quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Merval Pereira - Mãos irresponsáveis

O Globo

A condescendência das autoridades da Organização das Nações Unidas (ONU) com o presidente Bolsonaro, permitindo que assumisse o púlpito para fazer o discurso de abertura da sessão inaugural sem estar vacinado, não se justifica, pois, como ficou comprovado, ainda não há segurança de que quem já teve Covid-19 esteja protegido de ser infectado novamente ou de infectar alguém.

Bolsonaro, do alto de sua ignorância prepotente, disse ao primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, que “ainda” não havia se vacinado, mas que sua imunidade estava bastante alta. Não se sabe se o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, “já saiu com o bichinho” do Brasil, como disse o vice-presidente Hamilton Mourão, ou se o apanhou por fazer parte da comitiva de um presidente que menospreza os cuidados básicos e trabalha contra a vacinação, embora a defenda da boca para fora nos fóruns internacionais.

O Brasil levou uma comitiva enorme, mas completamente inútil para a reunião da ONU em Nova York. Não havia nada marcado para ninguém, a não ser passear de avião e ouvir o discurso do presidente Bolsonaro. É impressionante que ainda nos comportemos dessa maneira, reafirmando nossa regressão atual a republiqueta de bananas.

Malu Gaspar - O julgamento da História não basta

O Globo

Embora escasso em surpresas, o discurso de Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU trouxe um trecho que chamou a atenção. Ao fazer uma defesa enfática do “tratamento precoce” contra a Covid-19 (leia-se cloroquina), apoiando-se na recomendação do “nosso Conselho Federal de Medicina”, Bolsonaro cobrou os líderes presentes:

— Não entendemos por que muitos países, juntamente com grande parte da mídia, se colocaram contra o tratamento inicial. A História e a ciência saberão responsabilizar a todos.

Bom, se o presidente não entende, não há o que se possa fazer. O que a ciência tem dito é que o “tratamento precoce” não tem eficácia contra a Covid-19. Como disse a microbiologista Natalia Pasternak na CPI da Covid, a cloroquina só não foi testada nas emas. Tudo o mais foi experimentado, infelizmente sem resultados. Mesmo o governo de Donald Trump descartou seu uso. No resto do mundo, essa discussão já foi superada faz tempo.

Míriam Leitão - Escalada de juros e outros riscos

O Globo

Os juros subiram um ponto percentual e subirão outro ponto percentual na próxima reunião. A questão é até que nível terá que subir para garantir a queda da inflação no ano que vem. Economistas começam a projetar a Selic acima de 9%. A taxa está perto do que estava no começo do governo Bolsonaro, mas a inflação que era de 4,31% agora beira os 10%. Se o BC mantiver o ritmo, os juros chegam ao fim do ano em 8,25%, uma mudança radical, porque há seis meses estavam em 2%. Há várias outras sombras na conjuntura, como a crise hídrica, que tem efeito de reduzir ainda mais o crescimento, e a pedalada fiscal, que está sendo preparada no Congresso.

Segundo o Banco Central há muitas pressões sobre a inflação. Sobem preços industriais e dos serviços, persistem as pressões sobre combustíveis, energia e alimentos, “que refletem fatores como câmbio, preços de commodities e condições climáticas desfavoráveis”. O BC alertou também que “o risco fiscal segue elevado” e isso dá uma “assimetria altista no balanço de riscos, ou seja, com trajetórias para a inflação acima do projetado no horizonte relevante da política monetária”. É isso, inflação disseminada com várias pressões e risco fiscal.

Cora Rónai – Do baixo clero a baixa presidência

O Globo

O país parece destinado a passar vergonha, seja em restaurante estrelado em Paris, seja em calçada de Nova York

Bolsonaro não existe mais. Depois da tentativa de golpe do dia 7 de setembro, quando ficou claro que o Brasil consegue funcionar a despeito do que ele, as milícias e os caminhoneiros propõem, deixou de ter qualquer importância. Vai continuar esbravejando e causando, vai continuar fabricando Medidas Provisórias e PLs cheios de más intenções, mas o seu show acabou. Morreu. Se vai ser enterrado nas urnas ou antes disso só importa porque há muito a reconstruir no Brasil, e cada dia perdido é mais um prejuízo.

Bolsonaro juntou o que tinha e o que não tinha para a sua cartada golpista. Ao longo dia 7, mas sobretudo na noite tenebrosa do dia 6, o bolsonarismo veio com tudo. Felizmente havia adultos em Brasília, e eles tomaram providências. O tudo se fez nada muito rápido porque era nada desde o começo: onde o Messias se via como um leão rugindo, foi fácil perceber o pato, manco das duas patas.

Luiz Carlos Azedo - Ministro da covid-19

Correio Braziliense

Queiroga resolveu entrar na onda de Bolsonaro e desacreditar a CoronaVac, a vacina do Butantã, que salva as vidas de milhões de brasileiros na pandemia de Covid-19

Tem coisas que realmente só acontecem no governo de Jair Bolsonaro. Por exemplo: ministros e outras autoridades descobriram que a melhor maneira de se manter no cargo, apesar de fracassarem por incompetência, é atacar a imprensa, defender as teses mais estapafúrdias e apoiar as atitudes negacionista do presidente da República. A fórmula foi adotada logo no começo do governo pelo então ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, que já assumira o cargo enrolado por causa de denúncias de crimes eleitorais — porém, logo virou um padrão de comportamento, toda vez que alguém começa a colecionar desgastes no cargo. Nem sempre o expediente garante a posição, mas, ao menos, prolonga a permanência no posto e permite uma retirada em ordem, como no caso de Marcelo Álvaro.

Quem agora se supera com esse estratagema é o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que está com covid-19 e teve contato com várias autoridades na viagem que fez a Nova York, integrando a delegação brasileira à Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Bolsonaro foi a grande atração do evento internacional, depois do presidente norte-americano Joe Biden, não por causa de seu discurso na abertura da assembleia, mas devido ao fato de não ter se vacinado e não poder fazer as refeições nos restaurantes da cidade, conforme as normas sanitárias adotadas pela Prefeitura de Nova York. Além de mostrar os dedos médios das duas mãos para manifestantes, pela janela da van que transportava a comitiva presidencial, Queiroga voltou às manchetes porque testou positivo e terá que ficar 14 dias de quarentena na cidade.

William Waack - ‘Canudos não se rendeu’

O Estado de S. Paulo

A boçalidade registrada em Nova York é constrangedora para nossas elites

Provocou em muita gente um sentimento de “vergonha alheia” a boçalidade da comitiva presidencial em Nova York.

As peripécias envolvendo a comitiva presidencial para participar da Assembleiageral da ONU em Nova York demonstram que boçalidade é contagiante. É até possível por hipótese admitir que um político disputando votos, como é o caso de Jair Bolsonaro, calcule ganhar vantagem eleitoral com comportamentos boçais em público. Faz tempo que “tosco” virou “autêntico” (Collor dizia ter aquilo roxo).

Também por hipótese pode-se admitir que ministros de Estado que fazem gestos obscenos para manifestantes (o da Saúde) ou macaqueiam símbolos usados em campanha política pelo presidente (o das Relações Exteriores) – como aconteceu em Nova York – jogaram fora compostura e decoro para agradar ao chefe. Puxa-saquismo e apego ao cargo são reconhecidamente parte da condição humana. Talvez imperdoável, mas compreensível.

Eugênio Bucci* - O pior negacionismo

O Estado de S. Paulo

Sem memória e sem caráter, o negacionismo que beneficia o negacionista se restaura

Na ressaca do descalabro que foi o discurso do presidente brasileiro na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, na terça-feira, em Nova York, a gente se acabrunha. O grau do vexame extrapolou as piores expectativas. Em meio a mentiras ofensivas, distorções estúpidas e apologia de fármacos abstrusos, a saraivada de despautérios não convenceu ninguém e constrangeu o mundo inteiro. Aos conterrâneos do orador – dito mito, mas, de fato, mitômano – só restou engolir a humilhação. Vergonha – este foi o título do editorial do Estado em sua edição de ontem. Palavra bem aplicada.

Somos uma nação envergonhada, com as costas pensas sob o próprio fracasso. No ritmo em que as florestas deste país fumegam delirantemente, a esperança vira cinzas. O desastre ecológico e a tragédia sanitária se adensam num malogro político depressivo. Quando a autoridade máxima desta terra ardente (“qual fogueira de São João”) vai à ONU e pronuncia tudo o que pronunciou, em nosso nome, e nada lhe acontece, é sinal de que alguém aqui abdicou da dignidade.

Nestas horas, pouco adianta o sujeito sacar o celular e “postar” nas redes que o chefe de Estado é genocida. A inquietação lamurienta dos descontentes é seu triunfo. Cuspindo ácido sulfúrico, ele desfila sobre cadáveres de gente e de sonhos. Chamado de negacionista, mostra os dentes: negacionistas são vocês.

Talvez seja isso mesmo. Como já se percebeu, o pior negacionismo não é o dele, que rejeita a ciência, o saber e o diálogo, mas o daqueles que se negam a ver que estamos diante de um inimigo declarado da democracia, obcecado em preparar um golpe de Estado. O pior negacionismo é aceitar a permanência do governante que aí está e, nessa aceitação tácita, assinar um pacto de sangue com o projeto de ditadura que ele pretende pôr em prática.

José Serra* - Governar é preciso

O Estado de S. Paulo

Governo que dá costas ao vácuo de governança corre o risco de ser engolido por ele

Para Sigmund Freud, grande observador das manifestações da alma humana, três profissões são impossíveis: educar, governar e analisar – aquela a que ele mesmo se dedicou. Dado o número dos que buscam, a cada dois anos, uma função sujeita ao escrutínio eleitoral, parece que muitos não concordam com Freud. Isso porque essas três funções não dependem de quem quer exercê-la, pois ninguém cura quem não se dispõe a ser curado, nem ensina a quem não quer aprender, nem muito governa quem não aceita ser governado.

Há mais de uma década tem-se observado, nas democracias representativas, um descolamento entre os eleitores e seus representantes, que se expressa num número significativo de sociedades, sob a forma de uma profunda insatisfação com a maneira como o povo é governado. Em muitos países, em todos os continentes, essa insatisfação tem sido manipulada por demagogos aventureiros, autoritários e populistas, para chegarem ao poder pela via eleitoral.

Uma das características desses aventureiros parece ser a crença subjacente de que, para governar, basta ter um botão em uma das mãos e um chicote na outra. Apertado o botão, seriam remotamente coletadas as receitas públicas, a máquina burocrática se encarregaria de sua gestão e a vontade do chefe seria cumprida num estalar de dedos. E os insatisfeitos seriam corrigidos a chicotadas, que é o que ocorre nas “repúblicas democráticas”, “populares”, socialistas ou teocráticas.

Lembro-me bem de minha primeira função pública, como secretário de Economia e Planejamento de São Paulo e encarregado de estabilizar as contas do Estado. Era frequentemente assediado pelos jovens militantes empolgados com a vitória, conquistada nas urnas, pela oposição ao regime burocrático militar. Diante da ausência de recursos para realizar seus sonhos legítimos, recorriam à noção de que se tratava de decidir politicamente, e não de acordo com o orçamento disponível. Muitas vezes perguntei o que seria decidir politicamente: encher o carrinho no supermercado, chegar ao caixa e, em vez de pagar, fazer um discurso?

Adriana Fernandes - Casamento de Guedes

O Estado de S. Paulo

Resta torcer para que o Senado reformule o texto do IR e desative bomba fiscal

O acordão Pacheco-Lira-Guedes para a aprovação da PEC dos precatórios, com um texto que abre R$ 17 bilhões de espaço fiscal no Orçamento de 2022, envolve a aprovação do projeto do Imposto de Renda pelo Senado. Mesmo que seja modificado.

O que o presidente da Câmara, Arthur Lira, e ministro da Economia, Paulo Guedes, esperam do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, é que ele acelere a votação do projeto, aprovado na Câmara sob uma saraivada de críticas pelas distorções que traz ao sistema tributário.

Pacheco colocou o projeto na geladeira assim que ele chegou ao Senado, mas no dia do acordo dos precatórios o nome do relator saiu da cartola. Do partido de Gilberto Kassab, o senador baiano Ângelo Coronel (PSD) foi o indicado para relatar o projeto na Comissão de Assuntos Econômicos da Casa e deve ter uma postura menos alinhada com o governo.

Por isso, causou alvoroço nas redes sociais, ontem, uma postagem do relator da PEC 110 de Reforma Tributária ampla, senador Roberto Rocha.

Com a publicação de uma foto ao lado de Guedes, Rocha atestou que o ministro acabara de confirmar apoio do governo à PEC que cria o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) para impostos sobre consumo. “Pela 1.ª vez na história, União, Estados e municípios estão de acordo sobre a mesma proposta de Reforma Tributária da base consumo”, escreveu.

Maria Hermínia Tavares* - Nu em Nova York

Folha de S. Paulo

Positivo, esforço de recuperar a tradição diplomática não restitui o respeito internacional perdido

Depois da saída de Ernesto Araújo, o Ministério das Relações Exteriores trocou o delírio reacionário do seu bisonho titular por uma discreta tentativa de regresso à tradição da diplomacia brasileira.

Sumiram as falas apocalípticas contra o “globalismo”, o “ambientalismo” e o “marxismo cultural”; jovens quadros foram dispensados da desonrosa incumbência de censurar a palavra “gênero” nos documentos do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Cessaram as louvações a Donald Trump e a afronta ao sucessor democrata Joe Biden, cuja vitória o Brasil foi um dos últimos países a reconhecer —uma grosseria que o barão do Rio Branco jamais poderia imaginar que a sua casa viesse a cometer.

Bruno Boghossian – Escândalos da cloroquina

Folha de S. Paulo

Presidente decidiu permanecer ao lado de protagonistas de escândalos da cloroquina

Jair Bolsonaro facilitou o trabalho da CPI da Covid. No momento em que os senadores levantam suspeitas de uma operação que empurrou cloroquina para milhares de pacientes, falsificou a eficácia de medicamentos e ocultou mortes pela doença, o presidente mostrou que aquela era uma política oficial do governo.

A defesa do "tratamento precoce" foi levada sem pudor à sede da ONU. Em seu discurso na Assembleia-Geral deste ano, Bolsonaro disse que sempre apoiou "a autonomia do médico" para receitar remédios comprovadamente ineficazes.

O presidente permanece ao lado dos protagonistas dos escândalos da cloroquina. Na prática, ele demonstra que existe, até hoje, apoio político aos responsáveis por experimentos que utilizaram pacientes como cobaias e podem ter adulterado prontuários para forjar resultados positivos do chamado "kit Covid".

Ruy Castro - Muita merda para passar o pano

Folha de S. Paulo

Bolsonaro pode trocar a eleição pela blindagem do centrão, mas precisa combinar com a Justiça

Jair Bolsonaro declarou outro dia que o futuro só lhe reservava três opções, lembra-se? A prisão, a morte ou a vitória. A primeira ele descartou: "Eu não vou ser preso". A segunda delegou ao imponderável: "Só a morte me tira daqui". Restou-lhe a vitória, que ele via como inevitável, fosse através da fraude dos votos impressos ou de um golpe. O golpe broxou, como sabemos, e as pesquisas apontam que até um poste o derrotará no segundo turno. Ciente disso, o centrão, seu sócio no poder, cogita oferecer-lhe uma saída: renunciar à disputa presidencial, em troca de blindagem no Congresso contra o que o espera fora do Planalto —a cadeia.

Vinicius Torres Freire - Brasil malparado até 2023

Folha de S. Paulo

Não há muito mais o que fazer na economia, apenas evitar inflação e algo pior

Lá pelo início do ano que vem, a gente vai voltar a ver um Brasil parecido com o do meião do governo de Michel Temer, fins de 2017, em termos de taxa básica de juros. Isto é, uma Selic perto de 8,5%, com inflação do ano seguinte rondando 3,5%, se o arrocho monetário funcionar. Não é improvável que o crescimento da economia fique perto de 1%, padrão Temer, embora a esta altura previsões de PIB para o ano seguinte costumem ser muito chutadas e muito erradas.

De maior, mais importante e mais visível adiante é que a economia do Brasil é um barquinho sem motor, com um leme que mal funciona; que a vida da larga maioria do povo não vai mudar no ano que vem. Dados o desgoverno agora praticamente sem conserto e as turbulências pelas quais o país vai enfrentar, teremos sorte se evitarmos naufrágio.

A contar de agora, temos adiante:

Maria Cristina Fernandes - Acordo dos precatórios sela cumplicidade

Valor Econômico

Ao dar folga no Orçamento a um presidente que já não demonstra capacidade de governar, Congresso se torna cúmplice do desfecho de sua gestão

A lógica que move o adiamento da sabatina do ex-advogado- geral da União, André Mendonça, indicado ao Supremo Tribunal Federal, é a de que se o presidente da República quer fechar a Corte o Senado não deve se apressar em confirmar o próximo ministro.

Transponha-se o mesmo argumento para o acordo do Orçamento da União de 2022 e se tem a massa de que é feita a política hoje em Brasília. Por que o Senado vai viabilizar um acordo no atropelo de regras fiscais para dar uma folga orçamentária ao Executivo de quase R$ 50 bilhões no próximo ano se o presidente já deu demonstrações de sobra de que não tem condições de governar?

É nas respostas a esta pergunta que está o mapa da cumplicidade não apenas de aliados do bolsonarismo mas de todos os Poderes. A primeira resposta oferecida é a de que negar este acordo equivaleria a acender um fósforo para ver se tem gasolina no tanque. Sem a recalibragem do Auxílio Brasil, por exemplo, poderia haver saques no país, que é tudo o que o presidente Jair Bolsonaro quer para tumultuar o ano eleitoral.

Lu Aiko Otta - Eleições de 2022 sob o impacto do meteoro

Valor Econômico

Resolver impasse dos precatórios interessa ao governo e ao Congresso

Quando assumiu o Ministério da Fazenda usando uma camisa e uma gravata compradas às pressas num shopping em Brasília para a formalidade, o ex-ministro Guido Mantega passou a ocupar o gabinete do 5º andar do Bloco P da Esplanada dos Ministérios com uma certa desconfiança. Dizia sentir fluidos de seu antecessor, Antonio Palocci, no ambiente.

Hoje, o fantasma que assombra o mesmo gabinete é outro: o do impeachment presidencial motivado por “pedaladas” nas contas públicas. É por temê-lo que o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem redobrado a cautela na construção de uma solução para o “meteoro” dos precatórios, uma conta de R$ 89,1 bilhões a ser paga em 2022.

Pagar essa conta extraordinária “sem ir para a cadeia”, como exagera um interlocutor do ministro, é o centro das preocupações no Ministério da Economia. Avalia-se que a solução que começou a ser construída nesta semana precisará alterar a Constituição Federal, para dar a devida cobertura jurídica aos integrantes da equipe econômica.

Por isso, o desenho discutido por Guedes com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), será acomodado na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 23/21, já em tramitação.

Senado rejeita coligações em eleição para o Legislativo

Proposta que foi articulada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi aprovada apenas em parte e será promulgada

O Estado de S. Paulo

Daniel Weterman / Camila Turtelli / O Estado de S. Paulo

O Senado aprovou a Proposta de Emenda à Constituição com mudanças eleitorais, mas rejeitou o retorno das coligações em eleições para o Legislativo, que havia passado na Câmara e era uma reivindicação dos pequenos partidos. Outro ponto vetado pelo Senado é o que estabelecia que decisões do STF e do TSE sobre processo eleitoral teriam de ser tomadas, no máximo, um ano antes para valer no pleito seguinte.

O Senado aprovou ontem Proposta de Emenda à Constituição (PEC) com mudanças eleitorais, mas rejeitou o retorno das coligações em eleições para o Legislativo. O novo texto foi aprovado por 70 votos a 3 no primeiro turno e 66 a 3 na segunda etapa de votação. A aprovação de apenas parte da PEC original, sem possibilidade de nova votação pelos deputados, reduziu o impacto do projeto. Os senadores contiveram a iniciativa do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), que foi derrotado.

Desidratada de pontos que não eram consensuais e atendiam a interesses dos deputados, a proposta aprovada ficou mais restrita. O Senado ainda terá de examinar outra proposta de modificações eleitorais mandada pela Câmara sob a liderança de Lira. Ela unifica a legislação das eleições em um único código. Com mais propostas controversas, como a censura a pesquisas eleitorais e o afrouxamento de punições a transporte de eleitores e boca de urna, a proposição tem pouca chance de ser votada até 2 de outubro, para vigorar para a eleição de 2022. Na semana passada, a avaliação entre senadores era que o mais provável seria que as mudanças valessem em 2024.

Desaprovação a Bolsonaro sobe dez pontos em sete meses e alcança 68%, diz Ipec

Pesquisa também indica que o grupo de eleitores que não confiam no atual chefe do Executivo já somam 69%

Filipe Vidon  / O Globo

RIO — A desaprovação dos eleitores brasileiros ao governo Jair Bolsonaro (sem partido) subiu dez pontos percentuais em sete meses e alcançou a marca de 68%, segundo pesquisa divulgada pelo Ipec nesta quarta-feira. No último levantamento, em junho deste ano, o mandatário era desaprovado por 66% dos eleitores entrevistados e, em fevereiro, a marca era de 58%.

A alta nos números negativos vem na esteira das investigações de supostos casos de corrupção envolvendo a compra de vacinas contra a Covid-19 e o avanço da CPI da Covid sobre figuras centrais do governo Bolsonaro. A pesquisa também mostra que o número de eleitores que aprovam a gestão oscilou dois pontos percentuais em relação à pesquisa feita em junho, totalizando 28%. Em fevereiro, a aprovação ao governo era de 38%. Os que não souberam ou não responderam são 4% dos entrevistados.

O governo também passa por um momento turbulento na economia, com a inflação em alta, o que impacta diretamente na renda dos brasileiros. O número de desempregados também permanece subindo, atingindo 14,6% da população no trimestre encerrado em maio segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o que compreende um contingente de 14,8 milhões de pessoas buscando por uma oportunidade no mercado de trabalho no país.

A pesquisa Ipec também mostra que para 53% dos entrevistados o governo está sendo ruim ou péssimo, o que representa um crescimento de quatro pontos percentuais quando comparado ao levantamento de junho (49%), e 14 pontos percentuais em relação a fevereiro (39%).  Os que consideram o governo de Jair Bolsonaro ótimo ou bom somam 22%, eram 24% em junho e 28% em fevereiro. A avaliação regular é de 23%, ante 26% e 28% em junho e fevereiro respectivamente.

O índice de confiança no governo Bolsonaro caiu dois pontos percentuais, totalizando 28% na pesquisa divulgada hoje, ante 30% em junho e 36% em fevereiro. O grupo de eleitores que não confiam no atual chefe do Executivo alcançou 69% dos entrevistados, o que representa um crescimento de um ponto percentual em relação a pesquisa de julho (68%), e sete pontos percentuais quando comparado aos dados de fevereiro (61%). 3% dos entrevistados não souberam ou não responderam a pergunta.

O instituto ouviu 2.002 pessoas em 141 municípios entre os dias 16 e 20 de setembro. A margem de erro da pesquisa é de dois pontos para mais ou para menos, e o nível de confiança é de 95% de os resultados retratarem o atual momento eleitoral.

O Ipec foi criado por ex-executivos do Ibope Inteligência após o seu encerramento. O novo instituto atua na área de consultoria e inteligência em pesquisas de mercado, opinião pública e política.

Lula consolida a liderança e segue à frente de Bolsonaro na pesquisa Ipec para eleição presidencial

Ex-presidente aparece com 48% das intenções de voto e Bolsonaro, 23%; Lula também vence em outro cenário com 45%, contra 22% do atual presidente

Filipe Vidon / O Globo

RIO — O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) permanece na liderança da corrida pelo Planalto nas eleições de 2022, com 48% das intenções de voto, 25 pontos percentuais a mais que o segundo colocado, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que tem 23% das intenções de voto segundo a pesquisa Ipec. Em votos válidos, o resultado significa que o petista venceria em primeiro turno.

O pedetista Ciro Gomes (PDT), que deve disputar a quarta eleição presidencial, oscilou positivamente de 7% para 8% das intenções de voto. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), aparece em terceiro lugar com 3%, dois pontos percentuais a menos do que no levantamento realizado em junho. João Doria foi o único tucano incluído na pesquisa.

As prévias do PSDB começaram oficialmente nesta segunda-feira e ainda vão indicar oficialmente o candidato do partido que vai disputar a Presidência da República. Ao todo, quatro candidatos fizeram a inscrição no processo interno: Doria, Leite, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e o ex-senador e ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio (PSDB-AM). As campanhas dos dois últimos até agora, porém, se restringem a movimentos internos e eles têm sinalizado simpatia a Leite.

A pesquisa Ipec ainda mostra que o ex-ministro da Saúde na gestão Bolsonaro Luiz Henrique Mandetta (DEM) permanece com 3% das citações, enquanto brancos ou nulo somam 10%, mesmo índice apresentado na pesquisa anterior. Os que não sabem ou não responderam eram 3% e agora somam 4%.

Em outro cenário proposto pela pesquisa, desta vez com mais candidatos apresentados aos entrevistados, o ex-presidente Lula aparece com 45% das intenções de voto, enquanto Jair Bolsonaro foi indicado por 22% dos entrevistados. Neste cenário, Lula estaria no limite da margem de erro para vencer já no 1º turno se as eleições fossem hoje.

Ciro Gomes recebeu 6% das intenções de voto, seguido pelo ex-juiz Sergio Moro, com 5%. O apresentador de televisão José Luiz Datena, postulante pelo PSL, foi apontado por 3% dos entrevistados, e João Doria por 2%.

Mandetta e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, foram indicados por 1% dos entrevistados cada um. Os senadores Alessandro Vieira (Cidadania) e Simone Tebet (MDB) não pontuaram. 9% dos entrevistados declararam votar branco ou nulo, e 5% disseram não saber ou não responderam.

Destaques por segmentos

O ex-presidente Lula aumentou a vantagem que tinha na região Nordeste e oscilou de 63% para 65% das intenções de voto. Entre os que têm apenas o ensino fundamental I também saltou de 52% para 61%. O levantamento também destaca que as intenções de voto em Lula são maiores quanto menor a renda familiar mensal: varia de 29% entre quem tem renda familiar mensal acima de 5 salários mínimos para 59% entre quem tem renda familiar até 1 salário mínimo.

Já o atual mandatário, Jair Bolsonaro, se destaca entre os eleitores da região Norte e Centro-Oeste, oscilando positivamente de 28% para 31%. O número de eleitores evangélicos que citaram Bolsonaro caiu um ponto percentual, oscilando de 32% para 31%. No caso de Bolsonaro, ao contrário do ex-presidente petista, as menções ao presidente aumentam quanto maior a renda familiar mensal do entrevistado, passando de 16% entre quem tem renda até um salário mínimo para 40% entre quem tem renda acima de cinco salários mínimos.

Ciro Gomes tem a preferência dos eleitores com ensino superior (13%). Os demais candidatos apresentam intenções de voto distribuídas de maneira homogênea nos segmentos analisados.

O instituto ouviu 2.002 pessoas em 141 municípios entre os dias 16 e 20 de setembro. A margem de erro da pesquisa é de dois pontos para mais ou para menos, e o nível de confiança é de 95% de os resultados retratarem o atual momento eleitoral.

O Ipec foi criado por ex-executivos do Ibope Inteligência após o seu encerramento. O novo instituto atua na área de consultoria e inteligência em pesquisas de mercado, opinião pública e política.

Opinião do dia – Antonio Gramsci* (Filosofia e senso comum)

(Talvez seja útil distinguir “praticamente” entre a filosofia e o senso comum, para melhor indicar a passagem de um momento para o outro. Na filosofia, destacam-se notadamente as características de elaboração individual do pensamento; no senso comum, ao contrário, destacam-se as características difusas e dispersas de um pensamento genérico de uma certa época em um certo ambiente popular. Mas toda filosofia tende a se tornar senso comum de um ambiente, ainda que restrito (de todos os intelectuais). Trata-se, portanto, de elaborar uma filosofia que — tendo já uma difusão ou possibilidade de difusão, pois ligada a vida pratica e implícita nela — se torne um senso comum renovado com a coerência e o vigor das filosofias individuais.

E isto não pode ocorrer se não se sente, permanentemente, a exigência do contato cultural com os “simples”.)

*Antonio Gramsci (1891-1937), “Cadernos do Cárcere”, 4ª Edição, v.1, p.100-1. Civilização Brasileira, 2006.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Privatizando o Orçamento

O Estado de S. Paulo

A bolsonarização do Orçamento e da máquina estatal, forma perversa de privatização, já impôs e continuará impondo custos enormes ao País

Ninguém deve acusar o presidente Jair Bolsonaro de haver negligenciado as privatizações, uma de suas promessas de campanha. De fato, ele foi longe, nessa tarefa, ao pôr a seu serviço – e ao serviço de seus companheiros e aliados – o ainda chamado Orçamento-Geral da União (OGU), uma denominação obviamente superada. Também é preciso lembrar seus esforços, nem sempre vitoriosos, mas sempre notáveis, para subordinar a seus interesses pessoais e familiares a Polícia Federal, o Ministério da Justiça, a Procuradoria-Geral da República e outros órgãos de Estado. Os últimos dados sobre o uso do orçamento secreto comprovam, de novo, o empenho privatizador.

Como apurou o Estado, o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, conseguiu destinar R$ 1,4 milhão do orçamento secreto à obra de um mirante turístico em Monte das Gameleiras, no Rio Grande do Norte. O mirante fica a 300 metros de um terreno de seis hectares de propriedade do ministro. Está projetada a construção, nessa área, de um condomínio de cem casas. Marinho negou ter proposto a aplicação do dinheiro, mas sua responsabilidade, como “autor” ou “agente político” foi confirmada pelos autores da reportagem, Felipe Frazão e Breno Pires, por meio da Lei de Acesso à Informação. Além da privatização do orçamento, para benefício de um membro da equipe bolsonariana, o episódio envolve, portanto, um evidente estímulo ao empreendedorismo paroquial, mais uma façanha merecedora do aplauso dos bolsonaristas.

Poesia | Carlos Pena Filho - Chopp

Na avenida Guararapes,
o Recife vai marchando.
O bairro de Santo Antonio,
tanto se foi transformando
que, agora, às cinco da tarde,
mais se assemelha a um festim,
nas mesas do Bar Savoy,
o refrão tem sido assim:
São trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados.

Ah, mas se a gente pudesse
fazer o que tem vontade:
espiar o banho de uma,
a outra amar pela metade
e daquela que é mais linda
quebrar a rija vaidade.

Mas como a gente não pode
fazer o que tem vontade,
o jeito é mudar a vida
num diabólico festim.

Por isso no Bar Savoy,
o refrão é sempre assim:
São trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados.