terça-feira, 9 de novembro de 2021

Luiz Werneck Vianna* - Até quando suportaremos?

Até quando vamos tolerar o saque de uma gangue instalada no coração da política brasileira que se apropria do que é ganho pelos brasileiros que mourejam para ter o pão de cada dia? Até quando vamos permanecer passivos diante dos crimes continuados que perpetram mesmo diante de uma sociedade vítima de uma cruel pandemia que ceifou a vida de 600 mil de cidadãos, parte dos quais poderia ter sobrevivido não fossem as ações criminosas da quadrilha que pretendeu tirar proveito da calamidade sanitária que ainda nos aflige em negócios escusos? Até quando será permitida a eles comprometer nosso futuro com a depredação da nossa natureza e dos recursos nossos humanos privando as novas gerações de uma formação que lhes permita o acesso a uma vida ativa e produtiva?

Quem são os nossos algozes e de onde extraem o poder com que nos assolam? Não fomos objeto de uma conquista militar por parte de um país inimigo que nos imponha pela força a vassalagem como a antiga Roma reinava em seu vasto império. Ao contrário, estamos submetidos a naturais da terra com nomes e sobrenomes conhecidos, não poucos de longa data, herdeiros da nossa história comum de contubérnio entre o latifúndio e a escravidão. Essa marca de registro do nosso DNA, tantas vezes diagnosticada e não poucas combatidas pelos que tentam extirpa-la sem êxito, persiste como mácula em nossa formação, resistente ao que foi a obra da Abolição, que deixou ao desamparo a população liberta com sua opção preferencial pela emigração massiva dos pobres europeus, e na forma de república sem povo que se criou aqui com o protagonismo dos militares e dos proprietários de terras paulistas.

Merval Pereira - O tratoraço de Lira

O Globo

O jogo pesado do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, marcou o dia de ontem, com ameaças de cortar o ponto dos deputados faltosos, tentativa de antecipar a sessão de votação sobre a PEC dos Precatórios para a noite, adiantando-se a uma possível decisão da ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber sobre o pedido de parlamentares para suspender o segundo turno por irregularidades que afetam a Constituição.

O boato em Brasília é que a ministra já tomou a decisão de acatar o pedido de oposicionistas e que Lira desistiu de antecipar a votação tanto por falta de votos quanto para tentar contornar o que seria uma decisão definitiva que impediria a votação do segundo turno marcada para hoje de manhã. O presidente da Câmara demonstra, com a manobra abortada de tentar antecipar a votação, a maneira truculenta com que usa a presidência para fazer valer seus interesses pessoais.

Lira abriu mão, por falta de argumentos ou hábito de não dialogar, de se explicar à ministra Rosa Weber, que deu 24 horas para que demonstrasse que não feriu a Constituição com as manobras regimentais usadas na votação do primeiro turno, tais como permitir o voto de deputados em licença, ou porque estão em missão oficial no exterior, ou por estarem doentes. Ora, se estão licenciados, não podem votar, como é tradição no Congresso. Que, aliás, o bom senso recomenda.

Míriam Leitão - Nem a luz do sol desinfeta emendas

O Globo

Foi o dia inteiro de pressão dos políticos sobre o Supremo. E dessa pressão surgiu uma ala do STF pensando na fórmula de manter as emendas do relator, mas com a exigência de aumentar a transparência. Nem a luz do sol desinfeta essas emendas. Elas são um escárnio. A ministra Rosa Weber não vai abrir mão da posição dela, segundo uma fonte que acompanha as conversas. Mas há ministros querendo encontrar algum ponto salomônico. Não existe tal ponto. As emendas de relator nasceram das piores práticas do Congresso que, a custo, vinham sendo abolidas.

Hoje, à zero hora, começou a contar o prazo de votação no STF. Durante 48 horas os ministros vão se pronunciar. Até as 23h59 de quarta-feira. Dois ministros já votaram confirmando o voto de Rosa Weber: Carmém Lúcia e Luís Roberto Barroso, A tese que o presidente da Câmara, Arthur Lira, está defendendo é que a decisão liminar da ministra Rosa Weber é uma interferência no Legislativo, que teria a prerrogativa de distribuir as emendas. Conversa fiada. Essas emendas dão aos parlamentares o poder de executar o Orçamento, função do Executivo. O espaço dado aos parlamentares de atender aos seus redutos já está contemplado nas emendas individuais e nas de bancada. Nessas, há transparência e isonomia. As do relator não têm critério, equidade, e tem havido casos de superfaturamento nos usos dos recursos. Foram feitas para serem opacas e distribuídas conforme o voto do freguês. É compra de voto, não tem outro nome.

Carlos Andreazza - Esculachos

O Globo

Rosa Weber acertou ao suspender a execução da emenda do relator, fachada — para o exercício do orçamento secreto — em que a sociedade Bolsonaro/Lira se pactua.

É cretinice falar, nesse caso, em interferência do Judiciário no Legislativo; e aqui escreve duro crítico dos arreganhos do Supremo legislador. Não desta vez. Desta vez, Weber exerceu o papel de guarda da Constituição, em defesa do arranjo — transparência, publicidade, moralidade e impessoalidade — que dá higidez à coisa pública. Agiu contra a censura — censura ao cidadão — promovida pelo Parlamento; o comando autocrático da Casa do Povo de súbito avaliando que poderia manusear o Orçamento sem que a população pudesse ver.

É para isso que há a Corte constitucional. Para promover o controle de constitucionalidade e afirmar que, na República, estar investido de poder não equivale a uma licença-arbitrariedade; como quando Luís Roberto Barroso obrigou Rodrigo Pacheco a se comportar como presidente do Senado e instaurar a CPI da Covid. Não foi intervenção, mas lembrança, em favor da democracia representativa, de que a Constituição, apesar dos pachecos, estabelece o Legislativo como Poder independente.

Rodrigo Maia* - Por que defendo a decisão da ministra Rosa Weber

O Globo

A decisão da ministra Rosa Weber que determinou a suspensão do “orçamento secreto” e a adoção de medidas de transparência tem gerado controvérsia. Lideranças parlamentares ligadas ao governo falam em crise com o Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão, contudo, limita-se a dar fiel cumprimento a uma regra aprovada pelo próprio Congresso em reformas recentes. Não pode ser interpretada como uma interferência na autonomia do Legislativo.

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014 já consagrava o caráter impositivo das emendas individuais. A emenda nº 86/2015 constitucionalizou o “princípio da execução equitativa”, reafirmado na emenda nº 100/2019. Segundo esse princípio, o governo deve observar critérios objetivos e imparciais na execução do Orçamento, e as emendas apresentadas devem ser tratadas de forma igualitária e impessoal. Portanto o próprio Congresso aprovou (nesta legislatura) norma que proíbe o uso das emendas como ferramenta de gestão de coalizão parlamentar.

Luiz Carlos Azedo - Lira pressiona Fux para liberar emendas secretas

Correio Braziliense

Na véspera da sessão da Corte que apreciará a execução das chamadas “emendas do relator”, o encontro foi considerado constrangedor e inoportuno nos meios jurídicos

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), esteve ontem com o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, para discutir a PEC dos Precatórios. Na véspera da sessão extraordinária do plenário virtual da Corte, que se inicia hoje, e que vai referendar ou não a liminar da ministra Rosa Weber, que suspendeu a execução das chamadas “emendas do relator”, o encontro foi considerado constrangedor e inoportuno nos meios jurídicos.

Lira também marcou para hoje a segunda votação da PEC, que foi aprovada na primeira por 312 votos a 144, com uma estreita margem de quatro votos em relação ao mínimo de 308 exigido por uma emenda constitucional.

Rosa Weber determinou a suspensão do pagamento das “emendas do relator” porque fazem parte de um orçamento secreto, sem transparência nem fiscalização dos órgãos de controle. Em liminar, a ministra determinou que a execução seja paralisada até a conclusão do julgamento pela Corte de uma ação apresentada pelo PSol, pelo PSB e pelo Cidadania, que deve terminar amanhã. Se houver um pedido de vista, o julgamento será suspenso. As chamadas “emendas do relator” são relativas aos Orçamentos de 2020 e 2021 e servem de instrumento de controle do governo sobre sua base e também para cooptação de integrantes dos partidos de oposição, sem que ninguém tenha que assumir publicamente o toma lá dá cá.

Outra ação sobre o mesmo tema no Supremo é de iniciativa do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (sem partido-RJ), que pede a suspensão da tramitação da PEC dos Precatórios, em razão de suposta irregularidade na aprovação em primeiro turno, ao se permitir que deputados pudessem votar a distância. Antes da segunda votação do mérito, a Câmara ainda precisa votar 11 destaques, o que pode levar ao adiamento da segunda votação para amanhã. Tanto Lira como o líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), se empenham para mobilizar a base governista, principalmente os deputados do chamado Centrão. Também tentam neutralizar as pressões dos dirigentes dos partidos de oposição sobre seus deputados infiéis.

Cristina Serra - Aos amigos do rei, as emendas

Folha de S. Paulo

O orçamento secreto é um mecanismo de operação de máfia

Recente decisão liminar da ministra Rosa Weber botou freio temporário no escândalo da compra de votos por meio das emendas de relator, na Câmara dos Deputados. Trata-se de patifaria que também atende pelo nome de orçamento secreto para favorecer os amigos do rei.

Já se vão 30 anos do caso que levou à criação da CPI dos Anões do Orçamento, referência à baixa estatura dos deputados implicados. Um deles, João Alves, ficou famoso por atribuir seu patrimônio à sorte na loteria e à benevolência divina. "Deus me ajudou e eu ganhei muito dinheiro", disse à CPI, com a cara de pau, isso sim, que Deus lhe deu.

Uma linha do tempo une João Alves, anões do Orçamento, orçamento secreto e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O PPR de Alves viria a ser um dos partidos que, várias fusões depois, daria origem ao PP de Lira. As trocas de pele nunca mudaram a essência fisiológica da facção, que teve em suas fileiras o então deputado Bolsonaro e o notório Paulo Maluf.

Alvaro Costa e Silva - O camelô da democracia

Folha de S. Paulo

Candidatos da terceira via têm pouca ou nenhuma exposição

Com a mudança da capital para Brasília, as águias no alto do Palácio do Catete —que desde 1897 tinham convivido com 19 presidentes e ouvido o tiro que matou Getúlio em 1954— dedicaram-se a acompanhar a transformação do bairro.

As pensões de estudantes desapareceram. Numa delas foram vizinhos de quarto dois artistas da palavra que escreveram o melhor português do Brasil no século 20: Graciliano Ramos e Rubem Braga. O comércio nos sobrados, que abrigavam de quitandas a bancos, de casa de móveis a armarinhos, de vidrarias a modistas, decaiu até ser substituído pela feira dos camelôs e ambulantes. Restaram alguns hotéis e botecos escondidos.

A pá de cal foi a construção do metrô, que arrasou o lado ímpar da rua, só desviando para preservar o palácio. Apesar da decadência no entorno, quem passa em frente ao prédio de estilo neoclássico ainda sente um ar carregado de importância, um clima de poder. Foi ali que se instalou em setembro a Barraca da Democracia, que segue um padrão de negócio estabelecido nos dias de clássico no Maracanã, com bandeiras do Botafogo, Flamengo, Fluminense ou Vasco tremulando juntas em saudável rivalidade.

Joel Pinheiro da Fonseca - Seu desejo é sua maldição

Folha de S. Paulo

Massas em busca de certezas se entregam à vontade de um soberano

Dar ao indivíduo aquilo que ele quer em todas as situações não é a receita para sua felicidade. É sua destruição. E, no entanto, a sociedade moderna se torna cada vez melhor justamente em entregar a cada um de nós, a cada segundo, aquela experiência que melhor satisfaz nosso desejo.

Nossos estômagos ilustram bem isso. A história da humanidade é, entre outras coisas, a história da luta contra a fome.

Diversas ricas culturas alimentares foram desenvolvidas pela transformação dos ingredientes disponíveis pela criatividade humana. Mas seu preparo exige tempo e sua fruição exige uma educação do paladar.

Andrea Jubé - Descalabro institucional

Valor Econômico

STF deve confirmar parcialmente liminar de Weber

O novo capítulo da crise institucional nos obriga a retroceder algumas casas no tabuleiro político: na última vez que insultou publicamente um ministro do Supremo Tribunal Federal, e avisou que não cumpriria uma decisão judicial, a ameaça do presidente Jair Bolsonaro perdurou o tempo de uma nuvem que o vento levou.

“Sai Alexandre de Moraes, deixa de ser canalha, deixa de oprimir o povo brasileiro”, bradou Bolsonaro no dia 7 de setembro. “Eu autorizo, eu autorizo”, reagiu a turba de verde-e-amarelo. “Qualquer decisão do seu Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá, a paciência do nosso povo já se esgotou”.

Menos de 48 horas depois, Bolsonaro alinhava os termos de uma declaração oficial de recuo com o ex-presidente Michel Temer, chamado às pressas à Brasília para apagar as labaredas que avançavam sobre a República.

O que Bolsonaro e Moraes conversaram no telefonema mediado por Temer jamais será de pleno domínio público. É fato, porém, que nos últimos dois meses, a paz reinava nos gabinetes projetados por Niemeyer.

Luiz Schymura* - Os riscos da PEC dos Precatórios

Valor Econômico

Infelizmente, ao analisar em mais detalhes o desígnio da folga fiscal, o que se vê não é nada animador

As alterações na regra do teto de gastos vêm sendo muito mal recebidas por grande parte dos formadores de opinião. Para complicar, as mudanças ocorrem em meio a um cenário internacional desfavorável, repleto de incertezas, marcado pela escassez de energia em diversos países e inúmeros gargalos em cadeias produtivas globais. Diante desse quadro, o que dizer da política fiscal atual?

Hoje, a PEC dos Precatórios simboliza a rota da política fiscal do país. Por isso, é fundamental entender as nuances por detrás da proposta do texto constitucional. A intenção é abrir uma “licença para gastar” em 2022. Em busca disso, a PEC institui duas medidas bastante controversas. Primeiramente, o estabelecimento de um limite para o pagamento de precatórios a serem quitados em 2022. Nesse caso, a folga surge da postergação de parte do desembolso. Em segundo lugar, a modificação no método de correção do valor do teto de gastos, o qual, devido à nova fórmula de cálculo, ficará mais elevado. No fim das contas, computando tudo, a PEC gerará um espaço fiscal adicional da ordem de R$ 90 bilhões no Orçamento de 2022.

Nesse contexto, resta saber o que representa a aprovação da PEC dos Precatórios, não apenas nas contas públicas, mas também no arranjo institucional do país.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - O mito do pote de dinheiro

Valor Econômico

Visão do pote vincula-nos à ideia de que devemos estar sempre procurando “equilibrar o orçamento”

Tempos atrás, arrisquei alguns rabiscos sobre James Buchanan, Prêmio Nobel de Economia em 1986, um dos corifeus da teoria da Escolha Racional. Na visão de Buchanan, o impacto das duas Guerras teria debilitado os laços intergeracionais e tornado o presente infinitamente mais valioso que o futuro, o consumo mais valorizado do que a frugalidade, a abstinência e a previdência.

Em 2013, essa tese recebeu uma contribuição de Niall Ferguson. No curso do debate com Paul Krugman a respeito das políticas de austeridade, o historiador de Harvard atribuiu ao homossexualismo de Keynes a valorização do presente e a depreciação do futuro. Para isso, valeu-se da frase de Maynard: “No longo prazo estaremos todos mortos”. Na opinião de Ferguson, Keynes descurava do futuro porque não precisava se preocupar com o destino dos filhos, netos e bisnetos.

Em seu livro “Tempo Comprado - A Crise Adiada do Capitalismo Democrático”, Wolfgang Streek expõe as dificuldades impostas aos governos democraticamente eleitos, hoje submetidos aos ditames da austeridade. Esse aprisionamento enseja a divulgação das banalidades negativas sobre as finanças públicas: o governo cobrador de impostos, competidor com o setor privado nos mercados de dívida, causador da inflação na medida em que financia o seu déficit com emissão monetária.

Eliane Cantanhêde - Às dúzias

O Estado de S. Paulo

Rebelião na Economia chega ao MEC, a cientistas, professores, ambientalistas... E vai continuar

A debandada não é só no Ministério da Economia, é também no da Educação e o presidente Jair Bolsonaro coleciona manifestos e desafetos, não mais um daqui, outro dali, mas às dúzias e das mais variadas áreas.

Já se perdeu a conta das baixas na Economia, que atingem altos escalões, como as secretarias do Tesouro, Receita Federal, Administração e Privatizações. Cai um atrás do outro, por desencanto e impotência, e ninguém de fora se anima a assumir, por precaução e juízo. Assim, o jeito é embaralhar as peças no mesmo tabuleiro: o próprio governo.

O MEC vai no mesmo caminho. Até a conclusão desta edição, já tinham se demitido 33 servidores do Inep, responsável pelo Enem, a 13 dias das provas, com 3 milhões de inscritos. Alegaram “fragilidade técnica e administrativa” – ou seja, bagunça – da atual gestão. O diretor, Danilo Dupas, é o quarto no governo Bolsonaro.

Se a crise vem de dentro, vem também de fora do governo, onde doutores da academia e das áreas científica e ambiental, para ficar só nas crises mais agudas, fazem fila para dizer um “basta” ao negacionismo, à ignorância, à falta de prioridades, às perseguições.

Felipe Salto* - Orçamento não pode ter dono

O Estado de S. Paulo

As emendas de relator deveriam se restringir à correção de erros e omissões, com amparo na Constituição

Adam Smith, na Teoria dos sentimentos morais (1759), escreveu que “a regra geral se forma por se descobrir, a partir da experiência, que se aprovam ou desaprovam todas as ações de determinada espécie, ou circunstanciadas de certa maneira”. Isto é, a prática e os valores precedem as leis. As emendas de relatorgeral do Orçamento desvirtuam uma regra geral fundamental: o respeito ao dinheiro público. É o patrimonialismo redivivo.

O Poder Executivo envia ao Congresso a proposta orçamentária. As únicas hipóteses para emendas parlamentares são: a anulação de despesas e a correção de erros e omissões. Está no parágrafo 3.º do artigo 166 da Constituição: “As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso: (...) II – indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa (...); ou III – sejam relacionadas: a) com a correção de erros ou omissões; ou b) com os dispositivos do texto do projeto de lei.”

Ana Carla Abrão – (Des) arranjo institucional

O Estado de S. Paulo

As emendas de relator são uma excrescência que faz emergir o que há de pior nos nossos políticos

Este ano nos superamos. Dentre os tantos carimbos que marcam os trilhões do nosso Orçamento, são os das emendas parlamentares que hoje merecem os holofotes. Em particular, o RP9, das emendas de relator, que escalaram em valor e em importância. Fiel representação de tudo o que uma boa gestão de recursos públicos abomina, essas emendas teriam chegado a R$ 29 bilhões em 2021 não fosse o excesso de ambição em um Orçamento tão engessado. Ao final, ficaram “apenas” R$ 18,5 bilhões, que vêm se prestando a tudo, menos ao País que lhes financia.

A Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021 fixou a despesa da União para o exercício financeiro deste ano em R$ 4,3 trilhões. Desses tantos trilhões, 38% são direcionados para as chamadas despesas obrigatórias. Só os gastos com pessoal e Previdência consomem, respectivamente, R$ 363,6 bilhões e R$ 698,5 bilhões. Se somarmos outros carimbos que levam recursos a destinos predefinidos, sobra relativamente pouco para atender a demandas ilimitadas. Todo ano é a mesma coisa, o processo orçamentário expõe o loteamento de fatias cada vez maiores de recursos públicos para atender cada vez menos brasileiros. Numa queda de braços, o Orçamento mostra seu crescente engessamento e, ao mesmo tempo que diz garantir a provisão de recursos para determinadas áreas – como saúde e educação –, deixa ações relevantes num longínquo e desatendido segundo plano. Agrada-se a alguns, desagrada-se a ninguém, e o País paga a conta pelas péssimas escolhas que os gestores públicos vêm fazendo por nós.

Vagner Gomes de Souza* - Os Anos da Pandemia e outros Contos sobre o Homem Cordial

Para o John Lennon que trabalha, estuda e mora na Baixada Fluminense.

As primeiras produções ficcionais brasileiras dos anos da pandemia da COVID 19 começam a aparecer no mercado editorial muito impactado pela queda da renda do brasileiro sob a pressão de uma alta inflacionária. Os títulos são lançados aos poucos em “conta gotas” e esperemos que seja uma oportunidade para a reflexão ao nível das novidades na música. Por falar em música, foi a compositor e cantor Chico Buarque que se aventurou ao universo dos contos no lançamento de Anos de Chumbo e outros contos (Editora Companhia das Letras).

Esse é a segunda obra literária do autor da “A Banda” (1966) no atual governo. Em 2019, o romance Essa Gente foi uma busca pela interpretação dos descaminhos das camadas médias urbanas diante da política com seu ressentimento(1). Nessa coletânea de contos, como se fosse um laboratório do cotidiano, o leitor é convidado mais uma vez a ler ou reler Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda para reinserir o universo weberiano na interpretação de seus oito textos escritos com uma leveza como se fosse uma pura composição musical.

Aylê-Salassié F. Quintão* - Moro e Dallagnol alternativas para a tal de 3a via

Quando os cínicos se juntam: “A Lava Jato era um partido político!.”. Assusta, sim, as possíveis candidaturas às eleições de 2022 do ex-juiz Sérgio Moro, do ex-procurador Deltan Dallagnol ou do ex-chefe da Procuradoria Geral da República, Rodrigo Janot. Pode ser a oportunidade de um julgamento popular dos denunciados e presos por corrupção pela Operação Lava Jato, a maioria inocentada pelo Supremo Tribunal Federal. 

Não se tomou conhecimento dos R$ 12 bilhões recuperados em contas no exterior e de montante igual perdido em financiamentospara países reconhecidamente inadimplentes como Cuba, Venezuela, Bolívia, Nicarágua e alguns africanos. O Brasil foi feito de bobo por Chávez e Fidel.  Por aqui tudo se assentou no silêncio dos inocentes. 

A Lava Jato nas urnas. Por extensão, serviria para testar também a aprovação popular do   aparelhamento das instituições que configuram o Estado Brasileiro e paralisa o processo de desenvolvimento.  Poderia levar à uma   revisão remodelação do Estado, tirando do tapetão esses fantasmas    que insistem em   prometer tudo, nunca  a moralidade pública - “É fascista!” - acusam, com a maior e cínica autoridade, os  personagens já do Halloween . Por aqui, a vergonha perdeu o sentido. 

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Difícil 2022

Folha de S. Paulo

Previsões para o próximo ano se deterioram; presidenciáveis devem zelar herança

Resta pouco a fazer a fim de reverter a recente degradação das projeções de crescimento econômico em 2022. Não parece realista, inclusive, esperar providências.

As taxas de juros devem continuar em alta. Assim, o investimento para expansão da capacidade produtiva deve ser inibido, em particular na construção civil. Dinheiro caro e incertezas sobre o futuro devem prejudicar também a indústria de transformação, o comércio e os serviços, que mal se recuperam dos impactos da pandemia.

O consumo das famílias deve crescer de modo discreto, dada a lenta recuperação do emprego e da renda média real —esta ora em baixa. A precaução deve conter impulsos de compra.

Os juros estão em alta devido à carestia persistente e a dúvidas quanto à evolução da dívida pública, agravadas pelo desgoverno de Jair Bolsonaro. Ainda que a inflação tenda a diminuir, os preços continuam pressionados por choques externos, falta de água e eletricidade e desvalorização cambial, que encarece os importados.

A escassez de energia, insumos e matérias-primas no mercado mundial deve continuar até meados do próximo ano. Na melhor das hipóteses, a crise hídrica e seus efeitos sobre a conta de luz devem durar ao menos até abril de 2022.

Poesia | Vinicius de Moraes - Soneto de Contrição

Eu te amo, Maria, eu te amo tanto
Que o meu peito me dói como em doença
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.

Como a criança que vagueia o canto
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.

Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma…

E é uma calma tão feita de humildade
Que tão mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.