terça-feira, 5 de outubro de 2021

Luiz Fux* - O único caminho

O Globo

Brasília, 5 de outubro de 1988. Os relógios marcavam 15h50 quando o plenário da Câmara dos Deputados reverberou o desejo de mudança que ecoava nas ruas do país. Nascia a Constituição Cidadã, fruto do trabalho intenso da Assembleia Nacional Constituinte, com a ampla colaboração de cidadãos, entidades representativas, agentes políticos e movimentos sociais.

Em seus 245 artigos, a Carta Maior inaugurou um novo capítulo da história brasileira, concretizando um pacto nacional pela liberdade e pela igualdade de oportunidades, num ambiente sedimentado por valores republicanos e democráticos. O texto constitucional incorporou um catálogo monumental de direitos humanos, modernizou o Estado e dinamizou a economia, direcionando o país rumo ao desenvolvimento sem se descuidar do combate ao patrimonialismo e à corrupção, da erradicação da miséria e da redução das desigualdades sociais.

Esse novo Brasil elegeu a Constituição de 1988 como a principal porta-voz da soberania popular e se comprometeu com as liberdades públicas de expressão, de crença, de empreendimento econômico e de manifestações artísticas e científicas, duramente conquistadas ao longo de nossa história.

Na data de hoje, celebramos 33 anos da promulgação da Constituição. Daquela tarde até hoje, não percorremos um caminho fácil. Dois impeachments, inúmeros escândalos de corrupção estrutural e severas crises econômicas e políticas, entre outras instabilidades, testaram nosso projeto de nação. Mais recentemente, as instituições vêm atravessando o mais severo teste de resiliência e de confiança desde a redemocratização, intensificado por uma pandemia mundial que tem ceifado vidas e desafiado a economia com desemprego e inflação.

Merval Pereira - Missão: redução da desigualdade

O Globo

Recentemente, a propósito da tentativa de aprovar a volta dos jogos de azar no país, petistas denunciaram que o sonho de Bolsonaro é transformar o Brasil numa Cuba da época do ditador Fulgencio Batista, um cassino onde os americanos iam se divertir. Os bolsonaristas há muito atacam o PT afirmando que o ex-presidente Lula pretende transformar o Brasil numa ditadura como a cubana, regime apoiado pelo petismo.

O paralelo cruzado reflete bem a polarização que já está marcando a campanha presidencial antecipada do ano que vem e escancara o caminho que existe para uma candidatura de terceira via que tenha um projeto para o país que não seja nem tanto ao mar, nem tanto à terra. O grande problema do mundo atualmente é a desigualdade de renda, que sempre esteve presente, mas ganhou dimensão planetária nos últimos anos, especialmente em países periféricos como o Brasil.

Não apenas no Brasil, a relação entre democracia e capitalismo já não é mais tão absoluta quanto foi nos últimos anos do século passado. Buscam-se modelos para aperfeiçoar a democracia representativa, que tem como um dos pilares a ideia de “uma pessoa, um voto”, criticada na China, pois não levaria às escolhas mais corretas, muito sujeitas a pressões financeiras.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - O pensamento (conservador) antiliberal

Valor Econômico

É assustadora a indigência cultural dos que se vêem acima dos cidadãos livres e iguais em sua diversidade

Instigado (ou provocado?) pelo avanço do pensamento conservador no Brasil e no mundo, cuidei de me entregar à releitura do livro de Karl Mannheim sobre o tema. “O Pensamento Conservador” é mais uma obra que enriquece os estudos do grande sociólogo, considerado o patrono da sociologia do conhecimento. Os leitores devem saber que ele escreveu um livro fundador - “Ideologia e Utopia” - para o desvendamento das raízes sociais e culturais do pensamento nos mundos da modernidade.

Mannheim morreu em 1947 aos 55 anos, na aurora do período mais glorioso e igualitário do capitalismo na Europa e nos Estados Unidos. Entre outras obras, escreveu os clássicos “Ideologia e Utopia” e “Ensaios Sobre a Sociologia da Cultura”. No livro “Liberdade, Poder e Planejamento Democrático”, publicado postumamente, cuidou do papel da educação no fortalecimento das democracias que acordavam dos pesadelos totalitários dos anos 1930.

Mannheim acolhe a ideia de Ortega y Gasset sobre o homem educado: aquele que se distingue pelo conhecimento das filosofias que regem sua época. Isso deveria ser complementado, diz ele, por um conhecimento dos fatos que permitam a todos formar ideias sólidas acerca do lugar do homem na natureza e na sociedade. Cabe à educação examinar os problemas de nossa sociedade, especialmente aqueles relacionados com a vida democrática. Uma vez tratadas essas questões fundamentais para o homem moderno, o estudante vai encontrar o lugar adequado para a boa formação profissional.

Ainda no livro “Liberdade, Poder e Planejamento Democrático”, Mannheim escreveu: “... não devemos restringir o nosso conceito de poder ao poder político. Trataremos do poder econômico e administrativo, assim como do poder de persuasão que se manifesta através da religião, da educação e dos meios de comunicação de massa, tais como a imprensa, o cinema e a radiodifusão”. Para Mannheim, deve-se temer menos os governos, que podemos controlar e substituir, e muito mais os poderes que exercem sua influência no “interior” das sociedades.

Luiz Carlos Azedo - “Já ganhou” preocupa Lula

Correio Braziliense

Devido ao peso do Estado e à capacidade de influência política da máquina do governo, o petista avalia que Bolsonaro ainda não estaria fora da disputa

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está em Brasília para conversar com todo mundo, ou melhor, “com quem queira conversar com ele”, destaca o deputado Carlos Zaratinni (PT-SP), que ontem participou da conversa do líder petista com as bancadas de deputados e senadores da legenda. Acompanhado da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, Lula também se encontrou com os governadores do PT no Nordeste: Camilo Santana (Ceará), Fátima Bezerra (Rio Grande do Norte), Rui Costa (Bahia) e Wellington Dias (Piauí). Também estiveram na reunião a vice-governadora do Sergipe, Eliane Aquino, e o senador Jaques Wagner (PT-BA).

Domingo à noite, Lula teve um encontro com o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), acompanhado do senador Humberto Costa (PT-PE), em mais um passo para consolidar a aliança com o PSB, cujas negociações estão muito adiantadas. Esqueçam o apoio dos caciques do MDB ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Amanhã, Lula jantará na casa do ex-senador Eunício de Oliveira (CE) com o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, o ex-presidente José Sarney, os senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), e os ex-senadores Edison Lobão (MDB-MA) e Romero Jucá (MDB-RR).

Na conversa de ontem com os parlamentares petistas, Lula traçou a linha de suas conversas. Primeiro, não existe “já ganhou”. Devido ao peso do Estado e à capacidade de influência política da máquina do governo, avalia que o presidente Jair Bolsonaro ainda não estaria fora da disputa — pode se recuperar e se reeleger. Obviamente, o petista faz essa avaliação olhando para o final do seu primeiro mandato, quando teve dificuldades para se reeleger em razão dos escândalos do mensalão e dos dólares na cueca de um petista, às vésperas do primeiro turno. Em 2006, teve que disputar o segundo turno com o tucano Geraldo Alckmin.

Eliane Cantanhêde - Rejeição e desconfiança

O Estado de S. Paulo

Tudo é incerto em 2022, porque a maioria do Brasil é de desinteressados e/ou indecisos

O desconhecido empresário Romeu Zema virou governador de Minas, um dos três principais Estados do País, em quatro dias. Com 43% de indecisos, o eleitorado rejeitava tanto Antonio Anastasia, por representar o PSDB de Aécio Neves, quanto Fernando Pimentel, que concorria à reeleição pelo também vulnerável PT. Os indecisos descobriram Zema, do Novo, num debate na terçafeira anterior às urnas. De quarta a domingo, ele disparou de 5% para 41% e venceu a eleição.

Se Romeu Zema é ou não um bom governador, e a quantas andam sua gestão e aprovação, são outros 500, mas os tucanos usam essa história de 2018 para defender com unhas e dentes que uma “terceira via” entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula é não apenas possível como bastante provável, com muita chance de chegar ao segundo turno e vencer. Até por isso Lula corre atrás de MDB, PSD, PP e PSB.

Andrea Jubé - Lula veta “salto alto” no PT e cobra diálogo

Valor Econômico

Pacheco usa tom eleitoral em ato com MDB e Caiado

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava bem humorado ontem na reunião com deputados e senadores no salão de um hotel em Brasília. Na fala de abertura do encontro, relembrou os tempos em que era presidente da República e se deparava no dia seguinte com bastidores do governo, que eram de conhecimento de um grupo restrito de auxiliares, estampados nos jornais.

Lula questionava os auxiliares sobre o responsável pelos vazamentos à imprensa. Ao fim, dizia em tom de pilhéria que o tagarela só poderia ser o “anão embaixo da mesa”. A galhofa virou piada interna do PT.

Ontem, segundo relato de um dos presentes à coluna, o ex-presidente comentou, irônico, que a imprensa já publicou pelo menos 13 nomes de candidatos que ocupariam a vaga de vice em chapa encabeçada por ele. Nesse momento, citou matéria deste Valor, que informou a criação de um gabinete informal para assessorá-lo na pré-campanha. “Também já tenho não sei quantos coordenadores”, provocou, culpando de novo o “anão embaixo da mesa” pela informação.

Lula está bem disposto, de humor leve, mas “consciente da realidade”, disse à coluna o governador do Piauí, Wellington Dias, que se reuniu com ele na véspera do encontro com as bancadas federais.

Carlos Andreazza - Ministro da Economia do Cazaquistão

O Globo

Não terá sido de propósito. Nem Paulo Guedes, um visionário, enxergaria tão longe. Sua offshore foi constituída em 2014 e abastecida entre aquele ano e o seguinte. Investidor privado, decerto pretendia proteger parte de seus dinheiros da economia brasileira sob a gestão de Dilma Rousseff. Deu certo. O tempo passaria. E a empresa nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal, continuaria dando certo: hoje servindo a que o ora ministro — não terá sido de propósito — proteja alguns de seus milhões de si próprio. Homem de sorte.

Sorte à parte, esse é o aspecto imoral da história: que o ministro da Economia — o fiador da bagaça, um estelionato eleitoral — tenha uma porção de seu patrimônio a salvo dos efeitos do governo fiado, o de Jair Bolsonaro. O sujeito serve a um populista-autocrático que é o centro gerador constante de instabilidades que minimiza e chama de “barulho”, mas tem uma fortuna isenta dos produtos da imprevisibilidade do chefe (e, claro, da mordida do Leão).

Não terá sido de propósito. Os dinheiros estavam lá; e lá ficaram. Ficaram, como por inércia, até que tivéssemos — não terá sido de propósito — um ministro da Economia com grana em offshore. (Tudo declarado.)

Essa imoralidade não é pouca coisa. Guedes vendeu a união entre conservadores e liberais como o casamento, afinal, da ordem com o progresso. Ele, liberal reformista, domaria a natureza beligerante de Bolsonaro, líder corporativista que erguera empresa familiar dentro do Estado. Com dinheiros tantos fora do Brasil, mesmo ante a inauguração da nova era, não estarão errados os que identificarem na inércia do ministro a admissão de que não seria tão fácil quanto apregoara.

Míriam Leitão - Tremores externos e dúvidas internas

O Globo

O mercado ontem teve mais um dia de quedas de bolsa, temores de crises de energia na Europa, problemas nas empresas chinesas e dúvidas sobre as contas públicas brasileiros. O dólar subiu, o Ibovespa caiu, e o risco-país atingiu no ano uma alta de 41%. Foi dia de queda da Nasdaq, da bolsa de Nova York também. A Opep anunciou que não vai aumentar a produção, e na China outra empresa imobiliária não conseguiu pagar suas dívidas. Nesse ambiente, as informações sobre empresas offshore do ministro da Economia e do presidente do Banco Central pioraram o humor.

A pessoa pública precisa dar todas as explicações possíveis diante da dúvida sobre cada um dos seus atos e, no caso, seus investimentos. É o ônus espinhoso da função pública. Se o dinheiro tiver origem definida, for declarado à Receita e ao Banco Central, não é crime ter uma empresa em paraíso fiscal, como têm o ministro Paulo Guedes e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Isso é consenso entre economistas, tributaristas e advogados que ouvimos. Não há ilegalidade. Mas no Brasil nunca foi bem visto ter conta, e muito menos empresa, no exterior e em paraísos fiscais. Foi assim que muito dinheiro desviado foi escondido, por isso seria necessário ter tido mais transparência desde o começo.

Luiz Schymura* - A persistência da taxa de desemprego em dois dígitos

Valor Econômico

Difícil imaginar que índice vai ficar abaixo de 10% antes de 2026

O novo coronavírus aterrissou no Brasil em um momento particularmente ruim para o trabalhador. O país havia sido abalado pela forte recessão de 2014-2016 e tentava ainda tropegamente retornar à realidade do mercado de trabalho pré-crise. Diante dos estragos da pandemia, os cenários traçados para o retorno ao padrão de empregabilidade anterior a 2015 não estão nada animadores. Essa constatação tem implicações importantes para as eleições de 2022 e para a política econômica a ser conduzida até lá, assim como para o próximo governo a partir de 2023.

A taxa de desemprego do Brasil era relativamente baixa na década de 80 e início dos anos 90, com uma média de 5% entre 1981 e 1994. O indicador subiu para uma média de 9,3% entre 1995 e 2014. Com a crise econômica, a taxa de desemprego média cresceu para 11,4%, entre 2014 e 2019.

Hélio Schwartsman - A era das identidades

Folha de S. Paulo

É preciso que as más ideias sejam discutidas para que as boas possam triunfar

O identitarismo que parece ter-se assenhorado de nossa época, em especial do pensamento de esquerda, tem dois problemas, um de conteúdo e outro de método. Comecemos pelo conteúdo.

A esquerda tradicional cerrava fileiras no universalismo. A igualdade de direitos derivava da humanidade comum, não de características de grupos como negros, mulheres, homossexuais. Não se contesta que essas minorias sofram mais discriminação, o que justificaria priorizar suas demandas. A questão é que o tipo de discurso que se adota faz diferença. Enquanto a esquerda clássica inscrevia o fim da discriminação no contexto de um movimento de emancipação que beneficiaria a todos, a política identitária ressalta as diferenças entre as pessoas sem apontar nada de universal.

Joel Pinheiro da Fonseca – A sombra dos Anjos Tronchos

Folha de S. Paulo

Redes sociais nos deixaram mais do que nunca à mercê de podres poderes

Enquanto escrevo esta coluna, as redes e serviços do grupo Facebook (o próprio Face, o Instagram e o WhatsApp) voltam aos poucos a funcionar, após quase seis horas fora do ar.

Parece que a coisa foi grave. A queda simultânea das três plataformas é mais um alerta do perigo da concentração de mercado. Se Instagram, Facebook e Whatsapp não fossem do mesmo grupo, não teriam todos caído ao mesmo tempo. Mark Zuckerberg, assim como outros donos de redes e plataformas, tem poder demais nas mãos; e, quando falha, nos deixa na mão.

Anjos Tronchos” é o nome que Caetano Veloso dá aos chefões do Vale do Silício em sua nova canção, cujos versos expõem diversas facetas do impacto das redes sociais no mundo, nem sempre para o bem. Explorando a fragilidade de nossos neurônios com o poder dos algoritmos, somos viciados e comercializados para o acúmulo de seus “mi, bi, trilhões”.

Paulo Hartung* - A última chance de frear a mudança do clima

O Estado de S. Paulo

Não superaremos os desafios globais sem que o Brasil seja parte da solução

A emergência climática é um dos maiores desafios que a humanidade enfrenta. Uma batalha que extrapolou a dimensão ambiental e tem causado danos profundos em todo o mundo, especialmente aos mais vulneráveis, e compromete de forma indelével o horizonte do planeta. O modo irracional de lidar com a natureza durante anos chegou a níveis tão graves que elevou a intensidade dos eventos climáticos extremos, como ciclones e ondas de calor, secas e inundações.

O sexto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês) reflete a insuficiência da reação global e conclui: a humanidade tem provocado o aquecimento do planeta a taxas sem precedentes. Em todas as esferas da vida observamos sinais do desequilíbrio daí resultante.

Zuenir Ventura - Lição aos homofóbicos

O Globo

Num país campeão em assassinatos de homossexuais, em que o presidente da República já declarou ter “imunidade para afirmar que sou homofóbico, sim, com muito orgulho”, o momento mais emocionante e exemplar da CPI da Covid, que está chegando ao fim, foi o que confrontou a dignidade de um senador, o primeiro assumidamente gay, Fabiano Contarato, com o obscurantismo de um empresário homofóbico e, claro, bolsonarista, Otávio Fakhoury, apontado por membros da comissão como um dos principais financiadores de uma rede de disseminação de mentiras de apoio a atos antidemocráticos durante a pandemia.

Fakhoury também confirmou que pagou material de campanha do presidente Jair Bolsonaro sem declarar os gastos à Justiça Eleitoral. Durante as investigações, a Polícia Federal descobriu que o empresário, presidente do PTB de São Paulo, bancou R$ 50 mil.

Sentado simbolicamente na cadeira de presidente que o senador Omar Aziz fez questão de lhe ceder, com o dedo em riste e cara a cara, Contarato disse em tom de desafio ao empresário que o ofendera com deboches grosseiros nas redes sociais:

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Exploração de óleo não pode pôr santuários em risco

O Globo

Os cenários paradisíacos de Fernando de Noronha e do Atol das Rocas estão sob risco. Apesar dos reiterados apelos de ambientalistas, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) decidiu manter, no leilão marcado para quinta-feira, blocos de exploração de óleo e gás em regiões próximas aos dois santuários, ambos entre os mais importantes do ecossistema de recifes no Brasil. A 17ª rodada de concessão, que oferecerá 92 blocos em diversas regiões, inclui áreas da Bacia Potiguar a cerca de 370 quilômetros do Parque Marinho de Fernando de Noronha e a 260 quilômetros da Reserva Biológica do Atol das Rocas.

O alerta sobre o desatino vem de dentro do próprio governo. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) publicou nota técnica na página da ANP afirmando que a decisão é temerária, “considerando a propagação por longas distâncias de ondas sísmicas, a grande mobilidade de algumas espécies marinhas, a ação das correntes marítimas sobre a propagação do óleo e o histórico de invasão de espécies às atividades de exploração de petróleo e gás”.

O Tribunal de Contas da União (TCU) apontou fragilidades na análise ambiental do leilão e recomendou ao Ministério de Minas e Energia o aperfeiçoamento para futuros certames, que devem ter “dados primários dotados de melhor qualidade e robustez técnica”. Só faltou combinar com o imponderável.

Poesia | João Cabral de Melo Neto - Catar feijão

Catar feijão se limita com escrever:
Jogam-se os grãos na água do alguidar
E as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo;
pois catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

Ora, nesse catar feijão entra um risco,
o de que, entre os grãos pesados, entre
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a com risco.