domingo, 5 de setembro de 2021

Merval Pereira - Mourão, terceira via?

O Globo

O presidente Bolsonaro acrescentou nos últimos dias mais uma preocupação às suas desditas. Além do receio de que um dos seus filhos, ou alguns deles, sejam presos em decorrência dos inquéritos abertos no Supremo Tribunal Federal (STF) devido aos desvios de dinheiro público (peculato) com as “rachadinhas” dos salários de servidores nos seus gabinetes parlamentares, ele teme que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o torne inelegível para a eleição do ano que vem.

Não é por acaso que escolheu como alvos preferenciais os ministros Alexandre de Moraes e Luis Roberto Barroso. Este é no momento presidente do TSE, o outro o será durante a eleição presidencial. No Supremo, Bolsonaro acha que está resguardado, pois uma eventual punição depende de denúncia do Procurador-Geral da República, e não há indicação de que a renovação de seu mandato o tornou mais independente.

Ao contrário, como quer ir para o Supremo, Augusto Aras depende da reeleição de Bolsonaro. A próxima vaga será em maio de 2023, com a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski, e em outubro do mesmo ano, com a saída da ministra Rosa Weber. Mesmo que, como tudo indica, o escolhido André Mendonça não venha a ser confirmado agora pelo Senado na vaga do ministro Marco Aurélio Mello, dificilmente Bolsonaro abrirá mão do apoio certo de Aras ao duvidoso de um novo Procurador-Geral.

A possibilidade de cassação da chapa Bolsonaro/Mourão pelo TSE é bastante difícil, depois que o tribunal deixou de cassar a chapa Dilma/Temer por “excesso de provas”. Mas há também hoje “excesso de provas” contra a campanha de Bolsonaro, por abuso do poder econômico. Se por alguma manobra política/jurídica chegar-se ao ponto de um consenso em torno do afastamento de Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão assumiria a presidência sem nenhum problema, segundo avaliação de militares, e poderia se candidatar à reeleição em 2022.

Bernardo Mello Franco - O ensaio do golpe

O Globo

O Exército cancelou a parada anual, mas o capitão vai usar o 7 de Setembro para botar sua tropa na rua. Jair Bolsonaro aposta tudo nas manifestações convocadas para Brasília e São Paulo. Quer emparedar o Congresso e o Supremo, num ensaio do golpe que planeja desde os tempos da caserna.

Na semana que passou, o presidente subiu o tom dos ataques às instituições. Falou em guerra, fuzil, ruptura e ultimato. “Nós não precisamos sair das quatro linhas da Constituição”, disse, na sexta-feira. “Mas, se alguém quiser jogar fora dessas quatro linhas, nós poderemos fazer também”, ameaçou.

Três dias antes, ele disse que chegou a hora de “nos tornarmos independentes para valer”. “As oportunidades aparecem. Nunca outra oportunidade para o povo brasileiro foi tão importante ou será importante quanto esse nosso próximo 7 de Setembro”, discursou.

A claque reagiu com gritos de “eu autorizo”. Os bolsonaristas repetem o bordão desde abril, quando o capitão disse que esperava “o povo dar uma sinalização” para ele “tomar uma providência”.

Bolsonaro vive seu pior momento desde a posse. O tarifaço da luz tende a ampliar seu derretimento entre os mais pobres e a classe média. A elite econômica começou a abandonar o barco. Para tentar escapar do naufrágio, o presidente apela à radicalização.

Dorrit Harazim - Dia de qual pátria?

O Globo

 “Uma pessoa sem memória ou é criança ou é amnésica. Um país sem memória não é criança nem é amnésico — nem sequer país é.” A citação não é de nenhum sábio da Antiguidade. Saiu da verve sempre inteligente de Mary Astor, a atriz de Hollywood que imortalizou “O falcão maltês” nos anos 1930. Quando somada a outra de autoria incerta, mas falsamente atribuída a Platão — “pode-se facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro: a verdadeira tragédia da vida é quando homens têm medo da luz”—, temos o Dia da Pátria planejado para esta terça -feira.

O Brasil que Jair Bolsonaro exibirá no 7 de Setembro deve marchar e incensar o “mito”, não honrar a memória do país. Para tanto, deve esquecer as nações indígenas que em 2021 ainda precisam bater às portas da História e do Supremo Tribunal Federal para não ser esquecidas. Tampouco se verá, na marcha, referência aos mais de 580 mil brasileiros que morreram de Covid-19 sem uma só palavra de compaixão do presidente. A ideia é deletar, esquecer e tentar reescrever o que é inconveniente na História do Brasil de hoje e de outrora.

O presidente também se enquadra na categoria “homem com medo da luz”, mas não só da luz do conhecimento. O medo maior é do clarão de investigações que mapeia a holding do clã Bolsonaro para surrupiar o Erário através da prática das “rachadinhas”, nome inocente do crime de recolhimento de parte dos salários de assessores parlamentares contratados para esse fim. De pai para filhos, de filho para mãe, o cipoal de práticas subterrâneas suspeitas a cada dia adquire mais visibilidade.

Míriam Leitão - Frase de Bolsonaro afugentou o capital

O Globo

Uma frase dita pelo presidente Bolsonaro piorou muito a percepção do mercado financeiro e dos investidores nacionais e estrangeiros sobre o Brasil. A afirmação de que ele tem três alternativas, a prisão, a morte ou a vitória, foi vista, na explicação de um banqueiro, da seguinte forma. “Quem entende que a derrota significa a sua morte tomará decisões irracionais. Essa fala foi para todos os investidores, com os quais eu converso, um marco, um ponto de inflexão”. E existem, explicou esse banqueiro, "US$ 15 trilhões sentados no exterior com juros perto de zero. Tem que atrair esse capital, mas ele não vem pra cá”.

O mundo da política e o da economia são bem diferentes. Mas o reflexo de um no outro é inevitável. Nos últimos dias, Bolsonaro conduziu uma escalada de ameaças institucionais, insinuações, truques de linguagem e manipulação como parte da mobilização para o ato de 7 de setembro, que ele convocou e comanda. Na política, cada palavra provoca reação, e o barulho aumenta. Na economia, tudo é visto com mais frieza e objetividade. Uma pergunta feita sempre é: o que isso muda de fato? Os que decidem o destino do dinheiro entenderam que Bolsonaro, assim desesperado, achando que está entre a morte e a vitória, não tomará decisões racionais.

— Esse marco recente mostrou que a coisa é bem pior. Até então tinha briga, muita tensão. A frase foi um ponto de inflexão — diz a fonte.

O que o presidente disse não foi tirado do contexto. Ele foi claro e depois repetiu o mesmo raciocínio. Em Goiânia, dia 28, falando para evangélicos para mobilizá-los a participar do evento do dia 7, Bolsonaro afirmou: “Eu tenho três alternativas para o meu futuro. Estar preso, ser morto, ou a vitória. Pode ter certeza, a primeira alternativa, ser preso, não existe.” Portanto, ele acha que tem duas opções: ser morto ou vencer.

Elio Gaspari - O triste sindicalismo patronal

Folha de S. Paulo / O Globo

A recente dissidência mineira expõe a alma do sindicalismo patronal criado no século passado

A valorosa Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) dissociou-se das manifestações de empresários e banqueiros em defesa da democracia com um “Manifesto pela Liberdade”, condenando a “exacerbação” do Supremo Tribunal Federal. Dias depois, ela foi humilhada pela divulgação de outro manifesto, de empresários reconhecidamente estabelecidos.

Democracia é assim mesmo, um diz uma coisa, outro diz outra. Cada manifestação de algumas figuras do andar de cima mineiro reflete um estado de espírito típico da época. Em 1943, saiu de Minas Gerais um manifesto contra o Estado Novo que custou cargos a alguns de seus signatários. No século XVIII, era lá que se falava em “Liberdade ainda que tardia”.

A recente dissidência mineira expõe a alma do sindicalismo patronal criado no século passado, quando o Sistema S passou a sugar as folhas de pagamento das empresas, alimentando uma casta que apoia o governo, seja ele qual for, alimentando boquinhas.

Minas Gerais já foi governada por tucanos e petistas. O tucano Eduardo Azeredo, que governou o Estado de 1995 a 1999, foi contratado pela Federação das Indústrias em 2015 por R$ 25 mil mensais para assessorá-la em assuntos internacionais. Em 2018, ele foi para a cadeia, e o contrato foi suspenso.

Azeredo era um quadro da tradicional família mineira. Em 2015, assumiu o governo de Minas Gerais o petista Fernando Pimentel. Podia-se imaginar que havia ocorrido uma mudança radical, pois Pimentel vinha da extrema esquerda, tendo ralado três anos de cadeia por sua participação na tentativa de sequestro de um diplomata americano em 1970.

Eliane Cantanhêde - A grande fake news

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro quer o 7/09 para dizer que o ‘povo’ está com ele, mas 2/3 são contra

No sábado, uma semana atrás, o presidente da Câmara, Arthur Lira, surpreendeu seus aliados no pequeno e pobre município de Lagoa da Canoa, em seu Estado, Alagoas, ao ligar para o presidente Jair Bolsonaro pelo celular, ser atendido e abrir a conversa pelo viva voz: “Olha aqui, é o nosso presidente!” Foi uma festa.

É assim que Bolsonaro governa, ou melhor, não governa. Faz campanha e marketing, num desbragado populismo, a la Hugo Chávez, que corrói as instituições, cria um clima de guerra – inclusive entre Câmara e Senado – e vai transformar o 7 de Setembro numa grande fake news, de defesa do nada e ataque à democracia, às instituições e à realidade.

Há os que, como Lira, se movem por interesses pessoais, políticos e eleitorais. Outros são os crentes, que tapam olhos, bocas, ouvidos – e narizes – para não enxergar e não entender o que está bem na sua cara. Caem em qualquer lorota e atacam quem tenta trazer luz e racionalidade ao País.

José Roberto Mendonça de Barros* - Consolida-se a piora do cenário econômico

O Estado de S. Paulo

A visão pessimista se agravou muito nas últimas duas semanas

Em meu último artigo neste espaço (Fogo no parquinho, 20/08) escrevi “...que o mercado virou e o pessimismo agora impera em marcante contraste com o entusiasmo demonstrado entre janeiro e maio”. 

Naquele instante, não imaginava que essas observações seriam completamente validadas nestas curtas duas semanas. 

Em primeiro lugar, uma sucessão de impasses fez com que o Executivo enviasse ao Congresso uma proposta de Orçamento para 2022 completamente fantasiosa. Ela supõe que os R$ 90 bilhões de precatórios seriam pagos integralmente, sem nenhuma previsão para o novo Bolsa Família e com parâmetros básicos totalmente irrealistas. O PIB é projetado crescer 2,51%, e a inflação prevista é de 3,5%. De lá para cá, pouca coisa andou com relação à solução para o caso dos precatórios. E também não sabemos qual será a reforma do Imposto de Renda que, finalmente, será aprovada pelo Congresso. Aqui não existe solução boa. 

Em segundo lugar, o governo finalmente se rendeu à questão hídrica e anunciou a criação de uma nova bandeira tarifária (que poderia ser batizada de roxinha). Ela elevará substancialmente as contas de energia, pois o adicional passou de R$ 9,492 a cada 100 kWh consumidos para R$ 14,20, uma alta de quase 50%, de 1.º de setembro até o final de abril do próximo ano. Ao contrário do que pensa o ministro da Economia, esse adicional vai pesar muito no orçamento de grande parte das famílias brasileiras.

Bruno Bohgossian - As digitais de Jair

Folha de S. Paulo

Digitais de Jair e semelhanças aparecem em acusação feita por ex-assessor de Flávio

Ao longo dos anos, Jair Bolsonaro controlou as jogadas que transformaram sua família numa operação política. Fabricou candidaturas para os filhos, fez com que um deles disputasse uma eleição contra a própria mãe e designou gente de sua confiança para os gabinetes da prole.

Apesar do protagonismo, o presidente sempre tentou manter distância de suspeitas que envolvem a família. Quando estourou o escândalo da rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro, Jair chegou a dizer que o filho teria que pagar se surgissem provas do crime. Os capítulos seguintes dessa história, porém, tornam praticamente impossível dissociar esses métodos do chefe do clã.

Hélio Schwartsman - Números não mentem?

Folha de S. Paulo

Precisaremos encontrar fórmulas para produzir materiais para os quais não existem tecnologias limpas

O título do mais recente livro de Vaclav Smil, “Numbers Don’t Lie” (números não mentem), é enganoso. É quase tão fácil mentir com números como com palavras. Mas o autor se esforça em utilizar números apenas para iluminar fatos e apontar tendências que nos aproximam de verdades —e é bem-sucedido nessa tarefa.

“Numbers...” é uma coleção de 71 microensaios que tratam de quase tudo, da demografia à inovação, passando por crise climática e dietas. Smil, muitas vezes descrito como o guru de Bill Gates, é um mestre em destrinchar números e transformá-los em boas histórias.

Ele nos oferece desde curiosidades sem maiores consequências —quantas pessoas foram necessárias para construir a grande pirâmide de Quéops?— até verdades que estão na nossa cara, mas alguns insistem em não vê-las —vacinas são o melhor investimento público que existe, propiciando um retorno de US$ 16 para cada dólar aplicado.

Janio de Freitas – Nos domínios dos golpes militares

Folha de S. Paulo

Patético, mediocridade e vergonhoso são três ingredientes solidários dos atos de 7 de Setembro

Tudo pode acontecer no 7 de Setembro entre a mera reprise das manifestações bolsonaristas e, no outro extremo, eclosões de alta gravidade.

As ocorrências podem ser tão mais variadas quanto maior o número, que se anuncia alto, de cidades com manifestações programadas.

Em todo esse colar de imprevisões, já têm lugares assegurados três ingredientes solidários: o patético, a mediocridade e o vergonhoso.

É possível, mas sem indício nítido, que os pretendentes ao golpe obtenham o que lhes tem sido a carência impeditiva. Os militares bolsonaristas precisam de um pretexto, sem o qual sobram dificuldades até para conter a oficialidade restante, quanto mais para sustentar-se ante reações externas e o mal-estar interno.

Cacá Diegues - Quem quer feijão

O Globo

Se discursos de Goebbels e Mussolini são o que serve, o presidente deve estar se armando para combater a democracia

No primeiro ano do atual governo, Roberto Alvim era secretário de Cultura num ministério estranho, não me recordo se o de Cidadania, Turismo ou o Não-tem-outro-fica-aí-mesmo. Homem de teatro, Alvim teve então que fazer um discurso solitário e bem ensaiado, não sei mais para que evento. Resumindo, Roberto Alvim teve a infeliz ideia de repetir um discurso do nazista Joseph Goebbels, compadre e amigo pessoal de Adolf Hitler, além de responsável pela Propaganda no governo deste. Alvim também mandou passar, no fundo do que dizia, um trecho de Wagner, acordes que Hitler (e o próprio Goebbels) mandava tocar nos encontros políticos do Partido Nazista.

Ninguém notaria a referência, se alguém não a percebesse e a denunciasse publicamente. Ainda estávamos no início do novo governo, ninguém imaginava até onde eram capazes de ir os novos líderes democraticamente eleitos para responder e irritar a oposição, esse ninho de esquerdistas exagerados e teatrais. (Perdão, teatrais não; teatral era, por natureza e justiça, o próprio secretário de Cultura). Trocando em miúdos, o presidente usou um protesto de organizações judaicas e acabou com a brincadeira.

Luiz Carlos Azedo - O Louco Sagrado

Correio Braziliense / Estado de Minas

No futuro, o presidente Jair Bolsonaro será objeto de estudos de toda a ordem, inclusive de natureza psicológica. Seu papel transgressor é incompatível com o cargo

A carta O Louco é a última do Tarô— a de número 22—, mas também é considerada a carta 0 (zero), ou seja, pode ser o início e/ou o fim do baralho. O Louco não tem numeração certa; como um coringa, entra na linha da jogada e a interrompe, deixando tudo em suspenso e abrindo um novo horizonte, completamente indefinido. Segundo os esotéricos, essa persona não é nada ponderada, enfrenta os seus desafios sem planejar. No jogo de Tarô, O Louco tanto pode ser considerado uma carta benéfica, porque revela a necessidade de se arriscar, quanto também pode pôr tudo a perder, porque não pondera seus atos nem avalia as circunstâncias. O Louco é sócio da imprudência, da falta de paciência e das precipitações. Tudo a ver com o presidente Jair Messias Bolsonaro.

A eleição do atual presidente da República foi uma cartada eleitoral do antipetismo exacerbado, de políticos, militares, servidores públicos, empresários e da classe média mais conservadora e empobrecida. As consequências agora estão aí: catástrofe sanitária, fracasso econômico, crise política, mais desigualdades sociais e um pogrom cultural. Mas também é um fenômeno antropológico, que precisa ser estudado para além das análises políticas e econômicas, porque sua existência tem a ver com a nossa cultura e as características mais profundas do nosso povo, com tradições de origens ibéricas medievais.

Paulo Fábio Dantas Neto* - Alfabeto político para desarmar golpe

O 7 de setembro de 2021 já está sendo vivido há semanas, como se algo de impactante, quem sabe decisivo, esteja para nos acontecer. A agitação e propaganda bolsonaristas enfatizam a data não para nos lembrar dela como a do parto consumado de um país e sim para brandi-la como ameaça de vir a ser a do ato inaugural de seu apocalipse. Como aves de mau agouro, nada cavalheirescas, militares sem honra e vivandeiras civis atiçam uma besta-fera que imaginam habitar o seu (lá deles) Brasil profundo. O bolsonarismo quer nos fazer crer que será um dia D, prenúncio de uma hora H. Ultimato é a palavra mais recente, proferida na Bahia para reiterar uma ameaça terrorista que se tornou rotina.

Saberemos, em três dias, se o 7 de setembro desse ano será dia de batalha decisiva, ou se será de mais uma, rumo ao assalto ao nosso Capitólio ou à desmoralização dos assaltantes. Mas desde já sabemos que haverá batalha, não apenas porque o palácio trabalha nisso obstinadamente, mas também porque não falta, na oposição, quem a queira travar na hora e lugar escolhidos pelo adversário, mesmo sabendo que tipo de armas ele se dispõe a usar.

Paciência! Imprudentes fazem parte de qualquer conjuntura crítica e seu voluntarismo, embora aumente os perigos, não deve nublar a visão geral do processo, que segue seu compasso. Inexoravelmente, chegará a hora do basta, o ponto G da cidadania reencontrando o seu país. Ele, o processo, mostra que Bolsonaro perde o jogo na política. Está difícil ao incumbente reverter a situação dentro das regras. Sua rejeição não parece reversível a ponto de voltar a ser candidato competitivo numa eleição presidencial em dois turnos. Mas ainda não podemos afirmar que Bolsonaro ficará fora do segundo turno. Essa é a tendência, mas até se tornar realidade há muita política por fazer.

Alberto Aggio* - “Que país é esse?”

O Brasil não é para principiantes”. Quantas vezes já se leu ou ouviu esta frase, atribuída a Antonio Carlos Jobim? Frequentemente, ela é mencionada para atestar a dificuldade de se compreender o país. Está presente em quase todos os exercícios de revisão das principais interpretações sobre a formação histórica brasileira. Comunidades de cientistas sociais se dedicam recorrentemente a pensar e repensar os interpretes do país em encontros científicos, seminários e antologias de ensaios, sem chegarem a conclusões mais definitivas.

Como se sabe, as interpretações sobre o Brasil compõem uma tradição de enorme multiplicidade em suas abordagens, nada uniforme e harmônica, produzida em diversos momentos da sua história. Uma tradição que ensejou embates inclinados tanto à conciliação quanto ao rechaço a ela. Um paradoxo nem sempre percebido nas disputas políticas e culturais que se desenrolam no presente. Pensar o Brasil nunca foi apenas um exercício acadêmico ou intelectual. Trata-se de um debate que alimenta, o tempo todo, projetos que visam o futuro do país.

O Brasil, seguramente, não é para principiantes. Contudo, não seria absurdo pensar, ultrapassando o senso comum, que tal asseveração poderia ser aplicada a inúmeros países, dos EUA à Rússia, da China ao México, do Afeganistão à Bolívia, apenas para mencionar alguns exemplos. Em todos eles há incógnitas a serem decifradas e seus problemas atuais não são nada simples, como temos visto.

Opinião do dia – Karl Marx*

 

“A questão de saber se ao pensamento humano pertence a verdade objetiva não é uma questão da teoria, mas uma questão prática. É na práxis que o ser humano tem de comprovar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno do seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não- realidade de um pensamento isolado da práxis - é uma questão puramente escolástica.”

*Karl Marx, Teses sobre Feuerbach (1845)

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Será preciso ter responsabilidade no 7 de Setembro

O Globo

O presidente Jair Bolsonaro está certo quando diz que seus apoiadores têm o direito de ir e vir, de organizar manifestações como as previstas para o Dia da Independência nesta terça-feira e de defender as políticas adotadas por seu governo. Do ponto de vista político, o presidente também tem o direito de chamar bolsonaristas para a rua. É um momento em que ele precisa demonstrar força diante de uma realidade inóspita.

A inflação segue alta e corrói a renda, o desemprego continua afetando mais de 14 milhões de brasileiros, indícios de maracutaias não param de sair da CPI da Covid, a crise hídrica e a falta de planejamento fizeram o preço da conta de luz disparar, pondo em risco a recuperação econômica em 2022. Empresários, sempre reticentes em criticar quem está no governo por receio de represálias, têm saído a público com manifestos em favor da democracia, uns mais, outros menos explícitos nas críticas ao presidente.

Precisa ficar claro, porém, tanto a Bolsonaro quando a seus seguidores, que seus direitos, como os de todos os brasileiros, têm limites. Podem ir e vir, mas não dirigir a 120 quilômetros por hora dentro das cidades. Desfrutam a liberdade de expressão, porém não podem atacar as instituições que sustentam o ordenamento democrático. Infelizmente, dado o retrospecto, faz-se ainda necessário explicitar também que não é permitida a participação de militares da ativa em manifestações políticas.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Sociedade

O homem disse para o amigo:
— Breve irei a tua casa
e levarei minha mulher.

O amigo enfeitou a casa
e quando o homem chegou com a mulher,
soltou uma dúzia de foguetes.

O homem comeu e bebeu.
A mulher bebeu e cantou.
Os dois dançaram.
O amigo estava muito satisfeito.

Quando foi hora de sair,
o amigo disse para o homem:
— Breve irei a tua casa.
E apertou a mão dos dois.

No caminho o homem resmunga:
— Ora essa, era o que faltava.
E a mulher ajunta: — Que idiota.

— A casa é um ninho de pulgas.
— Reparaste o bife queimado?
O piano ruim e a comida pouca.

E todas as quintas-feiras
eles voltam à casa do amigo
que ainda não pôde retribuir a visita.