 de setembro deste ano. E no momento em que tentar, pelo que se ouviu no dia do soldado, será rechaçado pelo Exército. Poderá ter o apoio de policiais militares? Sim. Mas estes nada podem sozinhos, não são organizados nem disciplinados. Sua reputação é péssima em todas as unidades da federação, ao contrário das Forças Armadas, uma das instituições mais respeitadas do país.

Marcus Pestana* - Com a inflação não se brinca

Se não bastassem os graves efeitos da atual crise, um assunto volta a povoar as preocupações da sociedade brasileira: a inflação. Na história econômica do capitalismo brasileiro, a inflação alta é uma característica crônica. As novas gerações não vivenciaram na pele os efeitos de uma inflação alta, graças ao êxito do Plano Real, desencadeado em 1994, um dos mais engenhosos e bem sucedidos planos de combate à inflação de todo o mundo.

O Brasil conviveu com índices anuais de inflação de dois dígitos em todos os anos de 1954 a 1994, chegando em muitos deles a mais de 200%. O recorde foi em março de 1990 com um índice de 83,95% em um único mês. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), divulgou a revisão de sua projeção de inflação medida pelo IPCA para 2021 de 5,9% para 7,1%. Isto é muito superior ao centro da meta inflacionária de 3%. Seria um movimento episódico em função da pandemia ou uma tendência de perda de controle? É cedo para dizer, mas com inflação não se brinca.

Cláudio de Oliveira* - Três erros a evitar nos atos do dia 12/9

Para o próximo dia 12/9 estão convocados atos em todo país em defesa do Estado de Direito e contra as tentativas golpistas do presidente Jair Bolsonaro. Tais manifestações são organizadas e convocadas pelo Vem Pra Rua e pelo Movimento Brasil Livre, dois dos diversos movimentos cívicos surgidos especialmente a partir das manifestações de junho de 2013.

Ao meu ver, três equívocos deveriam ser evitados:

1 - Exclusivismo

O Vem Pra Rua e o Movimento Brasil Livre não devem ser exclusivistas, isto é, não deveriam pretender organizar sozinhos as manifestações e excluir um amplo leque de potenciais aliados na defesa da democracia. Outros importantes movimentos cívicos já deviam ter sido convidados para a coordenação dos atos e para a definição de bandeiras comuns. É o caso, por exemplo, de movimentos como Acredito, Livres, Agora, entre outros.

2 - Partidarização e instrumentalização eleitoral

Os protestos do dia 12/9 têm também o apoio do Novo, o partido que lançou João Amoêdo, candidato à presidência da República em 2018, e o PSL, partido que hoje majoritariamente está na oposição, apesar de ter sido a legenda pelo qual Bolsonaro se elegeu.

A participação dos partidos é positiva e necessária. Deveria ser ampliada por todos aqueles que defendem as instituições democráticas, independente do lugar que ocupam no espectro político.

O espírito dos protestos deveria ser o mesmo da frente ampla de 1965 que reuniu os partidários dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, João Goulart e representantes do PSB de João Mangabeira e do PCB de Luís Carlos Prestes.

Há 42 anos, Lei da Anistia preparou caminho para fim da ditadura

Fonte: Agência Senado

A Lei da Anistia completa, hoje, 42 anos. Quando assinou a histórica norma, em 28 de agosto de 1979, o presidente João Baptista Figueiredo concedeu o perdão aos perseguidos políticos (que a ditadura militar chamava de subversivos) e, dessa forma, pavimentou o caminho para a redemocratização do Brasil.

Foram anistiados tanto os que haviam pegado em armas contra o regime quanto os que simplesmente haviam feito críticas públicas aos militares. Graças à lei, exilados e banidos voltaram para o Brasil, clandestinos deixaram de se esconder da polícia, réus tiveram os processos nos tribunais militares anulados, presos foram libertados de presídios e delegacias.

O projeto que deu origem à Lei da Anistia foi redigido pela equipe do general Figueiredo. O Congresso Nacional o discutiu e aprovou em apenas três semanas.

Documentos de 1979 sob a guarda do Arquivo do Senado, em Brasília, mostram que os senadores e deputados da Arena (partido governista) ficaram satisfeitos com a anistia aprovada. O Congresso fez modificações na proposta original, mas nada que chegasse a descaracterizá-la.

— Repetidas vezes afirmou o presidente Figueiredo: “Lugar de brasileiro é no Brasil”. Com a anistia, aquela sentença deixou de ser uma frase para se transformar numa realidade palpitante — comemorou o senador Henrique de la Rocque (Arena-MA). — Maridos, pais, filhos, irmãos, noivos e entes queridos que se encontravam apartados do convívio familiar passaram a ter a oportunidade de retornar aos seus lares e reinaugurar as suas vidas, sem lugar para ódio e desejo de vindita [vingança]. A anistia é o bálsamo que cicatriza feridas.

— Com suas mãos estendidas no sentido da pacificação, o senhor presidente da República demonstrou a sua formação cívica e espiritual e praticou um gesto de grandeza e coragem. Ninguém em sã consciência poderá negar que a autoridade principal do país agiu com obstinação para atender aos anseios da população brasileira — discursou o senador Milton Brandão (Arena-PI).

Os mesmos papéis históricos do Arquivo do Senado indicam, contudo, que a Lei da Anistia não foi tão benevolente quanto os congressistas da Arena quiseram fazer crer. Na avaliação dos perseguidos políticos, de organizações civis e religiosas e dos parlamentares do MDB (único partido de oposição), o projeto aprovado tinha dois problemas graves.

O primeiro era que a anistia era restritiva. A lei negava o perdão aos “terroristas” que tivessem sido condenados de forma definitiva. Eles não poderiam sair da cadeia. Eram qualificados como terroristas os que, em ataque ao regime, haviam sido condenados por crimes como homicídio e sequestro. Contraditoriamente, aqueles que respondessem a processos iguais, mas ainda com possibilidade de apelar a tribunais superiores, ganhariam a anistia.

Durante as discussões do projeto no Congresso, os parlamentares do MDB apresentaram inúmeras emendas para derrubar essa exclusão e garantir uma anistia “ampla, geral e irrestrita”, conforme o slogan que se popularizou na época.

— Trata-se de uma discriminação odiosa e injustificada, uma aberração jurídica — criticou o deputado Alceu Collares (MDB-RS). — Quem enfrentou a justiça excepcional, foi condenado à prisão de 20, 30, 40 ou mais anos e encontra-se cumprindo a sua pena não é anistiado, enquanto quem conseguiu escapar do processo, tendo praticado o mesmo delito, será contemplado com os benefícios da anistia. É uma injustiça para os condenados.

— Anistia é esquecimento, olvido perpétuo. É medida de oportunidade política para começar, com os espíritos desarmados, uma nova marcha para o futuro. Para isso, é preciso a reintegração de todos na vida pública, sem exceção — acrescentou o deputado Marcos Freire (MDB-PE).

— Não há razão para excluir os condenados por terrorismo. Tiradentes era terrorista e subversivo. Hoje, é herói — comparou o deputado José Frejat (MDB-RJ).

Um grupo de deputados do MDB, tentando retirar a exclusão, apelou aos sentimentos familiares do general Figueiredo. Na justificativa de uma emenda coletiva, lembraram que o pai dele, após lutar na Revolução Constitucionalista de 1932, foi anistiado pelo presidente Getúlio Vargas em 1934.

Figueiredo apresentou sua razão para não perdoar os terroristas condenados. Segundo o presidente, o crime deles não era “estritamente político”, mas sim “contra a humanidade, repelido pela comunidade universal”. Quanto aos terroristas ainda apenas processados, que teriam direito ao perdão, ele escreveu numa mensagem remetida ao Congresso:

“O projeto paralisa os processos em curso até dos que, a rigor, não estão a merecer o benefício. Ao fazê-lo, o governo tem em vista evitar que se prolonguem processos que, com certeza e por muito tempo, vão traumatizar a sociedade com o conhecimento de eventos que devem ser sepultados em nome da paz”.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

A estupidez e suas consequências

O Estado de S. Paulo

O fracasso deste governo não é causado por fatores exógenos. Não há ruídos, não há interferências, não há surpresas. É Jair Bolsonaro sendo Jair Bolsonaro

Jair Bolsonaro foi eleito com a promessa de acabar com a corrupção, promover uma profunda transformação liberal do Estado brasileiro e dar um novo dinamismo à economia. Sua eleição instalaria – este era o discurso eleitoral – um novo patamar de moralidade pública, eficiência estatal, produtividade e respeito ao cidadão.

Decorridos dois anos e meio de governo, é evidente que Jair Bolsonaro não realizou nada disso. E não há o menor sinal de que, até o final do mandato, cumprirá alguma promessa feita em 2018.

Segundo o bolsonarismo, Jair Bolsonaro falhou no cumprimento de suas promessas por culpa dos outros. O Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os governadores e os prefeitos não deixaram que ele realizasse suas propostas. No conto bolsonarista, Jair Bolsonaro é o presidente da República que mais sofreu resistência na história e, por isso, não consegue entregar o que prometeu.

Muito difundido nas redes sociais, tal discurso não tem respaldo nos fatos. Jair Bolsonaro não realizou nada do que prometeu em razão de sua própria conduta. Foi ele que impediu e continua a impedir qualquer melhoria possível. Os últimos dias explicitaram, uma vez mais, a verdadeira identidade deste governo. Com uma turma dessa estatura moral e cívica, é impossível promover o desenvolvimento social e econômico do País.