domingo, 29 de agosto de 2021

Paulo Fábio Dantas Neto* - História de antolhos (ou como violar monumentos desafiando o perigo fascista)

Chegou-me, pela mão certeira de um aluno, um ensaio de Ortega Y Gasset, escrito há mais de cem anos (“Espanha invertebrada”, 1917), sobre a decadência de sua nação e publicado pelo Estadão/Estado da Arte, em 25.08.2021. O filósofo espanhol reconhece, metaforicamente, no surgimento, então recente, do que hoje chamamos de cinema, uma possibilidade nova de compreensão de um drama de séculos, o qual permaneceria opaco se visto sob os limites de fotografias isoladas de cada ato desse drama.

No mesmo dia, na imprensa e em redes sociais, publicou-se imagens fotográficas da queima, no Rio de Janeiro, de uma estátua de Pedro Álvares Cabral, protagonista da narrativa fundacionista do Brasil historiograficamente consagrada e, por isso mesmo, contestada por um revisionismo histórico proposto por correntes acadêmicas e ativistas de movimentos políticos. A fidelidade jornalística ao registro do fato vincula-o a um protesto em defesa de populações indígenas (ou de “povos originários”, conceito histórico-político amplamente aceito hoje, para nomeá-las e legitimar a causa) e contra o estabelecimento de um marco temporal que reinterpreta e redefine seus direitos constitucionais, discussão ora em curso no Judiciário e no Legislativo brasileiros.

A fotografia do acontecimento carioca e do conflito conjuntural a que se vincula é, como na metáfora de Gasset sobre a derrocada de sua Espanha, insuficiente para a plena compreensão do processo em que o fato se insere. Estamos - assim como se estava na Espanha a duas décadas de uma guerra civil - diante de um script cinematográfico. Processo contínuo, que se não for refratado, pedirá um Picasso vindouro para pintar, como aviso aos pósteros a essa quadra perigosa que vivemos, o quadro agonístico das Guernicas que gestos insólitos como aquele preparam. Com isso quero dizer que não é do conflito de interesses e valores entre agronegócio e povos originários que tratarei aqui. Sem desqualificar sua importância para a pauta política e social do presente, evitarei conferir-lhe a centralidade fotográfica que lhe atribui a gramática polarizadora em voga. Peço passagem para outra pauta, que é coisa de cinema.

Quero discutir as depredações como tema político em si, autônomo (embora não alheio), face a causas econômicas e sociais. E não se trata de questionar apenas o fogo como meio, mas os fins desse gesto iconoclasta. A discussão, conforme a sinto, é sobre se estamos dispostos a deixar que nossa História seja incinerada sem levantar nossa voz contra isso.

Muitas das críticas pontuais à violência como método costumam ser apenas céticas quanto às possibilidades de que ela, a violência, atinja, no caso, o objetivo supostamente nobre ao qual, também supostamente, esse ativismo se dedica, isto é, o de revogar a história “escrita pelos opressores” e reescrevê-la “sob a ótica dos oprimidos”.  Acho preciso falar contra isso, sem meias palavras e logo, antes que a extrema direita, espertamente, o faça.

Luiz Carlos Azedo - O braço armado de Bolsonaro

Correio Braziliense / Estado de Minas

No establishment econômico, institucional e até mesmo militar, porém, a grande interrogação é se chegaremos às eleições de 2022 com Bolsonaro no poder”

O imponderável da democracia brasileira, com eleições limpas e apuração instantânea, é o voto popular. Vem daí o medo que Jair Bolsonaro sente das urnas eletrônicas, porque sua reeleição subiu no telhado, em razão de o país estar à matroca — com inflação em alta, desemprego em massa, crise sanitária e risco de apagão. Por isso, ameaça tumultuar as eleições de 2022. O presidente da República teme não se reeleger, desde que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva despontou como favorito nas pesquisas de opinião, mesmo sabendo que ninguém ganha eleição de véspera. Outros postulantes querem romper essa polarização: João Doria (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Henrique Mandetta (DEM), quiçá Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, e Sérgio Moro, o ex-juiz que não se assume como candidato e continua pontuando nas pesquisas. Nas simulações de segundo turno, Bolsonaro perderia para todos. Obviamente, esse cenário ameaça até sua presença no segundo turno.

Pressionado psicologicamente, diante do próprio fracasso político-administrativo, a 14 meses das eleições, Bolsonaro aposta na polarização ideológica e na radicalização política extrema. Busca um atalho para se manter no poder. Apoiado por partidários fanatizados, escala um confronto com o Supremo Tribunal Federal (STF) e trabalha para melar as eleições, ao levantar suspeitas sobre a integridade do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na condução do pleito. Tenta intimidar a oposição, a imprensa e os ministros do Supremo, e arrastar as Forças Armadas para uma aventura golpista. Não obteve sucesso até agora. Quer transformar o Sete de Setembro, no qual pretende realizar duas grandes manifestações, uma em Brasília e outra em São Paulo, numa demonstração de que pode resolver no braço o que não consegue pelo convencimento, como fazem os valentões.

Ricardo Lewandowski* - Intervenção armada: crime inafiançável e imprescritível

Folha de S. Paulo

Preço a pagar por atravessar o Rubicão pode ser alto

Na Roma antiga existia uma lei segundo a qual nenhum general poderia atravessar, acompanhado das respectivas tropas, o rio Rubicão, que demarcava ao norte a fronteira com a província da Gália, hoje correspondente aos territórios da França, Bélgica, Suíça e de partes da Alemanha e da Itália.

Em 49 a.C., o general romano Júlio César, após derrotar uma encarniçada rebelião de tribos gaulesas chefiadas pelo lendário guerreiro Vercingetórix, ao término de demorada campanha transpôs o referido curso d’água à frente das legiões que comandava, pronunciando a célebre frase: “A sorte está lançada”.

A ousadia do gesto pegou seus concidadãos de surpresa, permitindo que Júlio César empalmasse o poder político, instaurando uma ditadura. Cerca de cinco anos depois, foi assassinado a punhaladas por adversários políticos, dentre os quais seu filho adotivo Marco Júnio Bruto, numa cena imortalizada pelo dramaturgo inglês William Shakespeare.

O episódio revela, com exemplar didatismo, que as distintas civilizações sempre adotaram, com maior ou menor sucesso, regras preventivas para impedir a usurpação do poder legítimo pela força, apontando para as severas consequências às quais se sujeitam os transgressores.

Eliane Cantanhêde - Fuzil ou feijão?

O Estado de S. Paulo

Vitória ou morte! O grito de Bolsonaro é para jogar o País numa guerra inútil e insana

O presidente Jair Bolsonaro quer botar o povo na rua no Sete de Setembro com a fake news de que é “impedido de governar” pelo Supremo e o Congresso, materializando seu sonho infantil e doentio de estar em guerra: “Tenho três alternativas: estar preso, ser morto ou a vitória”. Ninguém ameaça matar Bolsonaro, ele é que tem obsessão em fuzis e sua tropa é que ataca os outros. Logo, o presidente precisa, urgentemente, de um médico.

Bem, é verdade que ele não governa, mas o STF, a Câmara e o Senado não têm nada a ver com isso. O problema é dele, que não tem talento, vontade, experiência e o mínimo de bagagem e equilíbrio para administrar o País. Só sabe fazer campanha e enganar os bobos.

Bolsonaro está sendo impedido de fazer o quê? Se o Congresso atrapalhou algo, foi a sua sanha por mais fuzil e menos feijão e ele teve de trocar projetos de lei armamentistas por decretos, que têm mais autonomia em relação ao Legislativo. E, se o Supremo impediu algo, foi quando Bolsonaro quis transformar igrejas, academias e cabeleireiros em “serviços essenciais”, com objetivo claro de matar o isolamento social – o que pode matar pessoas.

Deve-se ao STF, aliás, a exigência de um Plano Nacional de Imunização contra a covid, quando o governo guerreava contra Coronavac, Pfizer e o consórcio da OMS, apostando que a vacina seria a imunidade de rebanho (Bolsonaro acha até hoje).

Merval Pereira - As coxas de Lula

O Globo

Uma foto do ex-presidente Lula com sua noiva Janja, à luz do luar na praia do Pico no Ceará, bombou nas redes sociais. Um procedimento usual dos frequentadores do Instagram - ou Insta, na intimidade -, publicar seus momentos felizes, tornou-se um fenômeno político. As coxas saradas de Lula transformaram-se em objeto de desejo de homens, e principalmente, de mulheres.

Muitos elogios à sua forma física, alguma desconfiança: “Será que é montagem?”. O efeito belíssimo da lua ao fundo do casal não saiu de um iPhone qualquer, como acontece com os comuns dos mortais. Saiu da lente de Ricardo Stuckert, o excelente fotógrafo oficial de Lula, membro de uma dinastia que começou com Roberto Stuckert, o “Stukão”, que morreu dias atrás.

A partir daí começa a história política da foto. Lula estava hospedado na casa da família do governador do Ceará, Camilo Santana. Policiais cercaram o local para garantir a intimidade do casal. Como era uma bela noite na praia cearense, normalmente o casal estaria sozinho, e a selfie seria bonita, mas nem tanto. Ou algum funcionário da casa poderia ter sido convocado para fazer a foto.

Mas Ricardo Stuckert estava lá, como está sempre há anos, acompanhando Lula. Mas o que estaria fazendo naquele momento de intimidade o fotógrafo oficial de Lula ? Política, claro, para divulgar a boa forma física do ex-presidente, que aparecera em fotos anteriores com a fisionomia carregada, a cabeça branca.

Bernardo Mello Franco - Mais fuzis, menos feijão

O Globo

Jair Bolsonaro tem um dom inegável: produz slogans contra seu próprio governo melhor que qualquer político da oposição. Na sexta-feira, o presidente defendeu que os brasileiros se armem com fuzis.

“Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado”, disse. “Eu sei que custa caro. Tem um idiota: ‘Ah, tem que comprar é feijão’. Cara, se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar”, acrescentou.

O capitão estava no curralzinho do Alvorada. Em 25 minutos de monólogo, chamou um adversário de “gordo”, outro de “calcinha apertada”, o terceiro de “canalha” e o quarto de “bandido”. A cada insulto, colheu aplausos e gritos de “Mito”. Sem máscara, ele voltou a desdenhar a pandemia, que já matou 578 mil brasileiros. “Lamento. Acontece. A vida é essa”, comentou.

Bolsonaro deixará um país com mais fuzis e menos feijão. Em 2020, praticamente dobrou o número de armas registradas na Polícia Federal. Foram 186 mil, um aumento de 97,1% em relação ao ano anterior. O governo também facilitou o acesso a armas de alto poder ofensivo. Caso dos fuzis semiautomáticos, cujo uso era restrito às forças de segurança.

Míriam Leitão - O governo é incompetente

O Globo

A inflação beira os dois dígitos, o desemprego e o desalento deixam de fora do mercado de trabalho 20 milhões de brasileiros, a miséria está aumentando, a educação foi entregue a três ministros sem os atributos mínimos para estar no cargo, a Saúde elevou o número de mortes na pandemia pela mistura perigosa de negacionismo e picaretagem, a crise hídrica se agravou por falta de planejamento e o preço da energia está explodindo. O presidente briga, ofende, ameaça, exatamente por isso. Tenta esconder o desempenho desastroso do seu governo.

Se fosse só incompetente, o governo Bolsonaro já seria um enorme problema, mas ele ainda provoca crises e quer tocar o terror, como o estímulo a que pessoas tenham fuzil. É importante entender que há uma conexão entre uma coisa e outra. Seu governo vai mal em inúmeras áreas, o país perdeu prestígio internacional, desperdiçou oportunidades, aumentou o desmatamento, aprofundou o fosso social, deixará um terrível legado. O presidente atormenta o país para que a discussão seja sobre os seus absurdos e não um debate de mérito sobre o seu governo.

Um erro primário do Ministério da Economia tem sido a incapacidade de ver as tendências. O ministro subestima a inflação, e ela está num patamar perigoso. Desde o começo da pandemia, o Ministério errou nas previsões. Guedes achava que o Brasil seria pouco atingido e depois apostou que a pandemia terminaria no fim do ano passado. Com erros grosseiros de avaliação o governo agiu atrasado e elevou o custo da crise. Na economia, é fundamental fazer previsões, do contrário, o gestor sempre achará que está sendo bombardeado por meteoros.

Dorrit Harazim - O meio e o fim

O Globo

O poder do terrorismo reside em fazer crer que é capaz de tudo, até do inimaginável. Não tem pátria nem precisa de conquistas territoriais para ser vitorioso. O ato terrorista é, simultaneamente, um meio e um fim em si, a exceção e o exemplo, a propaganda e o produto. Como o propósito de um atentado não é derrotar o inimigo, e sim humilhá-lo, desnorteá-lo, suas vítimas ideais são civis anônimos explosíveis a granel. O único imperativo, senão o mais relevante, é que a carnificina seja extremada.

Bastaram dois terroristas suicidas envoltos em explosivos para que o grupo Estado Islâmico-K (EI-K) transformasse um dos acessos ao aeroporto de Cabul em matadouro — pelo menos 170 civis afegãos em fuga e 13 fuzileiros navais dos EUA viraram carne humana. De nada adiantou o trabalho de inteligência que alertara sobre a iminência de uma ação desse tipo. Em meio à massa humana de desesperados, nem a maior potência militar foi capaz de impedir indivíduos radicalizados de querer matar e morrer. Essa é a força do terror.

Elio Gaspari - A briga pueril de Queiroga

Folha de S. Paulo / O Globo

Ministro da Saúde condenou o que chama de 'demagogia vacinal' praticando obscurantismo oral em torno da dose de reforço de imunizantes contra Covid-19

Aos 55 anos, o doutor Marcelo Queiroga meteu-se numa briga pueril com o governador paulista João Doria. Ambos correram para anunciar o início da aplicação da terceira dose das vacinas contra a Covid. É o jogo jogado, caçam-se imunizantes para o bem de todos e felicidade geral da nação. Nada a ver com Bolsonaro dizendo a um repórter para ir buscar vacina “na casa da tua mãe”.

Aborrecido porque Doria anunciou que ofereceria a terceira dose a partir do próximo dia 6, Queiroga deu-se a um lance de terrorismo sanitário: “Se cada um quiser criar um regime próprio, o Ministério da Saúde, lamentavelmente, não terá condição de entregar vacinas. Temos que nos unir aqui para falar a mesma língua. Se for diferente, vai faltar dose mesmo (...) Juiz não vai assegurar dose que não existe”.

A diferença entre a promessa de Doria e a do Ministério da Saúde é de apenas nove dias. O que Queiroga disputa é a primazia. Para isso, não precisava ameaçar. Até porque Doria oferece as vacinas que contratou e Bolsonaro desdenhou. Ademais, no dia seguinte ao destempero do doutor Queiroga, a repórter Patrícia Campos Mello expôs o vexame que a administração do general Eduardo Pazuello produziu em janeiro, correndo contra o relógio para trazer vacinas federais antes que Doria começasse seu programa em São Paulo. Torraram US$ 500 mil com o frete de um avião para ir à Índia buscar uma encomenda que não estava disponível. Querendo atrapalhar a vacinação de Doria com o gogó, Queiroga seguiu o estilo patético de Bolsonaro, quando disse que o imunizante chinês não seria comprado, e do coronel da reserva Elcio Franco, que acusou o governador de sonhar acordado prometendo vacinação para janeiro. (Ele cumpriu.)

Bruno Boghossian - O PT e a direita

Folha de S. Paulo

Aproximação com ex-opositores vira arma em ambiente de radicalização promovido por Bolsonaro

A derrota em 2018 e a radicalização de Jair Bolsonaro provocaram um ajuste na filosofia de alianças do PT. Embora o próprio ex-presidente Lula rejeite abrir mão de bandeiras tradicionais, como a regulação da mídia, alguns dirigentes insistem que uma aproximação com grupos fora da esquerda será determinante para vencer a eleição e até para governar.

Parte do movimento ocorre às claras, com divulgação oficial, como nos recentes encontros de Lula com os tucanos FHC e Tasso Jereissati. Para os petistas, esses gestos são um passo para reduzir a rejeição do que chamam de "elites" à candidatura do ex-presidente, abrindo a porta para atrair uma direita não bolsonarista.

Vinicius Torres Freire - Bolsonarismo muito além de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Presidente pode empatar jogo no 7 de Setembro, mas ideais destrutivos seguem vencendo

pororoca do 7 de Setembro bolsonarista talvez sirva para Jair Bolsonaro mostrar que uma tentativa de impeachment ou de torná-lo inelegível de outro modo teriam custos, como tumultos nas ruas ou motins militares; de resto, quer manter viva a chama infernal de sua seita. Isto é, a depender do tamanho das manifestações, Bolsonaro poderia em tese tentar garantir o empate em um jogo que, na verdade, já vinha empatado: mesmo agora, ninguém com poder quer derrubá-lo.

E depois?

O comportamento ultrajante, a mentira lunática, o golpeamento institucional e a destruição do “sistema” são o projeto de Bolsonaro. Em que nível de estridência vai manter seu programa? Quais medidas terão de ser adotadas para conter seus próximos avanços, por arranjos e processos devidos na Justiça, a única oposição de fato? Sem confronto, não há solução.

No mundo real, Bolsonaro tem problemas que não podem ser contidos por meio de desvario obscurantista.

Há o risco real de racionamento de eletricidade. A inflação e seu controle (juros) vão ter efeitos persistentes sobre os rendimentos de pelo menos metade da população. Mesmo que o IPCA caia da casa dos 8% para a dos 4% no ano que vem, não haverá trabalho ou alta do rendimento que compensem o que se perdeu com a carestia. O empobrecimento dos mais pobres será duradouro.

Entrevista | Tasso Jereissati: ‘Pode ter só um nome contra Doria nas prévias’

Senador admite a possibilidade de uma aliança com Eduardo Leite e Arthur Virgílio na disputa interna do PSDB

Eduardo Kattah e Pedro Venceslau / O Estado de S. Paulo

O senador Tasso Jereissati (CE) admitiu em entrevista ao Estadão que pode formar uma frente com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, e com o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio para enfrentar o governador de São Paulo, João Doria, nas prévias presidenciais do PSDB marcadas para 21 de novembro. Ex-presidente do partido, Tasso reconheceu que o paulista é o favorito na disputa interna. 

De volta ao Senado de forma presencial, o tucano, que já tomou as duas doses da vacina contra a covid, também avaliou o cenário econômico como “péssimo sob todos os aspectos” e disse que a elite financeira e empresarial do País “demorou muito” para reagir ao presidente Jair Bolsonaro. “Estamos vivendo a tempestade mais que perfeita. É lastimável, mas tudo isso poderia ter sido evitado”, declarou. 

João Doria disse no programa Roda Viva que o sr. havia desistido das prévias do PSDB. Depois disso, Eduardo Leite afirmou que o sr. e ele estarão juntos na eleição interna. O sr. fechou uma aliança com Leite? 

Soube com um certo espanto e, em um primeiro momento, sem acreditar que o governador Doria afirmou que eu tinha desistido. Fiquei realmente surpreso. Nunca disse isso para ninguém ou conversei com o próprio Doria. Tenho uma afinidade muito grande com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, e com o Arthur Virgílio, do Amazonas. Estamos fazendo um esforço muito grande para termos uma candidatura só nas prévias que possa competir com o Doria. Evidentemente que Doria, como governador de São Paulo, onde o partido é maior, leva vantagem. Ele polariza dentro do partido. Para haver uma competição justa no PSDB, fazer alianças é importante. A probabilidade de uma aliança com Eduardo Leite e Arthur é grande. Estamos avaliando qual será a melhor alternativa, sem nenhum tipo de projeto pessoal, qual dessas candidaturas pode agregar mais os outros partidos de centro. 

Então no ato da inscrição das prévias é provável que seja apresentado apenas um nome?

É possível.

O sr. não está viajando e fazendo uma campanha ostensiva nas prévias. Sua candidatura é para valer ou está marcando posição?

Minha posição ajuda a fazer esse trabalho de agregar. Meu nome está colocado de uma maneira descontraída, sem que isso seja um projeto pessoal.

Entrevista | Rodrigo Pacheco: 'Não admitiremos qualquer retrocesso'

Chefe do Congresso defende respeito às manifestações, mas diz que anseio por ruptura há de ser coibido, e revela contato com Forças Armadas

Julia Lindner, Paulo Cappelli e Thiago Bronzatto / O Globo

BRASÍLIA - O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), cancelou a participação em um evento em Viena, na Áustria, para monitorar em Brasília as manifestações de 7 de setembro, insufladas pelo presidente Jair Bolsonaro. Caso seja necessário, ele vai se pronunciar em defesa das instituições, em uma prática que já virou rotina. Pacheco, que na semana passada arquivou um pedido de impeachment apresentado pelo chefe do Executivo contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), também virou alvo de críticas, mas prefere não apresentar resposta.

Em entrevista ao GLOBO, ele afirma que não admitirá qualquer retrocesso no sistema democrático e acrescenta que esse também será o papel das Forças Armadas, com as quais tem mantido contato.

O senhor disse que a rejeição do pedido de impeachment do ministro do STF Alexandre de Moraes seria um “marco do restabelecimento da relação entre os Poderes”. No dia seguinte, Bolsonaro criticou a sua decisão e atacou Moraes. Como será possível retomar a harmonia?

São duas situações. Primeiro, a crítica do presidente da República à decisão de arquivamento do processo de impeachment é natural. Ele teve uma pretensão resistida e indeferida. A segunda parte, que é a manutenção de críticas muito ostensivas à Suprema Corte e aos seus integrantes, realmente não contribuem. Isso dificulta o processo de pacificação institucional que buscamos.

Acha que está isolado ao insistir em uma nova reunião entre os Poderes?

Não. Tenho absoluta certeza de que o pensamento do deputado Arthur Lira (presidente da Câmara) é o mesmo, de apaziguar. Sei também da disposição do ministro Luiz Fux (presidente do STF) de fazer o mesmo. Há uma comunhão de vontades nesse sentido.

Por que não citou o presidente Bolsonaro entre as autoridades dispostas ao diálogo?

O presidente Bolsonaro tem falado e agido no sentido de afirmar suas próprias convicções. Espero que ele possa contribuir para esse processo de pacificação, porque há inimigos batendo à nossa porta, que não somos nós mesmos, mas a inflação, o aumento do dólar, o desemprego, o aumento da taxa de juros e a crise hídrica e energética, que pode ser avassaladora. É importante que tenhamos um freio naquilo que não interessa para cuidar do que importa ao Brasil.

Quando falou com o presidente pela última vez?

Estive com ele (Bolsonaro) muito rapidamente no Dia do Soldado, em um evento no Exército. Falei com ele na véspera do dia do desfile das viaturas e dos tanques. Pessoalmente, foi um pouco antes disso. Então, já há algum tempo que não sentamos à mesa para tratar dos problemas do país. Acho até que isso precisa acontecer mais rapidamente.

O senhor teme que as manifestações de 7 de setembro saiam do controle?

Manifestações são próprias da democracia. Temos que respeitá-las, mas manifestações que tenham como objetivo retroceder a democracia, pretender intervenção militar ou a ruptura institucional ferindo a Constituição devem ser repelidas no campo das ideias.

Entrevista | Gilberto Kassab: “Ninguém aguenta mais”

O presidente do PSD tenta conquistar governos estaduais para a sigla, aposta na terceira via e diz ser triste um país onde poucos levam a sério o presidente

Por João Pedroso de Campos / Revista Veja

Um experiente parlamentar costuma brincar que, em meio a uma confusão generalizada provocada por uma catástrofe nuclear, procuraria Gilberto Kassab para saber o que fazer. Atual presidente do PSD, ele já ocupou cargos como o de prefeito de São Paulo e de ministro de Dilma Rousseff e Michel Temer. Não perdeu o prestígio de “oráculo” político mesmo depois de ter sido atingido por suspeitas de corrupção (responde no momento a um processo por corrupção passiva, lavagem de dinheiro, caixa dois eleitoral e associação criminosa, denúncias negadas por ele). Respeitado pela sua habilidade nos bastidores, prepara uma mudança de patamar do seu PSD: a sigla deve ter candidatos próprios e bastante competitivos em alguns dos maiores colégios eleitorais do país, e flerta com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, hoje no DEM, para uma inédita candidatura presidencial. Segundo Kassab, há espaço para um nome de centro romper a polarização entre Lula e Bolsonaro. Nos últimos tempos, aliás, tem subido o tom das críticas ao capitão e enxerga nele sinais preocupantes de quem deseja um golpe.

Políticos da esquerda à direita costumam se referir ao senhor como “oráculo”. Previa lá atrás que o governo atual teria tantos problemas? 

Estou acostumado a conviver com resultados que não corresponderam à expectativa. Hoje, mais do que nunca, estou convencido de que a vitória do Geraldo Alckmin teria sido melhor para o Brasil em 2018. A eleição de Bolsonaro não foi boa para o país. Essa é a razão de eu estar entre aqueles que procuram hoje alternativas. Vejo com muita preocupação a continuidade de um governo que tem uma série de problemas e que em nada tem ajudado.

O senhor se surpreendeu com o comportamento de Bolsonaro no governo? 

Eu tinha certeza de que ele teria dificuldades para ser presidente. Convivi com Bolsonaro como deputado federal em dois mandatos e não enxerguei qualidades que o credenciassem a ser presidente. Ser candidato e ganhar as eleições não é tudo. Aprendi que o importante não é apenas ganhar as eleições. Se é para ganhar com um projeto ruim, é melhor perder, porque isso vai trazer um desgaste talvez irreversível à sua carreira, e do ponto de vista de políticas públicas a um município, um estado, um país, o resultado será também muito danoso.

Na mais recente crise entre o presidente e o STF, Bolsonaro pediu o impeachment do ministro Alexandre de Moraes. O que achou desse gesto? 

Bolsonaro errou. A tensão no país está sendo criada pelo presidente, e não pelo STF, que tem se manifestado adequadamente. Felizmente, o presidente do Senado rejeitou esse pedido de impeachment. É um absurdo vindo do presidente, porque ele sabe que quem está acirrando os ânimos, provocando tensão, é ele, procurando, intencionalmente ou não, gerar confusão no processo eleitoral. Isso é lastimável para alguém que foi eleito democraticamente por esse sistema de votos. Convivi com a época da apuração em cédulas de papel. Aquele sistema, sim, possibilitava fraudes.

Entrevista | Eduardo Giannetti: ‘Paulo Guedes se desmoralizou por completo’

Para economista, ministro não tem ‘firmeza’ para resistir ao ‘impulso populista’ do presidente Jair Bolsonaro

Luciana Dyniewicz / O Estado de S. Paulo

 Paulo Guedes já se desmoralizou por completo e vai se desmoralizar ainda mais se continuar (atuando do modo atual)”, avalia Eduardo Giannetti. Segundo o economista, a presença de Guedes no governo não garante mais uma condução parcimoniosa da política fiscal. “Parece que o apego dele ao cargo é bem maior do que se imaginava e ele não teria grande restrição ou mesmo firmeza para resistir aos impulsos populistas do presidente.”

Giannetti destaca que não há “nenhuma perspectiva” de um crescimento econômico robusto no ano que vem, dado que as reformas prometidas por Guedes não foram feitas e o clima de incerteza política promovido pelo presidente Jair Bolsonaro afasta o investidor. 

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Houve uma mudança no humor do mercado neste mês. Isso se deve a fatores internos ou o cenário global também dificulta?

Predominantemente à deterioração da situação doméstica. Já está bastante claro que o governo não tem proposta sequer para as reformas tributária e administrativa. Quase não há mais perspectiva de que alguma coisa relevante aconteça. Estamos com um cenário de inflação preocupante, que tem obrigado o Banco Central a conduzir um aperto da política monetária. Isso vai frear o nível de atividade no ano que vem. Por fim, há uma ameaça cada vez mais concreta de uma guinada populista fiscal por parte do governo Jair Bolsonaro, à medida que ele fica acuado e que os hormônios eleitorais começam a funcionar de maneira mais exacerbada.

Como avalia a atuação do ministro Paulo Guedes diante desse cenário?

A presença do Paulo Guedes no Ministério da Economia, que até pouco tempo atrás parecia uma salvaguarda em relação a uma aventura fiscal, já não dá mais essa confiança. Parece que o apego dele ao cargo é bem maior do que se imaginava e ele não teria grande restrição ou mesmo firmeza para resistir – como aliás não tem resistido – aos impulsos populistas do presidente. As atitudes do presidente, aliás, não são novidade nenhuma, porque ele está mostrando o que sempre foi. Só quem acreditou nele foi o ministro quando aceitou entrar nessa aventura. Na época da campanha, eu dizia que os economistas podem ser mais ingênuos sobre a política do que os políticos são ingênuos sobre a economia. E isso o tempo está confirmando.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Conto do vigário

O Estado de S. Paulo

“Uma CPI se sabe como começa, mas não como termina.” O dito corriqueiro em Brasília, normalmente associado a grandes esquemas de corrupção que podem detonar crises institucionais, quedas de ministros ou mesmo de governos, ganhou uma nova configuração na CPI da Covid. Sem prejuízo dessas consequências, à medida que a investigação adentra os corredores, claustros e meandros do Ministério da Saúde, vêm à tona indícios não de sistemas sofisticados de desvio de dinheiro público, tráfego de influência e lavagem de dinheiro, mas o seu simulacro mais desclassificado, que não pode ser qualificado senão com termos emprestados à linguagem popular: trambique, mutreta, picaretagem, tramoia.

Desde que foi instalada, sabia-se que a CPI teria de revolver a mixórdia das poucas ações e muitas omissões da gestão federal. Os fatos eram públicos e notórios: promoção de tratamentos não comprovados, minimização da periculosidade do vírus, sabotagem de medidas sanitárias, negligência na compra de medicamentos e vacinas.

A CPI escancarou um “gabinete paralelo” formado por médicos sem experiência em gestão, virologia ou epidemiologia, além de empresários e outros palpiteiros, que influenciaram a queda de dois ministros e a distribuição de medicamentos ineficazes. Também evidenciou o descaso na compra de vacinas da Pfizer e da Coronavac, que retardou o início da imunização, causando a perda de milhares de vidas.

No meio do caminho, descobriu-se que o governo não estava propriamente negociando vacinas. Na verdade, negociava intensamente. Mas não com as multinacionais farmacêuticas, e sim com “intermediários” atuando junto a “facilitadores políticos” em troca de “comissionamentos”. São alguns dos eufemismos empregados por representantes de empresas obscuras como a Precisa Medicamentos ou a Belcher Farmacêutica para explicar suas ofertas de imunizantes superfaturados ao Ministério. Agora, surgiu mais uma figura, a do “fiador” de vacinas.