quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Rosângela Bittar - Atrás do próprio rabo

O Estado de S. Paulo

Tanto para Lula quanto para Bolsonaro, centro é uma palavra despida de conceitos

Dois candidatos a presidente e uma ideia fixa: a utopia do centro. Bolsonaro, que se acha predestinado a manter-se no poder, por sua conta e risco; e Lula, que se imagina garfado pela História e quer reaver o lugar.

O primeiro, só pensa em golpe. O segundo, em compensação por um golpe que não houve. Impeachment não é golpe. É processo político constitucional.

Lula acredita ter direitos adquiridos depois de vencer quatro eleições presidenciais, duas para ele mesmo e duas para um poste.

Ambos dedicam-se a reconquistar os votos do centro que, um dia, acidentalmente, foram seus. Imaginem, logo os eleitores do centro! Equidistantes dos extremos que os dois, de fato, representam. Há um impasse a romper. Sozinhos, não vencem. E os votos do centro mantêm-se ainda perplexos. Preferem a alternativa de esperar que surja o seu candidato confiável.

José Augusto Guilhon Albuquerque* - Varias ambições na falta de estratégia

O Estado de S. Paulo

Centrão opera como minoria de veto, mas é incapaz de convergir sobre agendas positivas

Estamos numa democracia representativa, e o cidadão é o único portador da soberania do Estado. Melhor dizendo: ainda estamos numa democracia e o Estado de Direito funciona, mas a insegurança jurídica é a única certeza. As instituições operam de maneira disfuncional. Os privilégios e as desigualdades crescem ou se consolidam. E a autoridade do cidadão sobre seus representantes sofre a ameaça de uma reforma eleitoral que esvazia, ainda mais, o papel do eleitor. Como se não bastasse, um golpe de Estado está em andamento desde 2019, ante a omissão dos Poderes da República.

Além dos desafios sanitários, econômicos e sociais que ameaçam nossa sobrevivência como nação livre, enfrentar a ameaça golpista é a condição necessária para enfrentar as demais. Encarar tal ameaça exige definir um objetivo, isto é, enfrentar, contornar ou adaptar-se a ela. Exige, também, mobilizar recursos para atingir esse objetivo inescapável: recursos de poder, econômicos, institucionais, políticos, de capacidade de gestão pública, de liderança, etc. Ou seja, confrontar-se com uma ameaça letal implica responder a esses elementos básicos de uma estratégia.

Falta um movimento decidido das instituições e de suas lideranças para cumprir tais requisitos. Em primeiro lugar, não há convergência, nem muito menos consenso, sobre a ameaça letal à Nação provocada pelo golpe em andamento.

Para alguns, o que deve ser combatido, acima de tudo, é a ameaça de perder as eleições, como é o caso de Lula, do PT, e de parte dos partidos de esquerda – e também de Ciro Gomes e João Doria, embora não necessariamente de seus respectivos partidos. A prioridade máxima do objetivo eleitoral obriga esses candidatos a adotarem uma estratégia ambivalente em face da ameaça de golpe. Para todos eles, é vital garantir Bolsonaro nas urnas e, para isso, é preciso mantê-lo no poder.

Roberto DaMatta* - Dentro do meu coração...

O Estado de S. Paulo

“Somos sensíveis, amorosos, desagradáveis e instáveis porque (querendo ou não) temos um coração. Grande ou pequeno, generoso ou sovina, vaidoso ou humilde, duro ou mole. Quando ele para de bater é sinal de que o nosso corpo anoiteceu na profunda indiferença da morte.”

Ademais – continuou Demostenes, um amigo de infância que se recupera de um ataque cardíaco hospedado aqui em casa –, o coração é uma gaveta ou uma imensa caixa-forte guardadora de sentimentos, acontecimentos e pessoas. Sendo músculo e bomba, ele tem afinidade com os atletas e com os que jamais deixam de trabalhar. Mas, como os velhos automóveis, pode parar de funcionar.

– Olha, Roberto – continuou Demostenes com a serenidade de velho amigo –, enquanto a anestesia dopava a minha consciência, eu ouvia a minha alma e a equipe de médicos que futucava meu coração. Pensei no dentista e, surpreso, descobri que tratar de uma cárie era pior do que a viagem que os cirurgiões faziam no meu coração.

– Verdade? Ainda bem que não doeu nada – falei entre o descrente e o aliviado.

Fernando Exman - Começa a temporada de trombas d'água

Valor Econômico

Sinais em discursos e reuniões de Lula demandam atenção

No Planalto Central, a primavera chega para aliviar o irrespirável ar que caracteriza o fim do período de seca. A estiagem é brutal. Mas, acostuma-se a conviver com os baixíssimos índices de umidade. Há até quem agradeça a previsibilidade que a seca proporciona e dela se aproveite para programar os fins de semana, feriados, viagens e eventos ao ar livre, algo que fica mais difícil de se fazer com o início da estação chuvosa.

É neste momento, também, que crescem as ocorrências de trombas d’água nos rios e cachoeiras da região, arrebatador fenômeno natural que passou a ser usado por petistas para descrever o retorno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à arena eleitoral.

Trombas d’água, como também são conhecidas as chamadas “cabeças d’água” em algumas regiões, exigem atenção. Elas costumam pegar de surpresa os mais incautos que, seguros de si, menosprezam os alertas do ambiente que os cerca.

Daniel Rittner - Onde está o Brasil nas cadeias globais de valor

Valor Econômico

País está muito mal posicionado, mas há oportunidades no ar

Na década de 1990, o comércio exterior de bens e serviços se organizou em torno das cadeias globais de valor. Trata-se de um arranjo produtivo com elevado grau de fragmentação, em que distintas atividades e etapas do processo industrial ficam espalhadas por vários países ou regiões. Cadeia de valor, em outras palavras, é o “caminho” da produção que um determinado bem percorre até chegar nas mãos do destinatário final. Esse caminho possui uma série de fases que se conectam: pesquisa e desenvolvimento, compra de insumos, fabricação, distribuição, venda, pós-venda (treinamento e manutenção).

Pegue-se o exemplo de um aparelho de telefone celular: ele pode ter seu projeto concebido no Vale do Silício, reunir peças fabricadas no Leste Europeu e baterias com lítio explorado na Bolívia, incorporar softwares desenvolvidos no Canadá e em Portugal, ser montado na China e concentrar a assistência ao cliente num call center na Índia.

Hélio Schwartsman - Encontros com a verdade

Folha de S. Paulo

Reino Unido perdeu, até o final de 2019, entre 20 bilhões e 40 bilhões de libras

Todo mundo mente um pouco, e políticos mentem mais. Mas há mentiras e mentiras. Há as, digamos, lavadas e as deslavadas. As lavadas são aquelas que o eleitor de alguma forma espera. É quase uma instituição candidatos rebuscarem o discurso sobre seus feitos pretéritos e exagerarem nas promessas de campanha. As deslavadas são mais perigosas. Elas às vezes se chocam com a realidade de uma forma que complicam o futuro do político que as proferiu.

Isso pode estar acontecendo agora no Reino Unido. Os defensores do Brexit juraram durante a campanha que o divórcio da União Europeia não apenas não lhes causaria dor como ainda lhes renderia dividendos econômicos que permitiriam investir 350 milhões de libras por semana no sistema de saúde. É claro que isso nunca foi verdade.

Vinicius Torres Freire - Gasolina para ricos, fome para os pobres

Folha de S. Paulo

Bolsonaro e Lira querem dinheiro de estados e cidades para bancar combustível

Jair Bolsonaro e Arthur Lira querem tirar dinheiro de estados e cidades para bancar também a redução do preço da gasolina de rico. Bolsonaro e Lira, o presidente da Câmara, querem diminuir o preço dos combustíveis para todo mundo por meio da redução da cobrança do ICMS, imposto estadual.

É uma mutreta que não tem sentido social, econômico ou mesmo efeito prático relevante. É uma tentativa de limpar a barra de Bolsonaro, suja também por causa da carestia dos combustíveis, em parte culpa de Bolsonaro-Guedes. O dólar por aqui foi às alturas também porque essa dupla promove baderna política e econômica. O real foi a moeda que mais se desvalorizou desde o início da epidemia, entre as 38 acompanhadas pelo FMI.

No plano Lira, a redução seria de centavos, se tanto, no caso de gasolina e diesel. Todo mundo teria direito à redução do imposto, à mesma redução do preço de gasolina e diesel, desde que consuma esses produtos ou compre bens e serviços que são afetados pelo preço dos combustíveis.

Maríliz Pereira Jorge - Bolsonaro derrete

Folha de S. Paulo

Inflação e economia minam a sua popularidade

 “A inflação está comendo a popularidade do presidente.” A avaliação é do diretor da Quaest, Felipe Nunes, sobre os resultados mais recentes de pesquisa, que vai da avaliação de Jair Bolsonaro a preferências do eleitorado para 2022.

Não por acaso, está na ordem do dia o desespero do governo em viabilizar o programa social que deve substituir o Bolsa Família e ganhar um carimbo de Bolsonaro. Tudo para tentar reverter a queda livre na qual despenca a reputação do presidente. Quanto menos favorecidos, mais críticos ao desempenho de sua gestão.

O pior resultado é entre as pessoas que ganham até dois salários mínimos. Para 58% a avaliação é negativa, 22% acham o governo regular, enquanto para 17% o saldo é positivo. A reprovação cai para 49% entre os que ganham mais de cinco salários. Nessa faixa, 26% o consideram regular e 24% têm opinião positiva.

Vera Magalhães - Desespero eleitoral inflaciona custo Bolsonaro

O Globo

Nunca houve um presidente da República que tenha provocado tantos retrocessos ao Brasil como Jair Bolsonaro nem um governo tão disfuncional quanto o seu. O fato novo a menos de um ano das eleições é que nunca existiu um candidato à reeleição com tantos flancos de exposição e tantos recordes negativos quanto ele. E isso é um fator a agravar exponencialmente o já impagável custo Bolsonaro.

Temos o primeiro presidente a buscar ser reeleito sem ter sequer um partido, que não lidera as intenções de voto, que tem o governo mais mal avaliado desde que o instituto da reeleição foi criado, que ostenta o maior índice de desempregados e que é, de todos os que disputaram novo mandato, aquele cujo governo enfrenta a maior inflação (acima dos 10% em 12 meses) um ano antes do pleito.

Saindo dos índices mensuráveis, quando se entra na seara política, o que se tem é um presidente isolado, inconfiável aos olhos das instituições, cujas decisões passaram a ser manietadas, quando não abertamente tuteladas, pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Congresso.

Bruno Boghossian - Um ministro em duplo conflito

Folha de S. Paulo

Ministro protege patrimônio no exterior enquanto pede sacrifícios no Brasil

Ainda no primeiro ano de governo, Paulo Guedes avisou que o país deveria se acostumar com um real desvalorizado. “O dólar está alto? Problema nenhum, zero”, declarou. Na ocasião, ele descrevia os efeitos de uma nova política econômica, com juros mais baixos. Agora, os brasileiros descobriram que o patrimônio do ministro cresce a cada vez que a cotação da moeda americana sobe.

Agentes públicos devem afastar situações que afetem interesses particulares porque precisam evitar que suas decisões no poder fiquem sob suspeita. Guedes pode acreditar que o dólar nas alturas favorece a dinâmica atual da economia brasileira, mas a titularidade de depósitos no exterior faz com que o ministro protagonize um conflito duplo.

Luiz Carlos Azedo - Diga ao povo que saio

Correio Braziliense

Há um rosário de decisões de Guedes que o beneficiaram financeiramente, sem que tivesse que fazer uma nova aplicação em sua conta no exterior

Tem coisas no Brasil difíceis de entender. Por exemplo: Dom Pedro I, que proclamou a Independência, é homenageado com uma das menores ruas do Centro Histórico do Rio de Janeiro, nossa capital de 1763 até 1960, quando a sede do governo foi transferida para Brasília. Começa na Praça Tiradentes, ao lado do Teatro Carlos Gomes, e termina na Rua do Senado, com 141 endereços, 112 residências, 24 estabelecimentos comerciais, três prédios inacabados e 227 moradores, com uma renda média de R$ 1,143. Dependendo do prédio, o preço de um apartamento varia de R$ 3 mil a R$ 8 mil o metro quadrado.

Como já começamos a contagem regressiva para o Bicentenário da Independência, vale o desagravo. Essa lembrança veio em razão do trocadilho do título da coluna com a decisão de Pedro I de não regressar a Lisboa, contrariando as ordens das Cortes Portuguesas, em 9 de janeiro de 1822: “Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto. Digam ao povo que fico”. O Dia do Fico, referência à frase célebre, foi uma preparação para a proclamação da Independência, em 7 de setembro de 1822.

Elio Gaspari - De Pedro II@gov para Paulo Guedes

O Globo / Folha de S. Paulo

Senhor ministro,

De cá onde estou, há tempo o Barão de Mauá me mostrava assombrado vossas contas no “Encouraçado Internacional”, naquela possessão inglesa que hoje vocês chamam de paraíso fiscal. Como não podemos tratar com o que sabemos, só agora lhe falo. Repito o que disse aos oficiais que me escoltaram para o exílio em novembro de 1889: “Os senhores são uns doidos”.

Outro dia escrevi ao doutor Fábio Jatene, a quem vocês trataram como doido quando ele apontou para a gravidade da epidemia. Agora, escrevo-lhe para pedir-vos que atentem para a necessidade dos exemplos. O doutor Getúlio Vargas e o marechal Castello Branco pediram-me que o fizesse. Eles governaram o Brasil sem fortuna. Vosmicê a fez antes de ir para o ministério, sem se meter em traquinadas. Vosso problema é de outra ordem. Já chamou os miseráveis de invisíveis, reclamou das empregadas que vão à Disney e dos filhos de porteiros que chegam à universidade.

Cristovam Buarque* - Paulo Freire, hoje

Correio Braziliense

São raros os pensadores cujas obras atravessam o tempo: Paulo Freire é um desses. Por isso, estamos comemorando seu centenário. Eles têm em comum o fato de mostrarem o mundo de uma maneira diferente de como ele aparecia antes. Como Copérnico, que mostrou que a Terra girava ao redor do Sol, o que parecia impossível à época. Com ineditismo, Paulo Freire mostrou que a educação não se faz apenas do professor para o aluno, mas em uma interação entre eles e as coisas que os rodeiam. A partir dessa visão, revolucionou a maneira de alfabetizar os adultos. 

No lugar dos velhos métodos de ensiná-los como se faz com crianças, ele formulou o seu método: substituir o professor que chega com a cartilha pronta, por uma construída depois de pesquisa, identificando palavras que o aluno usa no seu dia a dia. No lugar de u-v-a igual a uva, m-a-n-g-a igual a manga, no lugar de n-e-v-e igual a neve, usar f-o-m-e como fome. Essa mudança simples, que hoje parece óbvia, representou uma mutação epistemológica, característica de um gênio. Paulo Freire deu o toque de mudança para explicar o mundo e dizer como transformá-lo. 

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Divisão na oposição a Bolsonaro terá consequência na urna em 2022

O Globo

Faltando um ano para as eleições em que 145 milhões de brasileiros irão às urnas escolher presidente, governadores, senadores e deputados federais, estaduais e distritais, as forças políticas contrárias ao presidente Jair Bolsonaro seguem divididas. No último sábado, em ato contra o governo organizado pelo PT e por outras siglas de esquerda, 71% dos 662 entrevistados na Avenida Paulista pelo Monitor do Debate Político no Meio Digital, da USP, afirmaram que jamais participariam de manifestação com o Movimento Brasil Livre (MBL), organizador dos protestos contra Bolsonaro no dia 12 de setembro. Metade dos entrevistados disse o mesmo sobre o DEM, 42% a respeito do PSDB e 24% do PDT.

O pré-candidato pedetista, Ciro Gomes, chegou a ser agredido na manifestação. Atiraram uma garrafa na direção dele e arremessaram pedaços de madeira no carro que o transportava. A reação da liderança petista foi lastimável. Depois que Ciro propôs uma “trégua de Natal” na esquerda, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, tentou culpar a vítima pelas agressões. “Até agora é ele quem tem atacado a gente”, disse. Só depois acrescentou que “o PT nunca estimulou” a violência.

A manifestação se tornou um ensaio da campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A estratégia petista para 2022 depende do isolamento tanto de Ciro quanto dos partidos da centro-direita antibolsonarista. Não é à toa que, entre os entrevistados, 43% afirmaram que esquerda e direita deveriam fazer manifestações separadas.

Em pesquisa na manifestação da centro-direita em setembro, 78% disseram que direita e esquerda deveriam fazer protestos conjuntos. A rejeição à aproximação foi menor: 38% disseram que não participariam de protestos com o PT, 33% com a CUT e o mesmo percentual com o MTST. Novamente, isso reflete a estratégia dos candidatos associados à terceira via entre Lula e Bolsonaro, que só têm chance se promoverem uma união que ultrapasse o próprio círculo político. Não é casual que, no ato da centro-direita, 85% tenham dito ser necessária uma ampla aliança para o impeachment de Bolsonaro, ante 66% no da esquerda.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Amar

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal,
senão rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e
uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.