quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Merval Pereira - O ‘pato manco’

O Globo

O presidente Bolsonaro já não governa mais. Os vetos derrubados nos últimos dias o consolidam na posição de presidente mais derrotado pelo Congresso nos últimos 20 anos. Na questão dos preços da Petrobras para gasolina, óleo diesel e gás, Bolsonaro tenta há meses encontrar uma maneira de reduzir os aumentos constantes. E agora tem de enfrentar o general Silva e Luna, colocado por ele na presidência da estatal no lugar de Roberto Castello Branco justamente para estancar a alta dos preços.

O general interventor assumiu completamente a tese técnica da Petrobras e, apesar das reclamações de Bolsonaro, anunciou nos últimos dias mais aumentos, na mesma direção da diretoria anterior. A autonomia do Banco Central foi outra “derrota” do governo, embora tenha sido dele a proposta. O presidente Roberto Campos Neto, usando a liberdade que lhe deu a legislação, ficou mais à vontade para criticar a política econômica do governo. Como quando, recentemente, disse que se percebe “o aumento da incerteza do momento presente”, referindo-se à crise deflagrada pelo presidente nos atos de 7 de setembro.

Malu Gaspar – Jogando na confusão

O Globo

Enquanto parte do país oscilava entre o estarrecimento com as revelações do caso Prevent Senior e a irritação com as cenas patéticas do depoimento de Luciano Hang, os dois principais postulantes à Presidência da República em 2022 passaram bem longe da CPI da Covid e voltaram suas baterias para a alta dos combustíveis.

Jair Bolsonaro põe a culpa no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e quer que o Congresso aprove uma lei estabelecendo alíquota fixa e uniforme em todo o país para o imposto, que hoje varia de estado para estado.

"Peço a Deus para que ilumine os parlamentares durante a semana para que aprovem esse projeto na Câmara e depois no Senado. Esse é o problema do dia", afirmou o presidente num palanque do Nordeste.

Estava com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que fez coro. "O Brasil não pode tolerar gasolina a quase R$ 7 e o gás a R$ 120".

Bruno Boghossian - Moro devolve seu nome ao baralho

Folha de S. Paulo

Existe espaço para candidatura do ex-juiz após Vaza Jato e rompimento com Bolsonaro?

Sergio Moro devolveu seu nome ao baralho da eleição de 2022. O ex-juiz se reuniu com aliados na semana passada e discutiu a possibilidade de uma candidatura no ano que vem. No encontro, ele pediu que os participantes evitassem comentar seus planos para evitar problemas com o escritório americano onde ele trabalha como consultor.

Foi o sinal mais explícito do interesse de Moro na disputa desde que ele assinou com a Alvarez & Marsal, no fim do ano passado. O potencial conflito com a firma só existe porque ele continua no jogo.

Dirigentes do Podemos querem fazer de Moro mais um candidato ao Planalto com pretensão de furar o domínio de Lula e Jair Bolsonaro nas pesquisas. Não é um plano simples: assim como outros nomes que reivindicam o tal rótulo da terceira via, o ex-juiz não chega a 10% das intenções de voto em sondagens feitas por institutos e partidos.

Maria Hermínia* - Anatomia de uma crise

Folha de S. Paulo

Os meandros da crise na Capes podem ser obscuros, mas as suas causas são claras

Completados mil dias no Planalto, Jair Bolsonaro não conseguiu fazer o que mais queria: destruir a democracia. No mínimo, seu fracasso dá a esperança de que tenha perdido de vez o bonde que imaginava conduzir pela contramão da história.

Isso não apequena o desastre que seu desgoverno vem provocando com a mistura tóxica de ignorância, incompetência e má-fé. Os exemplos são muitos, nem todos visíveis a olho nu. É o caso do progressivo desmanche da Capes, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Subordinada ao Ministério da Educação, é peça central daquilo que o estudioso americano Jonathan Rauch chama “Constituição do conhecimento” —por fixar as instituições e normas da ciência.

Ruy Castro - Assembleia de araras

Folha de S. Paulo

Luciano Hang fez de seu interrogatório na CPI um show de som e fúria significando nada

Um político é um político, mas, às vezes, tem de ser também um ator. As duas profissões exigem ênfase, eloquência e expressão, o que inclui gesticulação, postura, extensão de voz. Mas cada qual tem o seu palco, e o dos atores é a ribalta; o dos políticos, a tribuna. O problema é quando os palcos e papéis se confundem: a tribuna, onde os políticos deveriam exercer o recato e a razão, transforma-se no palanque de que eles são originários. E, no palanque, vale tudo —arroubos, destemperos, estrebuchos. Como ator, todo político é um canastrão.

Uma comissão parlamentar de inquérito deveria combinar a sobriedade de um debate no Parlamento não com um histrionismo de caçamba de caminhão, mas com a objetividade de uma entrevista jornalística. Afinal, seus membros estão ali para inquirir pessoas sobre assuntos cuja elucidação é importante, ou a dita comissão não teria sido instituída. É natural que essas pessoas sejam recalcitrantes e se esquivem das respostas —mais um motivo para que se façam perguntas eficientes.

Luiz Carlos Azedo - O espetáculo na pandemia

Correio Braziliense

Os líderes da CPI precisam levar em conta as mudanças de cenário e não perder o foco. O objetivo não é promover um carnaval midiático

Ninguém tem dúvida de que a CPI da Covid no Senado tornou-se o epicentro da disputa política entre governo e oposição na conjuntura marcada pelo novo coronavírus. Entretanto, a pandemia está sendo domada, na medida em que a vacinação avança, enquanto o desemprego e a alta da inflação, dos juros e da cotação do dólar começam a ser os fatores de maior repercussão na vida da população. Ou seja, a urgência política está mudando e a comissão começa a perder o protagonismo que tinha, apesar de o elevado número de óbitos por covid-19 ter se tornado um trauma que enluta mais de 600 mil famílias. É muita gente.

O depoimento do empresário Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, ontem, na CPI, ilustra a nova situação, na sequência das espantosas revelações da advogada Bruna Morato, na terça-feira, cujo relato da rotina de ameaças a médicos da operadora de saúde Prevent Senior durante a pandemia foi estarrecedor. Enquanto Morato denunciou a falta de autonomia dos profissionais, a exigência da prescrição de remédios ineficazes e o envolvimento da empresa em um “pacto” com o chamado “gabinete paralelo” do Palácio do Planalto, Hang fez de seu depoimento um case de marketing político e comercial ao confrontar a CPI, porque sustentou as posições negacionistas de Jair Bolsonaro e seus apoiadores, e ainda aproveitou para fazer propaganda de sua cadeia de lojas de departamentos.

Maria Cristina Fernandes - Luciano Hang lidera bolsonarismo contra o Leviatã

Valor Econômico

Enquanto dono da Havan explora revolta contra poder do Estado na pandemia, Bolsonaro cuida de manter o espetáculo na outra ponta com carimbo sobre wi-fi e microcrédito

O depoimento do dono das lojas Havan à CPI da Covid no Senado mostrou que a oposição ainda está despreparada para enfrentar o bolsonarismo na sucessão presidencial de 2022. Levou quatro horas para Luciano Hang começar a falar o que, de fato, importava para sua vinculação com o gabinete paralelo da pandemia e o financiamento das “fake news”.

Até lá, Hang teve palco para se apresentar como representante daquela fatia do eleitorado que está mais fechada com o presidente Jair Bolsonaro. Até vídeo-propaganda de sua empresa teve oportunidade de exibir. O Datafolha chama de empresários e o Atlas de empreendedores, mas os dois institutos convergem na constatação de que este é o segmento em que o presidente colhe seu melhor desempenho, com 48% de aprovação.

Entre eles não se incluem grandes empresários e banqueiros que se mobilizam por uma terceira via, mas donos de restaurantes e botecos, feirantes, cabeleireiras e empreendedores de toda ordem que se multiplicaram com a epidemia do desemprego. Eles se identificam com Bolsonaro porque seu negócio faliu ou foi severamente afetado pelas medidas de restrição adotadas por governadores e prefeitos.

Cristiano Romero - A mais difícil e a mais urgente das reformas

Valor Econômico

Todos querem mudança tributária há trinta anos

Os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), não sepultaram a possibilidade de aprovação da reforma tributária nesta legislatura, mas inovaram ao indicar que o tema, por bem ou por mal, será apreciado até dezembro. Como ocorreu nos últimos 30 anos, a reforma institucional mais demandada pelos agentes econômicos _ inclusive, os contribuintes pessoas físicas _ pode não sair do papel. E a razão é uma só: é impossível conciliar todos os interesses envolvidos nesse tema.

Razões para justificar mudanças no regime tributário brasileiro não faltam. O sistema taxa mais o consumo do que a renda, na contramão das economias avançadas. No 8º país que mais concentra renda no planeta, onde existem mais de 50 milhões de pessoas miseráveis (dependentes de programas de transferência de renda para sobreviver) e a maioria da população é pobre, essa regra ajuda a perpetuar uma de nossas maiores chagas.

William Waack - Nunca foi tão bom

O Estado de S. Paulo

Em 2005 o então presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (1930-2020), insistia com a ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, para que ela realizasse uma promessa feita pelo presidente Lula. “O que o presidente me ofereceu foi aquela diretoria que fura poço e acha petróleo. É essa que eu quero”, foi a célebre frase de Severino, empenhado em colocar um afilhado na Petrobras.

Para os herdeiros políticos de Severino Cavalcanti o mundo melhorou muito nesses últimos 16 anos. Depois de um mensalão, uma Lava Jato, um impeachment e uma onda disruptiva (com a promessa de que tudo ia mudar), o cargo de presidente da Câmara que ele ocupou equivale hoje ao de um primeiro-ministro. Com poderes para vociferar, ao mesmo tempo, contra a Petrobras, os governadores e mantendo a faca no pescoço do presidente da República.

Foi o caso no “show” armado pelo atual presidente da Câmara, Arthur Lira, em torno da política de preços da Petrobras. Não se tratou apenas do costumeiro espetáculo eleitoreiro de políticos preocupados com o efeito corrosivo do formidável aumento dos preços de combustíveis sobre a popularidade de quem disputa votos. Foi uma manifestação eloquente de como as forças unidas do Centrão ditam hoje a agenda política, além de mandar no Orçamento.

Adriana Fernandes - A gravidade da crise de energia

O Estado de S. Paulo

Todos os sinais são de formação de uma crise global no mercado de energia, mas no Brasil as autoridades insistem no jogo diário de empurrar a culpa uns para os outros.

O problema é grave e exige, mais do que nunca, uma resposta organizada porque o horizonte atual é de continuidade dos preços altos de combustíveis e gás depois da pandemia da covid-19, com repercussões macroeconômicas gigantescas.

Um gabinete de crise com governo federal, Estados e – por que não? – caminhoneiros.

O que é mais recomendável é uma abordagem ampla, com a visão de que se trata de uma crise que não é só brasileira, mas global.

O que chama atenção no debate político de Brasília é que as pessoas não estão se dando conta do ambiente hostil no mundo. O tema não foi trazido com a relevância e a seriedade necessárias. O foco na disputa com governadores em cima das alíquotas elevadas do ICMS não reflete a gravidade do problema, que elevou as preocupações do mercado com os gargalos de oferta que comprometem a recuperação econômica global.

Míriam Leitão - O mundo piora, o Brasil patina

O Globo

Tudo começou a acontecer ao mesmo tempo na economia internacional. A China está em desaceleração — desta vez é sério — por causa do gargalo energético e o colapso de uma grande empresa imobiliária. O governo dos Estados Unidos, de novo, bateu no teto da dívida. Haverá muita turbulência política até aprovar um novo teto e há ainda uma instabilidade institucional inédita no Fed. Há uma crise de oferta dentro da indústria, setor que está puxando a recuperação. Essa é a explicação do economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita, para a turbulência desta semana. No Brasil ele diz que há muitas dúvidas entre os economistas sobre a condução da política fiscal pelo governo Bolsonaro e isso se reflete no dólar, na bolsa e no mercado de juros.

Mário Mesquita foi diretor de política econômica do Banco Central e trabalhou no FMI. Recentemente ele fez um forte movimento de revisão do cenário para o ano que vem, derrubando de 1,4% para 0,5% a projeção para o PIB. E acha que se houver racionamento de energia pode ir a zero. Esse cenário é de um ano difícil, com aumento do desemprego. A alta da Selic este ano terá impacto na economia no ano que vem. Ele acredita que em comparação com 2020 e 2021 o governo gastará menos, mesmo sendo período eleitoral. Ou seja, haverá aperto fiscal e monetário.

Vinicius Torres Freire - Bolsonaro mente mais sobre gás

Folha de S. Paulo

Presidente promete cortar valor pela metade usando dados falsos e medidas impossíveis

Jair Bolsonaro disse que o preço do botijão de gás vai cair pela metade, “pode ter certeza, se Deus quiser”.

Se Deus quiser baixar o dólar para R$ 2,70, pode ser. Mas Deus também teria de garantir que o preço do gás no Golfo do México parasse de aumentar.

Se o “Mito” subsidiar o gás de cozinha, também dá, mas só para os muito pobres. Com uns R$ 8 bilhões por ano dá para cortar pela metade o preço do botijão de 13 kg para uns 15 milhões de famílias que recebem Bolsa Família, se essas casas consumirem um botijão por mês. O governo de Bolsonaro poderia tentar arrumar esse dinheiro, que por ora não tem, mas não sabe trabalhar e nem está muito interessado.

Essa conversa é maluca, pois é um diálogo com Bolsonaro, um mentiroso dos mais perversos e ignorantes. Mais uma vez, isso que por convenção se chama de presidente da República atribuiu o preço alto do gás ao imposto estadual, ao ICMS. Mentira.

Cora Rónai – Ninguém sonha com exílio

O Globo

Descobri recentemente Hakim. E fiquei contente por os três volumes já estarem publicados; teria sido aflitivo esperar o desenrolar da história

Não gosto do termo graphic novel. Ele define, em tese, histórias em quadrinhos com pretensões literárias, mas essa definição não funciona, a começar pela expressão “pretensões literárias”. Graphic novels não têm “pretensões literárias”. Elas são uma outra forma de arte, em que o desenho tem peso tão ou mais importante do que as palavras. Elas não precisam ser o que não são para brilhar no mundo.

Infelizmente não posso jogar fora o termo porque ainda não existe outro para definir graphic novels, que são histórias em quadrinhos que vão além das HQs clássicas como as conhecemos das bancas e dos jornais — seja em tamanho, seja em profundidade filosófica; histórias em quadrinhos com um ou dois pés no romance, na História, na ficção científica ou na autobiografia; histórias em quadrinhos, pois, com... pretensões literárias?

(Entra aqui aquele emoji de olhinhos virados para cima, que desistiu de buscar lógica no mundo. Estão vendo como a arte visual é importante para a comunicação?)

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Alta da gasolina não é culpa dos governadores

O Globo

Há exatamente um ano, para encher o tanque de um carro popular, como o Onix, com gasolina comum no Rio, o dono do veículo gastava R$ 211, de acordo com pesquisa da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis em postos da cidade. Hoje o mesmo motorista precisa desembolsar R$ 288. Há um ano, o valor gasto atualmente para encher três tanques era suficiente para pagar por quatro e ainda sobravam uns trocados. A alta de 36% em tão curto espaço de tempo assusta os proprietários de automóveis, alimenta a inflação e tira o sono do presidente Jair Bolsonaro, ciente de que essa é uma das principais causas da queda em sua popularidade a cerca de um ano das eleições de 2022.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), num discurso em Alagoas na terça-feira, mostrou estar acompanhando o tema ao dizer que “ninguém aguenta mais o combustível alto”. Quando uma autoridade da República dá sinais de que também se interessa pelo que acontece aos cidadãos nas ruas, merece aplausos. Lira parece, contudo, mais preocupado com o custo político para o governo que com o bolso dos motoristas.

Em seu discurso, ele deu provas de que não sabe — ou não quer — mirar no alvo. De forma retórica, perguntou: “Sabe o que faz o combustível ficar caro?”. Em seguida, deu a resposta: “São os impostos estaduais. Os governadores têm de se sensibilizar”. Lira prometeu debater um projeto sobre a incidência do ICMS, um tributo estadual. É o mesmo argumento falacioso usado pelo governo Bolsonaro para transferir a responsabilidade para seus adversários políticos.

Poesia | Nicolás Guillén (1902-1989) - Como não ser romântico e século XIX

Como não ser romântico e século XIX,
sinto muito,
como não ser Musset
olhando-a esta tarde
tendida quase exangue,
falando longe,
muito longe do fundo de si mesma,
de coisas leves, suaves, tristes.

Os shorts bem shorts
permitem ver suas coxas escondidas
mais fortes,
a enferma blusa pulmonar
convalescente
tanto como seu queixo-fino-Modigliani,
tanto como seu pé-margarida-trigo-claro,
Margarida de novo (é preciso),
naquela cadeira ocasional tendida
ocasionalmente usando o telefone,
me devolvem um busto transparente
(Nada mais que um pouco cansado).

É sábado na rua, mas em vão.
Ai, como amá-la de maneira
que não me quebre
de tão espumado tão soneto e madrigal.
Me vou. Não quero vê-la.
De tão Musset e século XIX
como não ser romântico.