quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Maria Hermínia Tavares* - Demolidora Planalto

Folha de S. Paulo

Dois exemplos do perverso empenho do presidente em desmanchar tudo o que estava em ordem

O governo Bolsonaro mais parece uma empresa de demolição, que ou detona de um só golpe políticas estabelecidas, ou provoca a sua lenta erosão. O resultado é a degradação da gestão pública, dos conhecimentos e instrumentos nela acumulados em décadas.

Eis dois exemplos recentes do perverso empenho do presidente e de seu pessoal em desmanchar tudo o que estava em ordem quando puseram os pés em Brasília.

O programa Bolsa Família —elogiado no exterior— foi abatido pela medida provisória que criou o Auxílio Brasil, mal concebido, carente de foco, bem assim da clareza quanto à duração e às formas de articular um desconjuntado rol de nove benefícios acoplados ao arrimo básico das famílias. Tampouco se sabe ao certo como será financiado de forma duradoura. Em suma, extinguiu-se um programa com começo, meios e fins para pôr no lugar uma geringonça gestada por autoridades que desdenham o que nem sequer conhecem: a rica bagagem do país em matéria de iniciativas de combate à pobreza.

Ruy Castro - O tumor Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Os órgãos de controle legal são o sistema imunológico do Estado. É este que ele precisa destruir

"Tenho 10% de mim dentro do STF", disse Jair Bolsonaro, referindo-se sem nenhum pejo a Kassio Nunes Marques, seu indicado ao Supremo Tribunal Federal, em 2020, na vaga de Celso de Mello, aposentado por idade. O abismo entre Celso de Mello e seu substituto já sugeria o quanto pioramos como país, mas a prática é ainda mais deprimente. Kassio Nunes Marques escuta uma frase dessas, que o humilha diante da nação e de seus supostos pares, e não se ofende. Apenas murcha as orelhas.

"Não é que eu mande no voto do Kassio", continuou Bolsonaro. Mas quem disse que ele manda no voto do Kassio? E precisa? Kassio Nunes Marques foi escalado justamente por sua natural presciência do que convém a Bolsonaro em qualquer votação. Ao afirmar que tem 10% de si no STF —seu preposto é um dos dez titulares atualmente no cargo—, Bolsonaro está dizendo que, por baixo daquela toga, não importa a miragem que ela projete, encontra-se ele próprio, Bolsonaro.

Vinicius Torres Freire - Inflação sem data para terminar

Folha de S. Paulo

Carestia também eleva Orçamento de 2022 e pode dar mais dinheiro para o centrão

A inflação deve ficar perto do ritmo de 10% ao ano até abril de 2022, a julgar pelas atualizações das estimativas. Nesta quarta-feira, soube-se que o IPCA chegou a 10,67% ao ano. É o segundo pior surto inflacionário deste século, menor apenas que o de 2002-03. É também a segunda pior carestia da comida.

Esta inflação ainda vai causar mais fome. Com desemprego tão alto, muito salário do setor privado formal será comido, pois não haverá reajustes. Haverá outros efeitos.

A inflação vai arrochar o salário dos servidores públicos, ora congelado ou quase isso. O gasto com funcionalismo federal civil na ativa está caindo ao ritmo de 5% ao ano; com os militares, está estável. Bidu.

Essa baita inflação pode dar mais dinheiro para emendas parlamentares, pois Jair BolsonaroPaulo Guedes e seus regentes do centrão estão mexendo na regra de reajuste ("correção monetária") do teto de gastos. Com inflação ainda maior do que a prevista, "sobra" mais dinheiro para emendas no Orçamento (até agora, estava na prática faltando, mesmo com o calote os precatórios e gambiarra do teto).

Bruno Boghossian – Moro, pela direita

Folha de S. Paulo

Na largada, ex-juiz tenta seduzir conservadores, militares e viúvos de Paulo Guedes

Sergio Moro fez questão de assumir o rótulo da direita na corrida pelo Palácio do Planalto. Depois de servir ao governo Jair Bolsonaro, o ex-juiz mostrou que vai trabalhar para roubar do presidente essa fatia do eleitorado.

Em seu primeiro pronunciamento depois de se filiar a um partido, nesta quarta-feira (10), Moro tentou exibir uma plataforma mais ampla do que os lemas anticorrupção que ele explorou para ganhar projeção política.

O ex-juiz fez um discurso de quase 50 minutos em que citou valores cristãos, a proteção da família, o livre mercado, reformas econômicas e um aceno às Forças Armadas.

Moro apresentou um projeto que deixa poucas dúvidas sobre os rumos de sua campanha. Se entrar na corrida presidencial, ele tentará seduzir o eleitor que votou em Bolsonaro em 2018. A ideia é convencer esse grupo de que ele tem compromisso com princípios semelhantes aos do atual governo, mas com mais chances de derrotar Lula num segundo turno.

Thiago Amparo - BolsoMoro, uma radiografia

Folha de S. Paulo

Estamos diante de um presidenciável que une conservadorismo, sebastianismo, neoliberalismo num terno alinhado

O que não se pode dizer de Sergio Moro, o político, é que não possui um projeto de país, porque o possui.

Moro é perigoso por ser um Bolsonaro que sabe usar garfo e faca: veste roupagem palatável a uma elite autoritária, mas envergonhada. Ao andar de cima, incorpora retórica privatista que soa como violino num Titanic afundando. Ao andar de baixo, apela para um sentimento anti-estado, mas punitivista que encanta uma classe média que se vê como pobre e uma classe pobre que se vê como empreendedora.

Moro, o candidato, põe uma focinheira no bolsonarismo, mas esquece a coleira: mantém vivo o radicalismo messiânico do qual é parte, mas coopta para si a fala mansa. Moro não ganhará a eleição, mas sabiamente se entranha no espaço ideológico que a direita democrática tucana deixou vago ao se deixar seduzir pelo bolsonarismo.

A diferença entre Sergio Moro e Jair Bolsonaro não é de espécie, mas de tom. Discurso de Moro é uma radiografia perfeita do lavajatismo. Personalista porque messiânico onde o líder se vê com poderes bíblicos ("eu lutaria sozinho pelo Brasil e pela Justiça. Seria Davi contra Golias").

José Augusto Guilhon - A terceira via está viva nos corações e mentes

O Estado de S. Paulo

Hoje, é difícil de avaliar a probabilidade de um partido isolado, ou de uma fusão ou confederação de partidos, chegar ao segundo turno

O sentido de terceira via corrente é o de um candidato oposto à escolha entre opções mutuamente excludentes. Ou seja: nossos eleitores podem votar livremente, desde que em Lula ou Bolsonaro. Trata-se de um equívoco, pois terceira via não quer dizer candidato único, e sim um movimento social que está hoje nos olhos, ouvidos e bocas de nosso dia a dia.

Movimento social, que pode atrair muitos e ser repelido por outros, a terceira via já está viva entre nós, é ativa e mora nos corações e mentes das camadas mais influentes do País. Seria viável extrair deste movimento cívico candidaturas eleitoralmente competitivas? A resposta é sim.

A campanha eleitoral de 2018 revelou-se uma disputa entre minorias extremas, num cenário de maioria fragmentada. Isso disseminou a convicção de que não haveria alternativa a uma escolha limitada a Lula ou Bolsonaro.

Esta percepção fatalista foi efeito de uma política, em parte deliberada, de apresentar os dois candidatos que dela se beneficiaram como os únicos capazes de chegar ao segundo turno. Pude observar nos últimos meses de 2017 que os dois maiores jornais do País apresentavam, com frequência desusada, pequenas notas na primeira página, sempre alertando para os perigos que Bolsonaro representava, mas sempre tendo-o como referência e apontando-o como a encarnação do inimigo a derrotar. Lula, por sua vez – ou seu avatar Haddad –, era apontado como o único capaz de vencer nas urnas o inimigo mortal.

José Serra* - Uma nova âncora fiscal

O Estado de S. Paulo

O teto de gastos deve ser substituído por uma regra fiscal que tenha como objetivo sinalizar a trajetória da dívida pública

Quem vencer as eleições presidenciais de 2022 no Brasil terá de enfrentar o grande desafio de promover a recuperação econômica do País num contexto de responsabilidade fiscal. Como é óbvio, isso só será viável se o governo federal adotar uma estratégia de ação pragmática e minimamente compatível com a que vem sendo praticada nos países economicamente bem-sucedidos.

Governos no mundo inteiro estão aumentando os gastos públicos para lidar com os efeitos adversos causados pela pandemia num contexto de crise econômica, política e social. No Brasil, ademais, as cicatrizes provocadas pela pandemia da covid-19 serão mais extensas em decorrência do elevado desemprego, do aumento da desigualdade social e da pobreza e dos riscos associados à sustentabilidade da dívida pública.

Adriana Fernandes - A criminalização das emendas

O Estado de S. Paulo

A votação da PEC dos precatórios expôs para a opinião pública esse mostrengo

Com a suspensão pelo Supremo Tribunal Federal das emendas de relator, os caciques do Congresso correm para lançar uma operação de contenção de danos e barrar a sangria aberta pela PEC dos precatórios.

Eles buscam a reversão da decisão com a promessa de garantir transparência às emendas. Mas essa articulação trabalha também para segurar o processo de aceleração da criminalização da velha política. Na véspera das eleições, é prato cheio para uma renovação maior do Congresso.

Essa onda já vem sendo surfada pelos aliados no Congresso do ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, que se filiou ao Podemos e fala como pré-candidato à Presidência em 2022.

A luz amarela acendeu depois que o Senado aprovou nesta semana a criação da Frente Parlamentar de Defesa da Responsabilidade Fiscal, que teve como idealizadores os senadores Oriovisto Guimarães (Podemos) e Alessandro Vieira (Cidadania). Os dois condenam a PEC e o espaço aberto para aumentar os recursos das emendas de relator com o furo do teto de gastos.

William Waack - O consórcio falido de Bolsonaro e Centrão

O Estado de S. Paulo

STF agravou a briga dentro do Centrão pelo acesso ao cofre aberto por Bolsonaro

O orçamento secreto agora não tão secreto vai continuar por outros meios, mas a decisão do STF garantiu a briga no consórcio montado para gastar à vontade em ano de eleição. Os consorciados são parlamentares do Centrão e Jair Bolsonaro.

O processo que levou ao orçamento secreto agora não tão secreto começou lá atrás, ainda durante Dilma, e tinha como objetivo limitar a capacidade do Executivo de manipular votos no Parlamento via distribuição de emendas. Foi “aperfeiçoado” por Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre dentro do mesmo espírito, ou seja, o Legislativo avançando em suas prerrogativas.

Coube ao “gênio” político Jair Bolsonaro consumar a entrega de fatia importante de seus poderes – a alocação de recursos através do Orçamento – aos chefões do Centrão, hoje os verdadeiros donos das principais decisões de governo. Eles já estavam em rota de colisão entre si por conta do único fator que lhes interessa, que é acesso aos cofres e máquina públicas.

Entrevista | Bolsonaro e Centrão operam o ‘presidencialismo de corrupção’, diz cientista político

Para Christian Lynch, pesquisador do IESP-UERJ, Arthur Lira buscará substituto para o orçamento secreto, parte, diz, de um pacto para manter a dominação da Câmara e do Congresso

Wilson Tosta, O Estado de S. Paulo

RIO – O cientista político Christian Lynch, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), avalia que o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), tentará substituir o orçamento secreto, paralisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A liberação sigilosa de emendas orçamentárias, avalia, é parte de um pacto entre o presidente Jair Bolsonaro e o Centrão. Esse acordo, analisa, viabiliza a continuidade da dominação de Lira na Câmara e do Centrão no Congresso e no Executivo pelos próximos anos. Garante ainda condição eleitoral “menos desvantajosa” para Bolsonaro no ano que vem.

“Ele (Lira) continuará tentando. Não desistirá”, afirmou Lynch, por e-mail, pouco antes de o Supremo Tribunal Federal (STF) formar maioria para manter a liminar da ministra Rosa Weber que paralisou a liberação de emendas sem identificação – o mérito ainda será julgado.

O orçamento secreto virou a principal arma para o Executivo construir maiorias na Câmara?

No mundo ideal, o governo tem um partido ou uma coalizão majoritária ideologicamente homogênea, reduzindo seus custos de governabilidade ao mínimo necessário. No Brasil, predomina um quadro de pulverização partidária que conta com agremiações e políticos que alugam apoio a qualquer governo em troca de benefícios que lhes facilitem a reeleição ou o enriquecimento pessoal. O presidencialismo de coalizão que serviu de base aos governos da Nova República desde FHC colapsou com a crise da representação política depois de 2013, que legitimou as pretensões de tutela do Judiciário nos anos seguintes. A eleição de 2018, com a ascensão conservadora, traduziu-se em um desejo enorme por parte do Legislativo e do Executivo de recuperarem a independência perdida. Esse desejo manifestou-se frequentemente pela aspiração de substituir a ascendência do Judiciário pela do Executivo. Felizmente, Bolsonaro e sua equipe são autoritários tão ineptos quanto amadores. Depois de alugar a administração sucessivamente aos olavistas e aos militares, blefando com o golpismo para não cair, enfim Bolsonaro abraçou os velhos companheiros do Centrão, grupo de partidos conservadores, pragmáticos e patrimonialistas. Foram eles que ofereceram a Bolsonaro um modelo de governabilidade baseado no velho presidencialismo de coalizão, ainda mais corrompido, porém, que aquele denunciado como vigente à época dos governos do PT. Trata-se de reeditar o mensalão, que eles conheciam muito bem, com a diferença de se tratar de dinheiro do orçamento. Foi a boia que salvou o governo Bolsonaro do despenhadeiro depois dos excessos do 7 de setembro.

Luiz Carlos Azedo - Sérgio Moro é o candidato da centro-direita frustrada com Bolsonaro

Correio Braziliense

Desde sua saída do governo, Moro vem tendo a sua imagem de juiz competente e íntegro desconstruída por sucessivas decisões do Supremo e pelos adversários da Lava-Jato

A filiação do ex-ministro da Justiça Sergio Moro ao Podemos, partido que se posicionou o tempo todo para recebê-lo como candidato a presidente da República, mira o espectro eleitoral das forças de centro-direita do país, frustradas pelo mau desempenho administrativo de Bolsonaro e as alianças com os partidos do chamado Centrão: PP, PL e Republicanos, principalmente. Seu discurso na cerimônia de filiação, ontem, em Brasília, deixou isso muito claro e tende a galvanizar apoios dos eleitores decepcionados com Bolsonaro e certos setores da sociedade que apoiavam incondicionalmente a Operação Lava-Jato, como os militares. Sua pré-candidatura cria mais problemas para Bolsonaro do que para os partidos de oposição, no primeiro turno; caso chegue ao segundo turno, será outra história.

“Chega de corrupção, chega de mensalão, chega de petrolão, chega de rachadinha. Chega de querer levar vantagem em tudo e enganar a população”, bradou Moro, ao assinar sua ficha de filiação. Mais claro do que isso, impossível. Mirou nos dois principais adversários, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas de opinião olimpicamente, e o presidente Bolsonaro, que parece ser seu adversário principal no primeiro turno. Moro deixou a 13ª Vara Federal de Curitiba, onde era o juiz titular, para ser ministro da Justiça de Bolsonaro. Deu tudo errado.

“Eu olhava que o sistema político iria se corrigir após a Lava-Jato, que a corrupção seria coisa do passado e que o interesse da população seria colocado em primeiro lugar. Isso não aconteceu”, disse Moro, para justificar sua filiação ao Podemos e a pré-candidatura quase explícita: “Embora tenha muita gente boa na política, nós não vemos grandes avanços. Após um ano fora, eu resolvi voltar. Não podia ficar quieto, sem dizer o que penso, sem tentar, mais uma vez, com vocês, ajudar o Brasil. Então, resolvi fazer do jeito que me restava, entrando na política, corrigindo isso de dentro para fora.”

Merval Pereira - Boa largada

O Globo

Desmentindo grande parte dos políticos, e mesmo eleitores, que não viam nele condições de se sair bem numa disputa à Presidência da República, o ex-ministro e ex-juiz Sergio Moro teve uma boa largada no primeiro discurso público como pré-candidato, na assinatura de sua filiação ao Podemos. A manhã já fora de boas notícias para ele, com a pesquisa Quaest/Genial o colocando como terceira opção dos eleitores no momento, à frente numericamente de Ciro Gomes, mas empatado tecnicamente.

Ciro está em sua quarta eleição presidencial e acaba de dar uma demonstração de força dentro do PDT, levando o partido a reverter os votos na PEC dos Precatórios, votando majoritariamente contra. O fato de Luiz Henrique Mandetta ter sido o único dos pré-candidatos da terceira via a ter ido à solenidade demonstra não apenas que eles reconhecem pelo menos o potencial que Moro representa, mas também como será difícil haver uma união entre eles para uma candidatura única contra Lula e Bolsonaro.

A de Moro tem a possibilidade, como demonstrou em seu discurso, de abocanhar pedaço importante do eleitorado de Bolsonaro, como também de impedir que esses eleitores decepcionados com o presidente, especialmente a classe média brasileira, se voltem para o voto nulo ou até mesmo para Lula.

Malu Gaspar - A aposta de Moro é embaralhar o jogo

O Globo

Até parece que o pessoal combinou. Na mesma semana em que Jair Bolsonaro anunciou sua filiação ao PL e Lula passou a cortejar o (ainda) tucano Geraldo Alckmin para ser seu vice em 2022, o ex-juiz Sérgio Moro se filiou ao Podemos e se apresentou para jogo.

Sem dizer que é candidato a presidente, mas dizendo, Moro fez um discurso concentrado no combate à corrupção, mostrando que vai apostar no tema para atacar tanto Lula quanto Bolsonaro. "Chega de corrupção, mensalão, petrolão, rachadinha e orçamento secreto", encaixou o ex-juiz da Lava Jato e ex-ministro de Bolsonaro em um discurso repleto de citações indiretas ao presidente e ao petista.

A reação nos bastidores à esquerda e à direita foi de comemoração discreta. Lulistas e bolsonaristas estão certos de que os eleitores fiéis de seus candidatos não os trocariam pelo ex-juiz em circunstâncias normais de temperatura e pressão. Moro, dizem, não tem força para ganhar nem de Lula e nem de Bolsonaro. Mas os 8% a 10% das preferências de voto que ele tem hoje são capazes de travar o crescimento de qualquer outro candidato de terceira via realmente competitivo.

Nos levantamentos divulgados nos últimos meses, Moro já aparece empatado ou na frente de Ciro Gomes, por exemplo, deixando para trás João Doria, Eduardo Leite ou Luiz Henrique Mandetta. Com esses índices de intenção de voto, o ex-juiz não poderia se dar ao luxo de abrir mão da candidatura, embora seja muito difícil vencer os índices de rejeição entre 50% e 60%, a depender da sondagem.

Míriam Leitão - A inflação é um ingrediente tóxico

O Globo

A inflação surpreendeu para pior. De novo. Agora, os economistas admitem que a taxa vai demorar a cair e a redução será menor do que imaginavam antes. Isso cria o seguinte cenário: o presidente Jair Bolsonaro entrará no ano eleitoral com uma inflação de dois dígitos, o Banco Central subindo os juros, a economia estagnada e o desemprego alto. O mau humor dos brasileiros com os preços nesse nível é conhecido. Na última vez que chegou a dois dígitos, a popularidade da então presidente Dilma Rousseff despencou, alimentando o processo de impeachment.

O índice de preços de outubro foi 1,25%, acima do teto das expectativas, o que levou o acumulado de 12 meses para 10,67%, quase empatando com os 10,71% de janeiro de 2016. Bolsonaro colhe a instabilidade que plantou. Há pressões externas, sim, mas as crises institucionais e a incerteza fiscal criadas pelo governo são alguns dos motivos que levaram a inflação a ficar tão resistente e tão disseminada. A vitória que o governo canta agora, por exemplo, com a aprovação na Câmara da PEC do Calote, trouxe mais insegurança. O governo mobilizou sua base em torno de quê? Não pagar dívida judicial e fazer um truque com o teto de gastos. E agora não poderá mais usar a moeda de troca do orçamento secreto. As crises institucionais são uma constante em seu governo. Tudo isso abala a confiança, afeta o dólar, pressiona os preços. Bolsonaro é inflacionário.

Maria Cristina Fernandes - O nome da vitória é Rosa

Valor Econômico

Ministra que liderou o placar de 8x2 contra as emendas de relator será também a juíza da transição para o próximo governo. E a boa notícia é que se trata de uma juíza à moda antiga

Depois de fazer picadinho do regimento da Câmara dos Deputados e das normas que guiam a votação e execução do Orçamento ao longo de quase dois anos, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), levou seu primeiro cartão amarelo. Rosa Weber, a juíza que liderou a reprimenda, passou cinco meses sendo monitorada de perto. Resistiu à tentativa de proponentes da ação de voltar atrás, mandou seus assessores vasculharem o assunto, e já tinha seu voto pronto havia algumas semanas sem conseguir aval para pauta. Até que surpreendeu a todos não apenas com a liberação do voto como pelo placar de 8x2, vencidos o decano, Gilmar Mendes, e Kassio Nunes.

Rosa Weber dobrou trincas inabaláveis do garantismo como aquela formada pelos ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e o decano. Foi ainda respaldada em seu voto pelo altivo relator do inquérito das notícias falsas, o ministro Alexandre de Moraes. Levou o presidente da Corte, Luiz Fux, a receber uma comitiva de interessados num dia e votar contra esta mesma comitiva no outro dia. E ainda fez com que Gilmar Mendes soltasse seu voto com o placar já perdido. Como os imbróglios desta execução orçamentária estão longe do fim, o ministro manteve as expectativas de quem pretende tê-lo como mediador. Não terá, porém, adesão imediata de velhos aliados no plenário.

Cristiano Romero - “O subdesenvolvimento não se improvisa”

Valor Econômico

Frase de Nelson Rodrigues se aplica à decadência fiscal do Rio

Frasista incorrigível, o jornalista, escritor, dramaturgo e torcedor fanático do Fluminense Nelson Rodrigues disse certa vez que “o subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos”. A inspiração do chiste, evidentemente, é a capacidade permanente do país a que chamamos de Brasil de “construir” o próprio fracasso. Como definiu Roberto Campos, outro célebre autor de ditos espirituosos, “o Brasil não perde a oportunidade de perder oportunidades”.

Quem testemunhou a primeira década deste século deve lembrar-se de que 2010 foi o ápice do último bom momento vivido pela economia brasileira. Era o ano derradeiro do segundo mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que, ao assumir o posto em janeiro de 2003, rasgou a cartilha de seu partido e adotou e aperfeiçoou o arcabouço macroeconômico herdado de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Senado precisa barrar a PEC dos Precatórios

O Globo

É dever do Senado rejeitar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, aprovada em segundo turno na Câmara. O texto, que recebeu o voto de 323 deputados, rompe o teto de gastos (única âncora fiscal que resta ao país), desorganiza as contas públicas, alimenta ainda mais a inflação (que já bate nos 11% em 12 meses), põe freios no crescimento, reduz a retomada do emprego e da renda, prejudicando de forma mais aguda os mais pobres — em tese, pretexto do governo para promover a lambança.

A defesa da implosão do teto se baseia numa premissa mentirosa. Partidários da PEC afirmam, de modo maroto, que ela é necessária para viabilizar o Auxílio Brasil, o substituto do Bolsa Família. Balela. Mesmo abstraindo os erros cometidos na formatação do programa e seu caráter eleitoreiro, não seria tão difícil assim, num Orçamento de R$ 1,5 trilhão, encontrar recursos para bancar os quase R$ 50 bilhões que faltam para pagar os R$ 400 a 17 milhões de beneficiários. O difícil é fazer isso de forma fiscalmente responsável num ambiente político tomado de assalto por interesses paroquiais.

Qualquer efeito positivo do Auxílio Brasil — um programa social confuso, de eficácia questionável e com prazo de validade — será eclipsado pela crise na economia que virá em seguida. Não se trata de ajudar os miseráveis, mas de garantir dinheiro para gastar antes das eleições do ano que vem, mesmo sabendo que os mais pobres serão os mais prejudicados no médio prazo. Com a PEC, o Parlamento opta pelo caminho mais prejudicial ao país. Nas palavras do economista Marcos Lisboa em entrevista ao GLOBO, “um trem da alegria de distribuição de recursos públicos”.

Poesia | Charles Baudelaire - Harmonia da tarde

Chegado é o tempo em que, vibrando o caule virgem,
Cada flor se evapora igual a um incensório;
Sons e perfumes pulsam no ar quase incorpóreo;
Melancólica valsa e lânguida vertigem!

Cada flor se evapora igual a um incensório;
Fremem violinos como fibras que se afligem;
Melancólica valsa e lânguida vertigem!
É triste e belo o céu como um grande oratório.

Fremem violinos como fibras que se afligem,
Almas ternas que odeiam o nada vasto e inglório!
É triste e belo o céu como um grande oratório;
O sol se afoga em ondas que de sangue o tingem.
 
Almas ternas que odeiam o Nada vasto e inglório
Recolhem do passado as ilusões que o fingem!
O sol se afoga agora em ondas que de sangue o tingem...
Fulge a tua lembrança em mim qual ostensório!

(Charles Baudelaire, As flores do mal, 1857, trad. Ivan Junqueira)