segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Fernando Gabeira - Para chorar no banheiro

O Globo

Quando saiu o relatório da CPI da Covid, Flávio Bolsonaro disse que seu pai o receberia com uma gargalhada típica do Bolsonaro. Não há graça nenhuma em ser acusado de crimes contra a humanidade, algo tipificado pela Convenção de Roma e adotado pela ONU.

Depois daquela frase “minha vida aqui é uma desgraça”, Bolsonaro confessou, recentemente, que chora no banheiro. Esconde da mulher, que o acha o machão dos machões e, estupidamente, perde uma chance de chorar no ombro dela. Mas o que esperar do machão dos machões?

O único consolo que Bolsonaro pode encontrar nessa acusação é a chance de responder a quem o chama de genocida: “Alto lá! Genocida não, apenas cometi alguns crimes contra a humanidade”.

Embora tenha explicado aqui, usando até Freud na sua visão de negacionismo, até hoje não entendo bem por que Bolsonaro e tantos seguidores se recusaram a dar importância ao vírus.

Creio que houve nessa negação muito de guerra cultural: se os adversários se preocupam tanto com o coronavírus, uma maneira de enfrentá-los é desmistificar o perigo.

O ex-ministro Ernesto Araújo via na pandemia um perigoso processo de dominação autoritária internacional. O próprio Bolsonaro insistiu no tema da liberdade e, na célebre reunião de abril de 2020, chegou a desejar a luta armada contra as medidas de distanciamento social.

Miguel de Almeida - A morte da política

O Globo

O que matou a política? Virou moda acusar as redes sociais pela intolerância e pela visão binária da realidade: Bozo ou Lula? Esquerda ou direita?

Há um engano aí.

Antes da tragédia Facebook e agregados, existiu o marketing político. As pesquisas qualitativas, quando se testam temas e reações de grupos de eleitores, levaram os marqueteiros a polir seus candidatos rumo a inesperadas (e indesejáveis, digo eu) vitórias.

Em poucos exemplos, as catástrofes: Paulo Maluf na prefeitura de São Paulo; Lula, Collor e Bozo na Presidência da República. E, principalmente, a eleição para o segundo mandato de Dilma Rousseff.

O marketing político forjou o personagem Lulinha Paz e Amor, além de sua Carta aos Brasileiros. Levou José Serra a ter posição dúbia sobre o aborto e Marta Suplicy a levantar dúvidas sobre a orientação sexual de Kassab. Políticos de centro-esquerda, por causa de oportunistas pesquisas eleitorais, terminaram na direita. Tudo pelo voto, mesmo que a biografia fosse jogada no lixo. Perderam as eleições de quatro.

Em casos recentes, que jamais devemos esquecer, ocorreu o BolsoDoria (responsável pela vitória de João Doria em São Paulo). Ou a relutância de Eduardo Leite em reconhecer o Bozo como um desastre em tempo real. E a juntar num spot político (perceba a ideia de jerico) Chico Buarque e Sérgio Reis! — como se fossem irmãos siameses e houvesse lugar para questionar a circunferência da Terra. Coisa de marqueteiro.

Denis Lerrer Rosenfield* - Tripé ‘liberal’

O Estado de S. Paulo

A social-democracia empreendeu, no poder, medidas de cunho liberal, enquanto os “liberais” atuais estão se mostrando discípulos dos petistas

O governo “liberal” de Bolsonaro inovou em seu liberalismo ao inventar um novo tripé: o bolsa eleitoral, dito “Auxílio Brasil”; o bolsa caminhoneiro, denominado por um de seus líderes de bolsa “esmola”; e o bolsa “Centrão, conhecido por emendas parlamentares dos mais diferentes tipos, além de cargos governamentais.

Tais iniciativas são todas paliativas, algumas tidas por temporárias, quando vieram para ficar, numa aparente obediência às regras legais e constitucionais; outras almejam a permanência do grupo no poder, tendo como objetivo assegurar a reeleição do atual presidente. O mesmo uso que se faz de ajuda aos pobres, embora necessária, encobre uma desmedida política, que não hesita diante de nada para alcançar as suas finalidades, a custo de produzir o desmoronamento fiscal, econômico e social do País. O que mais espanta é o desaparecimento de qualquer perspectiva de trabalho pelo bem comum, esquartejado nos interesses particulares e corporativos.

Evidentemente, os pobres devem ser ajudados. Trata-se de respeito moral com o próximo e obediência política à Constituição. Ocorre, porém, que tal argumento está sendo empregado para furar o teto da lei dos gastos públicos, como se essa infração fosse condição deste atendimento social. Atente-se para o fato de que o alvo do governo consiste em abrir a porteira para o estouro da boiada, pois, em ato imediatamente seguinte, o presidente anunciou que, com a folga obtida, criaria o bolsa esmola para os caminhoneiros e pagaria e ou aumentaria as emendas parlamentes. Ou seja, estabelece como regra a irresponsabilidade fiscal, hipoteca o futuro e aumenta a espiral dos juros e da inflação, com péssimas consequências para os investimentos privados nacionais e estrangeiros. Os mesmos pobres atendidos hoje pagarão por isso amanhã.

Marcus André Melo* - Ocaso do populismo iliberal

Folha de S. Paulo

A sobrevivência da democracia assume formas surpreendentes

Anunciada com grande alarde, a morte da democracia nunca aconteceu. Como afirmou a esta Folha o cientista político Adam Przeworski, ela "virou bordão para atrair imprensa". Mas, se a democracia não morreu, o que está perecendo é o populismo iliberal; pelo menos é o que sugere a trajetória de suas lideranças canônicas: Trump, Orbán, Salvini, Bolsonaro, Modi, Babis.

O caso mais interessante é o de Orbán, cuja posição é a mais confortável, pois conta com o apoio de 2/3 dos membros do Parlamento húngaro —e as eleições ocorrerão em 2022. Mas a unificação da oposição, que superou o desafio dos quase incontornáveis custos de coordenação, deve causar sua débâcle. A engenharia política envolvida ilumina questões centrais da formação de frentes amplas.

Ao contrário de regimes presidencialistas, o processo envolve os partidos. Sob o parlamentarismo não há espaço para outsiders: o processo de seleção do ocupante da chefia do governo é fundamentalmente parlamentar.

Celso Rocha de Barros - Política por trás do teto deu errado

Folha d S. Paulo

Ministro Paulo Guedes, da Economia, virou um Pazuello de pé chato

Em 2016, Michel Temer ganhou o troféu "assim, até eu" por criar um teto de gastos que só valeria para seus sucessores.

Foi como se dissesse: "Então é isso, pessoal, sejam responsáveis com o dinheiro, é muito importante ser responsável com dinheiro, agora me deem licença que eu vou jantar com o Naji Nahas".

O teto de gastos morreu semana passada. Não morreu na mão de um ministro heterodoxo do PT, morreu na mão de um Chicago boy.

Não morreu porque era preciso gastar mais com pobre, morreu porque continua sendo necessário gastar mais para gastar com pobre. Ninguém conseguiu aumentar imposto de rico, ninguém conseguiu cortar gasto com setores não-pobres, quem decide eleição é pobre, o gasto aumenta.

O projeto político proclamado do teto era forçar a sociedade a discutir suas prioridades.

Catarina Rochamonte - CPI da Pandemia: justiça sem perseguição

Folha de S. Paulo

Não é admissível blindagem a quem quer que seja

A CPI da Pandemia revelou crimes graves, mas fez vista grossa para outros. Ao ignorar um dos seus objetos de investigação —a aplicação de recursos federais por estados e municípios no combate à pandemia—, abriu flanco para as acusações de parcialidade. Houve blindagem, por exemplo, dos envolvidos no contrato fraudulento entre a empresa Hempcare e o Consórcio Nordeste, que pagou R$ 48,7 milhões por 300 respiradores que não foram entregues.

Esse fato, porém, não pode ser usado para deslegitimar a totalidade dos trabalhos da CPI. Da mesma forma, levantar a ficha suja do seu presidente e do seu relator a fim de desqualificá-la é um argumento frágil. A CPI transcorreu em ambiente de transparência e foi conduzida mais pelo conjunto dos membros da comissão do que por sua mesa; devendo-se encarecer a participação da, em muito bom tempo agregada, bancada feminina.

Ana Cristina Rosa - Mercado mesquinho e miserável

Folha de S. Paulo

O problema no Brasil não é falta de alimentos

No celeiro do mundo, uma multidão de 20 milhões de desvalidos passa fome. Feito um bicho qualquer, homens, mulheres e crianças reviram o lixo em busca de sobras de comida, numa demonstração triste e vexatória do fracasso do Estado brasileiro.

Nas duas últimas décadas, o país tornou-se o quarto maior produtor de grãos —soja, arroz, milho, trigo e cevada— do planeta e o segundo maior exportador, abocanhando 19% do mercado internacional. É o que revela estudo da Embrapa intitulado "O Agro no Brasil e no Mundo: uma síntese do período de 2000 a 2020".

Bruno Carazza* - A responsabilidade de quem carrega o piano

Valor Econômico

Episódio Guedes evidencia fraqueza de Jair Bolsonaro

Há muitas métricas para se demonstrar o enfraquecimento de um governo. A ciência política trabalha com votos recebidos em votações importantes no Congresso, quantidade de vetos presidenciais derrubados ou medidas provisórias rejeitadas. E há indicadores mais sutis.

O palco havia sido armado com a intenção de prestigiar Paulo Guedes, alvo de ataques e especulações durante a semana. O presidente saiu do Palácio do Planalto para visitar o ministro da Economia e participar ao seu lado de uma entrevista coletiva. A postura de Bolsonaro no evento de sexta, porém, sugeriu exatamente o contrário.

Enquanto Guedes, por quase 25 minutos, tentava justificar o duplo carpado invertido em suas posições econômicas para derrubar o teto e, assim, viabilizar a estratégia eleitoral de seu chefe, Bolsonaro permanecia impassível, com o olhar perdido no horizonte. Mesmo quando o ministro negou que seu cargo esteve a perigo, ou minimizou os embates entre a equipe econômica e a base política, o presidente sequer balançava a cabeça em sinal de aprovação.

O único sorriso presidencial veio quando Guedes divulgou que nomearia André Esteves como seu número 2 no ministério - ato falho, ele estava se referindo a Esteves Colnago, e não ao banqueiro do BTG. Feito o anúncio, o presidente se levantou e partiu, abandonando um solitário Guedes para se defender das perguntas embaraçosas.

Alex Ribeiro - Como o Copom vai reagir à crise fiscal?

Valor Econômico

Mercado espera aceleração no ritmo de aperto monetário

O mercado financeiro espera que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que se reúne nos próximos dois dias, reaja com firmeza à crise fiscal causada pelo drible patrocinado pelo governo no teto de gastos. Será que a ação será à altura das expectativas?

É bem provável que o Banco Central procure se distanciar do barulho político em torno do mais forte ataque ocorrido, até aqui, à âncora fiscal. O caminho é tomar a política fiscal como um fator exógeno que afeta a inflação, fora do controle do BC, como se fosse uma geada que leva à quebra da safra agrícola.

Em termos práticos, o Copom deverá quantificar, nos seus modelos, o impacto direto do choque na inflação. Depois, verificar se, depois de tudo o que aconteceu, cresceram as chances de a inflação superar o previsto. Por fim, dosar o remédio dos juros para trazer a inflação para a meta. Ainda assim, não será nada fácil, porque terá que julgar o estado atual da política fiscal.

Os economistas do mercado estão fazendo os seus cálculos para tentar replicar a reação da autoridade monetária. Em setembro, o Copom projetou uma inflação de 3,7% em 2022 e disse que esse era o ano mais importante no seu horizonte de política monetária. Feitas as contas, o comitê concluiu que, num passo de alta de juros de um ponto percentual por reunião, seria capaz de cumprir seu objetivo no prazo escolhido.

José Eduardo Faria - O debate entre presidenciáveis, o revigoramento da democracia e o futuro do país*

Blog Horizontes Democráticos

Não fosse o candidato que disputará a reeleição, em 2022, conhecido por sua ignorância, pela compulsão à mentira, pelo desprezo ao diálogo construtivo e pela obsessão em desqualificar adversários, os debates entre os candidatos à presidência da República poderiam recolocar na ordem do dia alguns temas esquecidos, como, por exemplo, os relativos à capacidade organizadora, indutora e administrativa do Estado. Como esses temas são fundamentais para o futuro do País, sua discussão poderia ajudar a revigorar a democracia após a deterioração e a polarização do debate público que marcaram a vida política após o pleito de 2018.

Um dos temas mais importantes é a ideia de planejamento, o que exige a definição de objetivos, a fixação de metas, a formulação de indicadores, o estabelecimento de estratégias de longo prazo e a coordenação das ações necessárias. A ideia de planejamento é fundamental, dados os efeitos sociais dramáticos decorrentes da política de austeridade fiscal sem critérios sociais adotada por este e pelo governo que o antecedeu. Trata-se de uma política que, por estar focada somente na solvência do poder público, promoveu cortes orçamentários sem escalas de prioridade e sem consideração de suas repercussões sociais.

Ao ampliar o alcance da política de privatizações, convertendo em negócio privado o que até então eram determinados serviços públicos, essa política hiper-responsabilizou cada cidadão pelo seu destino, independentemente de sua condição social. A premissa era de que cada cidadão dependeria de suas capacidades, de seu empenho e de seus méritos, o que, no fundo, acaba culpando os mais desvalidos por sua situação. E como isso ocorreu num contexto de reformas trabalhistas, de enxugamento de direitos sociais e de baixas taxas de crescimento econômico, o resultado foi darwinista. Ou seja, preservou o poder dos que já tinham autonomia econômica, financeira e patrimonial e excluiu os que já estavam marginalizados.  

Antonio Risério* - Não posso ser julgado pelo que não está em 'Sinhás Pretas'

Folha de S. Paulo / Ilustríssima

Autor rechaça acusações de que seu livro legitimaria a escravidão

Um autor deve ser julgado por suas próprias palavras e não por palavras alheias – especialmente, em tempos de agressiva irresponsabilidade acadêmico-militante, como o que estamos atravessando.

Lembro isso porque deu pano pra manga um texto publicado aqui na Folha, a propósito do meu livro “As Sinhás Pretas da Bahia: Suas Escravas, Suas Joias”.

Como ficou claro que os contendores não leram o livro e suas disputas tomaram caminhos variados, acabei me vendo no meio de uma confusão, na qual fica parecendo que eu disse coisas que não disse — e que jamais diria.

Os principais absurdos foram os seguintes. Escrevendo sobre negras escravistas que se cobriram de sedas e joias, eu pretenderia duas coisas: arrefecer um ânimo antirracista e, pior, legitimar a escravidão. Nem uma coisa, nem outra. Elas realmente se cobriam de joias e ostentavam sua própria escravaria. Não inventei essa história. E isso nada tem a ver com a luta contra o racismo.

A luta contra a opressão social, que é maior do que a luta contra o racismo, não deve privilegiar a cor da pele de ninguém – ou não teríamos como condenar a atual exploração do negro pelo negro em África ou o “Black Lives Matter”, com seu racismo antijudaico e seus acenos nazistas.

Quanto a legitimar a escravidão, por favor, a imbecilidade não tem o direito de ir tão longe. Mas quero esclarecer alguns pontos.

Mirtes Cordeiro* - Violência doméstica e pobreza, vínculo que não se quebra facilmente

Falou e Disse

Segundo informações do AzMina, durante a pandemia, no Brasil, uma mulher é morta a cada 9 horas.

Para mim, a violência doméstica sempre foi uma questão observada, nunca vivenciada. Isso é o que sempre imaginei, mas agora eu tenho dúvida, após assistir à série americana Maid.

A série conta a história de Alex, uma mulher, filha, mãe e envolve uma criança que antes de completar três anos de idade é obrigada a sair de casa no colo da mãe, no meio da noite, após uma seção de violência psicológica praticada pelo seu pai, em busca de apoio nos abrigos para vítimas de violência doméstica do estado. A mãe, que também é filha, se vê desamparada do apoio da própria família, pois passou pela mesma situação quando criança. Cresceu em um ambiente marcado pela violência, pelas drogas, bebidas e abusos, isso tudo em meio a relação complicada com uma mãe, uma artista local, taxada por alguns como louca e bipolar.

Senti vontade de refletir um pouco a partir da produção cinematográfica tão bem conduzida, tratando de uma questão corriqueira no mundo e no nosso país. Na série, a protagonista não chega a ser agredida fisicamente. Já aqui, no Brasil, cansamos de casos extremos de feminicídio.

O Brasil é o quinto país do mundo com a maior taxa de feminicídio. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a média é de 4,8 assassinatos para cada 100 mil mulheres. Apenas no primeiro semestre de 2020 foram registrados 648 feminicídios no país, 1,9% a mais do que no mesmo período em 2019. 

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Governar é possível

O Estado de S. Paulo

Não é preciso um Congresso excepcional para o regime democrático funcionar

Não é preciso ter um Congresso excepcional para que o regime democrático funcione. A separação de Poderes dispensa utópicas perfeições, pois há limites e controles

Na tentativa de justificar a falta de resultados, o governo Bolsonaro difunde a ideia de que as instituições – em especial, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso – impedem o presidente da República de governar. Com os obstáculos e resistências que enfrenta, o chefe do Executivo federal estaria impossibilitado de realizar seu programa de governo.

Para começar, a desculpa não se aplica a Jair Bolsonaro, nem mesmo em tese. Ele nunca apresentou um programa factível de governo, tampouco se envolveu com as pautas que supostamente seu governo apoia, como as privatizações e a reforma da administração pública. De toda forma, muito além do bolsonarismo, há quem pense que, para o presidente da República de fato governar, seria preciso ter outra Constituição, outro Supremo e, muito especialmente, outro Congresso.

O argumento é um tanto perigoso para o regime democrático, uma vez que exclui a responsabilidade do governante em relação ao seu governo e, para piorar, atribui a ineficácia do Executivo à separação de Poderes. Sob essa lógica, tivesse o presidente da República mais poderes e recaíssem sobre ele menos controles, as coisas seriam diferentes. Ou seja, a argumentação encaminha-se, velada ou explicitamente, para o autoritarismo.

A ideia é, no entanto, uma falácia. Quando quer, o presidente da República é capaz de governar, implementando seu programa de governo e suas propostas. Logicamente, não será capaz de realizar tudo aquilo que se propôs. Mas conseguirá promover, a despeito de todas as dificuldades e oposições, muitos projetos e muitas mudanças.

Poesia | Carlos Pena Filho - Soneto oco

Neste papel levanta-se um soneto,
de lembranças antigas sustentado,
pássaro de museu, bicho empalhado,
madeira apodrecida de coreto.

De tempo e tempo e tempo alimentado,
sendo em fraco metal, agora é preto.
E talvez seja apenas um soneto
de si mesmo nascido e organizado.

Mas ninguém o verá? Ninguém. Nem eu,
pois não sei como foi arquitetado
e nem me lembro quando apareceu.

Lembranças são lembranças, mesmo pobres,
olha pois este jogo de exilado
e vê se entre as lembranças te descobres.