segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Celso Rocha de Barros - Bolsonaro acabou com o Bolsa Família

Folha de S. Paulo

Presidente precisa mentir para a classe média bolsonarista que seu programa é diferente porque desencoraja vagabundagem de pobre

O programa Bolsa Escola, matriz do Bolsa Família, foi uma proposta do economista José Márcio Camargo, apresentada pela primeira vez em uma reunião do "governo paralelo" do PT em 1991. Camargo havia se aproximado do PT por meio de Eduardo Suplicy, cuja proposta de renda mínima tinha semelhanças óbvias com a do economista. O debate entre os dois sobre que setor deveria ser beneficiado primeiro com transferências de renda —crianças em idade escolar (Camargo) ou idosos pobres (Suplicy)— foi publicado nesta Folha em 26 de dezembro de 1991.

O Bolsa Escola foi incluído no programa de governo de Lula de 1994 (p. 173). O programa foi implementado no governo do então petista Cristovam Buarque em Brasília em 1995 e trazido para a esfera federal pelo tucano Fernando Henrique Cardoso em 1998. FHC não mudou o nome do programa, pois tinha vergonha na cara.

Ana Cristina Rosa - Amanhã é dia dos mortos

Folha de S. Paulo

Uma geração de órfãos crescerá sob o estigma do luto

"Amanhã que é dia dos mortos/ Vai ao cemitério/ Vai/ E procura entre as sepulturas/ A sepultura de meu pai/ Leva três rosas bem bonitas/ Ajoelha e reza uma oração/ Não pelo pai, mas pelo filho:/ O filho tem mais precisão/ O que resta de mim na vida/ É a amargura do que sofri/ Pois nada quero, nada espero/ Em verdade estou morto ali."

Os versos do "Poema de Finados", de Manuel Bandeira, têm mais de meio século, porém são de uma atualidade que reflete a trágica realidade que se instalou em mais de meio milhão de lares de brasileiros que viram seus afetos, vítimas da Covid-19, morrer nos últimos meses.

Ainda não se tem clareza do impacto social das mais de 607 mil vidas perdidas no país, muitas delas em decorrência da negligência no trato da crise sanitária, segundo os indícios. Mas já se sabe que uma geração de órfãos crescerá sob o estigma do luto.

Adriana Fernandes - Estudo põe em xeque ‘euforia’ com arrecadação

O Estado de S. Paulo

Para a IFI, órgão ligado ao Senado, avanço da receita com impostos não é duradouro, o que pede cautela nos gastos

Não há motivo para acreditar que a arrecadação do governo vai manter a atual dinâmica de forte crescimento, indica estudo elaborado pela Instituição Fiscal Independente (IFI), que alerta para a necessidade de prudência do Congresso com medidas de aumento permanente de despesas e de corte de receitas.

Os economistas da IFI, órgão do Senado Federal com autonomia para analisar as contas públicas, se debruçaram sobre esse tema num momento em que o aumento nominal da arrecadação, puxado principalmente pela disparada da inflação, tem sido alardeado como justificativa para a redução da carga tributária – como ocorreu no debate sobre o projeto de reforma do Imposto de Renda. Para a IFI, porém, essa mesma inflação vai provocar elevação mais forte dos juros, com impacto direto no PIB do País.

O órgão do Senado calculou a resposta de longo prazo da receita pública a uma variação de 1% do PIB, fenômeno que no jargão econômico é chamado de “elasticidade”.

Bruno Carazza* - O lero-lero como política pública

Valor Econômico

Plano de crescimento verde expõe o blá-blá-blá brasileiro

A delegação do governo federal chega a Glasgow para a Conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas (COP26) desprestigiada e sem resultados concretos a entregar, a ponto de Jair Bolsonaro ter decidido brincar de esconde-esconde para evitar o constrangimento e a cobrança internacionais.

Nas últimas semanas até que houve um corre-corre no Congresso Nacional na tentativa de se aprovar alguma medida que pudesse sinalizar a existência de uma agenda positiva na área ambiental no Brasil, mas nem isso foi possível. Com dados alarmantes de avanço no desmatamento, sem a regulação do mercado de créditos de carbono e após o acionamento de termelétricas para se evitar um apagão energético, tudo o que resta à comitiva de representantes do governo federal é esquivar-se com o tradicional blá-blá-blá das promessas vagas e dos discursos vazios.

Sergio Lamucci - O trunfo desperdiçado

Valor Econômico

Em poucos meses, pressões inflacionárias disseminadas e crescentes incertezas fiscais mudaram totalmente o cenário projetado para a Selic

A avaliação de que os ciclos de alta dos juros no Brasil seriam moderados ficou para trás. Em poucos meses, pressões inflacionárias disseminadas e crescentes incertezas fiscais mudaram totalmente o cenário projetado para a Selic. A ideia de que a taxa não voltaria a rondar os dois dígitos foi substituída pela percepção de que os juros terão de ficar mais altos por mais tempo, para domar uma inflação que deve ficar na casa de 9% neste ano, com aumentos fortes dos preços de alimentos, combustíveis, energia elétrica, bens industriais e serviços.

O drible no teto de gastos, marcando o abandono da âncora para as contas públicas, deteriorou uma perspectiva que já era negativa. A manobra do governo para elevar os gastos públicos no ano eleitoral de 2022 elevou o risco país, desvalorizou ainda mais o câmbio e jogou nas alturas as taxas dos contratos futuros de juros. Ainda que possa haver um exagero nos movimentos recentes dos preços dos ativos brasileiros, o quadro que se desenha até o fim do ano que vem é complicado, dificultando a tarefa de quem vencer as próximas eleições presidenciais. A alta mais forte da Selic vai minar o crescimento, afetar a disposição das empresas em investir, encarecer empréstimos e aumentar o custo da dívida pública. O mercado imobiliário e o mercado de capitais, que viviam um bom momento devido aos juros baixos, também serão prejudicados.

Carlos Pereira - A vitrine da 'terceira via'

O Estado de S. Paulo

Mercado eleitoral anti-Lula e anti-Bolsonaro vai fazer a 'seleção natural' dos candidatos alternativos à Presidência

De acordo com a última pesquisa do Genial/Quaest, 55% dos eleitores ainda não escolheram, de forma espontânea, seu candidato à Presidência em 2022; Lula é o escolhido por 22%, enquanto Bolsonaro, por 17%. Todavia, o ex-presidente e o atual são rejeitados, respectivamente, por 43% e 65% dos eleitores. E, quando perguntados quem preferem que vençam as eleições, 30% respondem: “nem Lula, nem Bolsonaro”.

Portanto, há uma fatia expressiva no mercado eleitoral a ser disputada por uma candidatura alternativa aos dois polos rivais e que se retroalimentam.

O problema para muitos é que, sendo os partidos “não polares” incapazes de se coordenar na escolha de uma só candidatura alternativa à de Lula e à de Bolsonaro, receia-se que uma pletora de candidatos de centro termine por reduzir a disputa à polarização entre Lula e Bolsonaro, que só a eles interessaria.  

Mas esse cenário dificilmente acontecerá. Porque, diferentemente de 2018, é pouco provável que as eleições de 2022 tenham muitas candidaturas alternativas a presidente.

Partidos têm trajetórias distintas em presidencialismos multipartidários. Podem seguir a trajetória majoritária, lançando candidatos à Presidência, ou podem seguir uma trajetória legislativa. Enquanto a trajetória majoritária oferece os maiores retornos ao vencedor, gera os piores ao perdedor. Já a trajetória legislativa proporciona retornos intermediários entre os do vencedor e perdedor.

Fernando Gabeira - A parte que nos toca na COP de Glasgow

O Globo

Ao começar a COP-26, em Glasgow, diante de tantas incertezas sobre a capacidade humana de enfrentar as mudanças climáticas, sinto-me às vezes dividido entre a esperança e a tristeza. Afinal, há quase meio século a questão ambiental definiu meu trabalho. A tendência é constatar como as coisas pioraram de um lado e como melhoraram de outro.

Quando o Clube de Roma, no fim da década de 1960, lançou o primeiro manifesto falando da limitação dos recursos naturais e propondo mudanças na forma de consumir e produzir, a quantidade de carbono na atmosfera era relativamente pequena: pouco mais de 300 ppms, medida que exprime o número de partículas por milhão na atmosfera. Hoje esse índice é de 450 ppms.

As mudanças climáticas tornaram-se um grande tema bem depois do alerta genérico do Grupo de Roma. Naquela época, não se falava tanto em clima, mas na perspectiva de escassez de recursos naturais.

No princípio, contamos com reduzir o aquecimento ao nível de 1,5 grau no fim de século; hoje, já se fala no índice de 2,8 graus.

Às vezes tendo a concordar com a rainha da Inglaterra, que, num acesso de franqueza, sugeriu que os líderes mundiais falam muito, mas fazem pouco. Acontece que o caminho é difícil. O Plano Biden dá uma ideia de como será preciso mudar profundamente uma sociedade dependente do combustível fóssil para reduzir as emissões.

Demétrio Magnoli - A Constituição não milita

O Globo

O juiz Alexandre de Moraes, do STF, emitiu ordem de prisão contra Allan dos Santos, um pistoleiro virtual a serviço do marketing de ódio do bolsonarismo. Foi além, mandando bloquear todos os canais do atirador de aluguel nas redes sociais. As justificativas oferecidas pelo magistrado para a censura irrestrita emanam de uma releitura intolerável da Constituição.

As medidas determinadas pelo juiz inscrevem-se no inquérito das fake news, deflagrado em março de 2019. Mais de 30 meses depois, a investigação prossegue inconclusa, produzindo apenas resultados fragmentários. Tudo indica que o STF a utiliza como ferramenta de contenção política de Bolsonaro: uma tentativa de cercear o bombardeio do governo à democracia. Muitos aplaudem a iniciativa, simulando ignorar que a função judicial é aplicar as leis, não usá-las para gerar efeitos no tabuleiro político. No percurso, celebram uma reinterpretação constitucional que atenta contra a liberdade de expressão.

Gilmar Mendes ensaiou afirmar, mais de uma vez, que temos uma “democracia militante” — um contrato político em que é vedada a opinião antidemocrática. Nada mais falso. A Alemanha é uma “democracia militante”, pois sua Constituição foi desenhada sob a inspiração do “nunca mais”, ou seja, como ferramenta para impedir o retorno do nazismo. O trauma singular do passado legitima o veto a partidos extremistas e a certos discursos que, mesmo sem estimular diretamente a violência, reciclam o exterminismo nazista.

Inflação corrói renda de 70% dos trabalhadores

Alta de preços de produtos essenciais, como alimentos, prejudica os mais pobres

Cássia Almeida* / O Globo

RIO - A inflação está deixando o mercado de trabalho cada vez mais desigual: 70% dos trabalhadores ganham hoje menos do que recebiam em 2019, antes da pandemia. E o peso da alta de preços na desigualdade, que tem sido recorde nos últimos tempos, triplicou desde o terceiro trimestre do ano passado.

Essas são as conclusões de um cruzamento de dados inédito feito pelo economista Daniel Duque, da Fundação Getulio Vargas (FGV), ao medir o efeito da inflação na massa de trabalhadores.

— Os mais ricos consomem mais serviços e menos alimentos e acabam tendo uma inflação menor. Infelizmente, a tendência é só piorar com a aceleração da inflação, com grande perda de consumo das camadas mais vulneráveis — prevê o economista.

Ele fez os cálculos com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA, a inflação oficial) de junho, que ainda estava em 8,35%, considerando o acumulado em 12 meses. Hoje, está em 10,25%.

Portanto, os efeitos devem ficar mais intensos com o avanço dos preços. O IBGE mostrou que o rendimento do trabalho teve queda histórica de 10,2% em agosto.

A conta de Duque é baseada no redimento do trabalho domicilar per capita, ou seja, dividido pelo número de pessoas da família. Os 30% que conseguiram chegar a 2021 ganhando mais que há dois anos pertencem ao topo da pirâmide social.

Quanto mais perto da ponta, maior o ganho. Entre os 10% mais ricos, o ganho real chegou a 8%. Já entre os que estão nas camadas médias de renda, na faixa entre os 30% e 40% mais pobres, o recuo chegou a 28%.

Duque lembra que a inflação mais alta no terceiro trimestre deste ano fez a situação ficar ainda mais dramática, sem contar os que ficarão sem qualquer transferência do governo, com o fim do auxílio emergencial. O benefício deixou de ser pago no mês passado. O Auxílio Brasil, o substituto do Bolsa Família, não será distribuído a milhões que estavam recebendo o auxílio emergencial:

— Certamente o poder de compra pós-auxílio teve forte queda, não só pela inflação ser pior para os mais pobres. Houve redução nominal nas transferências (frente ao ano passado, quando o auxílio emergencial era de R$ 600).

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

O medo é o pior dos conselheiros

O Estado de S. Paulo

A reeleição de Bolsonaro ou o retorno de Lula ao poder suscitam temores justificados. Mas uma nova via precisa ser construída sobre a esperança

Lula e Bolsonaro suscitam temores. Nova via deve ser construída sobre a esperança.

Após quatro mandatos de um governo populista à esquerda e um mandato de sua contraparte populista à direita, os altos índices de rejeição aos dois candidatos que lideram as pesquisas para a eleição de 2022 revelam que boa parte da sociedade a vê como uma oportunidade de renovação da política.

A reeleição de Jair Bolsonaro significaria a manutenção de uma crassa incompetência administrativa e da maior ameaça à democracia brasileira desde 1964. O retorno do lulopetismo significaria reeditar uma agenda que negligenciou as condições para o desenvolvimento sustentável, alimentou o corporativismo e o clientelismo, disseminou ainda mais a corrupção endêmica, precipitou o País na maior recessão de sua história e, por último, mas não menos importante, inflamou o sectarismo que alçou Bolsonaro ao poder.

Ante a erosão econômica, social e moral provocada pelo lulopetismo e agravada pela incúria e o autoritarismo de Bolsonaro, o empresariado tem se mobilizado cada vez mais em nome do interesse público, seja em defesa dos alicerces democráticos, como nos manifestos contra as agressões do presidente às instituições republicanas, seja em apoio a políticas públicas inovadoras de inclusão social, meio ambiente ou educação.

“Vejo um crescente envolvimento da sociedade na política. Vejo mais gente querendo se candidatar a cargos públicos”, disse ao Estado o empresário Fabio Barbosa, que foi signatário de um manifesto em apoio ao sistema eleitoral e participa de grupos de executivos empenhados em promover a racionalidade no debate político. “Eu quero que as pessoas votem por acreditar, e não por ter medo.”

Foi o medo de um quinto mandato lulopetista que alavancou o apoio de parte do empresariado a Bolsonaro em 2018. Aqueles que se deixaram enganar pelas promessas fajutas de liberalismo de Paulo Guedes já perceberam que ele só entregou demagogia. Barbosa lembrou os malogros do governo, incapaz de dar o devido arranque ao novo marco do saneamento básico ou encampar privatizações e reformas, como a tributária e a administrativa. Hoje, a política econômica é refém dos interesses patrimonialistas do Centrão e do projeto de poder de Bolsonaro.

Poesia | Ferreira Gullar -Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?