terça-feira, 14 de setembro de 2021

Merval Pereira - Nem, nem

O Globo

Não vai ter golpe, nem impeachment. E talvez nem candidato único como terceira via. Assim como as multidões que estiveram nas ruas no 7 de Setembro apoiando Bolsonaro não impediram que ele fosse derrotado — tanto que teve de recuar —, a falta de pessoas em número expressivo nas manifestações do fim de semana não quer dizer que ele tenha maioria, como insinuou.

Bolsonaro teve uma máquina de organização muito afiada — parecia o PT nos áureos tempos, com o sindicalismo mobilizando as massas. Mas as próximas pesquisas de opinião provavelmente mostrarão Bolsonaro caindo para o que pode ser seu chão, cerca de 20% de apoiadores.

As manifestações não foram um fracasso, mas sinal de que não há condições políticas para o impeachment. Também foi um erro convocá-las pouco tempo depois do êxito das em favor de Bolsonaro. A carta que o ex-presidente Michel Temer negociou e essa demonstração fraca de apoio ao impeachment mostram que Bolsonaro ainda tem algum fôlego para seguir adiante.

Se ele não fizer alguma grande loucura, poderá chegar ao final do governo em campanha, com as vantagens que a estrutura do governo oferece na reeleição. Mas sua situação eleitoralmente continua frágil, embora esteja difícil conseguir um nome que una todos os lados na terceira via, o que poderá acontecer durante a campanha, que irá descartando candidaturas que não tenham força popular.

Carlos Andreazza - O tamanho do impeachment

O Globo

As manifestações de 12 de setembro foram pequenas. Expressaram o tamanho atual da mobilização pelo impeachment de Jair Bolsonaro. Atenção para o recorte: expressaram o tamanho não do “Fora Bolsonaro”, que tem uma dimensão eleitoral influente, mas das possibilidades de impeachment hoje.

Claro que é uma fotografia. Sabe-se que o ritmo do que se pretende capturar é dinâmico. Há também a memória de como se iniciou, com volume modesto de gentes nas ruas, o movimento que resultaria na queda de Dilma Rousseff. A leitura do retrato de domingo, porém, não deixa dúvida: o espaço é pequeno e vai encaixotado.

Se os atos golpistas de 7 de Setembro tiveram o tamanho de Bolsonaro, os do último domingo expressaram a dimensão das chances correntes de o impedimento do presidente prosperar. Será intelectualmente desonesto, contudo, comparar os dois eventos. Um era o populista por inteiro, com seus limites, mas empurrado pelo espírito personalista do tempo. O outro, uma ideia — com sua impessoalidade e outros limites. O maior deles: a véspera do ano eleitoral — corrida já deflagrada.

A manifestação bolsonarista foi produto de longa jornada de divulgação, com coordenação profissional, centralizada em Bolsonaro e difundida por ele desde o Planalto, alçada mesmo à condição de agenda de governo, e com muito dinheiro. Parte de um programa desdobrado desde 2019, considerado que o presidente nunca teve outra atividade, uma vez empossado, senão operar, à margem da política, por continuar na cadeira. Um conjunto — incluídos os atos golpistas — que compõe a campanha por ficar no poder, não necessariamente por meio de eleição, tocada sob a linguagem do populismo autoritário, a do 7 de Setembro permanente, e dedicada ao culto do mito.

Entrevista | Carlos Melo, cientista político: 'Protestos vazios cobram preço político'

Para analista, contradições na convocação e carta de Bolsonaro com aceno ao STF esfriaram manifestações contra o governo

Guilherme Caetano / O Globo

SÃO PAULO — As imagens da Avenida Paulista com uma presença modesta de manifestantes contra Jair Bolsonaro rodaram as redes, utilizadas à esquerda e à direita como mostra do insucesso do protesto. Para o cientista político Carlos Melo, do Insper, os organizadores cometeram um erro ao realizar um ato com baixa adesão — e isso pode cobrar um preço. Mas isso, diz ele, não representa o potencial eleitoral dos grupos políticos. Melo diz que o esvaziamento do protesto começou em contradições na própria convocação e que a carta elaborada por Michel Temer, publicada via Palácio do Planalto, arrefeceu o sentimento de que seria preciso uma resposta rápida a um iminente golpe por parte de Bolsonaro. Para o cientista político, a centro-direita precisa se "fulanizar" em torno de um nome antes de buscar uma união com a esquerda: "enquanto a chamada terceira via não tiver um rosto, a dispersão é natural".

A reprovação ao governo federal é aproximadamente o dobro da aprovação, de acordo com as últimas pesquisas. Mas o ato do domingo, convocado por MBL, Vem Pra Rua e Livres contra Bolsonaro, não conseguiu encher mais de duas quadras da Avenida Paulista. Por que essa dificuldade?

Me parece ter um problema com a convocação do ato, que desde o princípio foi convocado para ser "nem Lula nem Bolsonaro". Depois de quarta-feira (pós 7 de Setembro), ele muda sua natureza, então já tem um problema aí. Estamos falando de apenas quatro dias (até o domingo da manifestação). Além disso, existiram vetos cruzados em todo esse antibolsonarismo. Vimos pessoas do PT dizendo que não participariam de atos junto do MBL, Vem Pra Rua, mas também houve pessoas como o (deputado federal) Marcel van Hattem (Novo-RS) dizendo que "o ato que era para ser 'nem Lula nem Bolsonaro' se transformou em 'fora, Bolsonaro' e daqui a pouco vira 'volta, Lula'". Por fim, houve acordos que não foram cumpridos. O sujeito de esquerda que se prepara para sair de casa (e ir ao ato) e vê aquele pixuleco enorme (boneco inflável de Bolsonaro equiparado a Lula), ele não vai mais. Esse foi um ponto de divergência entre os organizadores.

O protagonismo do MBL, que tem histórico de ataques à esquerda e engajamento no impeachment de Dilma, também interferiu na baixa adesão?

Ressentimentos políticos existem e são marcantes, mas eles fazem parte. A superação desses ressentimentos se dá ao longo do tempo e precisa ser operado politicamente. Não é do dia 7 para o dia 12 que esse negócio vai ser feito. Esse processo foi atropelado pelo que decorreu do discurso do Bolsonaro (no 7 de Setembro).

Luiz Carlos Azedo - Oposição é forte, mas dividida

Correio Braziliense

O PT não facilitará a vida de nenhum candidato de oposição. Pelo contrário, tentará mostrar nas próximas manifestações que é a única força capaz de derrotar Bolsonaro

Convocados por dois grandes movimentos cívicos que emergiram a partir das manifestações de junho de 2013, no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, o MBL (Movimento Brasil Livre) e o VPR ( Vem Pra Rua), os protestos de domingo passado receberam a adesão dos partidos de oposição moderada e alguns pré-candidatos a presidente da República, como o ex-governador cearense Ciro Gomes (PDT), o governador paulista João Doria (PSDB), a senadora Simone Tebet (MDB), o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e o ex-candidato a presidente da República João Amoedo (Novo). O PT, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o PSol boicotaram os atos, que nem de muito longe tiveram a força das mani- festações realizadas em apoio ao presidente Jair Bolsonaro, no Dia da Independência, 7 de setembro. Por quê?

Não existe um motivo apenas. Sem hierarquizar, podemos enumerar alguns, a começar pelo fato de que os organizadores do evento fizeram tudo o que podiam para restringir a presença dos partidos de esquerda, inclusive proibindo bandeiras vermelhas. De outra parte, não havia também nenhuma grande motivação por parte desses partidos para partici- par de um evento no qual a palavra de ordem “Nem Bolsonaro nem Lula” era, literalmente, o pano de fundo. Mas essa foi uma disputa de bastidores da organização do evento. Com a ressalva de que toda manifestação em defesa da democracia deve ser saudada, uma avaliação serena leva à inevitável conclusão de que as ambições de seus organizadores foram frustradas. Não por acaso, o presidente Jair Bolsonaro disse que seus opositores “são dignos de dó, de pena”, na manhã de ontem, à saída do Palácio da Alvorada.

Joel Pinheiro da Fonseca - No mercado das ideias, as melhores vencem?

Folha de S. Paulo

Notícia que confirma visão de mundo do leitor é aceita de pronto, enquanto a que a contradiz irrita

Para que um debate público minimamente realista e produtivo ocorra, é preciso que as pessoas sejam alimentadas com informações corretas.

No passado, uma estrutura cara —e imperfeita— composta de checagem, treinamento profissional, códigos de conduta e reputação dava uma garantia de qualidade mínima à informação veiculada pela imprensa. As grandes empresas que dominavam o mercado faziam um trabalho de filtragem do que chegava ou não chegava ao grande público.

Hoje, os meios de divulgação, antes caros, se tornaram triviais. Qualquer pessoa com acesso à internet pode fazer perfis gratuitos nas redes sociais e veicular suas ideias. Qualquer um com conhecimento básico de edição de texto e imagem pode criar suas “notícias”, verdadeiras ou falsas, e difundi-las. O poder de filtragem da imprensa —cuja estrutura continua cara— caiu por terra.

O mercado é excelente para entregar às pessoas o que elas querem, sem juízos de valor, de comida a notícias. Num mercado de livre concorrência, os milhares ou milhões de fornecedores competirão para entregar notícias, opiniões e ideias que melhor satisfaçam o desejo dos consumidores. Isso significa que as melhores ideias vencerão? Será o mercado de ideias, por si mesmo, o melhor filtro para separar o verdadeiro do falso?

Hélio Schwartsman - Bolsonaro é macho?

Folha de S. Paulo

Sua atitude covarde de culpar terceiros não combina com o ideal de virilidade

O assunto é delicado, mas não vejo como possamos furtar-nos a ele. A pergunta se impõe: Bolsonaro é macho? E vão se acumulando indícios de que não é. Antes de prosseguir, gostaria de dizer que, pessoalmente, não penso que a virilidade seja uma característica desejável na política. Pelo contrário, creio que ganharíamos se as decisões que mais afetam a sociedade fossem tomadas com base não em testosterona, mas em ponderações racionais.

O presidente, porém, parece ter uma visão diferente da minha. Ele já deu várias declarações sugestivas de que erige confusas idealizações em torno da hombridade em ponto central tanto para sua ética pessoal como para a própria autoimagem. Para não nos alongarmos muito, lembro apenas que Bolsonaro já disse preferir ver um filho seu morrer a aparecer "com um bigodudo por aí" e que qualificou como "fraquejada" o fato de ter gerado uma filha em seu último ciclo reprodutivo.

Eliane Cantanhêde – ‘Dignos de dó’

O Estado de S. Paulo

Oposições deram vexame no domingo e ainda têm de engolir a ironia de Jair Bolsonaro

O grande vitorioso dos atos de protesto do domingo, 12 de setembro, assim como do Dia da Pátria, 7 de setembro, foi o mesmo: o presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro. Além de mobilizar as suas tropas a seu favor, ele é beneficiado pela incapacidade de os comandos adversários se unirem e atraírem as próprias tropas às ruas.

O grande troféu de Bolsonaro circula freneticamente nas redes sociais: as imagens comparando as manifestações a favor, gigantescas, e os atos contrários, minguados, desenxabidos. E ele não se fez de rogado, ao ironizar seus opositores como “dignos de dó”.

Doze partidos tentam articular uma frente ampla, um resgate do espírito das Diretas-Já, de 1984, para enfrentar o inimigo comum: Jair Bolsonaro, que traz com ele ameaça de golpe e à harmonia entre os Poderes e ao equilíbrio federativo. O efeito mais visível é na economia. O mais dramático é a miséria crescente.

Felipe Salto* - Cordeiro em pele de cordeiro

O Estado de S. Paulo

No ambiente criado por Bolsonaro, não há a menor possibilidade de avançar com as reformas.

Winston Churchill costumava referir-se a Clement Attlee, líder trabalhista, por meio dessa versão modificada da conhecida expressão “lobo em pele de cordeiro”. A alcunha ajeita-se perfeitamente ao perfil do presidente Jair Bolsonaro. Ele não governa a partir de um ideário e de um plano construído com o Congresso Nacional, como se espera no modelo presidencialista vigente. Planta o caos, cria canais diretos com seus seguidores mais radicais, ignora a importância do equilíbrio institucional e, quando julga ter passado do tom, volta atrás. Neste ambiente, não há a menor possibilidade de o País avançar na agenda de reformas. A direção simetricamente oposta é a mais provável: retroceder nas áreas tributária, social, econômica e fiscal.

A famigerada carta veiculada após as manifestações do 7 de setembro não é senão um recuo, mas com prazo de validade. Enquanto isso, o País padece em meio à inflação de 10%, ao desemprego e à ausência de rumo em todas as áreas. Perde-se tempo e vidas continuam sendo ceifadas pela pandemia e pela crise econômica e social. Entretanto, o que importa ao chefe do Poder Executivo e a seus auxiliares é plantar tempestades para, então, acenar com uma aparente diástole. Ocorre que essa instabilidade não passa incólume. A economia vai crescer abaixo de 2% no ano que vem. No segundo semestre de 2021, deve ficar estacionada, no melhor dos cenários – isto é, se não houver uma crise energética e hídrica, como muitos já preveem.

Andrea Jubé - A eleição-unicórnio

Valor Econômico

Reviravolta sobre Lula em 1994 anima a terceira via

A articulação por uma alternativa de fôlego à polarização entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na sucessão presidencial aguçou a criatividade dos estrategistas políticos.

A novidade é a apropriação de um termo da economia, da mitologia grega - e, por que não, da literatura brasileira - para designar a próxima eleição presidencial, caso o postulante da terceira via ultrapasse Lula e Bolsonaro, e numa espécie de duplo twist carpado, vença o pleito, ou pelo menos, garanta uma vaga no segundo turno.

Essa possibilidade, considerada ainda remota entre raposas políticas e analistas experientes, passou a ser chamada em algumas rodas em Brasília de “eleição-unicórnio”.

Na economia, o termo foi criado pela investidora do Vale do Silício Aileen Lee para batizar as startups que atingem a marca de US$ 1 bilhão em valor de mercado.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Os bárbaros ameaçam a República

Valor Econômico

Talvez estejamos numa empreitada verdadeiramente subversiva em seu paradoxo: a construção da República dos Bárbaros

Em entrevista concedida a Bob Woodward na Casa Branca, Donald Trump confessou: “Eu boto a raiva para fora. Eu boto a raiva para fora. Sempre gostei. Eu não sei se isso é um ativo ou um passivo, mas seja o que for, eu faço”. Trump exprime o declínio dos valores e das ideias que inspiraram os Estados Unidos na construção da chamada ordem mundial do pós-Guerra. Terminado o conflito, as forças vitoriosas, democráticas e antifascistas trataram de criar instituições destinadas a impedir a repetição da desordem destrutiva que nascera da rivalidade entre as potências e da economia destravada.

Nos idos de 2018, Martin Wolf, editor do Financial Times, denunciou as manobras de Donald Trump para implodir a ordem mundial. “São características destacadas do comportamento de Trump suas invenções, sua autocomiseração e sua prática da intimidação: os outros, inclusive os aliados históricos, estão “zombando de nós” em relação ao clima ou “nos enganando” em relação ao comércio exterior. A União Europeia, argumenta ele, “foi implantada para tirar proveito dos EUA, certo? Não mais... Esse tempo acabou”.

O filósofo Fredric Jameson, no livro “A Cultura do Dinheiro”, advertia no início do milênio: “Os quatro pilares ideológicos, jurídicos e morais do alto capitalismo - constituições, contratos, cidadania e sociedade civil - são, hoje, vadios maltrapilhos, mas sempre lavados, barbeados e vestidos com roupas novas para esconder sua verdadeira situação de penúria”.

O magnífico projeto iluminista-burguês da liberdade, igualdade e fraternidade, avaliado em seus próprios termos e objetivos, está fazendo água diante da alucinante e alucinada competição entre as sociedades e suas lideranças para mergulhar o planeta nos esgotos da barbárie.

Edu Lyra - Favela, uma nova Amazônia

O Globo

O mundo se comove com a situação da Amazônia. Com razão: a floresta é uma das mais ricas em biodiversidade, serve de morada a vários povos originários e desempenha papel fundamental na regulação do clima. Se a Amazônia está em perigo, o planeta está em perigo.

Como os países já entenderam essa lição, há engajamento em escala global. O mundo desenvolvido faz aportes milionários para garantir a preservação da floresta e implementa sanções econômicas a quem insiste em lucrar com a destruição do bioma. A Amazônia é percebida como um desafio para a humanidade, e isso une lideranças políticas e empresariais dos quatro cantos do mundo.

A favela precisa se tornar uma nova Amazônia. A comunidade global precisa aprender que a miséria em qualquer parte é uma ameaça concreta à estabilidade do mundo. Logo, a situação da favela é também problema de todos nós.

Míriam Leitão - Os muitos riscos dos indígenas do Brasil

O Globo

Os indígenas brasileiros vivem várias aflições e emergências, enquanto o Brasil, mergulhado em crises, mal tem tempo para refletir. No Supremo, o debate do marco temporal afetará todos os povos. Para o bem ou para o mal. O julgamento será retomado amanhã. Na Funai estão vencendo portarias que protegem áreas onde estão índios isolados. O tempo corre para populações que nem têm entendimento do que se passa neste Brasil conflagrado. Sábado que vem expira a portaria que protegeu uma área em Mato Grosso, onde estão remanescentes dos Piripkura. Há outras. Renová-las é questão de vida ou morte.

— Nós estamos num momento de muito perigo para os índios isolados com a questão das portarias. Nós temos os Piripkura, Katawixi, Pirititi, Ituna Itatá. Se as portarias que protegem as áreas não forem renovadas — e a Funai não parece preocupada — isso vai deixar nossos parentes isolados ainda mais vulneráveis — diz Beto Marubo, representante da União dos Povos do Vale do Javari (Unijava), região onde há mais indígenas isolados no mundo e membro do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados (OPI).

Cláudio de Oliveira* - Só com unidade os democratas prevalecerão sobre o golpismo

Um dos possíveis motivos pelos quais as manifestações convocadas pelo MBL e o VPR não tenham sido massivas talvez seja o fato de que elas não foram efetivamente unitárias. Em muitos desses atos pelo Brasil havia cartazes e bandeiras contra Lula e o PT e houve registros de incidentes com partidários do candidato do PDT, Ciro Gomes. 

Para que os protestos contra Bolsonaro sejam unitários é necessário que os atos contem com o consenso de todas as forças políticas democráticas. Candidaturas ou propostas de terceira via devem ser colocadas em espaços próprios, evitando a instrumentalização das manifestações.

A primeira tarefa dos democratas seria que movimentos sociais e partidos políticos democráticos se sentassem à mesa para eleger uma coordenação conjunta que estabelecesse algumas questões.

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão* - Cenário de desvarios

Vota-se num corrupto para se livrar de um louco, ou em um louco para se livrar de um corrupto.

Transita-se neste momento no Brasil por um ambiente de asilo machadiano, com “casa verde” para internação dos loucos e “revoltas de canjicas”. Semana passada, chegou-se ao ponto de querer tomar as terras centenárias de mais de 100 etnias indígenas. O tema continua em pauta. As ruas parecem legitimar o cenário de desvarios.

Longe de qualquer autocrítica, quando o Presidente da República agride os pares ou vacila na tomada de decisões – arrouba-se a ir à frente ou caminhar para trás -  dá-se a impressão de que ele gera os elementos de que precisam os doutores Barcamartes para interná-lo.   

Os cidadãos vão às ruas sem conseguir enxergar que o Produto Interno (PIB) está caindo, a inflação e os juros subindo, as taxas de desemprego aumentando e o descrédito do Brasil se espalhando pelo mundo.  Os problemas internos vem se acumulando há anos, não apenas por desvios históricos de conduta, mas também, e sobretudo, pela falta de soluções e competência para gerir a coisa pública.

Desapareceu a tecnocracia de Estado. O País vem sendo governado por quem não consegue distinguir o patrimônio e o interesse público. O governo Bolsonaro não fica atrás.  As equipes que tem assumido as rédeas do Poder tem dificuldade de compreender os dilemas e as prioridades nacionais, bem como de avaliar as repercussões dos desafios que vão se acumulando.  O atual Presidente, se sabe disso, procura contornar, ganhando tempo com divagações no campo da política, e assim cavalga sobre os dilemas cotidianos da população.

  As agressões e provocações repetidas insanas e sistematicamente são vistas pelo educador Rudolf Steiner, no seu estudo sobre o comportamentos humanos, como “bases anímicas e enigmáticas”, cuja culpa pode ser atribuída à flácida legislação eleitoral brasileira. Comportamentos estranhos podem    desembocar mesmo em um estado de loucura e, pragmático, até mesmo em um impeachment. Seria um outro longo sofrimento para os brasileiros, pois o País para de vez. O da Dilma demorou seis meses.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

A democracia não é uma foto

O Estado de S. Paulo

O dia 12 de setembro mostrou que o caminho não está deserto e pessoas de diferentes correntes ideológicas decidiram trilhá-lo

O presidente Jair Bolsonaro queria uma foto no dia 7 de setembro. Sua expectativa era de que uma imagem pudesse contradizer as pesquisas de opinião, que vêm constatando o crescimento da rejeição e da desaprovação de seu governo. Bolsonaro obteve a foto com seus apoiadores na Avenida Paulista, mas a indesmentível realidade permanece. O presidente nunca teve tão pouco apoio popular e, principalmente, continua a negligenciar os gravíssimos problemas do País.

Já as manifestações do domingo passado talvez tenham frustrado quem queria obter com elas uma foto da oposição a Jair Bolsonaro. A rejeição aos abusos, negacionismos e irresponsabilidades do governo federal é inequivocamente maior do que a imagem obtida com os eventos do dia 12 de setembro. De toda forma, o que ocorreu no último domingo revela dois importantes fatos para o futuro da democracia brasileira.

Houve uma inédita reunião de forças políticas, bastante divergentes entre si, em torno de uma causa comum. Deixando de lado evidentes diferenças ideológicas, lideranças da sociedade se uniram em defesa da democracia. Um mesmo palanque recebeu pessoas muito diferentes, que estavam ali por um único motivo: expressar sua insatisfação com o autoritarismo de Jair Bolsonaro.

Se o número de manifestantes pode dar margem a que bolsonaristas desdenhem dos atos de 12 de setembro, a reunião inédita na história recente do País de pessoas com propostas políticas tão diferentes revela uma novidade que não convém desprezar. A comparação meramente quantitativa entre os eventos de terça-feira e de domingo não é apenas injusta pela disparidade de recursos empregados e pela diferença entre o apoio a um político e a defesa de uma causa cívica. Ela é incapaz de captar a dimensão social e política do que ocorreu no domingo passado: um efetivo pluralismo de ideias e propostas em torno de uma causa comum.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Memória

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.