domingo, 12 de setembro de 2021

Paulo Fábio Dantas Neto* - Guizo no bozo

Quem torcer para Bolsonaro desdizer o que assinou não vai ter muita emoção. Esse é o tipo de torcida desnecessária, porque é certo que o fará. Ele fará qualquer coisa para reduzir os danos na sua base, que esse recuo causará. Mas podemos pedir a estraga-prazeres de plantão que nos deixem celebrar esse momento de alívio, depois de tanta tensão.

E há motivos para celebrar, não importa o que Bolsonaro diga. A desmoralização é muito funda e cada palavra sua vale hoje ainda menos do que o pouco que já valia.  A diferença agora é que não mais somente os seus recuos serão fake - como já eram, aos olhos céticos de todos nós, que lhe somos avessos.  Seus ímpetos de avanço tenderão, doravante, a também ser considerados assim, pelo quarto do eleitorado que até agora o vem apoiando. O ex-presidente da República Michel Temer viajou a Brasília, reencarnou no papel e amarrou no pescoço da fera esse guizo, que deve fazer barulho nas próximas rodadas de pesquisas. 

Em 2015, um ano antes do impeachment de Dilma, escrevi um artigo cujo título foi "O fator Temer". O destino infausto que evasivas e malabarismos demagógicos de políticos pequenos deram à pinguela que ele tentou levantar não me deixava a expectativa, que tenho hoje, de daqui a pouco poder escrever outro artigo com o mesmo título, remetido ao contexto atual.

Sim, dizem que vingança é prato que se come frio. Acrescento que se come sem dizer que está gostoso, não apenas para não tripudiar de quem chacoalha. Não precisa fazer isso para que outros políticos bem centrados possam cooperar entre si para concluírem a missão. Também não se deve ostentar o sabor para não atiçar demais a inveja de pigmeus políticos que também estão no palco, ou na plateia.  Esses seguirão xingando Bolsonaro em lives, entrevistas, tribunas, ou bastidores. Mas, em vez de pautá-lo, como ocorreu quando ele foi levado a se retratar no dia 9/09 do que havia dito no dia 7, continuarão a ser pautados por ele.

Política é como unha. Ainda bem.

*Cientista Político e professor da UFBa.

Merval Pereira - PF no rastro de Zé Trovão

O Globo

Zé Trovão, quem diria, tornou-se o símbolo da rendição de Bolsonaro, o que dá bem a dimensão de chanchada da crise política que desencadeou sem ter a menor condição de vencer.  Seguindo os passos de seu chefe, pediu perdão pelo Telegram, disse que nunca desejou o que ameaçou fazer, e espera em vão no México o habeas-corpus que lhe prometeram. Fachin já derrubou o primeiro, e o segundo terá o mesmo destino. Zé Trovão vai ser preso a qualquer momento, está sendo rastreado pela Polícia Federal, que o localizou agora na Cidade do México, já tendo passado pelo Panamá, Cancún e Guadalajara.

As últimas medidas para o pedido de extradição já estão sendo providenciadas, e a Polícia Federal sabe que seu dinheiro está acabando. Ao mesmo tempo, os financiadores desse turismo político de Zé Trovão estão sendo investigados, assim como os proprietários dos caminhões que bloquearam as estradas no dia seguinte ao discurso golpista do presidente Bolsonaro.

Assim como caminhoneiros acreditaram na balela de que o Estado de Sítio havia sido decretado, e postaram vídeos chorando de alegria, também Bolsonaro acreditou mesmo que poderia emparedar o Supremo Tribunal Federal (STF) em decorrência das manifestações de 7 de setembro, embora a volta do avião presidencial tenha sido em clima de enterro, na definição de um passageiro.

Bernardo Mello Franco - A ponte de Lira

O Globo

O homem do botão vermelho não está interessado em apertá-lo. Na semana em que Jair Bolsonaro fez um ensaio aberto do golpe, Arthur Lira voltou a simular normalidade. O presidente da Câmara passou o 7 de Setembro entocado em Alagoas. De volta a Brasília, deixou claro que os 130 pedidos de impeachment continuarão na gaveta.

Na quarta-feira, o deputado fez um pronunciamento anódino sobre a crise. Reclamou de “bravatas em redes sociais”, mas fingiu não ter ouvido as ameaças da véspera. Em outra passagem, ele elogiou “todos os brasileiros que foram às ruas de modo pacífico”. Sobre as tentativas de invasão do Supremo Tribunal Federal, preferiu silenciar.

Bolsonaro ainda não havia ressuscitado Michel Temer quando Lira prometeu agir como uma “ponte de pacificação entre Judiciário e Executivo”. “A Câmara dos Deputados está aberta a conversas e negociações”, disse. De negociações ele entende. A questão é compreender seus objetivos.

O chefe do Centrão é um colaboracionista convicto. Fará vista grossa aos crimes de Bolsonaro enquanto puder extrair ganhos para seu grupo político. No arranjo atual, o deputado exerce um poder inédito sobre o Orçamento. Instalou uma aliada no quarto andar do Planalto e comanda a distribuição de cargos e emendas.

Lira considera que tem mais a ganhar do que a perder com a permanência do capitão. Se a popularidade do governo continuar baixa, melhor ainda. O cenário de um Bolsonaro isolado e dependente do Centrão é o ideal para o projeto de pilhagem. Pelo menos até o início da campanha de 2022.

Míriam Leitão - De onde veio a resistência

O Globo

O que o Supremo Tribunal Federal fez na última semana é inédito, diz a historiadora Heloisa Starling. “É a primeira vez que o STF se torna símbolo. E símbolos fazem a diferença na luta pela liberdade.” Num país em que as reações às agressões de Bolsonaro são de espantosa tibieza, a resposta da Corte foi firme, forte, efetiva. O discurso de Luiz Fux, a maneira como ele o leu, com ênfase que não deixava dúvidas e, no dia seguinte, o discurso de Luís Roberto Barroso foram uma barreira ao avanço golpista.

“Não vamos afinar”, disse um ministro quando eu quis saber qual seria a reação aos ataques golpistas do presidente. “Mas nós estamos no meio da tempestade, num avião sem comando e com os aparelhos em pane”, acrescentou. Isso era a noite do dia 7. Políticos de centro começaram a falar em impeachment. Ouvi um líder militar dizer a palavra “anarquia” para definir o ato do presidente. Um influente político governista admitiu que o presidente estava descontrolado. Bolsonaro terminou o dia mais fraco e isolado. Levou muita gente para a rua, mas se isolou. Era fundamental saber de onde viria o “não passarão”. Todos os olhos voltaram-se para o STF. E o Tribunal não afinou.

Dorrit Harazim - 11 de Setembro

O Globo

Para Garrett M. Graff, autor do excepcional “O único avião no céu — Uma história oral do 11 de Setembro”, recém-lançado no Brasil, a parte mais marcante daquela manhã de 2001 foi o curto intervalo entre o choque do primeiro e do segundo avião contra as Torres Gêmeas. A nação americana viveu ali seus últimos 17 minutos de inocência complacente e fé no excepcionalismo dos Estados Unidos. A Guerra Fria contra o comunismo havia sido vencida uma década antes, a História parecia congelada a favor da prosperidade da Era Clinton e, daquele inesquecível céu azul-cobalto, nada de ruim poderia advir. A cena do primeiro avião cravado na Torre Norte, cujas paredes passaram a cuspir fumaça e dejetos, foi acompanhada com mera curiosidade voyeurista, a mesma que bípedes de qualquer lugar dedicam a acidentes e tragédias.

O inverno nuclear do medo e do ódio que há 20 anos divide o país só se consolidou quando os 19 jihadistas suicidas concluíram sua espetaculosa missão: fazer tombar os dois orgulhosos totens de vidro e aço no coração de Wall Street e mutilar o inexpugnável Pentágono para humilhar a superpotência militar.

Entrevista | Joaquim Falcão: ‘Bolsonaro destruiu a própria credibilidade’

Professor destaca que a crise entre o presidente e o Supremo não é institucional, como parece, mas parte do temor do chefe do Executivo diante do poder de decisão da Corte

Marlen Couto / O Globo

RIO — Professor de Direito Constitucional, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) e fundador do curso de Direito da FGV-Rio, Joaquim Falcão recorre ao dramaturgo e jornalista Nelson Rodrigues ao resumir os últimos desdobramentos da República, após as manifestações de 7 de setembro e dos ataques do presidente Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF). “Os fatos mudam mais e são mais rápidos do que a percepção que nós temos dos próprios fatos”, cita o jurista.

Em entrevista ao GLOBO, Falcão destaca que a crise entre Bolsonaro e o Supremo não é institucional, como parece, mas parte do temor do presidente diante do poder de decisão da Corte em investigações que atingem seus filhos e aliados. Sobre o recuo, o jurista afirma que o presidente destruiu sua “credibilidade” com as indas e vindas, agora também entre seus próprios seguidores.

Por que o Supremo se tornou alvo preferencial do bolsonarismo?

O Supremo vai ter poder final, por exemplo, no que diz respeito às investigações envolvendo os filhos de Bolsonaro e tem uma pauta que vai decidir fatos que afetam de perto não somente o presidente, mas aqueles que o cercam, como (Fabrício) Queiroz, (Eduardo) Pazuello e Roberto Jefferson. Por detrás do aparente conflito institucional, lateja um conflito individual com o próprio presidente e a Constituição. É a possibilidade de prisão dos familiares, para os partidários, o círculo do próprio Planalto. O presidente veio com o ministro (Sergio) Moro e uma mensagem contra a corrupção. Mas o ministro saiu. E os indícios e casos de corrupção cercam seu governo.

Isso significa que a carta de Bolsonaro não é na prática um recuo?

O esforço do ex-presidente Michel Temer é louvável. Mas o presidente prometendo e não cumprindo, anunciando e não cumprindo, indo e vindo, cercado pelo desgoverno de si próprio, destruiu-se como credibilidade. É esperar para ver.

O senhor defende que os ataques constantes de Bolsonaro e de seus apoiadores trouxeram mais unidade ao Supremo. Quais são os sinais dessa unidade?

O Supremo precisa de pluralidade de pontos de vista jurídicos nos votos dos casos em que analisa e julga. A pluralidade é o ethos democrático. Mas não é o caso. Não se trata de ação de inconstitucionalidade, recurso extraordinário ou embargos. Mas da defesa da instituição. A união institucional se impõe às divergências conjunturais, ideológicas e pessoais.

Luiz Carlos Azedo - Onde perdemos o rumo?

Correio Braziliense / Estado de Minas

Um governo bonapartista em choque com a Constituição de 1988 tornou-se uma ameaçam ao Estado democrático. Estamos vivendo uma espécie de “apagão liberal”

Desde a redemocratização, com a eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral, em 1985, o Brasil avançou com políticas democráticas e progressistas, de governos que implementaram a agenda da redemocratização. Houve, nesse processo, dois traumas: os impeachments de Collor de Mello e de Dilma Rousseff. Mesmo desastrosos, não podemos dizer que os dois governos passaram batidos, também deixaram seus legados. Mesmo aos trancos e barrancos, o Brasil avançou.

Um resumo brevíssimo: José Sarney legou-nos a Constituição de 1988; Collor de Mello, a abertura da economia; Itamar Franco, a estabilização econômica; Fernando Henrique Cardoso, a consolidação do Real e as privatizações; Luiz Inácio Lula da Silva, transferência de renda e combate à pobreza; Dilma Rousseff, os programas de infraestrutura e energia; Michel Temer, a blindagem das empresas públicas e a reforma trabalhista; Jair Bolsonaro, a reforma da Previdência, mas perdeu o rumo e namora o caos. Agora, estamos num impasse.

Elio Gaspari - Bolsonaro viu o cabo da faca

Folha de S. Paulo / O Globo

Ex-presidente apagou um incêndio e só Bolsonaro sabe quanto custou

Michel Temer morre e não conta o que faz, mas entre a noite de quarta-feira, quando falou por telefone com Bolsonaro, e a tarde de quinta, quando teve seu almoço com o presidente, apagou um incêndio.

Os fatos estão diante de todos.

Na terça-feira, Bolsonaro chamou o ministro Alexandre de Moraes de “canalha” e avisou que não cumpriria decisão que viesse dele.

Na quarta, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, mostrou o cabo da faca:

“Se o desprezo às decisões judiciais ocorre por iniciativa do chefe de qualquer dos Poderes, essa atitude, além de representar um atentado à democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso Nacional.”

No mesmo dia, o presidente da Câmara, Arthur Lira, fez um discurso anódino que, espremido, emitia um estranho brilho. Era a luz da lâmina: “O tal quadrado (da Constituição) deve circunscrever seu raio de atuação (...) Não posso admitir questionamentos sobre decisões tomadas e superadas — como a do voto impresso.”

Os bate-bocas com Bolsonaro haviam deslizado até para Zé Trovão, um caminhoneiro foragido.

Temer entrou numa confusão ao seu gosto. Baixou a bola, conseguiu a nota do recuo e até o bônus de telefonemas para Alexandre de Moraes e Luiz Fux.

Repetiram-se cenas de 2015. Em abril daquele ano, quando 63% dos entrevistados pelo Datafolha achavam que deveria ser aberto o processo de impedimento de Dilma Rousseff, ela deu a Michel Temer, seu vice, a coordenação de seu jogo político. O comissariado petista começou a fritá-lo em menos de um mês. Em agosto, ele sinalizou seu afastamento do Planalto, em dezembro estava pintado para a guerra, e meses depois a doutora caiu.

Patricia Campos Mello – O Golpe preventivo

Folha de S. Paulo

Sem apoio dos 'caras com armas', instituições brasileiras resistirão menos que as americanas

A despeito dos recuos, pseudo-recuos e desrecuos, não há dúvida de que Bolsonaro vai coroar suas investidas contra a democracia com uma tentativa de melar a eleição de 2022, tal como fez seu ídolo Donald Trump. Será que ele consegue concretizar o golpe que escapou pelos dedos do americano?

Trump passou meses disseminando dúvidas sobre a integridade do sistema eleitoral, numa espécie de golpe preventivo. Quando a derrota nas urnas foi tomando forma, em novembro de 2020, ele turbinou ainda mais o ecossistema de desinformação que conseguiu convencer os republicanos de que o pleito tinha sido fraudado.

Mas os militares não embarcaram. Após a eleição, com Trump insuflando seus apoiadores com a farsa do “Stop the steal”, Mark Milley, chefe do Estado Maior das Forças Armadas, começou a se preparar para a tentativa de golpe.

 “Eles podem tentar, mas não conseguirão (dar um golpe)”, teria dito em conversas relatadas na imprensa. “Ninguém consegue fazer isso sem os militares, sem a CIA e o FBI. Nós somos os caras com as armas.”

No Brasil, a turma do “deixa disso”, também conhecida como pessoal do “as instituições estão funcionando”, insiste em que o alto escalão fardado jamais pressionaria por intervenção militar. Talvez.

Mas dá para enxergar figuras como o general Heleno, do GSI, e o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, tentando impedir Bolsonaro de contestar as eleições? Se o presidente disser que houve fraude e que não sai do Planalto nem amarrado, quem vai tirá-lo? O diretor da PF e outros “caras com as armas”?

Eliane Cantanhêde - Recuo: blefe e fake news

O Estado de S. Paulo

Estratégia de Bolsonaro parece de paz pelo País, mas é de guerra pela própria sobrevivência

A semana começa com a comissão de juristas da CPI da Covid, liderada pelo ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior, entregando um parecer implacável sobre os crimes em que o presidente Jair Bolsonaro poderá ser enquadrado por ações, e sobretudo inações, durante a pandemia. O mais grave deve ser o de homicídio comissivo em série – justamente por não agir quando deveria e agir errado quando não deveria.

Os caminhos da CPI e das oposições se cruzam no momento mais tenso do País e do presidente. A comissão entra na reta final e finaliza seu relatório devastador enquanto uma dúzia de partidos tenta se acertar, atabalhoadamente, com o Vem Pra Rua e o MBL, para uma onda de atos pelo impeachment – que, aliás, terão a presença de integrantes da CPI, como Simone Tebet (MDB) e Alessandro Vieira (Cidadania).

O final de ano terá protestos neste domingo, 12/9, em outubro, pelo aniversário da Constituição, e em novembro, na Proclamação da República. A CPI caminhará lado a lado, com o relatório final, a interação com a Procuradoria-Geral da República (PGR), a Câmara e o Supremo.

Rolf Kuntz* - Solução do problema Bolsonaro está engavetada na Câmara

O Estado de S. Paulo

O golpista será o maior beneficiado, se acreditarem no seu aceno de paz.

Tão falsa quanto uma nota de sete reais, ou mais falsa, se isso for possível, é a nota emitida pelo presidente Jair Bolsonaro na quinta-feira, dois dias depois de sua investida golpista contra o Supremo Tribunal Federal (STF). O maior beneficiário de qualquer trégua, de qualquer distensão depois da baderna do Dia da Independência, é ele mesmo, o líder da massa manipulada para apoiar o ataque às instituições. O recuo do agressor, na ação pacificadora do ex-presidente Michel Temer, é repetição de um lance já visto muitas vezes. Esse lance foi sempre seguido, em pouco tempo, de uma nova barbaridade. Não há por que imaginar, agora, algo diferente. A solução mais segura e mais duradoura para o problema Bolsonaro seria mesmo o seu afastamento, completado por uma sentença de inelegibilidade. Mas um processo de impeachment, dizem tanto os malandros quanto os praticantes do autoengano, traria instabilidade.

Que um trouxa acredite nisso pode parecer normal. Intrigante, ao menos à primeira vista, é observar os espertos do mercado financeiro participando desse jogo. A Bolsa subiu e o dólar caiu depois de publicada a nota de Bolsonaro, na quinta-feira à tarde. Teria surgido, mesmo, algum motivo real de alívio? Na sexta-feira já havia, no mercado, quem perguntasse quanto tempo duraria o recuo. Não havia resposta segura, mas ainda se poderia ganhar alguma coisa no momento de calmaria.

Pedro S. Malan* - Falta um ano: é muito? É pouco?

O Estado de S. Paulo

O roteiro do atual ocupante da Presidência está traçado e vem sendo seguido à risca.

Deveria ser óbvio, mas para muitos não o é: disputar uma eleição presidencial é muito diferente de governar um país da complexidade do Brasil. Cedo ou tarde essa verdade se impõe sobre aqueles que recebem essa incumbência – para alguns, tarde demais. Talvez seja o caso do atual ocupante do cargo, ao qual resta pouco mais de um ano até as eleições de outubro de 2022.

Mas seu roteiro está traçado e vem sendo seguido à risca. O script repete aquele adotado por Trump nos EUA. No debate televisivo com Hillary Clinton às vésperas da eleição de 2016, perguntado se respeitaria o resultado das urnas, sua resposta foi um simples “If I win” (se eu ganhar). Às vésperas da eleição de 2020, sugeriu que poderia haver fraude. Na noite da data da eleição, quando faltavam ainda dezenas de milhões de votos a serem contados, proclamou via Twitter: “Clearly, I won” (claramente, venci).

Após a vitória de Biden, por dois meses Trump continuou ainda a questionar o resultado das urnas, declarando-se vencedor. Essa alucinação desaguou na marcha sobre o Capitólio e em sua invasão em 6 de janeiro, dia em que o Congresso se reuniu para ratificar a vitória do candidato democrata. Trump, pessoalmente, incitou a massa de seguidores fiéis a aderir à marcha, a que seu advogado pessoal referiu-se, em eloquente discurso, como “trial by combat” (julgamento através de combate). O recado foi entendido, e houve a invasão do Capitólio – evento assustador para uma democracia que se orgulhava de seus pesos e contrapesos, criados há 230 anos para evitar arroubos dessa natureza.

Janio de Freitas - Estamos todos na beira do abismo

Folha de S. Paulo

Bolsonaro se desfaz como pessoa, pelas mentiras desavergonhadas, pela covardia, rasteja em fuga como um inseto repugnante

Uma intervenção insuspeitada levou Bolsonaro a modificar, quase de última hora, o pronunciamento destinado a incitar a multidão da av. Paulista, no 7 de Setembro, com insinuações para insurgência.

A exibição na manhã de Brasília, com cerimonial de posse em novo poder presidencial, e, já à tarde, a visão da massa que se aglomerava na avenida agravaram preocupações militares com o ato paulistano.

Se a exaltação degenerasse, a PM não bastaria para conter a multidão desatinada e as Forças Armadas seriam chamadas a agir, com decorrências muito graves para todos os lados.

Um exemplo de situação dramática, se a manifestação degenerasse, poderia ser a insurgência violenta com a condição, para desmobilizar-se, da renúncia de Alexandre de Moraes no Supremo. Como desejado por Bolsonaro.

Na fala em São Paulo, evaporaram as ameaças do "creio que chegou a hora, no dia 7, de nós nos tornarmos independentes pra valer", "nunca outra oportunidade para o povo brasileiro foi tão importante quanto esse nosso 7 de setembro", "agora o povo vai ter liberdade pra valer".

O povo foi devolvido à exclusão histórica. E Bolsonaro mal conseguiu repetir frases esparsas, com acréscimo só de citações pessoais. Ao que se seguiu o encerramento abrupto, com a fisionomia aflita por não encontrar outras frases. Houve até certa demora para a percepção geral do encerramento.

Hélio Schwartsman - Bolsonaristas se equivocam sobre liberdade de expressão

Folha de S. Paulo

Redes sociais não são um serviço público, mas uma relação entre particulares

Vamos admitir, só para efeitos de argumentação, que Jair Bolsonaro e seus acólitos estejam genuinamente interessados na liberdade. Será que, neste caso, a medida provisória que proíbe empresas que administram redes sociais de vetar mensagens e banir usuários se justifica? Penso que não.

Os bolsonaristas se valem de uma visão bem interesseira de liberdade quando reclamam para si o direito de postar o que desejarem, mas não reconhecem que as empresas também devem ter a liberdade de escolher o que circulará em suas páginas. A fundamentação aqui pode ser tanto mercadista como filosófica.

Vinicius Torres Freire - Quem não quer o impeachment de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

No Congresso, impressão é de que sociedade não faz pressão pela deposição do presidente

impeachment é coisa de artigo de jornal, de artista, de uns poucos da elite da sociedade, de uma minoria de parlamentares, de uns empresários gatos pingados, diz um deputado próximo de quem comanda a Câmara e o centrão, mas ora sem posição de poder.

“Vocês” criticam o Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, mas “deixaram passar o Maia, que é amigo da elite do Rio e de São Paulo. Pergunta para o Lira que empresário pediu a ele que liberasse o impeachment. Ninguém”, diz o deputado, mencionando o fato de que o Rodrigo Maia também não despachou dezenas de pedidos de abertura de processo contra Jair Bolsonaro quando presidente da Câmara.

Ruy Castro - Modernos, não modernistas

Folha de S. Paulo

Os 100 anos da Semana contarão uma história que, mais do que escrita, não para de ser reescrita

Que bom, já se escutam os fogos pelos cem anos da Semana de Arte Moderna de 1922, a se completarem em fevereiro. Mas será possível completar essa história? Raro o dia em que não se acrescenta alguma coisa à sua lenda —inclusive o que nunca aconteceu e é atribuído a ela. Nessa história, que não para de ser escrita e reescrita, fatos e personagens entram e saem magicamente, num permanente rearranjo para torná-la mais radical e indispensável.

Para ampliar o papel de Mario e Oswald de Andrade, diminui-se ou se apaga a participação de outros protagonistas, como Di Cavalcanti, Ronald de Carvalho, Graça Aranha ou o próprio (decisivo para a Semana) Villa-Lobos, e incluem-se outros que não tiveram a ver, como Tarsila (em Paris naquela época, estudando arte acadêmica) ou Pagu (então com 12 anos e ainda brincando de roda). Note bem, estamos falando da Semana de 1922, não do que se deu no resto da década. Há uma marota tendência a misturar as duas coisas e botar tudo na conta da Semana.

Cristovam Buarque* - À espera de uma oposição


Blog do Noblat / Metrópoles

Hora de pensar a renúncia de todos os candidatos em benefício daquele com maior chance de barrar a Pessoa Jurídica do Autoritarismo

Enquanto seis democratas disputam qual deles irá para o segundo turno, Bolsonaro já está no terceiro. Percebendo a possibilidade de derrota, se prepara para negar o resultado da eleição com um golpe cujo esquema está pronto, salvo um detalhe.

Já levantou a suspeita de fraude nas urnas eletrônicas; já explicitou a suspeição do Presidente do TSE, que será Alexandre de Moraes; já liberou a compra de armas que seus apoiadores utilizarão; já mobilizou suas milícias, polícias, motoqueiros, caminhoneiros, além de parcelas do Exército, Marinha e Aeronáutica. Só descuidou do elemento surpresa, importante para o êxito de qualquer golpe, mas conta que a falta de surpresa não vai atrapalhar, porque os democratas continuarão divididos, disputando entre eles, deixando a defesa da democracia nas mãos do STF, sem urnas, nem armas. Mais uma vez, o autoritarismo se beneficia do corporativismo dos democratas que continuam achando que a disputa é entre cada um deles, ou entre esquerda e direita e não entre democracia e autoritarismo. Se tivessem bom senso, sentimento democrático e espírito público, os seis pré-candidatos a presidente deveriam entender o caráter da disputa.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Brasil precisa manter confiança nas instituições

O Globo

A nota de pacificação articulada pelo ex-presidente Michel Temer e emitida na quinta-feira pelo presidente Jair Bolsonaro foi humilhante para ele. Dois dias depois das manifestações antidemocráticas e dos discursos golpistas do 7 de Setembro, Bolsonaro não teve saída senão recuar. Por um motivo simples: medo. A expressão “impeachment” e sua irmã gêmea “crime de responsabilidade” voltaram a circular por Brasília. Protestos marcados para hoje prometem manter o tema em pauta.

No dia seguinte às manifestações, a reação firme do Supremo Tribunal Federal (STF), de parlamentares e representantes de diversos partidos demonstrou o vigor da democracia e das instituições brasileiras. Dois Poderes da República — Judiciário e Legislativo — demonstraram não estar dispostos a aceitar nenhum tipo de ameaça de teor golpista do Executivo.

A nota de Bolsonaro pode ter arrefecido os ânimos. Mas ele é conhecido pela instabilidade. O “Jairzinho Paz e Amor”, todos sabem, tem prazo de validade. Diante do que já disse e fez, seu recuo não tem credibilidade. Cedo ou tarde, sobretudo depois da humilhação, tentará dar demonstrações de força diante de uma perspectiva eleitoral que se lhe anuncia, numa leitura generosa, desafiadora.

Dentre os cenários possíveis, o melhor sem dúvida é a realização de eleições no ano que vem, em que todos disputem num clima de paz e liberdade — e o vitorioso assuma seu mandato em janeiro de 2023, seja ele Bolsonaro ou qualquer outro. Se Bolsonaro, porém, continuar a agir contra a democracia, se ensaiar um golpe diante da perspectiva de derrota ou se contestar o resultado com base em teorias da conspiração sobre as urnas eletrônicas, será preciso detê-lo.

Até sexta-feira, repousavam sobre a mesa do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), 131 pedidos de impeachment contra Bolsonaro — o mais vistoso, um “superpedido” com 23 acusações dos mais diversos tipos de crime de responsabilidade. A profusão de acusações contrasta com a indiferença de Lira, que já deu repetidos sinais de não estar disposto a levar a sério a hipótese do impedimento.

Poesia | Vinicius de Moraes - Dialética

É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz

Mas acontece que eu sou triste...